Guiné > Zona Leste > COP7 > Margem esquerda do Rio Corubal > Gampará > 38º CCmds (1972/74) > 1972 > "Em Gampará com o meu grande amigo Furriel Cmd Ludgero dos Santos Sequeira, a quem mais tarde na picada do Cufeu (outra vez) numa mina iria ficar às portas da morte, ficando quase cego até aos dias de hoje. Continuamos grande amigos. Um abraço para ti, Sequeira!" (Amílcar Mendes, ex-1º cabo comando).
Foto (e legenda): © Amilcar Mendes (2007). Todos os direitos reservados.
1. Mensagem do Bernardino Parreira, com data de 12 do corrente:
Caro amigo Luís Graça
A 39 anos de distância desta ocorrência (*) já há pormenores que me falham, sobre este acontecimento. Mas ainda me lembro que por aquela altura - último dia do mês de Janeiro [, 4ª feira,] ou primeiro dia do mês de Fevereiro de 1973 [, 5ª feira] - já não sei precisar a data -, encontrava-me com "ordem de marcha" para regressar a S. Domingos, à minha companhia de origem, a CCav 3365, para integrar o BCAV 3846, com vista ao nosso regresso à Metrópole, que ocorreu a dia 17 de Março de 1973.
E só não tinha ainda regressado a S. Domingos para poder disputar este jogo. Que era a final do campeonato entre companhias do CAOP1. O jogo que se realizou naquele fatídico dia foi entre a CCS/BCAÇ 3863 e a CCaç 16 à qual eu pertencia.
Devo dizer que o ambiente que normalmente se vivia no Bachile era calmo, os militares eram disciplinados e muito bons seres humanos. O nosso comandante era um Excelente Militar Operacional e uma Excelente pessoa. Havia um espírito de companheirismo e confraternização excepcionais entre todos os militares.
O futebol, no meio daquela guerra, aliviava-nos o stress e o orgulho de uma companhia africana poder ganhar o campeonato era enorme. O que aconteceu ali, naquele dia, em termos de jogo, acontece muitas vezes em estádios de futebol. Ao ser anulado um golo que dava a vitória à nossa CCaç 16, onde seríamos sagrados vencedores daquele campeonato, que tinha a maioria de jogadores africanos, os nossos camaradas africanos que estavam a assistir ao jogo invadiram de imediato o campo.
Julgo que naquele dia estávamos apenas a jogar 2 brancos, eu e o Figueiredo. A única diferença é que todos estavam armados, não com cadeiras, como normalmente acontece nos estádios de futebol, mas com armas reais, e álcool à mistura, e a situação só não teve consequências maiores dado o campo de futebol, onde isto aconteceu, estar situado próximo do CAOP1.
Tenho a ideia de que foram logo ali efectuadas algumas prisões e, serenados os ânimos, regressámos todos ao nosso quartel no Bachile, nas viaturas militares.
No mesmo dia, por volta da hora de jantar, estava eu na messe dos sargentos, tive conhecimento que a maioria dos militares africanos, revoltados e armados, tinham abandonado o quartel e se dirigiam para Teixeira Pinto no sentido de irem tentar a libertação dos camaradas presos.
Escusado será dizer a preocupação que se generalizou entre os que ficaram, mas dada a pouca distância entre o Bachile e a Ponte Alferes Nunes logo se ouviu dizer que tropas da CAOP1 tinham vindo ao encontro dos revoltosos e estes tinham sido obrigados a recuar para o Quartel.
O pior soube-se depois, que foi o acidente ocorrido com os militares de Teixeira Pinto,[da 38ª CCmds,] no regresso ao seu quartel, com a deflagração de um dilagrama.(*)
Dois dias depois parti, triste, do Bachile, em direcção a S. Domingos, via Cacheu. Achei que não devia ter ficado para disputar aquele malfadado jogo de futebol. Ainda passei por Teixeira Pinto para visitar e despedir-me dos meus camaradas presos, entre eles o meu amigo Policarpo Gomes, que era do meu pelotão.
