quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 2005 > Restos do monumento mandado erigir pelos Gringos de Guileje, em 1972, à Nossa Senhora de Fátima e ao Senhor Santo Cristo (vd. foto a seguir). Foto do Xico Allen, tirada na sua viagem de 2005. Ele é o mais andarilho de todos nós, em matéria de Guiné (desde que lá voltou em 1998, tem lá ido com frequência). Está a organizar uma próxima viagem em Fevereiro de 2008. Na foto pode ler-se a oração em verso: "Santo Cristo dos Milagres / Nesta capelinha oramos / Para sempre sorte dares / Aos Gringos Açorianos". Foto: Xico Allen (2005). Direitos reservados. Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Nov 1971/Dez 72) > 1972 > Oráculo, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima e do Santo Cristo dos Milagres... Na imagem, o Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º cabo enfermeiro, está a pegar ao colo um bébé de chimpazé (ou dari, como se diz localmente). Os Gringos Açorianos antecederam os Piratas de Guileje (CCAV 8350, Dez 1972/Mai 1973). Segundo amável informação do Samúdio, o monumento foi contruido pelos Gringos e inaugurado pelo então Ministro da Defesa Nacional, general Sá Rebelo e também pelo então governador, general Spínola, em 12 de Junho de 1972. Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1972 > Brasão da CCAÇ 3477 (Gringos de Guileje), 1971/72. Foto: © José Casimiro Carvalho (2006). Direitos reservados. Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2006 > Restos arqueológicos: o brasão da CCAV 8350 (Os Piratas de Guileje), novinho em folha... Foram a última a lá estar, tendo abandonado o aquartelamento, juntamente com a população da tabanca, por ordem do major Coutinho e Lima, comandante do COP 5. Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2006). Direitos reservados. 1. Nota do editor L.G.: O texto que a seguir se publica, da autoria do jornalista Eduardo Dâmaso, foi reproduzido originalmente no Blogue-fora-nada > vd. post de 11 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLVI: Antologia (33): os 'gringos açorianos' de Guileje (CCAV 8350, 1972/73). Há (ou melhor, houve) aqui um erro nosso (e do jornalista Eduardo Dâmaso) confundindo a CCAV 8350- Os Piratas de Guileje (Dez 1972 / Mai 1973) - com os Gringos de Guileje, a CCAÇ 3477 (Dez 1971/Dez 1972). Pirata de Guileje é(foi) o nosso camarada José Casimiro Carvalho (1). Gringo de Guileje é (foi) o nosso camarada Amaro Samúdio (2). De facto, a CCAÇ 3477 (Nov 1971/ Dez 73) é a companhia de açorianos que ficou conhecida como Os Gringos de Guileje: estiveram em Guileje entre Novembro de 1971 e Dezembro de 1972); foram a penúltima unidade de quadrícula de Guileje, sendo rendidos pela CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) - Piratas de Guileje, a que pertencia o nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-fur mil de operações especiais (3). Há ainda outro erro (grosseiro) no que respeita ao calibre das peças de artilharia: o jornalista fala em morteiros de 11,4, em obuses de 14 milímetros... Quando queria dizer, muito possivelmente, peças de artilharia de 11,4 (centímetros) e obuses, de 14 centímetros... Já alguém, em comentário ao post, nos chamou a atenção para este erro, grosseiro (Anónimo, 9 de Agosto de 2007): "É lamentável que, num texto com redacção geralmente muito aceitável, o autor não tenha a mínima noção dos calibres das bocas de fogo da Artilharia. Escreve morteiros de 11,4 milímetros quando, certamente deveria escrever peças de 11,4 centímetros e atribui aos obuses um calibre pouco superior ao de uma arma caçadeira...Estas faltas de rigor maculam, em meu entender, a credibilidade do texto". Bem, não exageremos, o Eduardo Dâmaso é um paisano que não tem que saber de artilharia em profundiade. Como jornalista, tem-se interessado em pesquisar e escrever sobre a guerra colonial... Merece, só por isso, a nossa gratidão. De qualquer modo, também houve aqui outras pequenas imprecisões como a de chamar miliciano ao milícia Aliu Bari... Por tudo isto voltamos a publicar a excelente peça do ex-jornalista do Público, actualmente director-adjunto do Correio da Manhã.

  2. Em 11 de Dezembro de 2005, eu escrevia: Guileje continua a estar rodeado de mistério e de polémica. Faltam-nos trabalhos de investigação historiográfica séria, tanto de um lado como de outro. Por enquanto temos só ouvido o testemunho de alguns dos seus (poucos) protagonistas. É urgente que apareçam testemunhos (escritos) de guerrilheiros do PAIGC que estiveram no cerco de Guileje. A geração que fez a guerrilha está a envelhecer e a desaparecer. Segundo creio saber, o Pepito tem sobretudo contactos com antigas milícias, provavelmente de etnia fula, que estiveram do nosso lado. Não sei se há guineenses a tentar preservar essa memória. O Pepito que não foi combatente, será uma das poucas excepções na Guiné-Bissau, com o Projecto Guiledje, da sua ONG (AD - Acção para o Desenvolvimento). Por outro lado, estamos a aguardar, com curiosidade, a divulgação ou publicação da tese de doutoramento do nosso amigo guineense Leopoldo Amado, defendida na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Um dos testemunhos sobre os acontecimentos de Guileje, entre 18 e 22 de Maio de 1973, é o de Alexandre Coutinho e Lima, na altura major, à frente do Comando Operacional 5 (COP 5), baseado em Cacine. Foi este oficial quem, à revelia de Spínola, seu comandante-chefe, decidiu, de motu proprio, abandonar Guileje, retirando a CCAV 8350 e mais dois pelotões, para Gadamael-Porto, mais as milícias locais e mais meio milhar de civis. Essa decisão (corajosa, para uns; cobarde, para outros) custou-lhe a carreira militar. Essa história foi há tempos contada pelo jornalista Eduardo Dâmaso, no suplemento dominical do Público, de 21 de Maio de 2004. Vale a pena divulgar esse texto, pelo seu valor documental, já que muitos dos nossos tertulianos e outros visitantes o não conhecem. 

A versão que encontrámos disponível na Net vem no Blogue Moçambique para Todos, e em particular numa secção dedicada ao 25 de Abril - O antes e o agora. Agradecemos a estas duas fontes (O Público e o Blogue Moçambique para Todos) a possibilidade de fazer chegar aos membros da nossa tertúlia e a outros cibernautas a versão dos factos na pessoa do entrevistado, o hoje coronel na reforma Alexandre Coutinho e Lima. Parece que esta questão ainda hoje incomoda as chefias militares do Exército e até os homens que fizeram o 25 de Abril. O abandono de Guileje, sem honra nem glória, foi sempre considerado inaceitável por Spínola e os spinolistas. O velho general, metido no atoleiro da Guiné, quereria muito provavelmente que Coutinho e Lima e os homens defendessem Guileje até ao último cartucho de G-3... À semelhança de Salazar, em relação ao pobre do General Vassalo e Silva, que comandava as NT aquando da invasão indiana de Goa, Damão e Diu, em 18/19 de Dezembro de 1961. ________ 

  2. Republicação da peça jornalística, com as necessárias correcções: 

  Coronel Coutinho e Lima: Salvou 600 vidas mas foi castigado por Spínola PÚBLICO, Domingo, 16 de Maio de 2004 Eduardo Dâmaso 

  Auto de corpo de delito 

Acusação: ordenou a retirada de forças sob o seu comando do quartel de Guileje para Gadamael sem que para tal estivesse autorizado; mandou destruir edifícios e inutilizar obras de defesa do referido quartel, bem como material de guerra e munições; não cumpriu a missão que lhe foi atribuída. Nessa luminosa madrugada de 22 de Maio de 1973, a sorte dava ares de voltar a sorrir aos gringos açorianos e a todos os outros gringos que faziam a guerra em Guileje, Sul da Guiné, contra o PAIGC (Partido Africano pela Independência da Guiné-Bissau e Cabo-Verde). 

Eram quase seis da manhã e os gringos iam carregados que nem burros pelo trilho do mato que ligava o quartel de Guileje ao de Gadamael, uns oito ou nove quilómetros bem medidos na retaguarda do primeiro, mas a manhã levava-os para longe daquele buraco que já viam como cemitério dos seus próprios cadáveres trespassados pela metralha do inimigo. Os soldados sedentos, famintos e, alguns, doentes, abandonavam Guileje em passo lento e levavam malas de viagem, sacos militares, armas, mochilas. Transportavam tudo o que era imprescindível para refazer a vida da tropa noutro quartel qualquer. Entre eles marchavam 600 guineenses, igualmente cheios de fome, sede e doenças, que recuavam também para a zona do aquartelamento de Gadamael, alguns dos quais já muito idosos e um deles paralítico, que teve de ser transportado às costas por soldados. A população da tabanca de Guileje levava a casa na trouxa e a família pela mão sem olhar para trás. 

Na retaguarda, num qualquer ponto fixo no horizonte da densa mata do Sul, só ficavam os canhões do PAIGC que, por aqueles dias, não escolhiam entre soldados portugueses e civis guineenses. Uns e outros compunham uma coluna de gente que protagonizava um episódio histórico na guerra colonial portuguesa: as Forças Armadas comandadas na Guiné por António Spínola batiam em retirada do quartel de Guileje, o único que a tropa portuguesa deixou livre à ocupação pelo inimigo em toda a guerra colonial. 

O PAIGC, tolhido pela surpresa, só viria a ocupar a guarnição militar três dias depois da retirada. A retirada de Guileje foi o culminar de um complexo processo político-militar que começou a desenhar-se na Guiné após o assassinato de Amílcar Cabral, em Janeiro de 1973. O PAIGC desencadeou então uma ofensiva simultânea no Norte e no Sul da Guiné cercando os quartéis de Guidaje, junto à fronteira com o Senegal, e de Guileje, encostado à Guiné-Conacri. 

