sábado, 18 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1293: Guileje: do chimpanzé-bébé aos abrigos à prova do 122 mm (Amaro Munhoz Samúdio, CCAÇ 3477)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (1971/77) > Oráculo, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima e do Santo Cristo dos Milagres... Na imagem, o Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º cabo enfermeiro, está a pegar ao colo um bébé, não de macaco-cão (1), mas de chimpazé que ele comprou a um caçador local por 500 pesos... Foi um gesto bonito por parte dele, salvando de morte certa um animal que pertence à Ordem dos Primatas, como nós, e que é dos grandes símios o que partilha mais genes connosco (ou seja, o chimpanzé é nosso primo, o nosso primo mais próximo de acordo com a zoologia, a genética e a biologia evolutiva)...
Na altura 500 pesos era metade do pré de um soldado... Isto também dá uma ideia do valor que o chimpanzé tinha na época (e continua ter) no mercado local africano como animal de estimação (mas também como iguaria, já que a sua carne é muito apreciada), sem esquecer a sua triste condição de cobaia nos laboratórios da nossa indústria farmacêutica, a sua exploração nos nossos circos ou a sua prisão dourada nos nossos modernos jardins zoológicos...
Indepentemente disso, eu gostaria de saber o que terá acontecido ao pobre chimpanzé depois da saída dos Gringos... Talvez o Amaro nos possa falar mais um pouco desta estória... Eu sei que na altura nenhum de nós tinha a consciência ambiental e o conhecimento dos direitos dos animais que temos hoje...
Os grandes símios africanos (o chimpanzé, o bonobo e o gorila) estão em vias de extinção (poderão deixar de existir em estado selvagem por volta de 2050) e nós também podemos ajudar os nossos amigos da Guiné-Bissau a preservar o seu habitat (no caso de Guileje, a mata do Cantanhez)... O Pepito e os seus colaboradores da AD - Acção para o Desenvolvimento terão também interesse em conhecer o resto desta estória... (LG)

Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.
Texto do Amaro Munhoz Samúdio, com data de 7 de Novembro de 2006 (1):

Caro Luís Graça:

Parabéns pelo trabalho desenvolvido.

Vou, finalmente, tentar humildemente recuperar algumas memórias dos tempos passados em Guileje, não deixando, no entanto, de fazer os seguintes comentários: como é possível que passados tantos anos a Guiné, no caso, esteja permanentemente na memória de todos aqueles que por lá passaram?

O normal, penso eu, é recordar os momentos bons... Mas, por estranho que pareça, aquilo – peço desculpa mas tenho que lhe chamar aquilo – é sempre transportado para os nossos pensamentos como exemplos. Comigo acontece isso.

Decorridos tantos anos como é possível que, ainda hoje, todas as situações lá vividas permaneçam vivas nas nossas memórias e uma tão grande necessidade de as contar a quem também as viveu: (i) é um arame que não se pode tocar, pode ser uma armadilha; (ii) é um papel no chão que não se pode pisar, pode ser uma mina; (iii) é uma lata a que não se pode dar um pontapé, pois pode estar armadilhada...

Os mosquitos trazem-me à lembrança que, antes de dormir, mesmo depois do mosquiteiro bem metido no colchão, e de proceder à necessária matança de todos eles, apareciam sempre, de madrugada, de barriga cheia. Inevitavelmente, esses, já não engordavam com o meu sangue na noite seguinte.

As abelhas recordam-me o safado do Arruda, um monstro açoriano do morteiro 60 que, na mata, quando pressentia um enxame, protegia-se com aquelas redes que levávamos e, depois de passar, abanava os ramos. Chegavam , muitos, inchados ao quartel.

E as formigas que mordiam mesmo, etc., etc., etc

Existem montanhas de exemplos de toda uma geração que, depois de ter passado por aquilo, mesmo que queira, não consegue esquecer. São marcas para toda a vida.

Desculpa este inicial desabafo e vamos a Guileje.

Recordo, no entanto, que o que estava ao meu colo não era um macaco -cão mas sim, o meu chimpanzé–bebé, comprado a um caçador africano por 500 pesos, e que fazia a vida negra aos açorianos do meu pelotão. Quando andava agarrado aos meus calções, às pernas ou aos braços não chorava... À noite, quando o deixava numa casota, na entrada do abrigo, não deixava dormir ninguém .

Sobre uma questão que foi posta - se a engenharia esteve em Guileje -, posso garantir que esteve. Além dos abrigos feitos artesanalmente com aqueles troncos de árvores e chapas dos bidões, existiam pelo menos quatro abrigos que se constava serem à prova de 122 perfurante (3), construídos pela engenharia.

Não foram construídos no tempo dos Gringos (Guileje, 21 de Novembro de 1971/ 22 de Dezembro de 1972), nem na companhia de madeirenses que nos antecedeu [, CCAÇ 3325 Jan 1971/Dez 1971] (2) e o aspecto deles era bom.

As companhias em Guileje estavam, no máximo treze meses, pelo que os abrigos construídos pela engenharia devem ter sido construídos em 1966/67.

Um abraço

Amaro Munhoz Samúdio

_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1162: Guileje: CCAÇ 3477, os Gringos Açorianos (Amaro Munhoz Samúdio)

(2) Vd. post de 11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Carlos Schwarz / Nuno Rubim)

Aqui fica, para informação da nossa tertúlia, a lista das unidades que passaram por Guileje (Fonte: Carlos Schwarz/Nuno Rubim, 2006)


CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965)

CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) (contactos: Teco e Nuno Rubim)

CAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966)

CCAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967) (contacto: Cap Rino)

CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) (contacto: Cap Neto)

CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos)

CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata)

CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio)

CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Parracho)

CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (açorianos)

CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho)
(3) O Amaro deve estar a referir-se aos temíveis foguetões 122 mm, usados pelos guerrilheiros do PAIGC.

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