domingo, 12 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

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Lisboa > Cais da Rocha Conde de Óbidos > Niassa > "O barco está de partida" (1)

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A bordo do T/T Niassa > O Alf Mil Mexia Alves, a caminho da Guiné...

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T/T Niassa > Joaquim Mexia Alvs: "Lembro-me de ter ido jantar um dia com os soldados do meu pelotão, e ter ficado impressionado e chocado com as condições de transporte daqueles homens"...


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Guiné > Dezembro de 1971 > No fundo de uma LDG a caminho de Bolama

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Guiné > Dezembro de 1971 > Aspecto parcial da LDG, a caminho de Bolama
Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados. Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


1. A viagem, de barco, para a Guiné, será para todos os efeitos o cruzeiro das nossas vidas... As imagens da partida do Cais da Rocha Conde de Óbidos, num dos barcos da nossa marinha mercante, fretados pelo Exércitio - Niassa, Uíge, Alfredo da Silva, Ana Mafalda, etc. - não mais nos largaram ao longo da vida... Hoje é altura de recordarmos essa viagem que, para alguns dos nossos camaradas, foi sem regresso... Já aqui se publicaram alguns textos interessantes sobre esses cruzeiros que nos levavam directamente de Lisboa para Bissau... Vamos recuperá-los e esperar que outros camaradas nos enviem relatos inéditos... Alguns de nós ficaram a ver Bissau por um canudo: foi o caso por exemplo do J. Mexia Alves cujo batalhão (o BART 3873) foi directamente recambiado, em LDG, para Bolama, depois de passar o Natal a bordo do Niassa... O nosso camarada Mexia Alves vai ter o privilégio do ponto de saída desta nova série...

1. Texto do Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, que de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973 passou por três unidades no TO da Guiné: pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e depois na CCAÇ 15 (Mansoa ). A CART 3492 pertencia ao BART 3873
Caro Luis Graça:

Mais um relato da tropa!!!

Título: O humor do Estado Português ou a sua preocupação com o bem estar dos seus militares.

O titulo, que podes mudar à vontade, pode parecer estranho, mas a verdade é que só levando a coisa para o gozo é que podemos recordar certos acontecimentos da nossa vida militar.

Ao que julgamos saber, eu e mais todos os que me acompanharam na viagem do Niassa para a Guiné, foi a preocupação do Estado Português em nos proporcionar um Natal diferente e mais familiar, que nos fez embarcar no célebre Paquete de Luxo Niassa, no dia 21 de Dezembro de 1971, por forma a podermos celebrar, com a grande família militar, as festas natalícias desse ano, na certeza de que muito apreciaríamos esse gesto de carinho e interesse pelo nosso bem estar.

Claro, a maior parte de nós, há mais de 19/20 anos que passavámos o Natal com a família e, por isso, sabendo que estavamos enfadados com a rotina, decidiram dar-nos assim umas Festas diferentes.

Ao que me lembro, o Niassa transportava dois Batalhões (o de Bambadinca e o de Galomaro) e uma ou duas Companhias Independentes, o que já era uma população muito considerável para tão frágil navio.

Lembro-me de ter ido jantar um dia com os soldados do meu pelotão, e ter ficado impressionado e chocado com as condições de transporte daqueles homens.

No chamado bar de Oficiais havia uma banda de música, composta se não me engano por três indivíduos de idade avançada, pelo menos para mim, o que tornava o ambiente ainda mais surreal.

A mesa de pingue-pongue na varanda (não sei o termo náutico, tombadilho?), junto ao bar deixou rapidamente de ter clientes porque, julgo eu, devem ter acabado as bolas no Atlântico ao sabor das ondas.

Lembro-me ainda da excitação do pessoal quando se avistaram peixes voadores, porque tirando a experiência dos mais viajados, para a maior parte era algo que apenas pertencia aos livros de Zoologia.

Niassa > Navio misto (carga e passageiros), de 1 hélice, construído em 1955, na Bélgica, registado no Porto de Lisboa, e abatido em 1979; com : mais de 151 metros de comprimento, tinha arqueação bruta de c. 10.700 toneladas, uma potência de 6.800 cavalos e uma velocidade normal de 16,2 nós. Dispunha dos seguintes alojamentos: 22 em primeira classe, e 300 em classe turística, num total de 322 passageiros. (Quando transportavam tropas, a sua lotação quadruplicava...). O nº de tripulantes era de 132. Armador: Companhia Nacional de Navegação, Lisboa . (LG)
Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2004) (com a devida vénia...)


O calor, quando entrámos no Golfo da Guiné, era insuportável, e somado ao barulho constante das máquinas do navio e ao cheiro a vomitado que tomava conta dos corredores, tornou o Natal a bordo algo de inesquecível, dando razão àqueles que, preocupados com o nosso bem estar, nos fizeram embarcar naquela data para a Guiné.