 Essa operação, a que chamaram Amílcar Cabral, foi um momento decisivo na guerra que coincidiu com a utilização dos mísseis Strella, de fabrico soviético, que abateram pela primeira vez um Fiat G-91 da Força Aérea a 25 de Março desse ano. Nessa semana a "arma desconhecida, tipo foguete", como foi qualificada no relatório da ocorrência, atingiu seis aeronaves portuguesas e num dos casos morreu mesmo o piloto, tenente-coronel Brito (4). A maior parte destas acções aconteceu precisamente na zona de Guileje, área do Comando Operacional 5 (COP5) criado menos de seis meses antes para fazer face ao previsível agravamento da guerra na frente sul, mas para onde não foram enviados mais do que 108 homens. A partir deste novo dado da guerra, os mísseis terra-ar, ficou muito condicionada a utilização de meios aéreos no apoio de fogo às tropas terrestres, na deslocação de feridos, no transporte logístico e na regulação de tiro da artilharia. Os efeitos do conflito passaram a ser devastadores nas fileiras portuguesas. 

Segundo números oficiais das Forças Armadas, só entre 13 e 27 de Maio morreram 38 soldados e 155 foram feridos na frente sul da guerra. Em todo o primeiro semestre de 1973 registaram-se 135 mortes de militares portugueses em todo o território guineense. Foram as semanas da viragem da guerra a favor de um inimigo mais numeroso, mais bem armado e preparado. Nesse Maio de chumbo, Bissau não evacuava feridos há semanas lá das bandas do Sul. Os aviões não se arriscavam a um voo que podia ser o último. Em Guileje, com a moral arrasada, os soldados não tinham nem água, nem comida, nem munições, o inimigo atacava a 500 metros, ou menos, do quartel. Ficar ali para cativeiro ou morte certa nem pensar, antes marchar em retirada. Ainda por cima, naquela época do ano, o Sul da Guiné submergia com a intensidade das chuvas e uma parte do território estava intransitável. Nos dias anteriores à retirada, as bombas do inimigo abatiam-se sobre o quartel e dele quase nada restou de pé. Ficaram as orações dos gringos açorianos inscritas nas poucas pedras que sobravam: "Santo Cristo dos Milagres nesta capelinha oramos para sempre sorte dares aos gringos açorianos." (5). Ou as dos Piratas de Guileje, uns e outros da companhia de cavalaria 8350, estacionada no Sul entre 72 e 74. Os RPG 7 da guerrilha rebentavam no ar e caíam em chuveiro sobre o quartel, deixando marcas de destruição em todo o lado. Nos seis abrigos amontoavam-se soldados e população. Do dia 18 em diante, até à evacuação, muita fome ali se passou porque os flagelamentos do PAIGC foram praticamente incessantes. 

  Minhas declarações em 28 de Maio de 1973 

 "Durante a manhã [21 de Maio] tinha havido um ataque próximo em que predominaram os rebentamentos de RPG. Ao princípio da tarde, as mulheres, desesperadas com falta de água, foram à bolanha (cerca de 500 metros do quartel), tendo sido flageladas pelo IN com RPG e imediatamente recolhidas pelas NT que foram em seu socorro. A Força Aérea que apareceu a apoiar, após o ataque das 15h15 às 16h30, o mais intenso de todos e o que provocou um morto e muitos danos materiais, foi informada que o quartel estava sem transmissões, tendo prometido ir lá de noite, se possível, e no dia seguinte, logo de manhã." A base dos guerrilheiros era em Canjifara, Conacri, o que permitia ao PAIGC uma grande actividade na região, que se intensificou a partir do momento em que a artilharia portuguesa, até aí a utilizar [peças de artilharia] de 11,4 , mudou para os obuses de 14 [centímetros]. A regulação de tiro com os de 11,4 tinha sido comprovadamente mais eficaz, mas estas [peças] acabaram e não foram substituídas por outras de características idênticas. Portanto, para lá do fogo de artilharia dos RPG 7, os guerrilheiros passaram a fazer emboscadas nas proximidades do quartel. O que foi uma machadada no moral das tropas, que andavam há meses a acumular a realização de obras imprescindíveis no aquartelamento - criado em 1964, mas nunca chegou a ter sequer uma segunda protecção de arame farpado - com a actividade operacional, acabando esta por se ressentir. É neste cenário que o então major Alexandre Coutinho e Lima decide bater em retirada, depois de intensas movimentações nos últimos dias a pedir reforços de tropas especiais que nunca chegaram. Assim que chegou a Gadamael, nessa manhã de 22 de Maio, foi imediatamente preso e acusado de ter cometido um crime militar ao ordenar a retirada de forças sob o seu comando sem autorização superior. 

Também mandou destruir edifícios e inutilizar obras de defesa do quartel que comandava, material de guerra e munições. A justiça militar imputou ao major uma falta grave: não ter cumprido a missão que lhe foi atribuída pelo comandante-chefe das tropas portuguesas na Guiné, António Spínola, e pagou por isso com um ano de prisão, que só viria a ser interrompido por uma amnistia nos primeiros dias a seguir ao 25 de Abril de 1974. 

 Na versão seca do formalismo da linguagem militar, o major não cumpriu a missão que lhe foi atribuída. Mas, para as mais de 600 pessoas cercadas pelo fogo dos guerrilheiros independentistas, a decisão do agora coronel reformado Coutinho e Lima salvou-os de morrer no inferno de Guileje. Para essas pessoas e para milhares de soldados que viam a derrota e a morte a aproximar-se nas frentes de guerra da Guiné, o coronel Coutinho e Lima foi um herói, que teve a coragem de decidir de acordo com a sua consciência. Mas ainda hoje é um homem perplexo com a actuação de Spínola neste processo e, em concreto, pela diferença de tratamento que deu às duas situações mais dramáticas naquela guerra. Ao cerco de Guidaje, a norte, Spínola respondeu com reforços imediatos e um ataque de comandos à base do PAIGC em Kumbamory, em território senegalês, uma acção que veio aliviar a pressão do PAIGC sobre Guidaje (6). Já em relação a Guileje, Spínola nunca autorizou um reforço de homens e meios operacionais, deixando a guarnição abandonada à sua sorte, acabando também por não conseguir evitar a desgraça de Gadamael, onde o PAIGC atacou entre as 14h00 e as 18h00 do dia 31 de Maio, bombardeando o quartel com mais de 700 granadas e provocando cinco mortos e 14 feridos, numa acção que foi apenas o início de intensos flagelamentos que prosseguiram nos dias seguintes, causando um total de 24 mortos e 147 feridos. Trinta e um anos depois da retirada do quartel de Guileje, as Forças Armadas ainda lidam mal com o episódio. 

O único quartel português abandonado pelas tropas coloniais é um episódio que representa uma espécie de pedra no sapato do Exército e das Forças Armadas em geral, que transformou o seu principal protagonista num rosto incómodo tanto para as hierarquias como, aparentemente, para os próprios militares do Movimento das Forças Armadas (MFA). Para os militares de Guileje, o pesadelo começou a desenhar-se a partir do dia 10 de Maio, ainda sem o perceberem. A melhor descrição da situação militar ali vivida é feita pelo próprio Spínola, que a 11 de Maio se desloca de helicóptero a Guileje e, numa comunicação às tropas, fez saber que se esperava um agravamento da situação. Ficou claro que a Força Aérea não faria operações de rotina como até aí. Deixou, porém, a garantia de que, em momentos de combate mais sérios, os aviões voariam mais alto e utilizariam bombas mais potentes no apoio de fogo. 

O transporte de feridos muito graves seria também assegurado. Palavras vãs, tal nunca aconteceu. Um dia antes da visita, a vida corria com alguma normalidade no aquartelamento de Guileje. O único facto anormal era dado pelo desaparecimento do [milícia] Aliu Bari, que saíra de espingarda às costas dizendo que ia à caça, mas não voltou mais. Ao fim de um par de horas, começaram a sair grupos de patrulhamento na estrada de Mejo com o objectivo de tentar encontrar o [milícia] Bari, que, admitia-se, podia ter-se perdido ou sido mordido por uma cobra. Alguns patrulhamentos depois, já a 12 de Maio, porém, uma mina rebenta na estrada do Mejo e morrem dois comandantes de secção da milícia, o que afecta as tropas, sobretudo do contingente guineense e da população, onde os dois homens eram vistos como líderes. 

 No dia 18, dois grupos de combate que realizavam trabalhos de detecção de minas e instalação de um sistema de segurança para uma nova operação de reabastecimento, junto ao cruzamento da estrada Guileje-Gadamael, foram atacados por mais de 100 guerrilheiros emboscados. Das sete às oito da manhã os soldados portugueses e os milicianos [milícias] guineenses ao seu serviço estiveram debaixo de intenso fogo de metralhadora, armas automáticas e morteiros RPG. O balanço final foi dramático: dois mortos, nove feridos graves. 

Mais tarde, um destes feridos, um cabo, veio a morrer. Tinha sido pedido apoio de fogo aéreo a Bissau, que não foi concedido por falta de condições meteorológicas. Aos pedidos de deslocação dos feridos foi respondido que as baixas deveriam ser levadas para Gadamael e daí para Cacine por via fluvial, o que não aconteceu por já não haver maré que permitisse o transporte. Adivinhava-se um mortícinio. Os soldados começaram a perceber que estavam entregues à sua sorte. O major Coutinho Lima enviou uma mensagem para Bissau a pedir a deslocação de um delegado a Guileje para analisar o problema dos apoios e efectivos para as colunas de reabastecimento. A resposta é negativa. Às 16h00 ainda do dia 18 colocou-se a necessidade de reabastecer a unidade de água, num local situado a quatro quilómetros do quartel. 

O grupo de combate que habitualmente fazia segurança a esta saída manifestou-se relutante em sair do quartel. Só o fez quando o próprio Coutinho e Lima saiu à frente do grupo. A operação decorreu sem problemas mas durante essa noite regressou o fogo inimigo. O quartel foi bombardeado pela noite dentro, em oito momentos diferentes; todos os rebentamentos de obuses ocorreram dentro zona de arame farpado. Compreenderam então que a regulação de tiro da artilharia do PAIGC era feita a partir de informações prestadas pelo miliciano [milícia] Bari, que tinha desertado para o inimigo. Era a primeira vez que o inimigo acertava no quartel. 

