segunda-feira, 31 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6504: A viagem de Tangomau, o meu próximo romance (I) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), hoje de parabéns por completar 65 anos, com data de 26 de Maio de 2010:

Caríssimo Carlos,
É minha intenção oferecer a todos os nossos camaradas no dia em que faço 65 anos uma lembrança exclusiva: o arranque do romance em que estou presentemente a trabalhar.

O Tangomau é o branco que se africaniza, é lançado no mato, será absorvido pelos usos e costumes, atraído pela natureza e pelas gentes. A expressão foi usada sobretudo nos séculos XVII e XVIII, depois caiu em desuso. De algum modo, eu sou um Tangomau, mesmo quando fingia que África estava distante de mim, longe das minhas precedências. Afinal, como se comprova e escreve, não é assim.

O livro começa com a minha entrada em Mafra, dali seguirei para a ilha de S. Miguel, vou formar batalhão na Amadora, acusado de ser “ideologicamente inapto para a guerra de contra-guerrilha, mormente no Ultramar português”passei à rendição individual, em Lisboa tinham-me advertido: “Ali ao menos vai infectar os pretos”. Infectar, entenda-se seria manifestar repúdio por práticas bestiais muito em voga de oficiais do quadro permanente.

Quem me infectou foram as populações e os soldados, nunca mais os esqueci. A viagem é a minha vida, sempre à procura daquele povo em reconciliação consigo mesmo e eu com ele. Estou em fase de preparativos para ver se passo 15 dias na região de Bambadinca e do Xime, onde combati e ganhei raízes para o que sou hoje.

Nada melhor que dar em primeira mão conta das minhas memórias a quem lá combateu e com quem me correspondo regularmente.

Grato pelo acolhimento, recebe um abraço de amizade do Mário
Mário Beja Santos


A VIAGEM DO TANGOMAU

Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metia as mãos na água: adormecia,
relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.
Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no meu esquecimento, ou na lembrança
total das coisas,
uma rosa como um alta cabeça,
um peixe como um movimento
rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia
desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
– Porque o amor das coisas no seu
tempo futuro
é terrivelmente profundo, é suave
devastador.

Herberto Helder


SORONDA*
Soronda, uma palavra do crioulo guineense que significa germinar, desabrochar, crescer

O anúncio dos preparativos

Ante - Manhã

O poeta desloca-se desabridamente pela sala, na mão direita agita um punhado de folhas esverdeadas, há nelas dizeres dactilografados, o Tangomau limita-se a seguir-lhe os movimentos, o poeta está em transe, não há nada de parecido com a pose de retrato em hieratismo como será pintado pela Maluda, para o visitante é tudo inesperado para este seu último dia de civil pois que amanhã se transfigurará em militar aprendiz, tem um documento no bolso para se apresentar em Mafra, exactamente dentro do convento. Mais convidativa homenagem a este ritual de mudança de estado não se afigurava possível. O poeta garante que lhe vai oferecer em primeiríssima mão a leitura dos seus poemas mais recentes, tudo safra do ano em curso. O poeta resfolega, momentos há em que parece que está a sofrer de rinite alérgica, num compasso metódico ergue o braço de onde lhe sai um pulso frágil com os dedos finos, delicados, quase em corola, abrindo ou fechando. Desloca-se na transversal, em helicóide, estaca subitamente, subitamente arranca, prossegue a melopeia, galvanizado, os olhos como azeitonas pretas cada vez mais líquidos. O que mais impressiona o ouvinte (o convidado, ou seja o Tangomau) não são os requebros do corpo do poeta, são, de facto, os olhos, sabe-se lá se transfigurados ou em hipnose; o que se retém é aquele adejar como se fosse em levitação, o poeta viaja por longe, parece encastelado numa nuvem, trouxe incumbências, parece, dos grandes mestres do vudu., ou visitou Deus.Momentos há em que o Tangomau se alheia, desatendido de um título enorme de um dos poemas, do género “Excerto de Uma Carta-Meditação para uma Amizade Ausente na qual se Insere o Poema que lhe Deu Motivo: «Mon Coeur Mis A Nu»”. O alheamento é compreensível, houve festa de despedida lá onde trabalhava, num mister de serviços mecanográficos, discursos, abraços, o Tangomau recebeu lembranças, sinais de conforto, estamos em Abril de 1967, com aquele tamanho, o vigor notório das articulações, aquele arcaboiço, ninguém o vai subtrair da guerra, África espreita. Até comida deram ao Tangomau, lá no mister de serviços mecanográficos, houve quem vaticinasse que nos meses de preparação há provações a curtir, sem apelo e cheias de agravos, dentro das provações há as da comida, sempre mazinha nos quartéis, por isso lhe deram conservas e outras vitualhas, entra-se sempre no baptismo da tropa com farnéis de queijo e fumeiro, um vinho, tudo para aconchegar. Nada se estraga, com tanta caminhada, exercício, preparativos bélicos, há sempre escape para comes e bebes, acresce que nas casernas a tendência é repartir - foi o que disseram. Estava-se, pois, num dia de emoções. O visitante distrai-se olhando uma imagem de S. João Baptista e, ao fundo, junto à porta, um quadro a óleo de António Dacosta, muito perto do gira-discos, onde já soaram acordes do concerto para violoncelo de Robert Schumann, não muito conhecido mas muito belo. Como num filme, o visitante recorda como chegou a esta casa, vai para dois anos, incumbido de pedir poemas para serem publicados, como foram, num jornal de nome Encontro, periódico de estudantes católicos, onde antes, ou depois, apareceram poemas de Ruy Belo, Sophia ou Pedro Tamen.

