quarta-feira, 2 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6519: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (4): Os balantas; as diversas individualidades (J. Armando F. Almeida / Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Reordenamento de Nhabijões > 1970 > Luta tradicional balanta, presenciada por mim (à esquerda) e mais  dois militares do destacamento (entre eles, o Humberto Reis, que segura um instrumento tradicional mandinga, o kora). O destacmento era composto por um mix de militares da CCS e da CCAÇ 12 (Julgo que na época já estavam em Bambadinca instalados o Comando e a CCS do BART 2917).

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mero  > s/d (1969 ?) >  Visita a uma das pontas, em Mero... Na foto, dois velhos balantas, um deles cego, que é conduzido por outro completamente nu (apenas com um rudimentar tapa-sexo).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010. Direitos reservados




Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Santa Helena > 1970 >  Passeio, à civil, de diversos niliatres da CCS/BART 2917 (1970/72) e da CCAÇ 12 (1969/71) à tabanca balanta de Santa Helena e visita, obrigatória, à nascente onde as bajudas iam buscar água e/ou tomar banho... Na foto, vêem-se três furriéis milicianos da CCAÇ 12: O José Luís Vieira (Funchal), o Arlindo T. Roda (Setúbal) e o António Branquinho (Évora) (Entre parênteses, indica-se a terra onde vivem neste momento).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010. Direitos reservados


Guíné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > BART 2917 (1970/72) > Brasão  (à esquerda)

Fonte: História do Batalhão de Artilharia nº 2917 - De 15 de Novembro de 1969 a 15 de Março de 1972. (Versão em texto processado por Benjamim Durães)


[Continuação da publicação de excertos do Cap II da História do BART 2917, Bambadinca, 1970/72, pp. 17-21 (Documento classificado como "reservado"), segundo versão policopiada gentilmente cedida ao nosso blogue pelo ex-Fur Mil Trms Inf, José Armando Ferreira de Almeida, CCS/ BART 2917, Bambadinca, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande; comparada  igualmentecom a versão,  em suporte digital,  corrigida e melhorada pelo Benjamim Durães] (*)

Advertência de L.G. :

Todas as Histórias de Unidade, umas mais do que outras, reflectem a visão "etnocêntrica" que os portugueses, civis e militares, tinham dos povos da Guiné. O termo "etnocentrismo" não é fácil de definir: (i)  atitude, existente  dentro de um dado grupo social,  face aos outros que estão fora, e que  se pode  caracterizar em termos de preconceito, condescendência e/ou de desconfiança; (ii) a maneira própria de ver a 'minha' cultura por oposição à cultura do 'outro'...

Tanto nós (os comandos militares) como o próprio PAIGC pecámos por etnocentrismo... Afinal de contas, tanto Amílcar Cabral (**) como a nossa 'inteligentsia' político-militar leu o António Carreira, o Manuel Belchior,  o Fernando Rogado Quintino e outros etnógrafos/etnólogos da Guiné... A única sensibilidade sócio-antropológica que nos incutiram, à chegada áàGuiné, foram meia dúzia de 'clichés' sobre os fulas, os mandingas, os balantas, os felupes, e por aí fora...

É interessante, em todo o caso, ir vendo como evoluiu a atitude das chefias militares em relação àqueles grupos étnicos e sociais que, no início da "guerra subversiva", escolheram o "campo do inimigo"... A aliança dos fulas com as NT sempre foi incensada, até ao consulado de Spínola e à 'psico': a necessidade de concorrer com o PAIGC, não só com as armas de fogo, mas também e sobretudo com as da sedução, levou os comandos militares a passar a 'namorar' os balantas, os beafadas e os mandingas, e a criticar certas facetas do modo de vida e de pensar dos fulas...

É o caso, por exemplo, do Comando do BART 2917 que tem, em Nhabijões, um dos maiores reordenamentos da Guiné: cerca de 350 casas...  Em contrapartida, esta abordagem 'etnográfica' está práticamenet  ausente da História da Unidade anterior, o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), podendo ler-se na pag. 1 do Cap II este delicioso naco de prosa:

"No Sector L1 podemos considerar duas raças (sic) distintas: para Leste da estrada Bambadinca-Xitole onde predomina a raça Fula, e para Oeste da mesma estrada onde predominam as raças Balanta e Beafada.

"A população Fula de um modo geral é nos favorável, sendo de destacar o regulado  de Badora, que tem como Chefe / Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus. Esse  homem é o Tenente Mamadu, já conhecido do meio militar pelos seus  feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população, fortes dúvidas se tem, especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero.