Por outro lado, S. Domingos continuava a ser atacado, do Senegal, e não sabia o que me poderia acontecer a poucos dias do meu regresso. Ainda retenho na memória a preocupação que os meus camaradas africanos manifestaram ao saberem que eu ia para S. Domingos antes do regresso. Só diziam:
- S. Domingos nega... manga de porrada...!
Graças a Deus cá estou!
Guiné > Região do Cacheu > Bachile > CCAÇ 16 (1972/74) > Equipa de futebol de sete > Legenda do Bernardino Parreira: "Amigo Luis Graça, não consto dessa foto, editada no blogue, mas julgo reconhecer, da direita para a esquerda, em cima, primeiro o meu amigo António Branco, e terceiro o Sr. Comandante, na altura capitão Abílio Afonso. Em baixo: Da direita para a esquerda, Pereira, Garcia e Miranda.
Tenho pena de não possuir fotografias da nossa equipa de futebol da CCaç 16. Foram bons tempos, de que destaco um episódio agradável em tempo de guerra. Num jogo disputado com uma companhia de comandos [, a 38ª CCmds,] do CAOP1, em Teixeira Pinto, quando foram apresentados os capitães de equipa para a escolha de campo, perante o árbitro desse encontro, sendo eu o capitão de equipa da CCac 16, qual não foi meu agradável espanto ao ver que o capitão da outra equipa era o meu amigo Ludgero Sequeira, de Faro, meu companheiro de escola, que eu desconhecia que se encontrava em Teixeira Pinto. Maior foi a admiração dele quando viu sair de uma equipa de africanos um único branco que era eu, nesse dia.
Um grande abraço
2. Esclarecimento posterior do José Romão, em mensagem enviada às 23h16:
Boa noite camarada e amigo Luís Graça:
2. Esclarecimento posterior do José Romão, em mensagem enviada às 23h16:
Boa noite camarada e amigo Luís Graça:
O grave acidente, na sequência do desafio de futebol, entre as equipas de militares do CAOP 1 e do Bachile, deu-se junto à Ponte Alferes Nunes e era eu que estava a comandar um grupo de militares da CCAÇ 16 do Bachile, na referida Ponte. Quem acabou por resolver esse diferendo foi o Coronel Durão, comandante, nessa altura, do CAOP 1 em Teixeira Pinto. Nesse dia, perto da Ponte morreram alguns militares da Companhia de Comandos que estava sediada em Teixeira Pinto.
Um abraço para todos os camaradas,
José Quintino Travassos Romão,
ex Furriel Miliciano.
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Nota do editor:
(*) Vd. poste anterior, de 12 de junho de 2012> Guiné 63/74 - P10025: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (18): A ponte Alferes Nunes, a CCAÇ 16, o Bachile, a 38ª CCmds, o Canchungo, o cor pára Rafael Durão, o futebol, a violência, a morte...
8 comentários:
Boa Tarde
Este acidente "incidente" ocorreu na tarde/noite do dia 1 de fevereiro de 1972
Perdao do ano de 1973
Que alegria, ver outra vez o meu amigo Ludgero Sequeira, jovem, como naquele longínquo ano de 1972! Também me parece conhecer o Amilcar Mendes! Tive várias operações no mato com o meu amigo Ludgero e a Companhia de Comandos a que pertencia. Também em Teixeira Pinto nos encontrámos várias vezes. Talvez tenha estado algumas vezes com o Amilcar, junto do Ludgero. Depois eles regressaram a Mansoa. E eu, como se sabe, regressei à Metrópole em Março de 1973. Ainda sofro ao recordar como cerca de 2 meses depois de cá estar recebo a triste notícia de que o Ludgero tinha sido ferido numa mina e corria risco de vida...e que estava cego..., foram meses de angústia para a família e para os amigos. Apesar de ter ficado com grande perda da visão, graças a Deus o Ludgero salvou-se e hoje é um ilustre professor da Universidade do Algarve. Quando nos encontramos, a conversa foge, forçosamente, para o futebol e para o nosso tempo de guerra na Guiné.