 Na manhã seguinte, os militares portugueses contaram 85 rebentamentos no interior do quartel. Coutinho Lima parte nessa manhã com um grupo de combate para Gadamael e daí para Cacine, para assegurar o transporte dos feridos e do morto, mas também na esperança de "encontrar alguém" do Comando-Chefe a quem pudesse expor a situação. Ao mesmo tempo, o drama adensava-se em Guileje: o inimigo passou todo o dia 19 a bombardear o quartel. Coutinho Lima só consegue falar com a Repartição Operacional na madrugada de 20 e pede que Bissau envie para Guileje uma companhia de tropa especial (comandos ou pára-quedistas), viaturas e estivadores para assegurar o reabastecimento. Volta a pedir autorização para se deslocar a Bissau, o que acontece no dia 21. 

Aí, expõe a situação a Spínola e pede, de novo, reforços. O comandante-chefe dá-lhe uma resposta negativa quanto ao reforço de uma companhia de tropas especiais, retira-lhe o comando e entrega-o ao coronel Rafael Durão (7). Coutinho e Lima é mandado de regresso a Guileje na qualidade de 2º comandante do COP5. Chega a Guileje ao fim da tarde do dia 21 e o quadro com que se depara é devastador: um furriel morto, depósitos alimentares destruídos, celeiros de arroz a arder, população refugiada dentro do quartel, falta de água e medicamentos, antenas de transmissões de rádio destruídas, poucas munições, abrigos e valas de defesa atingidos, centenas de rebentamentos dentro do quartel. Minhas declarações em 24 de Agosto de 1973 "A estadia nos abrigos era praticamente insuportável, pois neles se encontravam, além das NT, toda a população (homens, mulheres e crianças, cerca de 500 pessoas). 

Houve vários desmaios, onde o calor era imenso e o cheiro nauseabundo. Após as saídas do fogo IN [Inimigo], os rebentamentos demoravam cerca de 3 segundos só dando tempo ao pessoal para se deitar. De algumas vezes não se ouviram as saídas e houve vários rebentamentos no ar, que não eram de RPG; muitas granadas eram também perfurantes, devendo ter sido uma destas que provocou a morte do furriel, bem como outra que abriu uma brecha, de lado, num dos abrigos, ficando a armação de ferro à mostra. Todo o pessoal estava arrasadíssimo, não só física como psiquicamente, pois há cerca de 72 horas que o quartel estava a ser continuamente flagelado. 

Com a deserção do miliciano [milícia] Aliu Bari, a população estava alarmadíssima porque até aí o Inimigo não sabia onde eram os campos de arroz do pessoal de Guileje, não conhecia o trilho da população entre Gadamael e Guileje, nem tão-pouco sabia onde era o poço da água onde se fazia o reabastecimento, mas agora passava a ter conhecimento, através do referido desertor, de tudo isto." O medo estava instalado nos abrigos de Guileje. Mas também a fome, a sede, a doença. O inimigo estava a menos de 500 metros do quartel a acertar o fogo com homens empoleirados nas árvores. A descrença era total e já ninguém esperava reforços de lado nenhum. Batiam as 21 horas do dia 21 de Maio quando Coutinho e Lima mandou reunir todos os oficiais e, depois de analisada a situação, decidiu retirar de madrugada para Gadamael pelo trilho da população. 

De imediato elaborou uma mensagem em que pedia autorização para retirar. Foram improvisadas umas antenas, mas a mensagem nunca chegou a seguir, apesar das tentativas que duraram toda a noite. A última que seguira fora no dia 21, às 14h15, a dizer "Estamos cercados por todos os lados." Três décadas depois, Coutinho e Lima pergunta-se a si próprio que outra coisa poderia fazer: "Tinha-se perdido muito tempo. Mesmo que tivéssemos conseguido comunicar para Bissau naquele dia e tivessem decidido enviar reforços, as tropas não chegariam antes de três ou quatro dias, espaço de tempo que nunca conseguiríamos aguentar naquelas condições. 

Antes disso, o inimigo completaria o cerco poderosíssimo que estava a fazer com a consequente captura ou aniquilamento de toda a guarnição militar e população." Ou ficava e a sua companhia era chacinada e o que restasse dela apanhado à mão pelo PAIGC ou, pelo contrário, recuava para Gadamael de imediato, jogando no efeito surpresa.Tomada a decisão de partir, foi elaborado um plano de destruições e inutilizações de material que não pudesse ser utilizado pelo PAIGC: minas Claymore, material de criptografia, incluindo as máquinas, arquivos, equipamento de transmissões, obuses, viaturas e armamento pesado. "Não fui pressionado por ninguém para retirar e parti do princípio que a minha vida militar acabava ali", diz Coutinho e Lima. 

  Minhas declarações em 24 de Agosto de 1973 

 "Entre todos os factores que me levaram a decidir pela retirada, avulta a missão de defesa da população, cerca de 500 pessoas (...) [que] aceitou de bom grado a ordem para se preparar para seguir para Gadamael, não tendo havido nenhuma manifestação de pesar - 'choro' -, quer quando foi iniciada a retirada, quer na chegada a Gadamael." Deviam ser umas quatro da tarde quando a coluna entrou na parada do quartel de Gadamael-Porto. Coutinho e Lima é preso e enviado para Bissau, para a fortaleza de Amura, comando militar da Guiné. 

Não iria esperar muito até sentir a ira de Spínola, que o transfere para o Depósito de Adidos no aquartelamento de Brá com ordens inabaláveis: encerramento num quarto em regime de incomunicabilidade total e o vencimento reduzido a metade. Ali fica um mês e só uma consulta de psiquiatria altera as condições da sua prisão: passa a receber visitas, tem licença para se entreter na horta da guarnição e ler jornais. Todos os requerimentos que fez para poder dar explicações e aulas de Educação Física foram indeferidos pelo punho do próprio Spínola. Nessa fase, lia, fazia paciências com cartas, escrevia. Começou a perceber então que a sua situação gerava entre os militares um grande movimento de solidariedade. 

Não tinha dinheiro para contratar um advogado e houve uma quotização entre os oficiais, que asseguraram os 50 contos necessários para pagar a sua defesa ao advogado Manuel João da Palma Carlos, como é assegurado o subestabelecimento da causa num conjunto de mais quatro advogados, todos eles oficiais milicianos a prestar serviço na Guiné: Barros Moura, Correia Pinto, Sacadura Bote e Maia Costa. Estes oficiais chegaram a ser ameaçados por Spínola com o envio para a frente de combate por se terem disponibilizado a defender o "presumido delinquente". 

 Depois de libertado em Maio de 1974 é colocado na Academia Militar, no gabinete de estudos, e recebeu a metade do vencimento que lhe tinha sido retirado. Nunca chegou a ser julgado, mas não requereu qualquer reparação por danos morais, já que era sua profunda convicção a inutilidade da acção enquanto Spínola liderasse a JSN [Junta de Salvação Nacional]. "Acho que nunca fui prejudicado na progressão militar, mas na parte final, quando tinha de fazer um ano de comando para a promoção - devia comandar uma unidade de artilharia -, fiquei com a sensação de que andaram a passar a bola de um lado para outro", diz hoje, passados 30 anos. 

  Minhas declarações em 24 de Agosto de 1973 

"Relativamente à acusação de não ter cumprido a missão que me foi atribuída, solicito informação sobre qual parte da missão deixou de ser cumprida. Se se pretende referir à alínea 'garante a defesa eficiente dos aglomerados populacionais e o socorro em tempo oportuno dos reordenamentos da sua zona', declaro que defendi o estacionamento de Guileje até à altura da retirada, por considerar a posição absolutamente insustentável." O tempo foi passando na vida de Alexandre Coutinho e Lima e as más memórias desvanecendo-se. Mas o mistério da recusa de conceder um reforço militar a Guileje permanece. "Nunca mais falei com Spínola sobre isso!" De há 31 anos para cá só ficou o silêncio (8). Recordo-me de me terem perguntado num dos interrogatórios se tinha pensado nas consequências do meu acto para a Pátria. Limitei-me a responder que a minha preocupação era mais com a vida dos meus homens e da população do que com os altos valores da Pátria. 

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 Notas de L.G.: 



 Vd. também post de 14 de Dezembro de 2005 > 14 Dezembro 2005 Guiné 63/74 - CCCLXVII: Guileje, terra de fé e de coragem (Luís Graça) 

 (3) Vd. post de 11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Nuno Rubim / Pepito) 

 Vd. ainda a correspondência do J. Casimiro Carvalho: 






 (4) Sobre as areonaves (Fiat) abatidas na Guiné, ver: 21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1867: Força Aérea Portuguesa: Seis Fiat G.91 abatidos pelo PAIGC entre 1968 e 1974 (Arnaldo Sousa) 

 (5) Vd. posts de:



 (6) Vd. posts de: 

 16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (João Almeida Bruno) 


 (7) Vd. posts e: 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato) 



 (8) Aguarda-se a comunicação do hoje Coronel Coutinho e Lima no Simpósio Internacional sobre Guileje (1 a 7 de Março de 2008) . Eu próprio estou, ando já há uns tempos, para o contactar telefonicamente. Também já lhe ofereci, publicamente, este espaço para nos poder dar o seu depoimento sobre a decisão de abandonar Guileje e as duras consequências que isso teve para a sua carreira militar e a sua dignidade como homem e cidadão. 

Não o conheço pessoalmente, mas confesso que apoiaria a sua atitude humanitária e pacifista, se lá estivesse, em Guileje, no dia 22 de Maio de 1973.



Guiné 63/74 - P2136: Bibliografia de uma guerra (19): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte III) (V. Briote)

O Congresso de Cassacá

Um ano depois do início da luta armada travou-se a batalha do Como (ou Komo, como também aparece escrito). Foram cerca de 70 dias de luta, com uma e outra parte fortemente envolvidas. O PAIGC a defender o que chamava terra libertada e as forças do exército português empenhadas em desalojar os guerrilheiros dos seus santuários.