Mas agora o poeta arrebata-o, o corpo desceu à terra, a voz arrepia, tem estridência mineral, depois torna-se dolente, pesarosa, clama de um estranho altar:

“Timor! Que paciência eterna!
Vinte anos de paciência.
Ilha de mistérios densa
e gente de tez morena.
Timor, minha ilha querida.
Minha verdade. Falida?...
Ó minha causa perdida!
Senhora, tem piedade.
Tem piedade, Senhora.
Tem piedade.
Olha-me por esta gente
portuguesa,
que te ergueu um trono, uma pedra.
Um sacrário de inocência.”


Ruy Cinatti pintado pela Maluda. A pintora, que ganhou grande notoriedade nos anos 60 e 70, era vizinha do Cinatti na Travessa da Palmeira. Lembro-me uma tarde em que o fui visitar, ele estava exasperado, tinha estado a posar durante duas horas, queixava-se de dores no pescoço, a Maluda gritava-lhe quando ele começava a fazer momices ou a gesticular. Para mim, é o Cinatti no apogeu das suas faculdades, é o tempo de grande poesia e de alguns de seus melhores trabalhos de antropólogo.

O recitativo prossegue. Já se falou de uma alucinação em dia de Natal em que o poeta foi visitado por um diabo incorpóreo. Seguiu-se um estranho poema dedicado a um médico que viveu em Timor, de nome Joaquim de Almeida Gomes, falava-se muito nessa prosa lírica em Sartre, o ouvinte, ausente, sorumbático, olhava a luz coada pela única janela daquela sala, debruçada sobre o Tejo, com o olhar sempre entretido em tanto artefacto timorense, bronze, cesto ou pano. Foi então que aquele poema “Ante – Manhã” o recuperou para o tangível. Depois, em marcação cerrada, o poeta mudou de tom, temos agora a sua mão orientada para a estátua de S. João Baptista, a narrativa fala de um tomahawak, artesanato dos índios Cherokee. Num quase lusco-fusco (estamos em Abril, mais propriamente no dia 10, é um anoitecer que recorda a fome que ronda o jantar), os olhos do poeta voltam a chispar palavras soltas, a voz espevita interjeições, há águias a voar, sons de flauta, até cavalos verdes em estradas desertas. O poeta suspira de cansaço, finda tão longa peroração em diferentes espaços etéreos. E esclarece o seu ouvinte: “Goste-se ou não, estes quatro textos poéticos têm a sua unidade. Ou os publico assim ou queimo-os. A minha vida mudou neste meu reencontro com Deus. Continuo pávido perante este Deus que me resgatou a fé. E para lhe agradecer a sua paciência em assim me aturar e para comemorar a tropa que há-de vir, proponho o bife do Avis, nos Restauradores, depois deixo-o em casa, é uma boa despedida, parece-me, neste rito de passagem”

