domingo, 30 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6497: Controvérsias (80): Resposta ao poste P6461, A língua portuguesa na Guiné está em perigo? (Carlos Silva)

1. O nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71, enviou-nos a seguinte mensagem, em 24 de Maio de 2010, em resposta às preocupações demonstradas no Poste P6461 da autoria do Eduardo Campos:
LÍNGUA PORTUGUESA NA GUINÉ: EM PERIGO?

Amigo e Camarada Eduardo Campos.

Com todo o devido respeito, que é muito, por ti e por opiniões contrárias, permite-me discordar em toda a linha da tua análise.

A língua Portuguesa na Guiné poderá estar em perigo, mas não é com certeza devido a ataques vindos do exterior, embora possa haver algumas investidas e vontade nesse sentido.

Contudo, para mim, a língua portuguesa na Guiné não está em perigo, porquanto, é língua oficial e é ensinada por toda a Guiné, mas nas escolas do interior profundo, nas matas cerradas, por onde tenho passado e por onde outrora os “tugas” não passavam, vi escolas sem conta, claro umas melhores do que outras em termos de construção, pois algumas são autênticas “casas de mato”, mas em todas ensina-se o português e vi com os meus próprios olhos nessas escolas que escrevem muito bem o português e que têm uma caligrafia muito melhor do que a minha.

Mas a questão essencial que se coloca, é genética, na medida em que, a língua oficial é o português, ensinam o português nas escolas, mas no exterior, os guineenses falam a sua língua mãe, da sua própria etnia e a intermediária para se compreenderem utilizam o “crioulo” em vez do português.

Há milhares de alunos do 5º ao 12º ano que escrevem bem o português, mas têm dificuldade em falar e a causa é a que invoco, mesmo os políticos guineenses que deveriam dar o exemplo, exprimem-se nas línguas mães ou em crioulo, quando se dirigem às populações.

Aqui em Portugal, acontece ipsis verbis a mesma coisa. Eles não falam o português e têm dificuldade em exprimirem-se, enquanto tu vês ucranianos e outros indivíduos de outras nacionalidades a falarem português como qualquer um de nós.

Portanto, a língua portuguesa se algum dia estiver em perigo na Guiné, não é por facto imputável só ao Governo Português, deve-se a eles próprios, e não é por causa da língua francesa que a nossa poderá a vir estar em perigo.

Não te esqueças que a Guiné, é um país soberano e a língua não se impõe por decreto.

Terá de haver uma alteração de mentalidades da parte deles guineenses a começar pelos responsáveis que dirigem o País, embora não descurando a língua materna de cada etnia.

Portugal não pode sobrepor-se à vontade deles e não é um Centro Cultural qualquer, que faz mudar o emprego de qualquer língua.

Aqui também se aprende muitas línguas, nas escolas e fora delas e não é por isso que a nossa língua fica em perigo.

Portugal, que é o maior Pais doador da Guiné, quer a nível governamental, quer através da sociedade civil, designadamente associações, tem cooperado com aquele País a todos os níveis incluindo o da educação e o do ensino do português, enviado não só professores, como livros e o mais diverso material.

A título de exemplo, a nossa Associação Ajuda Amiga, ano passado ofereceu mais de 10.000 livros e este ano mais de 20.000 livros e basta veres o nosso Site da Ajuda Amiga, o meu Site, com entrega directa por mim e outros camaradas antes duas semanas da tua estadia, bem como, podes ver muitos outros Sites de ONGs guineenses, como é o caso da AD.

Estou de acordo contigo quando dizes que existe entre nós uma preocupação em ajudar os povos da Guiné e, felizmente, temos muita gente trabalhando intensamente nessa causa, na tentativa de atenuar a miséria que lastra naquele país, isso é um facto, mas trata-se de outra situação.

A sensação que sentiste em Bissau de te parecer que estavas numa rua de uma qualquer cidade de França, já que só ouviste falar a língua daquele país, não significa que os guineenses viraram a falar francês.

Eu também tenho lá estado todos os anos, como sabes, e nunca tive essa sensação, apesar de ouvir falar mais o crioulo e as respectivas línguas nativas, sinto e observo que se fala mais português do que francês, pois os naturais da Guiné-Conakri, senegaleses, mauritanos, que até falam mais árabe do que francês, não ultrapassam em número os guineenses, nem sequer se aproximam.

Foi mera coincidência ouvires uns quantos estrangeiros “excursionistas” a falarem francês, podes crer… ou então estavas encostado ao Centro Cultural Francês próximo da Baiana, mas há também o Centro Cultural Português, Brasileiro etc.

Apesar de a Guiné-Bissau estar entalada entre o Senegal e a Guiné-Conakri, os guineenses não se deixam ir em ondas e deram prova disso na crise político-militar de 1998/99.

Não vejo como a presença francesa seja muito forte em Bissau, nem dei por isso, não sei se até me cruzei com algum francês.

Podes crer que estás enganado na tua análise e que foi apenas “um incidente linguístico” e que um grupo de jovens quiseram brincar com um “Tuga”.

