sexta-feira, 4 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6529: Cusa di nos terra (16): A propósito do último livro do António Estácio, Nha Carlota... e as suas comidinhas (Luís Graça)

1. Vamos continuar a relembrar e a divulgar os sabores 'di nos terra' (*)... Todos ou quase todos os entrevistados do António Estácio (foto à esquerda), amigos, conhecidos, clientes ou visitas frequentes da casa de Nha Carlota (no Cumeré e depois em Nhacra), recordam a excelente cozinheira que ela foi e evocam alguns dos seus pratos famosos, um mix da cozinha portuguesa, cabo-verdiana e guineense:


“(…) Era habitual, no final dos bailes realizados nas instalações da UDIB, irem de carro de Bissau a Nhacra, até casa de Nha Carlota, para mata-bicho, onde não faltava a bem temperada linguiça, gazela assada, ovos estrelados, etc.” (p.30).

Ferreira Pinto, um antigo magistrado, frequentava com a esposa a casa de Nha Carlta, “exaltou os dotes culinários da anfitriã, pondo à cabeça a saborosa sopa de peixe, seguida das iscas com caril, com que se deliciavam sob a acolhedora sombra duma frondosa árvore” (p. 34).

O ex-Alf Mil Sérgio Sebastião Alves, da CCAÇ 564(**), e que comandou, de Novembro de 1963 a Maio de 1964, o pelotão destacado em Nhacra com a missão de defender um ponto estratégica, a ponte de Ensalmá que ligava a ilha de Bissau à plataforma continental), descreve Nha Carlota como “uma senhora extraordinária, que fazia uma maravilhosa sopa de peixe” (p. 39).

Alda Maria Simões Tomé, com 40 anos de Guiné, aonde chegou em 1936, conheceu bem, primeiro no Cumeré e depois em Nhacra, essa Mulher Grande, agora biografada pelo nosso amigo António Estácio (capa do livro, edição de autor, à direita):

“Era pessoa que recebia muito bem e estava sempre pronta para fazer uns petiscos deliciosos, como cachupa, linguiça picante, cuscus de arroz. Ai, era tudo tão bom” (p. 42).

O nosso camarada e amigo Nuno Rubim também a conheceu em 1964, quando jovem capitão e destaca “o saboroso pitche-patche de ostra” (p. 44) que uma vez comeu lá em casa dela.

José Alberto Câmara Manoel, ex-colega do Liceu de Bissau, mandou ao autor um depoimento escrito sobre o tempo em que, sendo ele miúdo, ia aos domingos a Nhacra, com os pais e os irmãos, almoçar no restaurante de Nha Carlota:

 “Combinada com antecedência a ementa (cabritinho assado, chabéu ou cachupa), começávamos sempre por um balaio, o de ostras e/ou camarão, tudo divinal e cuidadosamente preparado” (p. 49).

Locutora da extinta Emissora Oficial da Guiné Portuguesa, Maria Rosete Pereira da Silva, destaca, da lista de pratos, “o saboroso pitche-patche de ostra, o frango, quer de churrasco, quer à cafreal, assim como os saborosos camarões que ela preparava muito bem” (p. 50).

Outra admiradora da culinária de Nha Carlota, fala da “saborosa galinha à cafreal, com molho de manteiga, cebolada e piripiri”, bem como da “deliciosa caldeirada de cabrito” (p.54).

O caldo de peixe e o pitche-pacthe de ostras voltam a ser recordados mais dois entrevistados, na p. 55. Parecem ser unânimes as opiniões: Nha Carlota “tanto cozinhava uma deliciosa cachupa, um excelente chabéu ou qualquer prato de comida europeia” (p. 57)… E até o café parecia ser diferente:

(…) “Mandava-o vir, em grão, de Cabo Verde, depois trorrava-o e moía-o com particular mestria. Que maravilha de café” (p. 57).

A sobremesa era, em geral, fruta, da sua propriedade:

“Nós comíamos na varanda e os nossos pais almoçavam no alpendre, existente na traseira da residência. A sobremesa era à base de fruta apanhada nas redondezas e era ela mesma a que nos incentivava a ir buscá-la. Ai, era tão animado!” (p. 48).

Ao livrinho do António Estácio (116 pp), fomos ainda 'roubar' esta receita, A  sopa de marisco à Nha Carlota (p. 57)... Para terminar em beleza esta nota de leitura, isto é, para terminar...a salivar:

Ingridientes: Camarão, Arroz, Farinheira ou chouriço, Azeite, Polpa de tomate, Cebola, Limão, Piripiri

Coze-se o camarão, o qual, em seguida, se descasca e são-lhe retiradas as cabeças. Guarda-se essa água e passam-se as cabeças e as cascas retiradas, no ‘passe-vite’. Mói-se bem e com a água a correr, para que a água remova a pasta proveniente das cabeças. Junta-se esta água à da cozedura do camarão e, em função do número das pessoas, acrescenta-se água normal.

Aparte faz-se um refogado com azeite, cebola bem picada e junta-se polpa de tomate. Quando a água da sopa começar a ferver, junta-se ao refogado o chouriço e deita-se arroz, em quantidade para que a sopa não fique aguada. Por fim junta-se piripiri (moído ou não) e o camarão descascado. É servido com limão e, se necessário, adiciona-se piri-piri.
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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2474: Cusa di nos terra (15): Susana, Chão felupe - Parte IX: Os indomáveis guerreiros felupes (Luís Fonseca)

(**) Na verdade trata-se da CART 564 e não CCAÇ como é referido

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