domingo, 30 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6496: Controvérsias (79): Os nossos instrutores militares não tinham experiência de contra-guerrilha (Manuel Joaquim)

1, Comentário de Manuel Joaquim (*) ao Poste P6488:

 Caro Mário

A minha instrução militar (básica) começou em Janeiro de 1964, em Tavira (5 meses) e acabou em Setembro de 1964 em Mafra (especialidade, 2meses),sempre acompanhada do tal Manual que referes.

Os oficiais instrutores eram do QP mas sem qualquer experiência de contra-guerrilha.Quando chego a Leiria e integro uma companhia  de instrução de recrutas,o comandante recém- chegado da Guiné reuniu-se com os aspirantes e cabos milicianos para testar a nossa formação e como foi ela feita.

Não me recordo das palavras exactas mas foi coisa do género:
- Esqueçam essas balelas, têm a sorte de me terem aqui vindo há pouco da Guiné e não acreditem só no que eu digo porque guerras destas só se aguentam se estiverem preparados para as surpresas que terão no dia a dia. Um conselho: estudem bem o inimigo e nunca facilitem; quando partirem para o ultramar olhem para o contingente que integram e pensem que,  de certeza, ou quase de certeza, não regressarão todos. E, se puderem e quiserem, procurem informação sobre guerra de guerrilha. Ajuda-vos a inventar defesas contra as surpresas

E foi o que eu fiz. Fidel Castro, Mao Zedong e outros tiveram "visitas ".  Resultado?  Pelo menos um: saber onde estava, perceber o IN, quais os objectivos dos contendores de um lado e doutro, ser cidadão português na "clandestinidade"  já que, com o poder político de então,  era difícil sentir-me cidadão do país que também era o meu (coisas do coraçao!).

Aquele mundo de guerra, ideologicamente,  não era o meu. Aquele pedaço de terra, sim, "fez-me" seu cidadão e fez-me sentir cidadão do mundo pela primeira vez. Aliás, é esta a "cidadania" que me agrada como ser humano.

Nesta guerra da Guiné não pode haver comparações quando as situações não são comparáveis, como sejam as dos últimos anos de guerra e as dos anos anteriores, a guerra com cobertura aérea ou sem ela, a guerra dos primeiros anos com o IN fracamente armado,quase limitado a granadas de mão, minas e e pistolas metralhadoras e os anos posteriores com fogo directo de armas pesadas,foguetes,mísseis terra-ar,etc. E, por último e não menos importante, o enorme progresso na qualidade de combate do IN "versus" a impotência das NT para o enfrentar por falta de apoio logístico,quer de alimentação,quer de material de guerra e falta de mobilidade,quer terrestre quer aérea,principalmente esta.

Pelo que tenho lido neste blogue uma coisa não faltou: A coragem, a entrega, a determinação, o inacreditável espírito de sacrifício da grande maioria dos militares portugueses, actores forçados duma tragédia(a grande, grande maioria) que os "ventos" malsãos da história portuguesa encenaram.

Um grande abraço

Manuel Joaquim

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Nota de L.G.:

8 comentários:

Luís Graça disse...

Passei pelo RI5 (Caldas da Rainha) (15 de Julho de 1968)e CISMI (Tavira) (29 de Setembro de 1968)...

De quem me lembro foi do Tenente Esteves, que era o comandante da minha companhia (estava a tirar a especialidade de Armas Pesadas de Infantaria), e do parvo de um alferes miliciano, lateiro, que nos dava instrução, no campo da feira (adorava, o sádico, pôr-nos a rebolar em cima da bosta de boi, enquanto ele passava o tempo a "namorar" à janela, uma das meninas ou coironas lá da terra....). Era algarvio, com sotaque, nunca pusera os pés em África... Deve ter apodrecido nos CISMI...

O que é que eu aprendi com um homem, boçal, como este, que me tenha sido útil na Guiné ? Nada...