Em que aspecto a França investiu muito mais na área da cultura do que Portugal? Foi com a construção dum Centro Cultural? O Brasil, Espanha e creio que a Suécia também construíram.

Sejamos realistas e não venham para aqui dizer que Portugal não faz nada

Não quero com isto dizer que Portugal, não possa fazer algo mais, com certeza que poderá, mas não te esqueças que estamos a atravessar uma crise Mundial de apertar o cinto, embora os comilões continuem a safar-se.

Respondendo ao comentário do Hélder Valério, tenho a dizer que ao longo das minhas viagens à Guiné quase anuais, tive 3 audiências com o Presidente Nino e que nesta última, na altura do Simpósio de Guileje, ele ter solicitado ou apelado aos participantes ali presentes para junto do nosso Governo solicitar o envio para a Guiné-Bissau de professores de ensino de português, [mas não estava lá o nosso Embaixador e nenhum representante diplomático português, mas sim e apenas o Sr. Embaixador de Cuba, que sempre acompanhou a delegação cubana] Vide n fotos no Blogue e no meu Site.

Quanto a investir no turismo ou noutra área qualquer, de facto seria bom, e é um dos factores que também pode contribuir para o desenvolvimento da língua portuguesa.

Mas onde estão os investidores? Que nem sequer investem em Portugal e deslocam o seu capital para o estrangeiro?

Isto por um lado e por outro, não podemos esquecer do factor de alto risco traduzido na instabilidade político-militar daquele país que tanto gostamos.
O Hélder está disposto a investir na Guiné?

Força amigo, tens todo o meu apoio. Isso de facto é que traduz uma boa ajuda contributiva para o desenvolvimento da Guiné.

Não são uns contentores de ajuda humanitária que temos levado que traduz uma ajuda ao desenvolvimento daquele País. Isso são trocos.

Já agora, que falam tanto em franceses e espanhóis digam-me lá, quantos investidores desses países estão instalados na Guiné e em que áreas, contribuindo para o seu desenvolvimento e a quantos “bicos” dão de comer?
Que eu tenha conhecimento, podemos contá-los pelos dedos e se calhar nem isso.

Haveria muito mais para dizer, mas esta síntese resposta já vai longa.

Com um abraço amigo,
Carlos Silva
Fur Mil CCaç 2548/Bat Caç 2879
____________

Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:
30 de Maio de 2010 >
Guiné 63/74 - P6496: Controvérsias (79): Os nossos instrutores militares não tinham experiência de contra-guerrilha (Manuel Joaquim)

3 comentários:

Anónimo disse...

Oportuno e claro este teu esclarecimento.
Há uma grande diferença entre o apoio e o paternalismo.
E tem nome, o que vai de um ao outro, quer ingénuo ou ideológico.
Abraço
José Brás

Anónimo disse...

Segundo o IPAD - Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento de Portugal, bilateral e multilateral, foi de cerca de 430 milhões de euros (0,27 do Rendimento Nacional Bruto), em 2008, cabendo às ex-colónias o seguinte (em milhões de euros) (só de ajuda pública bilateral, portuguesa, isto é, dos nossos impostos):

Angola - 13,3
Cabo Verde - 43,3
Guiné-Bissau - 12,4
Moçambique - 17,4
S. Tomé e Príncipe - 9,2
Timor - 27,0
...

Da ajuda bilateral portuguesa à GB, cerca de 27% vai para a educação. Depiois há ajuda multilateral de Portugal (através de organismos internacionais, como as Nações Unidadas,a Comissão Europeia, o FMI, etc.).



Luís Graça

_______________


Fontes:

http://www.ipad.mne.gov.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=203&Itemid=223

http://www.ipad.mne.gov.pt/images/stories/APD/DSAPDBILGBissau0508.pdf

Hélder Valério disse...

Caro amigo e camarada Carlos Silva

Agradeço a correcção quanto às presenças no tal encontro com o presidente 'Nino'. Estava a escrever 'ao correr da tecla' e não fui confirmar, embora para o 'miolo' da questão, o então presidente ter apelado para o envio de mais professores, a presença ou não do nosso Embaixador ou seu representante fosse secundária.

Relativamente ao teu aparente repto para investir, lamento, não tenho condições... mas tenho pena!

As minhas referências a espanhóis e franceses foram feitas a partir do conhecimento das coisas relatadas, a acção dos 'Médicos del Mundo' e do que tenho lido no blogue 'Bissau Calling' de Miguel Sousa. Não tinha por objectivo menorizar o esforço efectuado por alguns (bastantes) de nós, quando muito podia servir de alvitre para que se pudessem descobrir outras áreas de acção.

Entrando no objectivo central do teu artigo, não tenho nada a opôr. Concordo com o que dizes no sentido de que uma língua não se impõe por decreto, e que não são os 'Centros Culturais' que, por si só, operam mudanças linguísticas.

Caro amigo Carlos Silva, não tenho problema em 'estar contra' quando é o caso disso mas, nesta questão da ajuda à Guiné, não me tomes por 'inimigo' pois acho que se está a fazer um trabalho necessário.

Um abraço
Hélder S.