Do Ninho D'Águia até África (24)
O Nosso cabo Reis
Veio para os Estados Unidos, na década de setenta, do século passado. Primeiro para o estado de Maryland, distrito de Washington, D.C., depois querendo um clima mais parecido com a sua vila de Óbidos, donde era oriundo em Portugal, veio para o estado da Florida, onde continuou a trabalhar até atingir a idade da reforma. Era carpinteiro, fazia trabalhos de carpintaria, onde quase sempre sob a orientação de engenheiros, produzia peças únicas, algumas das quais correram mundo em revistas da especialidade.
É o Jorge de Sousa Reis, ( na foto ao lado, já na diáspora e em baixo ainda na Guiné), mais conhecido pelo Reis, pessoa bastante popular e respeitada, no clube da comunidade portuguesa, onde vive.
Esteve na província da Guiné, em cumprimento do serviço militar, do qual se orgulha e gosta de lembrar alguns momentos que lhe ficaram marcados na memória. Seguiu o mesmo trajecto de todos nós antigos combatentes. Portugal estava em guerra e como todo o cidadão, antes dos vinte anos de idade, que vivia em território português, foi à inspecção, levou o carimbo de “apurado para todo o serviço militar”, tirou a instrução básica, depois a especialidade, no seu caso de carpinteiro e em seguida foi logo mobilizado, o que no seu caso podia ter evitado por motivos que não interessa mencionar, mas o seu dever de cidadão foi mais forte e levou-o a não recorrer a qualquer outro meio.
Assim foi para a Guiné em rendição individual, como primeiro cabo, especialista em carpintaria, era o ano de 1968. O navio Uíge, trouxe-o para Bissau, e orgulha-se de dizer que foi a última vez que o navio Uíge, ficou ao largo do cais, em Bissau, porque mais tarde o rio foi dragado e permitiu, à maior parte dos navios, atracar ao referido cais. Quando fala em rio, fica emocionado, pois lembra-se que a primeira notícia da guerra, logo à sua chegada, foi o afogamento de uma jangada de militares, num rio do norte, em zona de combate, onde morreram muitos dos nossos companheiros combatentes.
1.º Cabo Jorge de Sousa
O aquartelamento de Bissalanca (foto em baixo) era o seu estacionamento, onde havia oficinas de carpintaria, com serração de madeiras, e umas máquinas a que chamavam “Charrion”, que cortavam os toros, fazendo-os em tábuas. Algumas madeiras eram raras e exóticas, de que se faziam móveis para escolas e repartições governamentais, em toda a província, assim como para alguns sargentos e oficiais que lá estacionados com as suas famílias, que depois de construídos, eram encaixotados e enviados para Portugal, como ”recordação”.
Bissalanca
Esteve para ir para Guilege, mas como era um bom trabalhador, o seu chefe, o sargento Ventura, fez todas as diligências para que não fosse incorporado num pelotão que ia prestar apoio a esse destacamento, diz mesmo que foi esse sargento que o salvou de uma possível morte, pois esse pelotão teve algumas baixas.
Quando se refere ao sargento Ventura, diz:
- Ele não era um irmão mais velho, era quase um pai, pois era um homem já com uma certa idade, sabia muito e era compreensivo.
E dizia mais:
- Ele, o amigo Luis Carlos Nobre, o Fortunato, e alguns mais, que não me recorda o nome, não vou esquecer mais.
O nosso cabo Reis, foto em baixo juntamente com o amigo, Luís Carlos Nobre, tem muitas histórias, algumas pitorescas, como esta, em que estava a fazer um móvel para o cabo do rancho, e quando este lhe negou um copo de vinho, furioso, na companhia do amigo Fortunato, também carpinteiro, destruiu-lhe o móvel em algumas partes.
O Reis com o amigo Luís Carlos Nobre
Dizia que havia um grupo, em Bissalanca, que ia desde o cabo do rancho até aos sargentos, que não bastava todas as suas regalias, ainda levavam quase todos os dias sacas de mercearia e outros bens para as suas casas, bens esses que pertenciam aos soldados que ali estavam estacionados, pois na mesa do refeitório, faltava sempre comida.
Havia, um cabo-verdiano na carpintaria, que era assalariado, bom artista que fazia alguns bons trabalhos em madeira, e os naturais, portanto guinéus, tinham-lhe inveja. Um dia queriam serrá-lo ao meio na serra de madeira, sendo salvo das mãos dos guinéus no último momento.
