sábado, 10 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10645: Estórias do Gabu (7): O soldado básico que um dia se passou para o lado do inimigo...(Tino Neves, ex-1º cabo escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71)

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS do BCAÇ 2893 (1969/71) > Do lado direito, o Tino Neves, 1º Cabo Escriturário, e do lado esquerdo o soldado básico, cozinheiro, A..., em serviço de PU - Polícia da Unidade. O António (nome fictício), acusado justa ou injustamente de ser amigo do alheio, acabou por fugir para o PAIGC...

Este texto esteve para ser publicado em abril de 2007 (, chegou a ser editado sob o nº 1645,  e devia inaugurar a série Estórias do Gabu)  (*). Por razões editoriais, ficou em "stand by". Fomos há dias recuperá-lo, que só vem provar que na nossa Tabanca Grande "nada se perde, tudo se transforma"...  Afinal, é a história de um "desertor", contada por um camarada que com ele privou e conviveu... (LG)

Foto: © Tino Neves (2007). Direitos reservados.


1. Texto enviado pelo nosso camarada Constantino  (ou Tino) Neves, ex- 1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71):

Conheci em tempos um camarada nosso que, em Nova Lamego, desertou para o PAIGC. Não me compete fazer juízos de valor sobre o seu comportamento.

Trata-se do soldado auxiliar de cozinheiro A..., de que mando foto, em que está marcado com uma seta a branco [Por razões óbvias, não queremos identificá-lo]... A foto foi tirada no salão do Cinema de Nova Lamego, numa festa de variedades, em que actuava uma cantora vinda da Metrópole, do Seixal, e eu estava de Cabo de Dia. Como o Furriel destinado à Polícia da Unidade (PU) se tinha baldado, o Oficial de Dia, o Capitão, Comandante da CCS, mandou-me substituir o Furriel, e assim aproveitei para ir assistir às variedades.

O soldado A... já era velhinho (de 1966), e fora mobilizado para a Guiné, por castigo, pelo vício que tinha - dizia-se ! -  de se "apropriar do alheio", vício de que não se curou, tendo assaltado um dia, aliás uma noite, a Sala do Soldado e roubado 20.000$00 [, vinte contos,], que era bastante dinheiro na altura.

Em Fevereiro de 1970 foi punido com 10 dias de prisão disciplinar agravada e em Março de 1970 novamente com mais 10 dias de prisão disciplinar agravada, referente ao mesmo delito, dados por Bafatá.

E,  em face disso, nós dizíamos-lhe que ele iria apanhar 20 anos, 1 ano por cada conto roubado, quando a Ordem de Serviço (O.S.) chegasse ao General Spínola. O pobre coitado acreditou, de tal maneira que pediu a um elemento civil, a trabalhar no quartel (velho), nas limpezas, para que o ajudasse a fugir e que o levasse para junto do PAIGC. O pedido foi aceite, e ele fugiu.

Mais tarde, em alguns ataques, foram deixados nos locais de onde nos atacavam, vários papéis supostamente escritos pela mão do soldado A..., a solicitar para que fizéssemos o mesmo, que seríamos bem recebidos, como ele, que estava muito satisfeito, porque agora ele era o cozinheiro de serviço dos guerrilheiros.

Também havia relatos de que, em várias emboscadas, chegaram a ouvir ex-militares portugueses a gritar do outro lado, dizendo o seu nome, posto e nº mecanográfico, e que se entregassem, porque estávamos do lado errado.

Portanto, o soldado básico A... não fugiu por motivos políticos, mas sim por medo à prisão. Isto é o que eu presumo. De qualquer modo, era uma situação diferente da de outros, desertores ou refractários, que, na metropóle, arriscaram a fuga nos Altos Pirinéus e a possibilidade de serem capturados ou mesmo alvejados pela polícia.

Um Abraço
Tino Neves

2.  Comentário do editor:

Tino:  O teu camarada A..., soldado básico,  seria apenas um "pobre diabo", como se percebe pela tua versão dos acontecimentos.  Não sei se  ainda é vivo e tem família, amigos, vizinhos, se vive algures em Portugal, e até se poderá vir a ter conhecimento deste poste... Espero bem que sim, que esteja vivo e de boa saúde.

Como sabes, o nosso blogue não é nenhum tribunal (muito menos  militar). E não faz  justiça, muito menos por suas mãos. Como qualquer um de nós que passou pelo TO da Guiné,  o teu camarada A... tem o direito ao bom nome e reputação, tem direito à imagem, tem direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, de acordo com o nº 1 do art. 26º da Constituição da República Portuguesa... Tem direito a defender-se, se for caso disso. Daí tu e eu não o termos identificado. E mais:  termos retocado a foto que nos mandaste... De qualquer modo, presumimos este caso seja público e notório, podendo toda a gente da tua CCS corroborar, confirmar ou infirmar a tua versão dos factos. Sabes disso, e por isso também não pode ser posta em causa a tua boa fé.

Lembras-te que esta história teve uma vida atribulada no blogue. Devia a estória do Gabu nº 1. Não o foi. Mas achamos que deve ser publicada, ao fim destes anos, apenas com um título diferente daquele que tinhas sugerido. Será a nº 7.  Quero que saibas que tens jeito e talento para contar estas histórias de caserna, passadas na "tua" Nova Lamega. Obrigado pela tua colaboração. Ficamos à espera de mais.
__________

Nota do editor:

Último poste da série > 13 de junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1844: Estórias do Gabu (6): Já chegámos à Madeira, ou quê ?! (Tino Neves)

2 comentários:

Anónimo disse...

Uns anos atrás, um camarada da minha companhia contou-me que ele (o fugitivo), quando regressou à sua terra natal, foi recebido como um herói, com recepção e tudo.
Tentei contacta-lo mas não consegui.
Desconheço o seu paradeiro.

Um Abraço
Tino Neves

Rogerio Cardoso disse...

Eu também concordo, que a fuga teve a ver com o medo à provável quantidade de anos de detenção, que iria ter pelo furto e antecedentes, e que no fim era um pobre diabo, que a sua deserção não era por motivos politicos, que na altura era o mais grave.
Pois se outros fugiram, individuos com grandes responsabilidades de comando, como oficiais, e foram desculpados e até candidatos a altos cargos da Nação, porque não este moço?