"Com o início do reordenamento da população  em auto-defessa, num futuro próximo o IN se verá com sérias dificuldades, pois deixará de ter apopio e de ter a possibilçidade de roubar para deste modo poder sobreviver" (...)

A transcrição de documentos político-militares, tanto de um lado como do outro, não implica qualquer concordância, aval ou aceitação do seu conteúdo... São documentos de trabalho, para leitura e análise 'desapaixonadas'... Partimos do princípio que o nosso leitor é soberano... E os nossos leitores são, fundamentalmente, os antigos combatentes desta  guerra (colonial, para uns; do ultramar, para outros; de libertação, para outros tantos...).


3. População > e. Aspecto político (...)

3 – O “BALANTA”

-  Nesta apreciação incluímos todos os Balantas,  incluindo os Mansoancas,  por não se conhecerem, no Sector [L1], problemas específicos para cada ramo Balanta.

- Aguerridos, alegres e folgazões, desconfiados mas demasiados ingénuos, depois de quebrada a sua confiança atávica, são o povo mais trabalhador da Guiné e só a ele se deve a transformação da lalas em produtivas bolanhas.

- O Chefe Político é o Chefe de Família e por isso o Chefe de Povoação tem funções limitadíssimas,  não podendo decidir sobre qualquer assunto sem que haja um total consentimento por parte dos Chefes de Família. A figura de Régulo ou Chefe de Tabanca, é de criação Portuguesa e, como é óbvio, não se integra na estrutura deste povo e, por conseguinte,  nada representa para eles.

- A sua economia assenta na exploração do arroz alagado, aparecendo as culturas de milho, mandioca e arroz de sequeiro como complemento mas em muita pequena escala.

- Vive sempre junto da bolanha pois desta necessita,  para as suas necessidades imediatas, o barro para os seus potes, a palha para as suas casas. Povo agrícola, pouco gado cria e este mesmo reserva-o quase só para rituais. Praticando o roubo de gado como modo de aumentar a sua importância social, visto tal roubo ser uma verdadeira instituição social sem o significado desonrado que tem para as outras sociedades, evita-o,  dividindo o seu gado pela guarda dos seus vizinhos e amigos e guardando em contra partida o desses vizinhos.

- A subversão apanhou os Balantas na altura em que o seu dinamismo demográfico se fazia sentir no Sector ao longo das lalas dos Rios Corubal  e Geba,  tendo penetrado neste praticamente até à área de Bissaque-Canchicamo e naquela até Jargavida.

- Ao mesmo tempo que se expandia,  introduzia novos métodos de cultura junto das populações. Entretanto a ingenuidade e imprevidência do Balanta e o seu gosto pelo álcool são aproveitados não só pelos comerciantes pouco escrupulosos, que de um momento para o outro os colocaram na sua dependência mercê de juros elevados, mas também pelos Mandingas e Fulas,  especialmente estes,  que os sujeitaram a uma dependência económica tal que chegaram ao ponto de colherem os próprios frutos do trabalho dos Balantas, dando-lhe somente o terreno para cultivo.

- Encontrando-se enquadrados em sistemas políticos mas vastos, em que os Chefes eram quase todos de etnia Fula ou Mandinga,  eles com o seu conceito de grupo social apenas estendido à família não podiam fazer nada para evitar a sua desorganização social e defenderem-se das prepotências sofridas.

- É neste contexto que se deve compreender a fácil adesão do Balanta à subversão, as promessas de libertação dos povos que os subjugavam económica, política e socialmente,  induziram-nos a ver no PAIGC um meio de serem realizadas as suas aspirações.

- A inclusão sistemática de Balantas nos grupos de guerrilheiros, a obrigação de darem grande parte da sua produção agrícola para alimentação desse mesmos grupos, a necessidade de, em virtude da acção das NT,  se afastar cada vez mais das suas bolanhas, obrigá-los a abandonar a cultura do arroz alagado, a constatação de que os que ficaram nas zonas dominadas pelas NT têm uma vida fácil e progressiva, sendo cada vez menor, embora ainda existindo, a exploração que sobre eles exercem os outros grupos étnicos,  exerceram a sua nostalgia da bolanha e criaram as condições quase ideais para uma viragem da sua atitude perante a subversão.