Um abraço e o meu obrigado ao Luis Graça por ter aqui postado esta fotografia.
Bernardino Parreira
O meu agradecimento ao anónimo que se dignou esclarecer-nos. Quiçá, algum camarada e amigo desse tempo...
Um abraço
B. Parreira
Agradeço o esclarecimento do nosso leitor (e presumivelmente camarada) relativamente à data em que ocorreram os graves acontecimentos de Teixeira Pinto, na sequência de um vulgar (mas emocionante) desafio de futebol, opondo duas equipas de militares do CAOP 1,uma do Bachile e outra de Teixeira Pinto...
Mas era importante que o nosso leitor se identificasse, para podermos validar a sua informação...
Um Alfa Bravo. O editor, Luis Graça
Caro Bernardino,
É bom ver-te por estes lados, infelizmente com situações difíceis, algumas bem tristes.
Também conheço os mapas que carregastes nas algibeiras.
Quando andei nas Matas de Teixeira Pinto não havia jogos de futebol entre companhias. Pelo menos a minha CCaç 3327 nunca foi convidada a participar em qualquer jogo.
Outro ponto importante para mim foi a tua afirmação em teres ido embarcar ao Cacheu. A estrada que atravessava a Mata dos Madeiros já estava a cumprir a missão para que fora construída.
Um abraço amigo,
José Câmara
Meu caro amigo Câmara
É verdade que tenho andado "desenfiado" e não passava aqui pela Tabanca Grande, já há muito tempo. Não gosto muito de computadores, só vou ver os mails, mas anteontem, não sei porquê, talvez devido a estes horários desajustados por causa do futebol, e dos resumos dos jogos que vejo na TV, passei por aqui e vi logo no primeiro post a palavra Bachile e o relato do fatídico dia que eu nunca vou esquecer enquanto viver e a memória me permitir, e não pude deixar de dar o meu contributo, daquilo que testemunhei, para esclarecimento dos factos. Aqui não se tratava de homens bons e homens maus que andaram à luta, nem sequer de uma luta entre pretos e brancos, mas sim de 2 companhias apuradas para uma final de um campeonato de futebol, que só por acaso uma era constituida por jovens militares brancos e a outra era constituida por jovens militares africanos, na maioria manjacos, à qual pertenciam alguns brancos, incluindo eu.
Mas o facto de jogarmos futebol não nos livrava do mato nem de operações de risco. Só jogávamos quando não estávamos de serviço. Por isso nunca jogavam sempre os mesmos. Posso afirmar que em todo o tempo que tive de Guiné, quando não estava de serviço ao quartel, sempre andei no mato e nunca dei uma baixa à enfermaria para evitar qualquer saída. Foram longos dias e noites de operações, temporais medonhos. Que só quem esteve sempre durante toda a comissão no mato sabe avaliar. No entanto, o meu gosto pelo futebol, que já jogava antes de ir para a guerra, serviu-me de terapia para aguentar melhor tudo o que por lá passei.
Quanto ao ter ido para S. Domingos, via Cacheu é verdade, meu amigo, foi graças à tua companhia que desbravou o caminho e construiu aquela magnifica estrada.
Amanhã vou ler com atenção o teu texto, por aquilo que li por alto conheço bem aquela zona, e foi uma operação muito arriscada.
Um grande abraço.
B. Parreira
O meu amigo Zé Romão, sempre operacional! Bom militar! Disciplinado e com boa voz de comando! Só hoje soube, através do seu esclarecimento, que ele esteve de serviço na Ponte Alferes Nunes, naquela trágica noite. Nunca calhou, falarmos no assunto.
Um grande abraço amigo Romão
B. Parreira
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