Enquanto a batalha prosseguia, realizou-se em Cassacá, de 13 a 17 de Fevereiro de 1964, o 1º Congresso do PAIGC.

A caminho de Cassacá, em 1964, desembarque numa praia da Guiné-Conacri

Um dos motivos que levaram Amílcar Cabral e a direcção do PAIGC a convocar uma reunião de quadros do partido tinha por base as repetidas queixas das populações sobre abusos de responsáveis pela guerrilha, que iam do consumo exagerado de álcool e castigos corporais até a abusos sexuais e fuzilamento de populares, crimes estes que estavam a minar a relação com as populações.

Quacuta Mané, Aristides, Abdulay Barry, Manuel Saturnino, Armando Ramos, Amílcar, Rogério Oliveira e Osvaldo Vieira, a caminho do Congresso

Em Cassacá tomaram-se medidas que vieram a projectar-se até ao fim da luta. Foi decidido criar o Exército Regular, a Milícia Popular, escolas e hospitais e formar pessoal de enfermagem.

A direcção do PAIGC saída do Congresso de Cassacá
Nino, Chico Mendes, Rui Djassi, Aristides, Constantino Teixeira, Amílcar, Domingos Ramos, Luís Cabral e Osvaldo Vieira

Ao Exército (FARP*) , a que podiam aceder os melhores guerrilheiros (passou a ser considerada uma promoção), foi cometida a missão de abrir novas frentes, em especial a Norte e a Leste do território.

À guerrilha competia fustigar as tropas portuguesas na retaguarda, tornando-lhes a vida cada vez mais mais difícil e a Milícia ficava responsável pela defesa e segurança das populações das áreas sob controlo do partido.


sessão de encerramento do Congresso

Em Cassacá, o partido deixou de ser apenas uma organização política e militar; assumiu a organização e administração da justiça, da educação, da assistência médica e do comércio.

Muita e muita coisa aconteceu depois de Cassacá. Mas até ao fim da luta, o Iº Congresso do PAIGC ficou como uma marca de viragem e correcção e os seus efeitos perduraram até à década de 70. As armas, o transporte das mesmas de Marrocos até ao interior da Guiné, o difícil trânsito do material através da Guiné-Conacri com as dificuladades que Sekou Touré levantou durante muito tempo, as movimentações internacionais do partido, os debates sem fim na Nações Unidas, a recepção que o então Papa Paulo VI concedeu aos chefes da luta armada contra o colonialismo português, já na década de 70.

Não há aqui espaço, nem provavelmente o leitor tem paciência, nem tão pouco nós temos artes de historiador suficientes para descrever todo o trajecto da luta do PAIGC.

Foi uma década decisiva para o alcance da independência da Guiné e de Cabo Verde. As flagelações a Bissau, as batalhas dos três Gs (Guidage, Guileje, Gadamael), a preparação das eleições para a Assembleia Nacional Popular, a decisão dos países nórdicos (Suécia, Finlândia e Dinamarca), alguns deles parceiros de Portugal na Aliança Atlântica, de conceder apoio humanitário ao PAIGC, estes e muitos outros factores concorreram para que o desenlace da luta se viesse a dar a muito curto prazo.

(*) Forças Armadas Revolucionárias do Povo

__________

Nota de vb:

Fontes e imagens do livro "Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países", de Aristides Pereira. Editorial Notícias.

(1) Vd. post de 18 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P2114: Bibliografia de uma guerra (17): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte I)

(2) vd. post de 24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2128: Bibliografia de uma guerra (18): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte II)

Guiné 63/74 - P2135: Estórias cabralianas (26): Guerra escatológica: o turra Boris Vian (Jorge Cabral)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 > 1969 > À direita ao fundo, as tais vivendas...de que se fala nesta estória duplamente cabraliana.

Foto : © Jorge Cabral (2007). Direitos reservados

1. Mensagem do Jorge Cabral, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71, autor da série Estórias Cabralianas (1).

Querido Amigo:

Um pouco melhor e a tentar deixar de fumar, mais uma estória e aquele Abraço.

Jorge


Guerra Escatológica: O Turra Boris Vian
por Jorge Cabral

Fá Mandinga fora sede de Batalhão e de Companhia, possuindo muitas e boas instalações.

Chegados em Julho de 1969, optámos por ocupar apenas dois edifícios. Quanto aos restantes, convenci o Pelotão, que o respectivo acesso estava minado, razão porque só eu lá poderia entrar. É que vislumbrara duas belas e isoladas vivendas, as quais intimamente destinara a uso próprio. Uma serviria para encontros amorosos. Na outra, utilizaria a casa de banho, lendo e meditanto... E assim se passou.

Coloquei uma cama na primeira e da segunda fui utilizando a sanita, o bidé, o lava-loiças, etc, etc e demasiado preguiçoso para carregar com os necessários garrafões de água, tornei-a inabitável.

Bajudas, mulheres grandes e algumas profissionais passaram por aquela cama e houve uma que marcou a sua presença, pois lhe aconteceu o que sucede às mulheres todos os meses, deixando o colchão manchado.

Em meados de Dezembro [de 1969] apresentou-se um Sargento de Engenharia. Periquito, chegara à Guiné há oito dias, e vinha preparar o Quartel, para receber os Comandos Africanos (2).

Deixei-o ir sozinho inspeccionar as vivendas, garantindo-lhe que desde Julho, ninguém lá entrara.

Ainda nem um quarto de hora passara, surge-me a correr o nosso Sargento, com um livro na mão e aos gritos:
- Meu Alferes! Meu Alferes! Os turras estiveram lá! Fezes por todo o lado, um colchão ensanguentado, e este livro! (L’Automne à Pekin, de Boris Vian, que eu andava a ler)(2).
- Algum turra ferido com diarreia! - tentei brincar.
- E o livro, o livro? O meu Alferes sabe que os turras treinam na China. E este foi no Outono e em Pequim.
- Claro - concordei.- Vian é um apelido Mandinga!

Uma semana depois recebi ordem para reforçar a segurança, dobrando os postos de sentinela. Quanto ao nosso Sargento guardou como ronco de guerra o livro capturado.

Que será feito dele? Terá lido o romance do turra Boris Vian?

Jorge Cabral


2. Comentário: Jorge, eis uma bela tripla notícia: (i) estás melhor; (ii) estás a tentar deixar de fumar; e (iii) presenteias-nos com mais uma das tuas estórias cabralianas... Desconcertante, o teu humor. Mas vou-te lembrar que o sorja era capaz de ter razão: esse tal Boris Vian até tinha escrito uma canção a fazer a apologia da deserção, traduzida para português e cantada pelo Zé Mário Branco, o tal da Cantiga é uma Arma!...

_______

Nota de L.G..

(1) Vd. post de 29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquinos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)

Capa do disco com a famosa canção Le Déserteur. Fonte: Amazon.fr (com a devida vénia...).


(2) O Outono em Pequim (1947). Romance do francês Boris Vian (1920-1959). Engenheiro, poeta, romancista, homem de teatro, músico de jazz, cantor, amigo de Sarte e de Beauvoir, boémio, existencialista, provocador...

Tudo foi dito cem vezes
E muito melhor que por mim.
Portanto quando escrevo versos
É porque isso me diverte,
É porque isso me diverte,
É porque isso me diverte e cago-vos na tromba...


É também autor da célebre canção Le Déserteur [O Desertor] (1954), traduzida pelo José Mário Branco para português (e adaptada ao contexto da época que era a da contestação da guerra colonial):

Ao senhor presidente
e chefe da nação
escrevo a presente
pra sua informação

recebi um postal
um papel militar
com ordem pra marchar
prà guerra colonial

diga aos seus generais
que eu não faço essa guerra
porque eu não vim à Terra
pra matar meus iguais

e aqui digo ao senhor
queira o senhor ou não
tomei a decisão
de ser um desertor

desde que me conheço
já vi meu pai morrer
vi meus irmãos sofrer
vi meus filhos sem berço

minha mãe sofreu tanto
que me deixou sozinho
morreu devagarinho
nas dobras do seu pranto

já estive na prisão
sem razão me prenderam
sem razão me bateram
como se fosse um cão

amanhã de madrugada
pego numa sacola
e na minha viola
e meto-me à estrada

irei sem descansar
pela terra lusitana
do Minho ao Guadiana
toda a gente avisar

à guerra dizei 'não!'
a gente negra sofre
e como nós é pobre
somos todos irmãos

e se quer continuar
a matar essa gente
vá o senhor presidente
tomar o meu lugar

se me mandar buscar
previna a sua guarda
que eu tenho uma espingarda
e que eu sei atirar

(3) Vd. posts de:

11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

19 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1536: Morreu (1)... Barbosa Henriques, o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)

19 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1611: Evocando Barbosa Henriques em Guileje (Armindo Batata) bem como nos comandos e na PSP (Mário Relvas)

2 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1640: A africanização da guerra (A. Marques Lopes)

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2134: História de vida (6): A minha convocação para o Curso de Capitães Milicianos (Ferreira Neto)

Ferreira Neto, ex-Cap Mil, CART 2340 (Canjambari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69).



1. É sabido que um dos grandes problemas do Regime para manter a Guerra Colonial, foi, a certa altura, arranjar Capitães para comandar o grande número de Companhias enviadas para os Teatros de Operações.

Os Capitães do Quadro Permanente tinham, na sua maioria, efectuado já duas e três Comissões de Serviço, e já apresentavam um desgaste físico e psicológico muito acentuado. Os que não conseguiam evitar mais uma Comissão, tudo faziam para baixar aos Hospitais Militares depois de mobilizados.

Como os Capitães que baixavam e que posteriormente eram abatidos ao efectivo das Companhias, não eram substituídos em tempo útil, eram os Alferes Milicianos que aguentavam a guerra como podiam. Como por vezes também os Alferes baixavam, até os Furriéis Milicianos comandavam Pelotões.

A solução encontrada pelas Chefias Militares foi recorrer aos Oficiais Milicianos na situação de Disponibilidade, que por sorte (ou azar) não tinham sido mobilizados durante o tempo normal de Serviço Militar Obrigatório.

