segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10620: Questões politicamente (in)correctas (41): A origem da palavra Turra (António Rosinha)

1. Mensagem do António Rosinha, de 13/1/2007, que esteve para ser publicada na série Questões politicamente (in)correctas, sob o poste P1426, e que por qualquer razão (falha técnica ou erro humano, os dois bodes expiatórios do costume) não o foi... 

O poste  [ Guiné 63/74 - P1426: Questões politicamente (in)correctas (17): A origem da palavra Turra (António Rosinha)] estava em rascunho, em fase de edição, creio até que chegou a ser publicado... O nº 17 da série acabou por ser atribuído a um poste do Amílcar Mendes (*). E o texto do Antº Rosinha acabou por ir para ao "limbo" (, mas não para o lixo)... Cinco anos no limbo!...  Fomos recuperá-lo. Vê agora a luz do dia, com outra numeração por causa da cronologia... . Com o nosso pedido de desculpas ao Antº Rosinha (que está connosco, de pleno direito, desde 29 de novembro de 2006) (**) e,claro,  também aos nossos leitores. Na numeração dos nossos postes fica em branco o nº 1426... (LG)


2. A origem da palavra Turra,
por António Rosinha

Tuga, portuga, caputo, chicoronho, cabeça de porco, baranco, chindele, e por fim cubano, já ouvi esses nomes dirigidos a mim e a outros,  ao vivo e a cores. In loco. Nem todos eram depreciativos, mas alguns eram. Logo que sejam ditos em português, ou crioulo, madeirense ou carioca ou baiano, para mim é fabuloso.

Isto tudo para dizer qual o mês e o ano em que surgiu uma palavra que para muita gente não tem justificação: TURRA (terrorista) e a sua motivação. Pois, apesar da muita informação descarregada neste Blogue, penso que esta explicação que vou dar, e é dos livros, não foi lida aqui.


15 de Março de de 1961. Pois houve um movimento, União dos Povos do Norte de Angola, UPNA, depois UPA, depois FNLA, que provocou actos de terrorismo, contra brancos, mulatos, negros que não fossem Bacongos (***), que a par de outro terrorismo que se desenvolvia nos vizinhos Congo Belga, Ruanda e Burundi, explica uma grande parte do apoio popular que o Governo Português teve em todas as frentes, que sem esse apoio não aguentaríamos...13 longos anos.

Para quem assistiu "tudo a meter o rabo entre as pernas"e a fazer as malas, eu não era excepção, e saber que o 1º classificado do meu pelotão do CSM, angolano, mestiço, uma simpatia, já na sua actividade civil, foi na leva, toda a gente tinha alguém conhecido que tinha morrido (nem descrevo os processos usados, e depois a reacção).


Para quem assistiu, ficou no ar a palavra terrorismo (TURRA). E por uns pagam outros. Foi tão revoltante que todos os mestiços, negros assimilados com estudos que já enchiam as repartições e escritórios, brancos angolanos, guineenses e moçambicanos de várias gerações, e que todos eram pela independência das colónias - não o escondiam, tanto na tropa como no desporto como no ambiente profissional (posso noutro ambiente mencionar nomes públicos, vivos uns e falecidos outros)- , todos se viraram contra as independências de qualquer maneira, e não alinharam com Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Lúcio Lara, Chipenda, etc. Até porque todos os vizinhos independentes viviam em constantes matanças étnicas.(Será que acabou?).

A origem da palavra foi só esta, e justificadíssima. Essa palavra foi aproveitada para todos os fins. Muitos conhecem esta história,  concerteza. Outros, verifico que não (****).
________

Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 16 de janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)

Último poste da série > 15 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6854: Questões politicamente (in)correctas (40): A guerra colonial: todos querem ser heróis! (Carlos Geraldes)
(**)  Vd. poste de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

(***) Etnia do norte de Angola, que outrora (antes da conferência de Berlim, de 1885, que retalhou o continente africano pelas principais potências coloniais europeias, era o povo que vivia no Reino do Congo):

(...) "A luta anticolonial divide-se em três grupos que refletem diferenças étnicas e ideológicas: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), multirracial e marxista pró-URSS, com predomínio da etnia quimbundo; a Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA), anticomunista, sustentada pelos EUA e pela República Democrática do Congo (ex-Zaire), com base na etnia bacongo (norte do país); e a União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), com forte presença da etnia ovimbundo (centro e sul), inicialmente de orientação maoísta, que depois se torna anticomunista e recebe o apoio do regime sul-africano do apartheid. Independência" (...).

Fonte: Sítio brasileiro Mulheres Negras: do umbigo para o mundo > Angola

Segundo o sítio da CIA, com dados estatísticos sobre Angola,  
os bacongos representariam 13% da população. Restantes: Ovimbundos: 37%; quimbundos: 25%; mestiços: 2%; Europeus: 1%; outros: 22%. [Consult. em 4/11/2012].

(***) Vd. também a opinião do linguista Rui Ramos, colaborador do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:


(...) [Pergunta] Li algures que a palavra tuga era pejorativa. Não a encontro em nenhum dicionário mas de facto tornou-se conhecida pois foi o nome dado à Selecção Nacional aquando do Mundial 2002.  A pergunta é: a palavra existe? E é pejorativa? Manuela Couto, Portugal
[Resposta] A palavra «tuga» é de facto pejorativa. Surgiu em contraponto à palavra «turra» («terrorista») que os colonos portugueses em África usavam para designar os que, com armas, se opunham ao colonialismo. 

Surgiu na década de 60, já em plena luta armada de libertação nacional. Eu próprio a usava, já inserido na luta clandestina do MPLA em Luanda, para falar dos «soldados portugueses em Angola». «Turra-Tuga» é uma dicotomia que faz parte integrante da luta anticolonial e que, já se vê, define o «lado mau» da luta.