À porta do Avis, ocorreu algo de bizarro que o Tangomau jamais esqueceria. Do que se conversava até lá chegar não ficou memória, impressionante foi aquele homem de cabelo branco, espetado, sobrancelhas espessas, de azeviche, olhos agitados, que, em tom áspero, mas também ansioso, questionou o poeta, à queima-roupa, saindo do breu do desvão da escada para a porta iluminada: “Diz-me uma coisa, ó Cinatti, o Salazar já morreu? Tens a certeza?”. Creio que resposta não houve, ou não se pôde ouvir por gente desacautelada, o poeta pôs-lhe a mão no ombro, seguiu-se um vozear ameno e depois uma despedida sem frases ríspidas, como se toda a harmonia fosse previsível na comunicação daqueles dois homens, a qualquer hora. Seguindo o poeta, estarrecido por este encontro inesperado, por aquele insólito linguajar num país de pides e informadores, o Tangomau olhou o interior do café, subiram até à mezanina, o poeta explicava que lá em baixo, em grupos separados, havia gente apoiante do regime, outros desafiando-o, outros, indiferentes, em tertúlia quase neutra, porventura artística, como em muitos cafés das redondezas, sobretudo no Rossio. O vozear chegava rebaixado, um pouco difuso, como se toda aquela gente convivesse num fosso de orquestra. Antes de pedir o tal bife cuja acrisolada fama provinha do molho, o poeta dá explicações: “Não esteja tão interrogativo, não ligue, há mistérios maiores. Aquele senhor é o Tomaz de Figueiredo, um dos maiores escritores portugueses, quando voltar a Lisboa e passar lá por casa empresto-lhe uma das suas preciosidades, é conservador e monárquico, mas, que quer, tem um ódio de morte ao Salazar, é coisa confusa”. Quando volta a falar em Timor, tema de um trabalho de etnógrafo, outro vozeirão se levanta, desta vez de um corpo maciço, um rosto quase quadrado, lábios grossos, esse alguém avança sobre a mesa e clama: “Ó Cinatti, não me digas que não me ofereces um vinho Gatão!”. O poeta levanta-se e apresenta o recém-chegado: “Não sei se se conhecem, é o Amândio César, jornalista, poeta e grande contista. Senta-te, bebe connosco, este amanhã vai para a tropa”. Desinteressaram-se de mim, falaram de África (Angola e Guiné) e de Timor, de guerras por ganhar, falaram de literatura, o poeta deu conta dos seus trabalhos mais recentes e dos que hão-de vir, o jornalista disserta sobre as suas reportagens, não se coibindo de se queixar da modorra nacional, incompatível com o Império em luta. Teve lugar o jantar, as garrafas de vinho Gatão sucederam-se, estão ali quatro vazias no pano da mesa, os sons abaixo da mezanina reduziram de volume. É nisto que o poeta nos desafia: “Bom, regressemos a minha casa, vou mostrar-te os meus cadernos daquele cruzeiro a África, vais conhecer o ossobó, o conto que escrevi em jovem, em 1936”. O serão prosseguiu na Travessa da Palmeira, nº 12, 3º Dto., o Amândio César tomou conta da conversa, falou-se de literatura africana, de forma subliminar as guerras de África apareciam como o futuro suspenso de Portugal. O visitante surpreso por aqueles sons tonitruantes, aquele homem que gritava pelo Ultramar em perigo e referia uma retaguarda cheia de cobardes ou gente acomodada, discurso assim nunca ouvira. E assim se passaram as horas, até ao alvorecer. O Tangomau sentia-se prostrar, até medo teve de entrar derreado, de ali a poucas horas, no convento. Então, aquela gente crescida, entusiasta e vociferante, apiedou-se, o poeta avisou que ia levar as visitas a casa. Na Avenida Infante Santo, sempre com o vozeirão timbrado, Amândio César deu a saber: “Olha miúdo, falei-te do tal livro do Malaparte que eu traduzi. Não acredito que sobre a guerra se volte a escrever coisa tão importante. Vou lá acima buscar um exemplar, ficas obrigado, quando nos voltarmos a encontrar, a dares-me a tua opinião”. E voltou com o livro, o título impressionou o Tangomau: “Kaputt”. Foi para a cama, com uma faca de cortar papel abriu as primeiras páginas, apercebeu-se das vicissitudes com que Curzio Malaparte (aliás, Kurt Suckert) preparou o seu livro, entre 1941 e 1943. Sente-se exausto, quer dormir algumas horas, almoçará em casa com a mãe e com o seu maior amigo, depois seguirá para o novo estado. Mas fixa o importante da história do manuscrito contada por Malaparte: “Kaputt é um livro horrivelmente cruel e divertido. A alegria cruel é a mais extraordinária experiência que tirei do espectáculo Europa no decorrer destes anos de guerra. Entre os protagonistas deste livro a guerra nem por isso tem menos o papel de uma personagem secundária. Se os pretextos inevitáveis não pertencessem à ordem da fatalidade, poderia dizer-se que não teve outro valor que não fosse o de um pretexto. A guerra é a paisagem objectiva deste livro. O herói principal é Kaputt, monstro divertido e cruel. Nenhuma palavra melhor que esta e quase misteriosa expressão alemã: «Kaputt, que significa literalmente: estilhaçado, acabado, reduzido a pedaços, perdido», que estaria indicada para definir o que nós somos, o que é, presentemente, a Europa: um amontoado de detritos. Mas que fique bem entendido que eu prefiro esta Europa kaputt à Europa de ontem e àquela de há vinte ou trinta anos. Prefiro que seja necessário refazer tudo a ser obrigado a aceitar tudo como uma herança imutável”. Por acaso inexplicável, a leitura do livro só teve sequência algum tempo mais tarde, de Agosto para Setembro de 1968, no regulado do Cuor, no Leste da Guiné. Nem Malaparte ou mesmo Amândio Césa poderiam ter sonhado como aquele livro iria ser importante na formação do Tangomau, até para a compreensão daquela guerra em África em que ele, dentro de horas, iria conhecer as primícias. Assim adormeceu, rodeado dos seus livros tão caros, dos seus objectos tão amados. Acordou sereno mas meditabundo, arranjou os haveres para a partida. Insensível ao que o espera, ensaca livros para ler por vários meses.