-  Contudo os que estão junto do IN sabem que aqueles que se apresentaram em Bambadinca e que não possuem bolanhas na área,  são explorados apenas como mão-de-obra pelos donos da terra – alguns mesmo seus irmãos de raça – e continuam a ter a nostalgia das suas próprias bolanhas.

- Tal não sucede ainda aos que se têm apresentado no Enxalé porque aí a bolanha é vasta e encontra-se ainda desocupada, especialmente em locais bastante longe da povoação, mas, se não nos preocuparmos em pôr cultivável toda aquela imensa bolanha, a curto prazo veremos acontecer também ali a exploração do Balanta pelo Balanta e estancar-se-ão as apresentações quase semanais que ali se vêm realizando.

- Julgamos que o único modo de conseguir retirar ao controlo IN um substancial número de Balantas,  será criar condições de segurança das ricas bolanhas que se encontram abandonadas. De entre todas essas está a de Samba Silate em virtude de ser uma bolanha rica e muito grande, encontrar-se completamente deserta, ser a sua população recenseada antes do início do terrorismo superior a 1200 pessoas, saber-se que os seus antigos ocupantes se encontram sobre controlo IN, na área de Incala, e desejarem para ali voltar.

- Dos Balantas existentes no Sector os seguintes núcleos:

ENXALÉ

- Francamente colaborante com as NT.

NHABIJÕES

- Colaboram com as NT mas possuindo muita família no mato têm assíduos contactos com pessoal, especialmente da região de Incala que ali vai vender arroz e,  através de Bambadinca, abastecer-se de artigos de primeira necessidade. Sempre negam tais contactos embora sejam de todos conhecidos. (***)

SANTA HELENA

- Colaboram com as NT mas possuindo muita família no mato, especialmente pessoal do Regulado do Cuor, mantêm frequentes contactos com esses familiares que ali se deslocam, mas negam esses contactos e raramente os denunciam.

MERO

- Colaboram com as NT. Mantêm intensos contactos com pessoal desarmado sob controlo IN que na maioria são seus familiares. Negam sempre tais contactos.


4 – “OUTROS GRUPOS SOCIAIS”


- Conseguindo que seja o apoio dos três grupos étnicos referidos, FULA, MANDINGA e BALANTA e por arrastamento dos que lhe são fiéis, todos os outros grupos sociais existentes no Sector não terão qualquer influência no estabelecimento de uma paz, que todos mais anunciada ou dissimuladamente desejam,  especialmente se se continuar a respirar “a procura de uma justiça social” acabando com os privilégios injustos, mas mantendo, tradicionalmente por todas aceites [.. frase incompleta ou ilegível],  e que hoje no Sector se revela.

5 – INDIVIDUALIDADES


- Tivemos ocasião de nos referirmos a alguns dos indivíduos mentores da opinião no Sector, mas porque outros foram esquecidos aqui se mencionam aqueles de que temos conhecimento:

- Tenente de 2ª Linha MAMADÚ BONCO SANHÁ [ fuzilado depois da independência]

Régulo do Badora;
Vogal do concelho logístico da Província;
Comandante da Companhia de Milícias do CUOR;
Intitulando-se Fula,  é considerado pelos Mandingas e Beafadas como Beafada,  em virtude da ascendência materna;
Pelos seus actos de valentia é condecorado com a Cruz de Guerra;
Régulo justo e especialmente preocupado com a segurança das suas populações;
O seu prestígio transvasa em muito para além dos limites do seu Regulado;
É um excelente colaborador das NT, parece representar o movimento dos “FULAS NATIVOS”.

- Alferes de 2ª Linha ABIBO BALDÉ, FULA PRETO

Régulo do XIME;
Comandante da Companhia de Milícias do XIME;
Embora ainda novo,  é considerado pelos “HOMENS GRANDES” do seu Regulado;
Goza de prestígio junto das suas populações,
preocupando-se francamente com a segurança das mesmas;
Tem-se mostrado digno de toda a confiança
e é um bom colaborador das NT.

- Alferes de 2ª Linha MALAN SONCO

Mandinga;
Régulo do Cuor;
Tem prestígio junto das populações do seu Regulado ;
Tem mostrado sempre uma atitude de repúdio face ao terrorismo;
É bom colaborador das NT embora sua avançada idade não lhe permita já dar a colaboração activa que desejaria.



- ANTÓNIO BONCO BALDÉ

Fula-Forro,
Encarregado há 14 anos do Regulado do Corubal,
Tem prestígio junto das populações,
embora alguns o acusem de interesseiro;
Tem colaborado com as NT.