Por isso eu desde o início considerei que a palavra tinha sido muito mal escolhida para a selecção portuguesa devido à carga guerreira, colonial e incivilizada, porque parece homenagear um dos períodos mais tristes da História de Portugal.

Em sentido mais amplo temos a expressão «pula» (os imigrantes africanos tratam, invariavelmente, os brancos por esta palavra) (*****). 
Rui Ramos (2003) (...) 



(*****) Vd. poste de 26 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10074: Em bom português nos entendemos (8): O angolês, termos angolanos que pode dar jeito integrar no nosso léxico (Luís Graça, com bué de jindandu para o Raul Feio e demais kambas kalus)

(...) Pula. Pessoa branca (pejorativo). O mesmo que braga, cangando, tuga.(...)

O termo "turra" já está  grafado nos dicionários de língua portuguesa (por ex., o Priberam) como substantivo, com o significado de "guerrilheiro dos movimentos independentistas africanos nos tempos da guerra colonial portuguesa".

Vd.  também a Infopédia:  Turra, forma de turrar;

(i) turra, nome feminino: 1. popular, pancada com a testa; cabeçada; marrada; 2. figurado,  teima; birra; disputa (...)

(ii) turra, nome masculino: gíria, depreciativo, nome atribuído pelos militares portugueses aos combatentes independentistas africanos, durante a guerra colonial portuguesa;
(iii) andar às turras, andar desavindo

(Derivação regressiva de turrar) (...)

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá Camarada
Penso que a expressão TUGA terá que ver com portTUGuês. É uma palavra obtida pela simplificação de outra. A promeira sílaba é bastante muda e é difiícil constituir uma palavra - tuguês - que não me parece suficcientemente "autónoma" para ser usada na linguagem corrente. Do mesmo modo que a palavra TURRA estará ligada a TERRorista que sempre foi a designação dada os gurrilheiros africanos que se opunham às autoridades portugueses. ESta expressão - TURRA - pode ter ser surgido da queda do sufixo -ista que é comum a muitas palavras e não tem significado por si mesmo.
Lembras-te do "Enxota-pintos" (os Unimog 411)?
Poi um dia reparei que os condutores da minha companhia falavam do "Xota" quando se lhe referiam. É a aparição do vocabulário de guerra. É daí que a "Luisa", e outras expressão que vêm de apotuguesamento de expressões estrangeiras ou simplificação das existentes.
O Jipe começou por se GP.
Um Ab.
António. P. Costa

Antº Rosinha disse...

António Costa, a palavra TUGA, nunca a tinha ouvido em Angola, nem cá na antiga Metrópole.

E como dei o "cavanço" para o Brasil ainda em 1974, onde conheci o uso depreciativo de Portuga, com frequência, o que me surpreendeu pela minha ignorância total desse uso, voltei a surpreender-me com uso do termo TUGA na Guiné-Bissau no pós independência.

Mas em Bissau esse termo TUGA era usado pelos guineenses apenas "e só" para os militares portugueses, nunca para os civís, funcionários, chefes de posto ou comerciantes.

E sobre este uso na Guiné de TUGA, onde os Guineenses usam alcunha para toda a gente, pessoalmente fiquei com a ideia para mim que este nome foi "criação" caboverdeana dos dirigentes do PAIGC.

Mas esta ideia nunca a ouvi a ninguém, é só minha, pois acho os caboverdeanos muito imaginativos para isso e muito mais.

Um abraço

Luís Graça disse...

No Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, ainda não vem grafado este nome, "turra", pejorativo, corruptela de "terrorista" (?)...

Quanto a "tuga", é usado nos escritos de Amílcar Cabral, sempre como sinónimo, não de branco ou português, mas de "colonialista, branco, que ocupa a nossa terra e explora o nosso povo"... O termo tem pois uma carga "político-ideológica", designa não um povo, mas um "inimigo" num contexto de conflito.

O mesmo se passou noutros contextos de conflito armado: os franceses (com três guerras no espaço de um século com os alemães, a guerra franco-prussiana de 1870, a I Grande Guerra, e a II Grande Guerra) designavam o vizinho alemão por "boche" (termo insultuoso que tende a desaparecer, felizmente, mas que os mais velhos ainda usam)...

Outro termo pejorativo é, por exemplo, o "pied noire" (pé preto, à letra), expressão usada para designar os europeus (franceses, mas também italianos, malteses e outros), nascidos na Argélia, e que depois da independência (em 1962) se fixaram em França (cerca de 800 mil, contra 200 mil que optaram por ficar)... A origem da expressão é controversa, mas tem um significado negativo, é um estereótipo social...

"Jap", abreviatura do inglês "Japanese" (Japonês) era o termo, ofensivo, insultuso, pelo qual o soldado norte-americano tratava o seu inimigo nipónico...

"Fascho" e "comuna" eram expressões com que os portugueses, a torto e a direito, se cumprimentavam, "amavelmente", uns aos outros, nos idos tempos de 1974/75...

Anónimo disse...

Camarada Rosinha

Creio que deves ter razão. Os brasileiros são muito amigos dos portugueses, mas já há muitos anos se lhes podiam "fazer a folha" não hexitavam... Portanto do depreciativo "portuga" veio a abreviatura TUGA. Os caboverdeanos do PAIGC, nas suas emissões, de rádio também usavam, talvez pelas mesmas razões. Não te recordas do "dando cada maize duro na criminoso colonialista tuga"? As expressões TURRA e TUGA não são sinónimos e não estão ligadas, a não ser pela antítese. Os TUGAS são os inimigos dos TURRAS e vice-versa. Como estes já não existem restam aqueles. Nós com a nossa habitual bonomia... aceitamos.

Um Ab.
António J. P. Costa