Eram chamados de surpresa para frequentar um Curso acelerado de Capitães Milicianos e lá iam comandar Companhias Operacionais, tendo muitos deles deixado para trás a família já constituída e uma vida profissional estabilizada.

Esta situação foi vivida pelo nosso camarada Ferreira Neto, ex-Cap Mil, Comandante da CART 2340 (1).



2. A minha convocação para o Curso de Capitães Milicianos
Por Ferreira Neto

Terminado o meu serviço militar obrigatório em 15 de Fevereiro de 1959, iniciei a minha vida profissional em Novembro.

Com a vida estabilizada, casei-me em 18 de Agosto de 1960.

Entretando, em 4 de Fevereiro de 1961, os movimentos separatistas nas nossas colónias iniciaram a suas actividades.

Como tinha passado à disponibilidade, havia menos de um ano atrás, fiquei na expectativa de ser mobilizado para a guerra. Expectativa que continuou por muitos meses, com o adicional desconforto na minha vida. No entanto, com o passar dos meses esse estado foi-se desvanecendo, até porque, o número de cursos de oficiais milicianos era maior, e por consequência a quantidade que se interpunha entre mim e uma possível mobilização tornava cada vez mais distante. A consequente probabilidade de ser alistado diminuía a olhos vistos para meu descanso e da restante família. Assim fui progredindo na minha vida profissional e melhoria de proventos do meu trabalho.

Para minha surpresa, em Dezembro de 1966 fui convocado para me apresentar em Mafra, como Tenente, para frequentar o Curso de Capitães Milicianos, que se iniciaria em Janeiro do ano seguinte.

E assim foi, com a consequente diminuição dos meus proventos do trabalho, que passaram a ser muito menos de metade do que auferia até então, separação da família que só me era possível ver aos fins-de-semana, acrescido das despesas de viagem para tal acto.

Nesta altura tinha já um filho com 5 anos de idade. Com a minha mulher, tínhamos planeado ter mais um rebento. A situação descrita iria fazer com que tivessemos que optar por três hipóteses:
(i) - desistir da ideia de ter mais filhos,
(ii) - de os ter depois do meu regresso, ou
(iii)- de iniciar antes da minha partida.

A primeira hipótese não nos agradava, a segunda seria um intervalo bastante grande de idades entre os dois, o que não era aconselhável, pelo que optámos pela terceira, fazendo preces para que eu regressasse vivo.

Tal aconteceu, só que a minha mulher não teve o acompanhamento sempre desejado do marido, eu tinha embarcado para a Guiné no dia 10 de Janeiro de 1968. Nasceu uma menina em Julho desse mesmo ano. Felizmente tive oportunidade de, em Setembro, aquando da minha primeira licença, assistir ao seu baptismo.

Em Fevereiro de 1969, na segunda licença já a cachopinha se encontrava com seis meses e toda bonitinha à custa da minha mulher que teve que se haver quase só com a criação da criaturinha.

Eis o que me aconteceu e também em circunstâncias piores a centenas de outros e consequentes traumas de guerra, ainda hoje precariamente atendidos.

Ferreira Neto
Ex-Cap Mil
CART 2340
___________

Nota do co-editor CV:

(1) Vd. post de 14 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2046: Tabanca Grande (31): Apresenta-se Joaquim Lúcio Ferreira Neto, ex-Cap Mil (CART 2340, Canjambari, Jumbembem, Nhacra, 1968/69)

Guiné 63/74 - P2133: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 de Março de 2008)(4): Hino de Gandembel, quem se lembra da música ? (Pepito / Luís Graça)

Guiné > Regiã de Tombali > Ponte Balana > Novembro de 2000 > Um grupo de camaradas de visita a Guiné, onde se incluiram os nossos tertulianos Albano Costa, Hugo Costa, Zé Teixeira, Xico Allen e Casimiro Vieira da Silva... Ponte Balana era um destacamento de Gandembel, no tempo do Idálio Reis (CCAÇ 2317, 1968/69).

Foto: © Albano Costa (2006). Direitos reservados.


1.Mensagem do Pepito, com data de hoje:


Amigo Luís:

Para o Simpósio de Guiledje (1) estamos a pensar organizar num dia à noite, uma sessão de músicas, danças e poesia, daquele tempo. Para isso ocorreu-nos introduzir também cantigas que os militares cantavam nas casernas em Guiledje e Gandembel.

Sei que há um famoso Hino de Gandembel (tenho a letra que saiu no Blogue)(2), mas falta a música, que sei ser de um fado conhecido. Será que o Idálio se
lembra da música? Era importante ter uma gravação para os nossos músicos
poderem interpretar a cantiga (3).

Mais te informo que o site sobre o Simpósio estará cá fora na primeira
semana de Outubro, podendo as pessoas colaborar com opiniões, comentários e
sugestões.

abraço
pepito

2. Comentário de L.G.:

Eu sei trautear a música, mas não a consigo identificar... Tal como acontecia com o Cancioneiro do Niassa (o mais completo e mais célebre de todos os cancioneiros da guerra do ultramar / guerra colonial, até por que foi proibido pela censura do regime político de então), a malta na Guiné usava as músicas de fados, baladas e outras canções em voga...

Pepito, vou/vamos fazer um esforço por identicar a música e arranjar uma gravação do famoso hino de Gandembel que trauteávamos em Bissau, nós, os velhinhos e os periquitos...

Lembro-me bem que, nos primeiros tempos da minha comissão, em Contuboel e depois em Bambadinca (CCAÇ 12, 1969/71), era de facto Gandembel, juntamente com Madina do Boé, um dos lugares mais míticos, mais aterradores e mais fantasmagóricos do sul... E eu ainda nem sequer conhecia os relatos dos camaradas que lá viveram, como o Idálio Reis e os seus camaradas da CCAÇ 2317!...

Hoje diria que o hino de Gandembel é uma peça bem humorada, satírica, com uma letra típica do poeta de caserna, cuja função era exorcizar os medos e os fantasmas dos tugas... Desconheço o seu autor, pode até não ser ninguém da CCAÇ 2317, mas um qualquer trovador da guerra do ar condicionado do QG ou da 5ª Rep - o Café Bento... Pode ter sido escrito, numa esplanada de Bissau, com base em relatos que vinham do sul... Não sei, estou a especular... Talvez o Idálio nos possa responder a esta dupla questão: (i) quem escreveu a letra; e (ii) que música acompanhava a sua execução ?

O hino era cantarolado por nós, em noites de copos, de tainadas, enquanto se descansava e se esperava pela próxima saída para o mato... Era usado como se fosse uma espécie de talismã, mezinho ou ritual de exorcismo... Mesmo que não soubessemos onde ficava exactamente Gandembel nem a Ponte Balana, ficámos mais protegidos contra as ameaças, os perigos e os fantasmas que por lá pairavam, no sul, e que eram os mesmos que íamos descobrindo na zona leste...

Em meados de 1969, Gandembel (abandonado em Janeiro desse ano) era pura e simplesmente a visão do... inferno! Gandembel e Madina do Boé (também abandonado uns dias depois, já em Fevereiro)... Guileje virá muito mais tarde (Maio de 1973)...

Pepito, vou tentar arranjar-te e mandar-te o CD com as canções do Niassa, para ficares com uma ideia. É uma edição da EMI/Valentim de Carvalho, 1999. Há gravações originais (Rádio Metangula, 1969) na Página do José Rabaça Gaspar > Cancioneiro do Niassa.
_____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

6 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2084: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 Março de 2008) (1): Uma iniciativa a que se associa, com orgulho, o nosso blogue

7 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2086: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 de Março de 2008) (2): Programa provisório

(2) Vd. post de 30 de Dezembro de 2005 > e 30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel (José Teixeira / Luís Graça)


Hino de Gandembel

Ó Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.

- Meu Alferes, uma saída! -
Tudo começa a correr.
- Não é pr’aqui, é pr’ponte! (i),
Logo se ouve dizer.

Ó Gandembel,
És alvo das canhoadas,
Verilaites (ii) e morteiradas.
Ó Gandembel,
Refúgio de vampiros,
Onde se ligam os rádios
Ao som de estrondos e tiros.

A comida principal
É arroz, massa e feijão.
P’ra se ir ao dabliucê (ii)
É preciso protecção.

Gandembel, encantador,
És um campo de nudismo,
Onde o fogo de artifício
É feito p’lo terrorismo.

Temos por v’zinhos Balana (i),
Do outro lado o Guileje,
E ao som das canhoadas
Só a Gê-Três (iv) te protege.

Bebida, diz que nem pó,
Só chocolate ou leitinho;
Patacão, diz que não há,
Acontece o mesmo ao vinho!

Recolha: José Teixeira / Revisão de texto: L.G.
____________

Notas de L.G.:

(i) A famosa ponte sobre o Rio Balana, destacamento da CCAÇ 2317 (que estava em Gandembel, Abr 68/Jan 69)
(ii) Verylights
(iii) WC
(iv) A espingarda automática G-3







(3) Vd. posts sobre os vários Cancioneiros que até a esta data já conseguimos recolher no nosso blogue. Quando tiver tempo, vou fazer uma análise de conteúdo de todas as letras !

Bafatá

31 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche

31 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVI: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (2): Piche, BART 2857

11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCII: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (3): O Hotel do RC 8

11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (4): Lavantamento de rancho

Bambadinca

24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1695: Cancioneiro de Bambadinca: Isto é tão bera (Gabriel Gonçalves)

Canjadude

28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIII: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos)

Empada

1 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P828: Cancioneiro de Empada (Xico Allen)

Gandembel

30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel (Zé Teixeira)

Mansoa (autor: Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-furriel miliciano de operações especiais, da CCS do BCAÇ 4612, 1974)

1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1): o esplendor de Portugal

1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVII: Cancioneiro de Mansoa (2): Guiné, do Cumeré a Brá

7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLVI: Cancioneiro de Mansoa (3): um mosquiteiro barato para um pira...