- Alferes de 2ª Linha QUEMÓ NANQUI

Dirigente absoluto e incontestado de povoação do Enxalé,
Dizendo-se a si próprio Mandinga,
 parece ser um Beafada Mandinguizado;
Quando da preparação do 2º Congresso do povo da Guiné,
a povoação passou a ter também um Chefe Balanta (tal facto tirou-lhe prestígio);
Tem sido um magnífico colaborador das NT,
preocupado com a defesa do sei Enxalé;
Comanda agora o GEMIL 309, recentemente criado.

- BIAIA NADUM

Balanta do Enxalé;
Chefe incontestado dos Balantas da povoação;
Tem sido um excelente colaborador das NT;
Comanda agora o GEMIL 310, recentemente criado.

- FAMÍLIA SURÉ de JABICUNDA


Dirigentes do Centro de Irradiação do Islamismo sita naquela localidade (Confraria Cadiria);
Os seus ensinamentos irradiam para quase todo o Sector L1,  especialmente para os Regulados Cuor, Xime  e Badora.

- Parece aconselhar os seus adeptos a abandonarem o PAIGC e a tomar,  senão uma atitude pró-portuguesa,  pelo menos uma atitude de “neutralismo” perante o conflito.


- CHERNO RACHID de ALDEIA FORMOSA

Chefe religioso da Confraria TIidjania;
A sua influência no Sector parece ser grande no Regulado do Corubal,
bastante limitada no Regulado de Badora,
quase nula no Regulado do Xime,
e nula no Cuor.

________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série: 30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6499: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (3): Quando Mandinga já não quer dizer turra, mas quando ainda não se esquecem os desmandos feitos pelas NT no início da guerra (J Armando F. Almeida / Luís Graça)

(**) Vd. poste de 30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3000: Amílcar Cabral: nada mais prático do que uma boa teoria (Luís Graça)

 (...) A estratificação da sociedade fula também pode ser vista a partir da família, extensa, que é a sua célula: a família de um homem grande é constituída pela morança; um conjunto de moranças formam uma tabanca; um conjunto de tabancas um regulado; e por fim, os regulados fulas estão associados ao chão fula (Leste da Guiné, compreendendo hoje as regiões de Bafatá e de Gabu), uma entidade territorial e simbólica, ligada à conquista.



Aqui a mulher não goza de quaisquer direitos sociais: participa na produção sem quaisquer contrapartidas; por outro lado, a prática da poligamia significa que ela é, em grande parte, propriedade do marido.


Estranha-se, não haver aqui uma referência ao fanado feminino e sobretudo ao profundo significado sócio-antropológico que tinha (e tem) a Mutilação Genital Feminina entre os Fulas (mas também entre os Mandingas e os Biafadas). Será que Cabral tinha consciência das terríveis implicações, para a mulher, desta prática ancestral, e também aceitava tacitamente em nome do relativismo cultural, tal como os antropólogos colonialistas ? Não conheço nenhum texto em que o ideólogo do PAIGC tenha tomada posição sobre este delicado problema. (...) .

(...) Tenho ideia que Cabral se movimentava (e pensava) melhor no campo do que na cidade, já que ele trabalhou como engenheiro agrónomo, na Guiné e depois em Angola, ao longo da década de 1950. Entre 1953 e 1956 fez o recenseamento agrícola da Guiné (…), e julgo que lhe veio daí a sua admiração pelos povos animistas, e em especial os balantas, os magníficos camponeses da Guiné, os grandes cultivadores de arroz. (...)

(...) Falando das gentes do mato, Cabral dá uma lição sobre os balantas, grupo que ele não só conhece, como agricultores, como admira, enquanto povo, que foi historicamente um povo resistente. Chama-lhes uma “sociedade horizontal”, isto, é, “que não classes por cima umas das outras”. Entre eles não há hierarquias. Os chefes foram uma invenção dos tugas, que lhe impuseram régulos fulas ou mandingas, nalguns casos antigos cipaios, leais aos portugueses:
“Cada família, cada morança tem a sua autonomia e, se há algum problema, é o conselhos dos velhos que o resolve, mas não há um Estado, não há nenhuma autoridade que manda em toda gente”. A sociedade balanta seria uma sociedade tendencialmente igualitária, que Cabral descreve nestes termos singelos : “A sociedade balanta é assim: Quanto mais terra tu lavras, mais rico tu és, mas a riqueza não é para guardar, é para gastar, porque um indivíduo não pode ser muito mais que o outro”… Explicitando melhor: “Quem levantar muito a cabeça já não presta, já quer virar branco, etc. Por exemplo, se lavrou muito arroz, é preciso fazer uma grande festa, para gastar" (...).