Do Esteves recordo-me apenas a sua lengalenga patrioteira e já gasta, lembrando-nos, a propósito e a despropósito, que "nós éramos a fina flor da nação"... Nós: emendávamos, entre dentes: "a fina flor do entulho"...

E, claro, não posso esquecer o inefável comandante do CISMI que me proibiu, a mim e mais um camarada, a inauguração de um exposição documental sobre a II Guerra Mundial (que estamos a organizar, na caserna, e estava praticamente pronta...) com o argumento, mesquinho, safado, de que "para guerras já bastava a nossa"...

Mário Pinto e Manuel Joaquim, ora aqui está um tema, divertidíssimo, para a gente filosofar até aos 100 anos...

Admito que houve gente expcionalmente bem preparada para fazer a guerra... Não foi o meu caso.

No meu caso, direi apenas que fui igual aos outros, fiz mais do que os mínimos, mas não mais do que isso... Era especialista em Armas Pesadas de Infantaria, cheguei à Guiné, deram-me um G3... E a classificação de 1ª classe na carreira de tiro, no treino com a Esp Aut G3... Por uma questão de princípio, andava quase com ela em segurança, nas picadas e matas da Guiné...

Anónimo disse...

Caros camaradas,

Há aqui um problema que deve ser clarificado:

Neste conjunto de Post e comentários, estão dois Mários envolvidos.
O meu amigo Mário Pinto e eu Mário Fitas, por favor quando comentarem, clarifiquem a qual deles se referem, pois esta questão começou pela postagem de um comentário do Mário Pinto a um comentário meu Mário Fitas.

Já que estamos com a mão na massa, também vou explicar uma coisa ao Manuel Joaquim:
Fui para o CISMI em Agosto de 1963 e acabei o curso em Dezembro do mesmo ano. O curso de sargentos milicianos, era composto de dois messes de Instrução Básica e mais dois de especialidade.
Não esperava ir parar ao Ultramar, nem tão pouco à Guiné. Pois...só que presisamente em Janeiro de 1964 os cursos passaram a seis meses. Aqui tens como o teu camarada Mário Fitas foi fornicado e ir parar com os costados na Guiné. Fomos os últimos a envergar a célebre farda colonial amarela.
Quanto à instrução e preparação, isso é mais complicado. Passei por Lamego, o Magalhães Ribeiro nosso co-editor que conte como era, de qualquer forma já está escrito em livro, que espero não levar um ano a sua publicação, revisto e aumentado.
Por curiosidade, o comandante do meu pelotão em Tavira foi o então alferes, hoje coronel Cadete, que esteve em Mejo julgo que com o José Brás, já mais tarde em Moçambique o Cadete levou um tiro no ventre. Um dos instrutores de Lamego, o alferes hoje tenente general Rino, que comandou a C.CAÇ. 764 em Cumbijã. O mundo é muito pequeno!
Hoje em dia o meu amigo coronel Manuel Amaro Bernardo dos comandos e escritor, era o comandante da 1ª. Companhia de instrução em Tavira.
A minha companhia deu preparação operacional em Cufar à 1500 do tenente Fonseca à altura.
Falas de Bissorã. Pois o já infelizmente falecido coronel tirocinado Jorge Piçarra Mourão da 1525, eramos companheiros nas peladinhas com bolas de trapos ainda. O Luciano Mourão da 816 que já aqui se tem falado é o presidente da minha Freguesia aqui no Estoril.
Tudo isto é uma cadeia, cujos elos agora vamos tentando manter, através da vivência nesta magnífica Tabanca Grande.
Um grande abraço e hoje para variar do tamanho do Cumbijã.

Mário Fitas

Anónimo disse...