10 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIV: Cancioneiro de Mansoa (4): a arte de ser 'ranger'

1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDIX: Cancioneiro de Mansoa (5): Para além do paludismo

19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLIX: Cancioneiro de Mansoa (6): O pesadelo das minas

15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVIII: Cancioneiro de Mansoa (7): Os periquitos do pós-guerra

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXI: Cancioneiro de Mansoa (8): a amizade e a camaradagem ou o comando da 38ª

3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P837: Cancioneiro de Mansoa (9): A mais alta de todas as traições

Xime:

31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)

Niassa (Moçambique)

11 de Maio de 2004 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa (1) (Luís Graça)

(...) Há uma edição discográfica das Canções do Niassa, que resultaram da colaboração do actor João Maria Pinto (que no início da década de 1970 fez, com um grupo de amigos, as primeiras gravações do Cancioneiro do Niassa, vendendo depois as cassetes piratas aos soldados recém chegados) e ao produtor Laurent Filipe: Canções proibidas: O Cancioneiro do Niassa. Lisboa: EMI - Valentim de Carvalho, Música, Lda. 1999. CD. 7243 5 20797 2 8.

Foram seleccionadas e gravadas 13 canções, cantadas pelo João Maria Pinto e seus convidados (entre outros, Carlos do Carmo, Rui Veloso, Paulo Carvalho, Janita Salomé, João Afonso):

1. Ventos de Guerra - João Maria Pinto/Rui Veloso;

2. Taberna do Diabo - João Maria Pinto/Gouveia Ferreira;

3. Fado do Checa - Paulo de Carvalho;

4. O Turra das Minas - João Maria Pinto/Rui Veloso;

5. Erva Lá Na Picada - João Maria Pinto/Janita Salomé;

6. Luta p'la Vida - João Maria Pinto;

7. Neutel d'Abreu - João Maria Pinto/Mariana Abrunheiro;

8. Bocas Bocas - Lura, João Maria Pinto/Mingo Rangel;

9. Fado do Miliciano - Janita Salomé;

10. O Fado do desertor - Carlos do Carmo;

11. O fado do Antoninho - Teresa Tapadas;

12. Hino de Vila Cabral - Carlos Macedo/João Maria Pinto;

13. O Hino do Lunho - João Maria Pinto e outros (João Afonso, Ana Picoito, Tetvocal...).

Destas 13 canções, apenas se conhecem os autores de duas: Gouveia Ferreira (Taberna do Diabo) e Carlos Macedo (Hino de Vila Cabral). (...).

Vd. ainda:

(i) Página do nosso camarada Jorge Santos > A Guerra Colonial > Canções do Niassa

(ii) Página do José Rabaça Gaspar > Cancioneiro do Niassa

"(...) as CANÇÕES que fazem parte da Gravação da Rádio Metangula, da Marinha, em 1969, na voz de João Peneque (Como é evidente, pedimos desculpa das falhas na gravação, que foi recuperada a partir de uma cassete gravada em 1969, pelos bons serviços dos amigos Manuel Aleixo e Manuel Cruz, a quem deixamos os melhores agradecimentos) " (...)

Este camarada fez parte da CART 2326, Os Lobos de Maniamba (Moçambique, 1968/70).

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2132: Convívios (30): CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72 (Paulo Santiago)

O Convívio da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72) ocorreu perto de Alfeizerão no dia 23 de Setembro de 2007


Mensagem de Paulo Santiago, no dia 24 de Setembro de 2007.

Luís
Todos os dias vou ao blogue, mas a minha participação (escrevendo) tem sido nula.

Foram as férias, são algumas reuniões devido ao ínicio de época para o clube do qual sou director, foi a intervenção cirúrgica da minha mulher e, como não podia deixar de acontecer, foi também a campanha dos Lobos em França.

Devo informar que o assunto do Batista não foi esquecido. Ando a reunir uns elementos para enviar ao Coronel Carlos Clemente que já contactou com a entidade própia, a fim de dar um passado militar correcto aquele nosso camarada, prisioneiro de guerra.

Ontem realizou-se, perto de Alfezeirão, o Almoço Convívio da CCAÇ 2701, no qual estiveram presentes cerca de uma centena de pessoas, ex-militares e seus familiares.

O Tony Tavares, conhecido do blogue, veio da República Checa com a Katerina (uma ternura).

O Bernardo, ex-soldado, veio também propositadamente de França.

Esteve presente uma representação (pequena) do PEL CAÇ NAT 53.

Ficou marcado encontro para Gaia no próximo ano.

Seguem algumas fotos do convívio.

Abraço
Paulo Santiago
P.S.-Espero por uma vitória de Portugal, amanhã, frente à Roménia.



Representação do PEL CAÇ NAT 53 > Ex-Fur Mil Duarte, ex-Alf Mil Santiago e ex-1.ºs Cabos Cosme e Verdete


Paulo Santiago ladeado por Katerina Krocilova e Tony Tavares


O ex-Fur Mil Santos, falando, ladeado pelo ex-Fur Mil Belarmino e pelo ex-Alf Mil Mota


Mesa onde se vê, de frente, o Coronel Carlos Clemente, Comandante da CCAÇ 2701
____________________________
Edição: CV

Guiné 63/74 - P2131: Mutilação Genital Feminina: É crime, diz explicitamente o novo Código Penal (A. Marques Lopes / Luís Graça)

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > 1969 > A festa do fanado em Bambadinca. O Fanado, como rito de passagem, é comum aos diversos grupos étnico-linguísticos da Guiné-Bissau. No entanto, é sobretudo entre os islamizados (fulas, mandingas e beafadas) que se pratica a Mutilação Genital Feminina (MGF), prática essa que é criminalizada no nosso novo Código Penal (1). Há quem, em nome do relativismo cultural, tenha tido e mantido até agora uma posição ambígua face à MFG. Pessoalmente, considero e sempre considerei a MGF (deste que estive na Guiné) uma prática (social, cultural e médica) absolutamente indefensável... (LG).

Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.


1. O nosso camarada A. Marques Lopes, sempre atento ao que se passa no mundo e arredores, mandou-nos há dias a seguinte notícia:


Código Penal inclui mutilação genital feminina > Associações imigrantes, partidos políticos e vítimas aplaudem alteração


14 de Setembro de 2007/ Marta Clemente, da Agência Lusa


Associações de imigrantes guineenses, partidos políticos e vítimas congratulam-se com a inclusão no novo Código Penal da Mutilação Genital Feminina [MGF], uma prática para a qual os médicos em Portugal ainda estão pouco sensibilizados.

«Concordo com a inclusão da MGF no código penal. Até na Guiné-Bissau devia ser», disse o dirigente da Associação Guineense de Solidariedade Social, Fernando Ká, à agência Lusa (2).

A mutilação genital feminina é uma antiga tradição em 28 países africanos, entre os quais a Guiné-Bissau, entre a população muçulmana, e consiste na remoção total ou parcial dos órgãos genitais femininos.

Em declarações à Lusa, o dirigente associativo defendeu que «nem tudo o que é cultural é bom» e lembrou que a MGF é feita em «condições de higiene deploráveis, para além da violência em si porque é feito a sangue frio».

Fernando Ká disse ainda não ter conhecimento de que esta prática seja realizada em Portugal.

Para acabar com a discussão que o Código Penal criava em torno desta questão, por não ser claro, o novo, que entra em vigor no sábado, já prevê a penalização para crimes que tirem ou afectem o prazer sexual.

Uma alteração que foi recebida com agrado pelo CDS-PP e pelo Bloco de Esquerda (BE), que há muito a reclamavam.

Para a deputada do BE, Helena Pinto, a inclusão da MGF no actual Código Penal era «uma questão de interpretação». «Era preciso interpretar nesse sentido. O novo (Código Penal) é mais claro e este tipo de crime não fica sujeito a interpretação», disse a deputada, acrescentando ser «positivo que exista esta clarificação».

Para o deputado Nuno Magalhães, do CDS-PP, «foi dado um avanço» na lei, na medida em que a MGF «fica juridicamente enquadrada», mas ainda não é esta a resposta que o partido pretendia. «Não é a nossa solução, mas registamos que foi um avanço», disse o deputado, acrescentando que o CDS-PP defende a criação de um crime autónomo.

A actual lei não é clara quanto à penalização da MGF, uma vez que apenas refere como crime quem privar outra pessoa de «importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente» ou quem tirar ou afectar, «de maneira grave, (...) a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem».

O novo Código Penal alterou este último artigo, e acrescentou quem «tirar ou afectar, de maneira grave, (...) a capacidade de fruição sexual».


2. Comentário de L.G., editor:

Já aqui temos falado, embora pouco, deste problema no nosso blogue, a propósito da nossa (mal) conhecida festa do fanado (3). Retomo o que escrevi num dos primeiros posts do nosso blogue, e espero que ilustres juristas da nossa Tabanca Grande, como o Jorge Cabral, possam e queiram também participar neste debate (participámos os dois, em Maio do ano passado, numa conferência sobre este tópico; confesso, entretanto, que ainda não tive tempo para ler o novo Código Penal que, de resto, não é meu livro de cabeceira):

(i) Em tempos comentei, em 5 de Agosto de 2002, nos Fóruns do Público > Cidadania - Mutilações sexuais: Salvem as meninas da Guiné (um tema de discussão que hoje só está disponível em arquivo), o seguinte post publicado originalmente por Barbarian Girl, em 16 de Maio de 2002:

Estou indignada com o que acabo de ler, numa reportagem do Público, assinada pela Sofia Branco. Não imaginava, na minha jovem e santa ignorância, que em pleno Século XXI ainda se praticassem mutilações sexuais como a excisão do clitóris nas meninas como parte dos rituais de iniciação à vida adulta...

O mais espantoso é que isto se passa num país irmão(!), onde se fala (?) português, que foi um colónia portuguesa(!), por onde passaram muitos portugueses. Mais: se calhar estas práticas continuam a fazer-se em Portugal, no seio das famílias guineenses islamizadas que por cá se vão instalando, com a complacência ou a conivência de muita gente, a começar pelas autoridades de saúde.

