quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1280: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (7): Um tiro de misericórdia em Caboiana

Guiné > Região do Cacheu > Caboiana > 38ª CCmds > Acção Jovenca > 31 de Dezembro de 1972 > A espingrada semiautomática russa Simonov, capturada ao guerrilheiro abatido.


Guiné > Região do Cacheu > Caboiana > 38ª CCmds > Acção Jovenca > 31 de Dezembro de 1972 > Em primeiro plano, o comando Mendes, com o seu RPG2.


Guiné > Região do Cacheu > Caboiana > 38ª CCmds > Acção Jovenca > 31 de Dezembro de 1972 > A penosa recuperação no tarrafo do Rio Caboiana.


Guiné > Região do Cacheu > Caboiana > 38ª CCmds > Acção Jovenca > 31 de Dezembro de 1972 > Já a caminho da LDM que há-de levar os 2 Gr Comb até ao Cacheu.


Texto e foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados.

Memórias de uma passagem de ano e Natal (com prenda ?)

por A. Mendes

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Foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Texto enviado em 4 de Outubro de 2006, por A. Mendes, ex-1º Cabo Cmd da 38ª CCmds (Os Leopardos) (Guiné, Brá, 1972/74). Continuação da série A Vida de um Comando (1).

31 de Dezembro de 1972 - Acção Jovenca

-Missão: Aniquilar, capturar e desarticular as organisações IN na região da Caboiana;
-Força executante: 2 Gr Comba da 38ª CCmds;
-Planos elaborados para a acção: Saída de Teixeira Pinto em coluna auto até ao Cacheu;
-Deslocamento de LDM até a região de S. Domingos até a altura da recuperação em LDM;
-Apoio aéreo: COMdcon(DO27 armada) em alerta, no solo de Teixeira Pinto;
-Duração: 24 horas;
-Resultados obtidos: Pelo IN, 1 morto(confirmado);
-Feita a captura do seguinte material: 1 Esp Aut Simonov.

Desenrolar da acção:

31 de Dezembro de 1972

O meu grupo (2º) e o 4º vamos para a Caboiana-Churo. Vamos de LDM até ao Rio Caboiana, e aí chegados passamos para os botes dos Fuzas Africanos que nos vão levar até ao tarrafo onde iremos desembarcar.

O desembarque e a passagem do tarrafo são feitos à força de braços e com muito custo mas lá chegamos ao trilho e pelas 10h00 lá vamos a caminhar.

Sigo em 5º lugar logo atrás do Cmdt da Companhia. A minha arma era um RPG2. O trilho por onde seguimos revela vestígios de ser usado com regularidade.

O 1º homem da frente segue com cautela observando cada vestígio para não sermos apanhados em falta, pois segundo o nosso credo ... em combate a morte sanciona cada falta!

Já seguíamos há horas no trilho quando ouvimos, no silêncio, barulho de alguém a assobiar uma melodia qualquer. Nem tivemos tempo de parar quando nos apareceu pela frente um guerrilheiro, armado e só. Ainda tentou disparar mas o nosso primeiro homem disparou uma rajada à queima- roupa, atingindo-o. O homem ainda deu uns passos em frente vindo a cair à minha frente.

Reparei que, embora o sangue saísse em golfadas pela boca, ainda estava vivo. Em agonia. Para bem dele e para lhe acabar o sofrimento foi aí que lidei mais de perto com a morte. Para alguns isso será assassínio, para mim foi misericórdia. Um tiro de misericórdia.

Apesar do tempo que já levo de combate, ainda não aperendi na tratar a morte por tu. Ainda tenho algumas reticências em tirar o último sopro a alguém.

Nós, os que passámos pelos palcos de Guerra e que fomos a mão executora em muitas operações, apenas demos seguimento ao que era superiormente planeado.

Fui voluntário para os Comandos, sabia o que me aguardava, sabia que a palavra MORTE iria entrar na minha vida até ser banal pronunciá-la. Que fique claro que até hoje nunca me arrependi de nada do que fiz enquanto militar. Sempre respeitei os mais fracos e os indefesos, nunca pratiquei actos gratuitos só para acrescentar mais uma marca na coronha da minha arma. Fui misericordioso tanto como o IN o era. Para se obter resultados era preciso matar para não ser morto e nisso tornei-me mestre, mas sempre olhei nos olhos aqueles que, como meus inimigos, exalavam o último sopro.

Prosseguindo no meu diário: Com a morte do guerrilheiro IN capturámos uma arma russa, uma Simonov, novinha. Seguimos pelo trilho e, com a nossa aproximação a um aldeamento, ouviram-se uma série de rajadas. O elemento surpresa fora quebrado e prosseguir era puro suícidio. Tínhamos de certeza emboscada montada algures no caminho. O capitão decidiu sair do trilho e entrámos a corta mato. O objectivo da missão estava perdido quando se quebrou o elemento surpresa e por isso foi decidido terminar e rumar ao local de recuperação.

A morte do elemento IN teve uma virtude, o de me fazer ir passar a passagem do ano no quartel de Teixeira Pinto.

No local de recuperação tivemos de atravessar um tarrafo, aí com 50 m de comprimento, feito a força de braços pois o terreno era pântano e cheguei a estar atascado até a cintura agarrado a raízes.

Lá chegamos aos botes dos Fuzas Africanos que nos levaram até ao Cacheu , daí seguimos em coluna auto até Teixeira Pinto onde nos aguardava a entrada do ano de 73.

A. Mendes
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Nota de L. G.:

(1) 24 de Outubro de 006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

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