Caro companheiro e amigo também passei os mesmos 5 meses em Tavira no 6º. pelotão da 2ª companhia e continuei o resto do tempo fomos no mesmo barco para a guiné 18AG65 no NIASSA a minha companhia fez uma operação conjunta com a tua em 1OUT65 no bairro nativo BANDIM em BISSAU eu não fiz parte porque fui escoltar um barco a FARIM.
Tens toda a razão quando dizes que
tudo o que nos ensinaram pouco ou nada aprendi muito nos Rangers e só quando entrei no combate a sério é que me apercebi tudo o que aprendi em Tavira de nada me serviu para a guerra do ultramar e em pouco me apercebi que a realidade era outra e a nossa mentalidade teve de mudar para a guerrilha que se nos deparou.
Um forte abraço
Fernando Chapouto
Fur.Milic O.P.CCaç 1426 Guiné 65/67

Carlos Vinhal disse...

Caro Mário
Que eu saiba, os Cursos de Atirador para Oficiais e Sargentos não se mediam em meses, mas em semanas. As Recrutas duravam 11 semanas e as Especialidades outras 11 semanas.

A minha Recruta nas Caldas começou no dia 23 de Abril de 1969 (quarta-feira) e jurei Bandeira no dia 3 de Julho (quinta-feira).

A Especialidade, em Vendas Novas, começou a 7 de Julho (segunda-feira e acabou no dia 20 de Setembro (sábado).

Estive mais seis semanas em Tancos a tirar Minas e Armadilhas.

Um abraço
Carlos

Anónimo disse...

Caros Camaradas

Tenho lido tudo, mas a vontade para conversar tem sido pouca ou mesmo nenhuma.
Talvez melancolia da idade, ou só do tempo incerto que tem feito?

Bem, mas agora deu-me para dizer algo sobre o tema e não sei se vai sair asneira.

Vejamos o meu " brilhante" curso de CPC.
Para não falhar as datas, consulto uma das certidões passadas em 1978, talvez para justificar tempos de serviço para as diuturnidades.
Início do CPC/QC-2.ºT.º/69 em 25AGO69, terminando no CIOE o Estágio Complementar do CPC em 20DEZ69, uma vez que me passaram à licença registada em 21.

Ora começando pelo fim, o tal estágio complementar, no CIOE (Lamego), Escola de Fuzileiros (Alfeite), Tropas Paraquesistas e Força Aérea (Tancos), resumiu-se a uma visita de 1 dia, com excepção de Lamego que por ser mais longe foram talvez 2 dias, para sabermos que existiam aquelas "Tropas Especiais" e assistirmos a um "breefing". Nem sequer nos mostraram um treino real dessas tropas!!! Em Tancos, proporcionaram-nos uma volta de Heli ou DO, para nos familiarizarmos com estes meios que poderiamos ter de usar!!!

De 2.ª a 6.ª tinhamos aulas práticas de preparação militar que já tinhamos esquecido, ginástica aplicada, deambulações pelo campo, e muitas teóricas, com grande enfase para a administração orgânica das Companhias. E recordo, como já disse uma vez, que nos alertavam ESPECIALMENTE para o facto saírem dos nossos bolsos, todas as faltas que no final fossem detectadas na logística da Companhia.
Creio, se não estou em erro, que o instrutor que já tinha uma comissão em Angola era o que nos ministrava essa parte da "administração". De guerra a sério, creio que era tudo "teórico". Vocês falam em contra-guerrilha. Se de guerrilha nos falavam pouco, da contra...então estamos entendidos.

Para verem os dias reais que levaram a substituir os 2 galões com que entrámos por 3, descontem os sábados e domingos mais um ou outro feriado e já vêm como rapidamente se "fabricava" um Cap Mil.