Chegados ao largo de Bissau, descemos directamente para as LDG, que nos transportaram para a ilha de Bolama, (pelo menos o meu Batalhão), onde fomos recebidos com cânticos do folclore autóctone, nomeadamente, a por demais conhecida canção Periquito vai no Mato.

Ficámos em Bolama cerca de um mês, mas isso é estória para depois.

Junto fotografias que documentam o acontecido das quais poderás escolher o que interessar.

Abraço do
Joaquim Mexia Alves

________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 2 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1141: As (des)andanças do TT Niassa em Dezembro de 1971 (Lema Santos)

3 comentários:

Antonio disse...

Depois de ler estes relatos da viajem deste camarada para a Guiné, uma das poucas lembranças que tenho deste meu "Cruzeiro" é a mesa de ping-pong de das bolas quase nunca acertarem nas raquetes devido à ondulação.
Deixo aqui um excerto do que escrevi no livro "Stress Traumático - Aspectos Teorios e Intervenção" do Capitão de Fragata - médico psiquiatra Dr. João Monteiro Ferreira da Dr. Maria da Graça Pereira, Psióloga da Universidade do Minho, com o sub-titulo "Heróis ou Talvez Não", a propósito do Niassa:"É por isso que eu costumo muitas vezes dizer que todos os militares da geração de 60/70 foram de uma forma ou de outra sacrificados, a eles a Pátria roubou-lhes a sua juventude e o seu sangue. Enquanto os jovens de hoje, com as mesmas idades, se encontram ainda a crescer, já os outros tinham comido «o pão que o Diabo amassou».
O regresso fez-se a bordo do navio Niassa, um misto de passageiros-mercadorias, o que transformou a viagem para uns num cruzeiro de onze dias pelo Atlântico, claro, para os oficiais, e num inferno para os soldados, se calhar em condições idênticas às dos antigos navegadores portugueses, na sua saga dos Descobrimentos, pois foram autenticamente encaixotados num porão, literal¬mente cheio de ratazanas e porcaria, que, à passagem pelo golfo da Guiné, os virou totalmente do avesso."
António Basto

Antonio disse...

Depois de ler estes relatos da viajem deste camarada para a Guiné, uma das poucas lembranças que tenho deste meu "Cruzeiro" é a mesa de ping-pong de das bolas quase nunca acertarem nas raquetes devido à ondulação.
Deixo aqui um excerto do que escrevi no livro "Stress Traumático - Aspectos Teorios e Intervenção" do Capitão de Fragata - médico psiquiatra Dr. João Monteiro Ferreira da Dr. Maria da Graça Pereira, Psióloga da Universidade do Minho, com o sub-titulo "Heróis ou Talvez Não", a propósito do Niassa:"É por isso que eu costumo muitas vezes dizer que todos os militares da geração de 60/70 foram de uma forma ou de outra sacrificados, a eles a Pátria roubou-lhes a sua juventude e o seu sangue. Enquanto os jovens de hoje, com as mesmas idades, se encontram ainda a crescer, já os outros tinham comido «o pão que o Diabo amassou».
O regresso fez-se a bordo do navio Niassa, um misto de passageiros-mercadorias, o que transformou a viagem para uns num cruzeiro de onze dias pelo Atlântico, claro, para os oficiais, e num inferno para os soldados, se calhar em condições idênticas às dos antigos navegadores portugueses, na sua saga dos Descobrimentos, pois foram autenticamente encaixotados num porão, literal¬mente cheio de ratazanas e porcaria, que, à passagem pelo golfo da Guiné, os virou totalmente do avesso."
António Basto

Antonio disse...

Depois de ler estes relatos da viajem deste camarada para a Guiné, uma das poucas lembranças que tenho deste meu "Cruzeiro" é a mesa de ping-pong de das bolas quase nunca acertarem nas raquetes devido à ondulação.
Deixo aqui um excerto do que escrevi no livro "Stress Traumático - Aspectos Teorios e Intervenção" do Capitão de Fragata - médico psiquiatra Dr. João Monteiro Ferreira da Dr. Maria da Graça Pereira, Psióloga da Universidade do Minho, com o sub-titulo "Heróis ou Talvez Não", a propósito do Niassa:"É por isso que eu costumo muitas vezes dizer que todos os militares da geração de 60/70 foram de uma forma ou de outra sacrificados, a eles a Pátria roubou-lhes a sua juventude e o seu sangue. Enquanto os jovens de hoje, com as mesmas idades, se encontram ainda a crescer, já os outros tinham comido «o pão que o Diabo amassou».
O regresso fez-se a bordo do navio Niassa, um misto de passageiros-mercadorias, o que transformou a viagem para uns num cruzeiro de onze dias pelo Atlântico, claro, para os oficiais, e num inferno para os soldados, se calhar em condições idênticas às dos antigos navegadores portugueses, na sua saga dos Descobrimentos, pois foram autenticamente encaixotados num porão, literal¬mente cheio de ratazanas e porcaria, que, à passagem pelo golfo da Guiné, os virou totalmente do avesso."
António Basto