1. Mensagem de Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 10 de Fevereiro de 2009:
Meu caro Vinhal
Isto é como as cerejas. Atrás de uma, vem agarradas outras. Como sabes, não deixo escapar nenhuma do Luís Faria, meu velho bom amigo e camarada, desde Tancos, Évora e por aí fora. Nos últimos Postes dele, factos que relatou, tiveram muito que ver comigo e como tal, a memória vem ao de cima. O caso de hoje, foi dos que mais me marcaram.
Aí vai mais um contributo para o Blogue.
Um abraço
Jorge Fontinha
O 1.º Morto da CCAÇ 2791 e do 4.º Grupo de Combate
No mês de Dezembro de 1970, foi o mês em que tudo nos aconteceu.
Começámos por ocupar o nosso sector de intervenção, efectuamos duas operações de grande envergadura, na qual ficámos com alguns feridos graves, inclusive, o Nunes do meu 4.º Grupo, sem uma perna.
Se tudo isto não bastasse, até um acidente de viação nos havia de calhar e no qual, dos 9 ocupantes do (Unimog burrinho do mato), só o motorista e eu próprio, saímos ilesos, ferindo-se dois soldados com muita gravidade, 4 com ferimentos menos graves e um morto, o Francisco Pereira CELESTINO.
É justo que passados estes anos todos, prestemos uma homenagem, embora singela mas que se impõe, nomeadamente da minha parte. O Celestino, conheci-o em Évora, quando lhe ministrei instrução na Especialidade, preparando-o nas tácticas de guerrilha e preparação física adequada. Lamento não ter tido na minha própria preparação, habilidade para ajudar a evitar acidentes de viação. Na época nem tinha ainda tirado a carta de condução.
Enquanto convivi com ele, cerca de 6 meses, sempre se mostrou um excelente rapaz. Voluntarioso, empenhado, colaborante e não tenho mais palavras para o recordar! Desde cedo se dedicou a seguir-me de perto, quando em serviço, na Guiné. Por vezes até eu próprio ficava um tanto encabulado, quando me apercebia que o Celestino havia arrumado as minhas coisas e inclusive limpo a minha G3, após o regresso de qualquer acção de patrulhamento ou operação no mato. Para além disso, coube-me a mim, escrever à família a quem mais uma vez, presto a minha homenagem. Descansa em paz Celestino!
Naquele fatídico dia, o 4.º Grupo de combate estava de Piquete. Quando tal acontecia e havia coluna para Bissau, o Grupo nomeado tinha entre várias atribuições, a protecção à referida coluna, no percurso entre Bula e a jangada, em João Landim. Daí regressando a Bula para outras eventuais intervenções. Razão por que todos os elementos do Grupo de Combate recebiam uma RAÇÃO DE COMBATE.
Contra o que normalmente acontecia, a minha Secção ia na viatura que fechava a coluna. No mato e em bicha de pirilau, era ao contrário, por razões que já contei numa das minhas anteriores Estórias. Eu, como era hábito, ia sentado, nas costas do banco ao lado do motorista e com o pé direito no parapeito junto ao pára-brisas. A cerca de 10 a 12Km do início do percurso, depara-se um buraco na estrada, ao qual o condutor ainda inexperiente tenta desviar-se, travando simultaneamente. Resultado: O condutor ficou sentado no seu lugar, agarrado ao volante. Eu protagonizei a queda mais aparatosa, sendo cuspido por cima do pára-brisas, vindo a cair de pé e em posição de combate (treino feito em Lamego, nos Ranger/s?)!... e nada me aconteceu. Isso sim a todos os ocupantes do banco traseiro. Sete homens espalhados pelo chão.
Pelo rádio, peço logo ao Alferes Gaspar que seguia na viatura da frente e levava o Cabo Enf. Silva, o regresso àquele local, para os primeiros socorros. De imediato se constata que o Celestino teve morte instantânea. De entre os outros feridos, o mais grave era o Cavaco, com a Fita da HK21 enterradas em parte da cabeça (cerca de um ano depois estava de regresso ao Grupo de Combate)!
A viatura regressou a Bula, de emergência, para os serviços médicos do Batalhão, onde já o Furriel Enf. Urbano, juntamente com o médico do Batalhão, recebeu os feridos e atestou o óbito do Celestino. A mim confortado pelo Sampaio Faria e pelo Urbano, restava dirigir-me à Secretaria da Companhia para fazer o resumo da situação. Só não esperava que a primeira pergunta do 1.º Sargento fosse esta:
- Fontinha, onde está a Ração de Combate do homem?
Na altura valeu o habitual sangue frio e bom senso do Sampaio Faria, para que as coisas tivessem ficado por ali.
Não seria justo deixar de mencionar os restantes companheiros de infortúnio. Confesso que me não recordo do nome do condutor, todavia todos os restantes e que para o Hospital de Bissau foram parar, uns por poucos dias, outros para além do Celestino, por períodos mais ou menos demorados. Foram eles: O Cabo Francisco Romão e os Soldados Manuel Matos, António Moreira, Armando Azevedo, Gabriel Monteiro e António Cavaco. Para todos eles, um grande abraço.
Na fila de cima:?; Furriel Castro; Furr. Fontinha; Furr. Chaves; Furr. Urbano. Na fila de baixo: Cabo Francisco Romão; ? ;? ; ?
Um abraço
Jorge Fontinha
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 15 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3743: Estórias do Jorge Fontinha (3): O meu Grupo de Combate (Jorge Fontinha)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Grande Amigo
Realmente o nosso primeiro Natal,ficou marcado pelo infortúnio do Celestino,principalmente e dos demais acidentados
E recordo bem a tua reacção à pergunta pela ração de combate...!
Sei que tens muita estória guardada nessa tua alma generosa e sã.Manda-as cá para fora...tambem te faz bem,passados estes anos todos e ajudas a reconstituir a história da 2791 Força e dos seus homens
Um abraço
Luis S Faria
O Francisco Celestino faleceu logo após a entrada no posto médico, (na minha opinião por hemorragia interna).
O 1º Sargento Guerreiro..aquela pergunta, não te deixou cair, pelo contrário tonificou-te a tua agressividade..olha os antepassados diziam que Deus ás vezes escreve direito por linhas tortas :-).
Fiquei contente por te tornar a ler, força continua a deliciar-nos..um bem haja a vossa partilha.
abraço
urbano silva
Urbano,meu Amigo com A grande
Vê se te resolves a teclar as muitas estórias que só tu conheces,pois foste quem mais em contacto esteve com o pessoal e autóctenes. Conheces aprofundadamente a alma de toda essa gente com quem conviveste mais de perto do que ninguem.
Resolve-te , reaviva as lembranças,ajuda à recuperação da historia da 2791 e das suas gentes
Abração
Luis S Faria
Camarada Jorge
Ao ler o teu poste deparei com esta frase da ração de combate, havia (há) que não merecem ser tratadas como tal, porque esta frase faz-me lembrar outras ouvidas algumas vezes em Nova Lamego, como é que ficaram os carros, ou qual o estado das Berliets, isto após o rebentamento de minas em dia de colunas de e para Nova Lamego,
Quem as proferia era na altura o major do Batalhão 3854 em quem nós chamávamos de Hitler, dizia ele que homens era só mandar um telegrama que lhe davam mais, mas carros, não. Gente sem uma pinga de sentimentos.
A. Santos
SPM 2558
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