No meu caso ainda tenho a acrescentar o seguinte.
Uns anos antes de ser chamado, já as radiografias à coluna me tinham mostrado umas mazelas (vulgo bicos de papagaio) nas vértebras lombares, responsáveis pelas dores que me atacavam face a certos esforços.
Pouco tempo depois de começar com aquelas aulas de ginástica aplicada e demais deambulações pela Tapada de Mafra "fui-me a baixo das canetas" e após consulta na Ortopedia (Célebre anexo na Rua Artilharia 1, onde contactei pela 1.ª vez com a realidade da Guerra, que não olhava à cor da pele...) e radiografias (a toda a coluna e de vários ângulos) passei a deslocar-me todas as manhãs de Mafra até ao HMP na Estrela para sessões de ultra sons. Foram 25 e depois mais 12. Quer dizer, foram todas estas manhãs, mais as das consultas respectivas, que perdi de aulas. Mas no fim apto para Cap Mil ou "Carne para Canhão".

Para terminar, que já escrevi demasiado. Aliando a minha nula apetência natural para as artes guerreiras, que sempre detestei, com a preparação que recebi no CPC, como queriam que defendesse os "pobres" militares que me fossem confiados? Já nem falo em aniquilar o IN!!!

Não digo mais.

Abraços
Jorge Picado

Manuel Joaquim disse...

Caros amigos:

Dirijo-me aos que se referem a tempos exactos de formação militar dos sargentos e oficiais milicianos. O que eu verifico, agora,é que houve variações. Tenho a certeza é que, em 1964, o 1º ciclo de formação (a chamada "recruta") foi, para mim, de 25/Jan. a 04/Julho (TAVIRA) e o 2º ciclo foi de 05/Julho a 29 de Agosto(MAFRA).Assim dita a caderneta militar.

O que digo sobre a qualidade da instrução não é uma crítica aos instrutores do QP. Era o que havia, eles também vítimas de insuficiente formação.E as chefias militares perceberam-no na altura,tarde. O centro de formação de Lamego foi o 1º exemplo disso.Criaram-se corpos especiais de combate.Melhorou a instrução.Só que andaram sempre a correr "atrás do prejuizo";o nº de militares mobilizados era cada vez maior,em contrapartida o nº de oficiais saídos da AM ia diminuindo e o resultado foi o que se viu. Leiam com atenção o que diz o ex cap.milº Jorge Picado no comentário anterior a este meu.

Um abraço a todos
Manuel Joaquim

Manuel Joaquim disse...

Caro Mário Fitas:

O P6496 é um comentário meu ao que escreveu o Mário Pinto.

Quanto ao resto do teu comentário,para além de conhecer de vista a maior parte dos referidos, quero aqui salientar o alto valor,como homens e militares,dos então capitães Mourão(Cª1525/Bissorã)e Riquito(Cª816/Olossato).Diversas vezes houve acções de combate conjuntas (Cª1419/Cª1525 e/ou Cª816).Ora aqui tens 2 capitães, e haverá muitos mais,que
não enquadro no painel da insuficiência formativa nos primeiros anos de guerra. Penso que eram mais dois do tipo do comandante de compª do RI7 de Leiria,que refiro neste P6496.

Um abraço

Manuel Joaquim
(Fur.mil.CCaç.1419 (Agosto/65 a Maio/67)

Anónimo disse...

Caro companheiro ex combatente o que consta na tua caderneta militar também consta na minha era da 2ª companhia 6º pelotão.
Fomos no mesmo barco Niassa 18AG a minha cop-e a tua fizeram uma operação juntas "A COLMEIA" na Cidade de BISSAU em 1OUT/65 ao bairro negro de BANDIM eu não estava lá pois tinha ido para Farim escoltar um barco.
Quanto a aprendizagem era a normaal
principio da guerra colinial e ninguém estava preparado para uma guerra subersiva e acima de tudo desconhecendo o terreno em que o inimigo era perito.
Todos os oficiais e sargentos estavam habilitados para responder às necessidades do pais antes da guerra e todos tiveram que se adaptar à nova guerrilha e aos poucos tudo se adapetou à situação

Um forte abraço

Fernando Chapouto
Fur.Mil. O.P. CCaç 1426 Guiné 65/67