(***) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça)

(...) Excertos do Diário de um Tuga (L.G.):

Nhabijões, 20 de Dezembro de 1969


Nhabijões: um conjunto de tabancas, ao longo do Rio Geba, habitadas por balantas (uma delas por mandingas), sob duplo controlo (a expressão é das NT) e agora em fase de reordenamento (outro eufemismo: para mim, trata-se de puro etnocídio sociocultural, o que se está aqui a fazer, obrigando os pobres dos balantas e mandingas de Nhabijões a transferir-se da beira rio para uma zona de planalto, sobranceira ao Geba, e a viver em casas desenhadas e construídas por europeus)...

(...) Os balantas foram, segundo o testemunho insuspeito dos meus soldados (fulas), as maiores vítimas da repressão colonial nesta década. Seis anos depois (é difícil confiar na memória dos africanos que não usam calendário, mas isto ter-se-á passado em 1963, depois do início oficial da guerra), Samba Silate  (cuja população terá sido parcialmente massacrada pela tropa ou pela polícia administrativa de Bambadinca, não posso precisar) e Poindon (regada a napalm pela força aérea) ainda despertam aqui trágicas recordações: evocam o tempo em que todo o balanta era suspeito aos olhos das autoridades militares e administrativas, presumivelmente coadjuvadas pela PIDE (...).


(...) Donde esta hostilidade passiva que julgo poder ler nos olhos e nas atitudes da população de Nhabijões que alimenta a guerrilha, em homens e mantimentos, provavelmente mais por razões de parentesco do que por simpatia para com o PAIGC: ao avistarem-me, fardado, na sua tabanca – a mim, tuga, representante da tropa ocupante - os mais velhos baixam a cabeça ou viram-me as costas como se sentissem acabrunhados com a minha presença… Quem se sente mal, sou eu, que venho invadir-lhes a sua privacidade e perturbar os seus irãs…(...)

3 comentários:

Luís Graça disse...

Do poderoso régulo de Badora e tenente de 2ª classe, Mamadu Bonco, se dizia que tinha 50 mulheres, uma em cada tabanca, vários filhos na tropa (incluindo a nossa CCAÇ 12), muitas centenas de cabeças de gado, e - supremo luxo ! - uma motorizada de 50 cm3, oferecida (dizia-se) pelo Governador Geral, não sei se o Spínola, se o Schultz...

Andava quase sempre vestido de branco, como um verdeiro príncipe fula, faltava-lhe apenas o cavalo, branco, substituído prosaicamente pela tecnologia dos tugas...

Era uma figura familiar em Bambadinca, no meu tempo. Lamento muito a sua morte e as trágicas circunstâncias em que ocorreu.

arcanjo disse...

Luís: O outro gajo da foto sou eu!!!
Nesse dia também lutei com um balanta e ganhei a luta. O prémio foi uma cerveja (bazuca).

Abraços

GG

Anónimo disse...

Luis Graça, toda a tentativa de Spínola e de Amilcar Cabral, para compreender e atrair as diversas etnias, continua a ser praticada pelos governantes guineenses destes anos todos.

Na prática, nenhum conseguiu esbater os antagonismos, etnocentrismos, tribalismos, ou como quisermos chamar.

Nino, chegou a fazer crer que era "mestiço" de balanta e papel, e chegou a vestir roupa muçulmana, e copiando Spínola, promovia viagens a Meca de pessoas influentes muçulmanas.

O balantissimo Kumba Yala, que se diz com educação cristã, foi aprender e converter-se ao islão.

O que quero dizer é que caracterizar as diversas sociedades guineenses (africanas em geral)de uma maneira cientifica e política, parece não ser muito complexo.

Complexo mesmo, é politicamente as etnias dividirem (partirem) o seu chão (tchon)com outros.

A tal saudade das bolanhas como tu referes a dado ponto.

Luis Graça, "a figura do principe de branco a cavalo", foi uma figura usada à exaustão pelas potências: desde o pequeno cipaio, ao Napoleão africano Bokassa, ao sobrenatural Sekou Touré...Os arquiteto franceses construiram uma réplica da catedral do Vaticano na tabanca do presidente da Costa do Marfim.

Foi tudo violento demais!

Antº Rosinha