Tem saudades do tempo em que convivia com o amigo Luis Carlos Nobre, pois eram da mesma terra em Portugal, e ambos, neste momento, estão na diáspora. Luís Nobre estava em zona de combate, mas veio requisitado para Bissalanca para tratar dos geradores porque a sua especialidade era electricista. Iam juntos para Bissau, principalmente para o café “Benfica”. Também fugiam para o “Pilão”, mas sempre acompanhados.
Também, como bom ex-combatente, falava na sua lavadeira, últuma foto, que quase sempre lhe trocava a roupa, mas às vezes, era mais que lavadeira, de quem guarda algumas recordações. Enfim, podíamos ouvi-lo por horas, que a Guiné estava bem viva no seu pensamento.
Regressou a Portugal, no mesmo navio Uíge, agora atracado ao cais em Bissau, quando o militar, que o foi render, chegou.
Ao desembarcar em Portugal, esse país maravilhoso, de sol brilhante, à beira mar plantado, era quase tudo para si, mas já o achava um pouco pequeno para as suas ambições. Logo que encontrou uma oportunidade, como tantos naquela altura, emigrou.
A lavadeira do Luís Carlos Nobre
____________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 3 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10611: Do Ninho D'Águia até África (23): O maldito dente (Tony Borié)
8 comentários:
Camarada Tony,o desastre da jangada foi em 1969 e nao em 68.
Eu tambem estava lá,nessa altura.
Um abraço.........
Olá Zé Manel.
Estás certo, foi em 1969, eu já não estava na Guiné, nessa altura, e o Reis já me confirmou. Todos lamentamos a sorte desses nossos camaradas combatentes que ali encontraram a morte.
Se entenderes que é possível, e se souberes pormenores, conta esse triste episódio.
Um abraço, e obrigado pela correcção ao texto.
Tony Borie.
Caro camarada Tony
Gosto muito dos teus escritos no nosso blogue.
Relativamente à pergunta que fazes ao Cancela sobre o desastre na travessia do rio corobal em que morreram 47 nossos camaradas tens no nosso blogue muitas narrativas de quem esteve lá como o Rui Felício, o Paulo Raposo e outros.Para veres essas narrativas clicas nos marcadores do lado esquerdo c caç 2405 ou Rui Felício e tem lá tudo.
Boa sorte para a tua busca e um abraço.
Manuel Carvalho
Olá Manuel Carvalho
Obrigado pela tua preciosa informação, já fui à página de Rui Felício, e tal como dizes, encontrei muita informação da terrível tragédia. Ainda continuo a ler, a tentar perceber a angústia dos sobreviventes, e a terrível morte dos militares combatentes que segundo o relato, nem gritaram nem esbracejaram, pois foram directos ao fundo com o peso que carregavam.
Tudo pessoas novas, com um futuro à frente, fecho os olhos e vejo a trajédia. Fica no meu já velho pensamento e não me quero alongar mais.
Um abraço, Tony Borie.
Camarada Tony,saudações cordiais,parece que fomos conteporâneos no BENG 447,pois eu estive lá desde 15 de Janeiro de 68 até 15 de Janeiro de 70,era da CCS comandada pelo Capitão Miliciano Layete Maia,e fazia parte da secção Eléctrica com o 1ºSargemto Sousa e o Alferes Barros Ferreira,tenho uma fot junto da mesma placa da mista de Eng.Está a aproximar-se o almoço da malta de 68 todos os anos no Cartaxo na altura do S. Martinho,um Abraço
Olá Correia Nunes.
Muito prazer em falar contigo, é sempre uma honra conhecer um antigo combatente. Eu estive na Guiné de 1964 a 1966, estás a referir-te ao cabo Reis, de quem fiz um texto, pois está na diáspora comigo, e que conheço muito bem. Ele esteve no teu ano, no mesmo batalhão, e deve conhecer-te, vou comunicar-lhe a tua amável mensagem.
Um abraço do camarada, Tony Borie.
Tony diz aí ao cabo Reis que se quiser enviar o mail eu envio fotos do Beng,e do pessoal de 1968,secção Electrica.
cara amigo correia nunez, e un prazer receber un contacto de un compaheiro da guine
o meu email e reisj@att.net
envia fotos e cominica te comingo
un abraco
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