Nunca vi ninguém denunciar esta coisa horrorosa. Vocês sabiam disto, vocês tinham conhecimento disto ? Tenho vergonha da minha ignorância e do meu silêncio involuntariamente cúmplice. Por isso vejo-me na obrigação de publicar aqui, com a devida vénia, o artigo da Sofia Branco, apesar da sua extensão. O que podemos fazer para ajudar a salvar as meninas da Guiné ? Refiro-me a nós, mulheres portuguesas, a começar pelas universitárias. Bárbara.


(ii) Luís Graça:

A Sofia Branco [, jornalista do Público, e destacada figura da luta contra a MGF,] volta a este tema, com um notável e bem documentado dossiê. Parabéns ao Público e à Sofia por este excelente trabalho de jornalismo de investigação. Parabéns pela sua sensibilidade, empenhamento e rigor no tratamento deste tema marginal.

Espero que a Bárbara tenha lido a reportagem ou tome conhecimento do dossiê, disponível on line, nos dossiês do Público.pt: Sofia Branco (2002)- O holocausto silencioso das mulheres a quem continuam a extrair o clítoris. Público. 4 de Agosto de 2002)

Não é difícil a qualquer um de nós, homens e mulheres formatados pela cultura do Ocidente, ficarmos hoje siderados e indignados pelo conhecimento da prática da Mutilação Genital Feminina (abreviadamente, MGF). Aconteceu-me comigo, quando há trinta e tal anos a descobri na Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), nomeadamente entre os fulas (a principal tribo islamizada do território e um dos mais importantes aliados dos tugas).

Só estranho é que a indignação, de que se faz eco o director do Público, no seu editorial de ontem, chegue tão tarde a Portugal. Durante décadas e décadas, todos nós, portugueses (autoridades coloniais, tropas, oficiais do quadro, milicianos, soldados, marinheiros, capelães militares, missionários, comerciantes, antropólogos, médicos, professores, jornalistas...), convivemos com esta realidade. Uns melhor, outros pior. A festa do fanado era difícil de passar despercebida a qualquer branco que conhecesse minimamente o chão fula e o seu povo, ou que convivesse com a ppoluação das tabancas, como era o meu caso.

Na Guiné, entre 1969 e 1971, na Zona leste, nunca vi os tugas (a começar por Spínola e a sua brilhante entourage de especialistas em acção psicossocial, com alguma formação portanto em ciências da saúde e em ciências sociais e humanas) minimamente preocupados com aquilo que hoje é uma evidente violação dos direitos humanos, além de um problema de saúde pública. Dir-me-ão que o Governador e Comandante-Chefe tinha mais que fazer do que usar a sua reconhecida autoridade e prestígio junto dos fulas para influenciar algumas das suas práticas mais aberrantes... Não creio, por outro lado, que no staff do brihgadeiro e, mais tarde, general Spínola houvesse suficiente sensibilidade sócio-antropológica para o problema da MGF que todos os anos matava e mutilava crianças guineenses.

Na época em que lá estive (entre Maio de 1969 e Março de 1971) também não os vi sequer preocupados com a simples promoção do estatuto da mulher guineense. A psico, a famosa acção psicológica, tinha muito pouco de promoção social... Do Minho a Timor, a festa do fanado (e a MGF praticada em pleno mato pelas fanatecas ou excisadoras, fora dos olhares profanos, dessacralizadores, dos homens) fazia parte do folclore ultramarino e era aceite pelos nossos antropólogos, formados pelo ISCPU - Instituto Superior de Ciências Políticas e Ultramarinas, em nome do relativismo cultural. Falava-se, de resto, eufemisticamente em circuncisão, e nomeadamente masculina (enquanto a feminina era praticamente ignorada ou escamoteada)!

E, no entanto, durante a guerra colonial o povo fula foi praticamente todo ele militarizado, mobilizado e martirizado em nome da defesa da pátria comum (que era obviamente uma ficção do regime político que tanto oprimia os tugas da metrópole como os nharros das colónias). A grande maioria dos soldados da minha Companhia de Caçadores nº 12 (CCAÇ 12) eram de origem fula.

Os fulas também foram vítimas da guerra (todos eles, homens, mulheres e crianças!), já que as suas aldeias, também elas, estavam organizadas em autodefesa e, por isso, eram potenciais alvos dos ataques da guerrilha do PAIGC. Os fulas deram o principal contingente da tão sonhada força africana com que Spínola queria ganhar a guerra (ou pelo menos ganhar tempo...).

Hoje é fácil cairmos na tentação de diabolizar os fulas (o principal esteio da comunidade muçulmana guineense, a par dos seus rivais históricos, os mandingas) não só pelo erro histórico da aliança dos seus chefes tribais com o colonialismo dos tugas (e que nós corrompíamos, de uma maneira ou de outra) como pelo seu modo cruel de dominação sexual, social e económica das mulheres.

Dito isto, que fique claro, aos olhos dos meus amigos guineenses, fulas, futa-fulas, mandingas ou outros, que a MGF no meu país é um crime. E como tal deve ser prevenida e reprimida. Parafraseando o editorial do Público, não há, não pode haver, respeito pela identidade multicultural dos povos que incentive, tolere, ignore ou escamoteie as violações dos direitos universais.

Qual é a situação actual na Guiné ? Embora a excisão (nas raparigas) e a circuncisão (nos rapazes) continue a ser uma prática corrente, tem-se procurado formas alternativas à MGF, valorizando os aspectos culturais e simbólicos da festa do fanado e não discriminando as fanatecas (para quem a festa do fanado é o seu sustento e a sua razão de ser).

Segundo fontes da OMS, citadas pela União Parlamentar Internacional (UPI), estimava-se que, nos finais da década de 1990, na Guiné-Bissau, a taxa de prevalência da MGF fosse da ordme dos 50% e afectando 100% das mulheres islamizadas. No caso das muheres das etnias fulas e mandingas, estima-se que 70 80% sejam excisadas. Nas zonas urbanas (Bissau e pouco mais...)calcula-se que a MGF atinja 20 a 30% das raparigas e das mulheres. No entanto, não há estatísticas oficiais, ou outras, de confiança, sobre a frequência e a gravidade desta prática na pátria de Amílcar Cabral.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. Art. 144º do Código Penal > Ofensa à integridade física grave > "Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a [...] b) Tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação, de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem; [...] é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos". O que é novo nos crimes de ofensa à integridade física grave é que passaram a comportar, explicitamente, uma nova circunstância - a supressão ou afectação da capacidade de fruição sexual, que engloba práticas como a MGF.

(2) Na Guiné-Bissau, há legislação que impede a prática da MGF, através do artigo 115º do Código Penal (ofensas corporais graves). As pessoas que a praticam (por exemplo, as fanatecas) podem ser condenadas até cinco anos de prisão efectiva... O problema da Guiné-Bissau (e de outros países, onde a prática da MGF é tolerada ou autorizada) não é falta de legislação... Recentemente a a Eritreia proibiu a MGF, com o novo Código Penal que entrou em vigor em 31 de Março de 2007. Esta prática (a excisão feminina) atinge 89 por cento das mulheres, islamizadas e cristianizadas, deste país do corno de África. Com a Eritreia passam a ser 16 os países que já criminalizam a MFG, num total de 28 onde essa prática é milenar e ainda tem larga aceitação social...

(3) Vd. posts de:

10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1580: Fanado ou Mutilação Genital Feminina: Mulher e direitos humanos: ontem e hoje (Luís Graça / Jorge Cabral)

15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLVI: Conferência sobre a Mutilação Genital Feminina (Luís Graça)

14 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLVII: A festa do fanado ou a cruel Mutilação Genital Feminina (Jorge Cabral)

3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(5): ecumenismo e festa do fanado

4 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XII: O silêncio dos tugas face à MGF (Mutilação Genital Feminina)

Guiné 63/74 - P2130: Álbum das Glórias (28): O Aquartelamento novo de Nova Lamego (Gabu), inaugurado em 31 de Janeiro de 1971 (Tino Neves)




Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS do BCAÇ 2893 (1969/71) > 1970 > Tino Neves e os seus amigos, divertindo-se no novo aquartelamento, em construção.



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS do BCAÇ 2893 (1969/71) > Cerimónia de Inauguração do Quartel Novo em 31 de Janeiro de 1971 (1).


Fotos: ©
Tino Neves (2007). Direitos reservados.



1. Mensagem, com data de 15 de Junho último, do Tino Neves, ex-1º Cabo Escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71 (2):

Camaradas Luís e Vinhal:

O Luís há dias atrás pediu-me que lhe enviasse fotos de Nova Lamego. Resolvi mandar algumas do Aquartelamento novo, que fica a cerca de 1 ou 2 kms da Vila. Digo que fica porque as instalações ainda existem e estão a ser utilizadas pelos soldados do Exército da Guiné-Bissau, como mostra numa foto cedida pelo ex-Furriel Mil José Couto, que foi lá em Fevereiro de 2005, e já foi publicada no blogue em 7 Dezembro de 2006 (1).

Essa mesma foto mostra a placa de homenagem aos mortos do nosso Batalhão (BCAÇ 2893), virada ao contrário e agora a servir de homenagem ao Amílcar Cabral.

Outras fotos (ver em cima) foram tiradas no meu tempo enquanto o Aquartelamento estava em construção. Íamos lá de visita ver como corriam as mesmas, e aproveitávamos para nos divertirmos, fazendo corridas de carros de mão das obras.

Uma delas foi tirada no preciso momento em que se ouviu um estrondo (ainda hoje não sei o que foi), e nós reagimos atirando-mos para o chão. Todos reagiram com cambalhota e eu com voo de cabeça.

As outras são na inauguração do Aquartelamento, em que fui eu o escolhido para içar a bandeira. Outras duas fotos das forças em parada já foram publicadas no post de 7 de Dezembro de 2007.