Tomaz de Figueiredo foi indiscutivelmente um dos grandes prosadores portugueses do castiço. “A Toca do Lobo”, “Dom Tanas de Barbatanas” e “Tiros de Espingarda” são obras de um grande mestre da língua. Vim mais tarde a confirmar que havia de facto um ódio do escritor a Salazar, creio mesmo que quando estava a morrer perguntava ansiosamente se o ditador já tinha morrido...

Amândio César foi um poeta, jornalista e contista de grandes méritos. Veio do neo-realismo, fixou-se nas reportagens ultramarinas, depois da guerra colonial, dedicou dois livros à Guiné. Ofereceu-me com uma bonita dedicatória o “Kaputt”, de Curzio Malaparte, que ele traduzira. É ainda hoje o meu livro de referência sobre os horrores da guerra, uns pontos acima de Norman Mailer

Respira-se à mesa, durante o almoço, a tensão da despedida. A mãe vestiu-se de preto, faz recomendações, apela ao respeito e à disciplina, recorda a capacidade de aceitação, as orações nocturnas sempre orientadas para aqueles que já partiram e que merecem ser gratificados nas nossas recordações, as orações diurnas para aqueles a quem devemos o amor e o incentivo para o dia que vai começar. O maior amigo do Tangomau está silencioso, terá fundadas razões para isso. Nesse dia se interrompe um diálogo constante, as conversas quase diárias havidas lá para a Praça Pasteur, num quarto coberto de telas e desenhos do pintor Fausto Sampaio. Chegou a hora de partir, a mãe passa em revista os objectos pessoais indispensáveis, faz exclamação quando vê um saco com conservas, queijos e produtos de fumeiro, mais exclamação quando vê os livros e frascos com produtos ditos dietéticos. Suspirando, diz-lhe: “Volta bem depressa, fico praticamente sozinha”. O filho responde: “Voltarei no fim-de-semana, espero, não a esqueço, muito menos a educação que me deu, esta alegria de viver”.

A partida para Mafra, por pura ignorância do Tangomau, que confiava cegamente na guia de marcha que lhe entregaram, falava em comboios, e na estação do Rossio. É para lá que os dois amigos se dirigem, no cais se despedem com um abraço e é nessa altura que o amigo, sempre com a mesma expressão tímida, com o seu olhar azul muito vivo lhe entrega um livro sobre pintura grega, uma edição de Lausanne, escreveu a dedicatória com a sua letra verde, cuidada e apõe a data: 11 de Abril de 1967, do teu amigo sempre grato, com votos de rápido regresso. É no comboio, rodeado doutros mancebos, que o Tangomau se apercebe que não existe um comboio para Mafra, aquela linha do Oeste vai despejá-los na Malveira, daqui seguirão de autocarro até ao convento construído das promessas do rei D. João V. Nada prevendo de aliciante naquele troço da viagem, dá consigo absorvido no livro “Um Realismo Sem Fronteiras”, de um tal Roger Garaudy, que o seu amigo livreiro, o senhor Barata, lhe assegurou ser um marxista não dogmático. É uma análise das obras de Picasso, Saint-John Perse e Kafka. Saint-John Perse é o poeta que o Tangomau presentemente mais aprecia, aliás aquele poeta da véspera já lhe oferecera um livro chamado “L’Anabase”, uma poesia cheia de mar e de todos os outros elementos da natureza, com muita evocação do passado mas igualmente com muitas promessas de futuro. Naquele comboio, por vezes distraído pela paisagem e pelas conversas envolventes, agita-o aquela fé tão plena no homem, aquele ritmo jubiloso, arquejante e musical de combate: “Que desvenda em sonho muitas outras leis de transumância e de derivação; o que busca, por meio de sonda, o barro vermelho dos grandes fundos para modelar a face do seu sonho” ou, ainda: “Aqueles que pressentem a ideia nova nas frescuras do abismo, aqueles que sopram nas tubas às portas do futuro”. Destes três livros agora referidos, “Kaputt”, a pintura grega, numa linda edição de La Guilde du Livre e “Um Realismo Sem Fronteiras” só subsistiu a prenda do seu maior amigo, nunca se saberá porque é que esta doce lembrança não integrará o espólio constante de duas caixas de madeira, feitas à medida, por um carpinteiro do Regimento de Infantaria nº 1, na Amadora. Como haverá circunstância para descrever, todo este espólio ficará reduzido a cinzas, em meados de Março de 1969.

Enquanto se espera o autocarro, toda aquela gente jovem, ajoujada de malas, sacos e até instrumentos musicais, mete conversa desopilante, a apreensão fica assim mais submersa, já se está muito perto do primeiro destino que a vida militar reserva. Entardece enquanto o autocarro pejado de recrutas, camponeses e outros habitantes locais, após uma estrada sinuosa, cercada de matas e fraguedos, com uma nesga de mar ao fundo, se imobiliza em frente ao convento. Uma voz álacre ressoa, ufana,categórica, no interior do transporte público: “Malta, chegámos a casa!”.

(Continua)
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de hoje, 31 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6503: Parabéns a você (117): Mário, para ti, neste dia, aqui vai uma doce lembrança da tua menina, da tua Glorinha (Os Editores)

2 comentários:

Anónimo disse...

"(...)repúdio por práticas bestiais muito em voga de oficiais do quadro permanente. "
É uma expressão discriminatória, sem alcanbce ou findamento e que, se bem que aqui usada com estrnha frequência nem por isso se aceita em escrita sua.

SNogueira

Anónimo disse...

(desculpe)
'alcance' e 'fundamento',
digo.

SNogueira