Sem mais,

Um abraço

Tino Neves
Almada

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 7 de Dezembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1349: Quartel Novo de Nova Lamego: paredes finas e chapa de zinco (Tino Neves)

(2) Vd. posts de:

3 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71)

3 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1145: Na fonte... com o Inimigo (ou a água quando nasce é para todos) (Tino Neves, CCS do BCAÇ 2893, Nova Lamego)

9 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1160: Lembranças de Nova Lamego (Tino Neves, CCS/BCAÇ 2893): A fatídica noite de 15 de Novembro de 1970

Guiné 63/74 - P2129: Quero depositar um ramo de flores em Gandembel (José Teixeira)



Guiné > Região de Quínara > Buba > José Teixeira com o seu conterrâneo Mário Pinto (da CCAÇ 2317, Gandembel , 1968/69). Na primeira foto, o obus 10,5 e ao fundo o rio (... Bafatá).


Edição: CV

1. O Post 2117 - Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (10) - O terror das Colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje) (1), inspirou um trabalho do nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , (1968/70).

Fotos: © José Teixeira (2007). Direitos reservados

Mensagem de 24 de Setembro de 2007

Camaradas editores:

Sáude, paz e felicidade

O Idálio Reis continua a sua estória sobre Gandembel (1). É impressionante a forma como descreve a sua odiseia. Creio que ninguém ficou indiferente.

Junto mais um pequeno texto. Foi esta a forma que encontrei para lhe testemunhar a minha admiração e gratidão.

Para ele um grande abraço.

Junto também uma foto tirada em Buba em que estou eu e o meu conterrâneo Mário Pinto, cujo nome está mencionado no texto.

Fraternal abraço do
J.Teixeira



2. Quero voltar a Gandembel. Quero depositar um ramo de flores em Gandembel.
por Zé Teixeira

Ao ler o último texto do querido amigo Idálio Reis sobre a odisseia Gandembel (1), quero curvar-me em profunda homenagem aos camaradas, dele especialmente e nossos também, que regaram com o seu sangue aquela terra vermelha e inóspita à altura, e que hoje tão bem nos recebe. Os que deixaram lá a sua jovem vida e os que sofreram na carne as agruras do sofrimento na pele e no espírito, e que ainda hoje, possivelmente, não se conseguiram libertar das marcas que lhe ficaram.

Quero felicitá-lo pela coragem de passar ao papel para a história futura, num português profundo de fácil leitura e compreensão, a verdadeira história da odisseia que a CCAÇ 2317 e tantas outras que com ela partilharam mais directa ou indirectamente a aventura, onde eu ouso incluir-me também, perdoem-me a imodéstia (2).

Recordações

O meu espírito vagueou teimosamente pelas picadas que vão de Buba a Gandembel, passando pela bolanha dos passarinhos, a terrível bolanha , ponto de encontro com o IN. Tão verdejante e linda que era, mas tão temida.

Mesmo ali ao lado estava Sare Tuto, (soube-o em 2005 quando lá voltei) base inimiga, de onde partiam os guerrilheiros que gostavam de nos dar as boas-vindas à sua maneira.

Seguia-se Nhala, pequena tabanca que nos servia de apoio e possibilitava uma pausa para descanso, outras tabancas perdidas no mapa, abandonadas e ou destruídas como Samba Sábali e Uane, até se chegar a Mampatá Forreá.

Para tentar enganar o IN, por vezes desviávamos caminho por Sinchâ Cherno e Bolola, voltando de novo este local magnifico (Mampatá), com uma população maravilhosa e acolhedora onde passei os seis melhores meses da minha história de guerra, no centro da guerra.

Quer de um caminho (picada) quer do outro, vêm-me à memória, tristes recordações de emboscadas, minas e mortes, sobretudo as mortes de um lado e do outro. Afloram-me dois momentos terríveis:

O camarada da Companhia dos Lenços Azuis que vi morrer, porque teve o azar de estar na 5ª viatura da coluna, quando esta pisou uma [mina] A/C. Estava a comunicar via rádio (era a viatura do rádio e ele o rádiotelegrafista) para Buba a informar que tínhamos passado a bolanha antes de Sinchã Cherno, onde se teve de montar uma ponte, que nos acompanhava sempre, para, como em Changue Laia, ultrapassarmos um rio, que em época de chuvas nos impedia o caminho. Até aquele momento não tinha havido azar, a não ser um ataque de abelhas. Foi aquele o primeiro terrível momento que nos levou uma vida jovem, que eu e os companheiros de jornada não conseguimos salvar por falta de assistência hospitalar. Teve uma hemorragia interna que lhe roubou a vida em poucas horas. Outros momentos de azar se seguiram nesta coluna, que fez cerca de trinta quilómetros em 36 horas, com minas e emboscadas, mortos e feridos, onde eu definitivamente me zanguei com a D.G3ertrudes.

O amargo olhar para o milícia que ao regressar de uma outra coluna, pela mesma picada, trazia como troféu, as orelhas dos inimigos que abatera num combate feroz, em que nos valeu a coragem e determinação do seu grupo, ao avançar de peito erguido na direcção do IN, que flagelava a coluna violentamente.

De Mampatá até Aldeia Formosa, respirava-se fundo. O medo era esbatido pela segurança de duas pequenas tabancas, Afia e Bakar Dado, perdidas na estrada que lhe davam vida e espantavam o Inimigo, até ao dia em que esta última é visitada, queimada e destruída pelo IN.

Um ou dois dias depois partia-se de novo a caminho de Gandembel. Os mesmos homens, as mesmas viaturas que nem chegavam a descarregar. Até Mampatá, apesar de tudo, era caminho de esperança. Depois seguia-se por Chamarra, Changue Laia, Ponte Balana. Por fim, Gandembel das morteiradas que normalmente vinham logo de seguida, ou pelo menos uns tiritos de costureirinha, como forma de o IN nos lembrar que estavam por perto, mesmo quando estrategicamente não nos esperava pelo caminho ou não nos montava as terríveis armadilhas.

Eu estive lá. Eu vivi de perto. Eu sofri muitos destes momentos dramáticos. Eu tropecei nos buracos dos fornilhos onde caíram os camaradas. Onde iam caindo uns, logo outros se levantavam de dentes cerrados a lutar pela vida que lhes restava. O espanto da minha gente ao ver os buracos onde cabiam GMCs.

Ao chegar a Gandembel pela primeira vez, avistei um colega da escola primária e grande amigo – o Mário Pinto. Corri para ele pela Parada fora. Estranhei gestos e gritos de camaradas que não conhecia:
- Sai daí, encosta-te a um abrigo!

A justificação veio pouco depois. Ninguém atravessava a Parada em linha recta, mas sim a coberto da protecção dos abrigos colocados estrategicamente. O IN tinha por hábito fazer tiro ao alvo, algures do lado de lá da fronteira, empoleirado em árvores ou então enviava de vez em quando umas morteiradas, como aconteceu momentos depois.

Martela-me a memória com a mensagem arrepiante de rádio, depois de largos momentos angustiantes para mim, ao ouvir em Mampatá o fogo cerrado, indicativo de que uma das colunas tinha caído numa emboscada. Não sabia se era a coluna oriunda de Aldeia Formosa se a de Gandembel que estava a beber pela medida grande .
Não me tocara a má sorte de acompanhar esta coluna. Acompanhei-a à distância.

De Mampatá ouvi, via rádio, a mensagem desesperante, a qual foi como que uma ordem de retirada para a minha Companhia, que avançava com a coluna de mantimentos.
-Retirem ! Retirem! Voltem para trás, senão ficamos cá todos. Nós vamos retirar. Temos 4 mortos e manga de feridos. Retirem!(*)

A retirada foi a sorte dos meus camaradas, estavam lá semeadas 68 minas A/P que foram levantadas quinze dias depois.

Diz o Idálio que estranhamente houve um hiato nas colunas, começando o abastecimento a fazer- se por via aérea.Tal aconteceu de facto, mas houve razões concretas que ele naturalmente desconhece.

Como é sabido, o Spínola tinha poderes para nomear os comandantes dos Sub-Sectores, cabendo a Lisboa nomear os comandantes de Sector. Buba era um Sector, Aldeia Formosa um Sub-Sector, comandado pelo seu homem de confiança, Major Azeredo Leme.


Por que acabaram as colunas no tempo das chuvas

Dá-se uma coluna de Aldeia para Buba, em plena época das chuvas, com a estrada intragável. O comandante da coluna faz saber ao Comandante do Sector de Buba que não havia condições para a coluna de regresso se fazer, face ao estado do terreno.
Perante a ordem de seguir em frente, enviou um rádio ao Major Azeredo Leme, contando-lhe a realidade e a decisão superior que teria de cumprir. Este comunicou para o homem grande. O resultado foi aparecer em Buba uma ordem para a coluna se fazer, devendo o Comandante de Sector seguir na mesma para constatar a realidade do terreno.

Ao fim da tarde, lá chegou a coluna de regresso a Mampatá, onde eu estava. Com ela vinha um sujeito gorducho e cansado, era o Coronel Comandante, cuja primeira atitude, ao chegar Aldeia Formosa, foi decretar que até ao fim das chuvas não haveria mais colunas.

Quantas vidas se pouparam ? Não sei. Sei sim que a região acalmou um pouco e não foram só os Páras que contribuíram, sem lhe querer tirar o mérito, pois foram na realidade, com a sua acção, um factor dissuasivo e um travão à acção do inimigo.

Creio que os camaradas que viveram esta terrível odisseia, os que lá deixaram a vida e todos os outros, mesmo os que regressaram incólumes, merecem bem que seja colocado em Gandembel um ramo de flores em sua memória e na memória de todos os que de um lado ou do outro sofreram por Gandembel.

Em Fevereiro do próximo ano conto voltar lá, agora em paz, à procura da minha paz interior. Quero depositar um ramo de flores em Gandembel que reflicta a vida e a esperança de um punhado de jovens que, só e apenas, sonhavam em regressar a casa sãos e salvos, e a vida e esperança de um povo que lutava pela liberdade e felicidade a que tinham direito, mas que passados tantos anos, ainda se encontram tão longe de serem alcançadas.

José Teixeira

(*) Afinal foram 5 mortos. Um foi localizado quinze dias depois, por um camarada meu na célebre coluna apoiada pelos Páras, onde levantámos 68 minas A/P.

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Notas de CV:

(1) Vd. post de 18 de Setembro de 2007>Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

(2) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi