sábado, 1 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4765: Convívios (156): Pessoal da CCAÇ 557, Cahcil, Bissau e Bafatá 1963/65 - (José Colaço)




1. Mensagem de José Colaço, ex-Sold de Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65, com data de 30 de Julho de 2009:

Classificação: Óscar.

Ordem de operações: nº44.

Mensagem: Um… dois… três… quatro… cinco, cinco… quatro… três... dois… um, aqui posto de comando operacional diga-me se me ouve escuto. OK transmita: «Ex-militares da C.Caç.557 aguerridos e disposto a "derrotarem" o inimigo, zona da operação, Restaurante o Moinho Velho em Almeirim [Santarém]».

1.Situação.

(a) Forças inimigas: Aperitivos ou entradas, almoço que para não ser excepção se deseja abundante, merenda ou lanche com bolo comemorativo,"adversário” regado com bebidas a gosto.

(c) As forças amigas: Pessoal do Restaurante (cozinheiros e empregados) empenhados na colocação das forças inimigas a jeito de modo a que mais facilmente possam ser vencidas.

(c) Reforços: Amigos e familiares dispostos a auxiliarem as nossas forças a bem cumprirem a "delicada" missão que têm confiada.

2. Missão.

Atacar em 7/11/2009 as forças "inimigas", "destrui-las" deglutindo-as empenhada e intrepidamente.

(a) Manobra.

(b) Concentrar as nossas forças e seus reforços às 10 horas e 30 minutos na igreja de Almeirim onde será rezada missa por alma em homenagem aos camaradas falecidos.

(c) Deslocação posterior para o teatro de operações [Restaurante o Moinho Velho] em Almeirim, onde terá lugar a ofensiva TENDENTE, [ palavra que pela fonética faz relembrar a inconfundível e memorável operação TRIDENTE] à "destruição do inimigo".

(d) Os elementos das nossas forças que optem pela aproximação directa ao teatro de operações deverão fazê-lo até às 13.00 Hora H da "ofensiva" contra as "forças inimigas".

(e) Para informações e transmissões tel.: 219551844, telem.: 918267204.


Esta é uma foto dos ex-combatentes da C.Caç. 557, cujo almoço de 2008, decorreu em Ponte de Sor no Restaurante Quinta do Gato Preto.

Pequena identificação da foto, sem menosprezar os restantes, o primeiro que está sentado do lado direito, é o coronel Ares. O Camarada da frente de cócoras com camisola com duas riscas transversais sou eu.

Cumprimentos,
José Colaço
Sold Trms CCAÇ 557
___________
Nota de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:

26 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4741: Convívios (150): Almoço/Convívio: BCAÇ 237/599, PEL MORT 912 e PEL AM DAIMLER 807 - Como/Cufar/Tite 1964/66 - (Santos Oliveira)

(**) Vd. postes do mesmo autor relacionados com a CCAÇ 557 em:

20 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2970: Ilha do Como, Cachil, Cassacá, 1964: O pós-Operação Tridente (José Colaço)

29 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3099: Os Nossos Regressos (13): Fundeámos ao largo, com as luzes de Cascais...(José Colaço, Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65))

9 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3287: Controvérsias (2): Repor a realidade vivida, CCAÇ 557, Cachil, Como, Janeiro-Novembro de 1964 (José Colaço)

19 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3334 O meu baptismo de fogo (14): Cachil, Ilha do Como, meia-noite, 25 ou 26 de Janeiro de 1964 (José Colaço)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

16 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4196: Blogpoesia (39): CCAÇ 557, Missão cumprida na Guiné (José Colaço/Francisco dos Santos)

Guiné 63/74 - P4764: Tabanca Grande (166): António Dâmaso, Sargento-Mor da FAP (Guiné, 1966/68, 1969/70 e 1972/74)

1. Mensagem de António Dâmaso (*), Sargento-Mor na situação de Reforma Extraordinária, com data de 29 de Julho:

Camarada Luís Graça e Co-Editores uma saudação especial para todos.

A minha intervenção de hoje destina-se a acrescentar alguns elementos à minha ficha pessoal [...].



Dados pessoais:

António Maria Dâmaso, Sargento-Mor na situação de Reforma Extraordinária.

Tenho os cursos de Enfermagem e Técnico de Radiologia, tendo exercido estas actividades no Hospital da Força Aérea até final de 1981.

Também exerci Radiologia no Hospital da Cruz Vermelha em 1979.

Posteriormente, exerci Radiologia no Centro de Saúde de Odemira de Março de 1982 a Março de 2007. Desde esta estou aposentado da Função Pública.


Comissões de Serviço:

Angola, de NOV64 a JAN65, no posto de Cabo, ainda fiz uma Operação em Vista Alegre na mata de Cambamba;

Guiné, de NOV66 a ABR68, no posto de Furriel na Ferrugem;

Guiné, de MAR69 a JUN70, no posto de 2.º Sargento, na Ferrugem e como operacional;

Moçambique, Nacala, de JUN70 a JUL71 no posto de 2.º Sargento, tendo tomado parte na Operação "Nó Górdio";

Guiné, de NOV72 a AGO74

António Dâmaso com a farda amarela

Guiné 1966/68 > Furriel António Dâmaso

Moçambique, 1970 > Em plena Operação Nó Górdio

Guiné > Cadique > Natal de 1972

Fotos e legendas: © António Dâmaso (2009). Direitos reservados.
Fotos editadas por CV

__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4742: Tabanca Grande (165): António Dâmaso, CCP 123/BCP 12, 1969/71

Guiné 63/74 - P4763: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (3): O fado do 49! O Serafim, da CCAÇ 675, Binta 1964/66


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), é jornalista profissional, conhecido no seu meio por “JERO”, e enviou-nos uma mensagem, com data de 30JUL2009, e o título:


O Fado do 49!

Camaradas,

Se as conversas são como as cerejas … as estórias da tropa são com as cerejeiras! Não sei se já alguém escreveu isto alguma vez mas julgamos que nos fazemos entender…

Lembrei-me do 49 quando há dias arrumava uns papéis velhos em casa.

Hesitei se devia ocultar o nome verdadeiro do protagonista desta estória real. Achei que não o devia fazer. O “49” era um homem a sério e nada do que vou contar é ofensivo da sua memória.

Num papel velho que encontrei um “apontamento” dizia respeito às punições da CCaç 675 no ano de 1964,na Guiné:
“Serafim Silva Santos, 1º Cabo Condutor Auto Rádio Telegrafista nº. 2949/64, punido com 5 (cinco) dias de detenção porque no dia 28DEZ64, quando conduzia uma viatura não ter tomado as devidas precauções e cuidados, provocando com o seu desleixo o queimar-se a junta da cabeça do motor, por falta de água no radiador. Não é mais severamente punido atendendo ao seu bom comportamento anterior. Infringiu os deveres 5º. e 9º. do Artº. 4º. do R.D.M.”.

Acabámos a comissão na Guiné em Maio de 1966 e, depois de fazer o espólio no Quartel em Évora, fomos para a vida civil. Os anos passaram e nas reuniões anuais dos ex-combatentes o Serafim nunca mais deu sinais da vida.

Em 1997 – 31 anos depois de termos regressado da Guiné - realizou-se mais um encontro dos antigos combatentes da Companhia de Caçadores 675. Desta vez o encontro foi na zona de Pombal para comodidade dos “velhotes” residentes no Norte do País.

Repetiram-se os abraços e velhas piadas dos anos anteriores e de repente aparece uma “cara nova”.


- Oh Moreira, quem é este senhor. Era da Companhia?

- Oh Oliveira, estás a ficar velho! Este gajo é o Serafim, o Radiotelegrafista!

- G’anda Serafim não te via há mais de 30 anos. Desculpa lá mas nem te conhecia. Então o que é tens feito? Tens que cantar o “fado dos cagatórios”.

Ainda me lembra de um bocado da letra: “Sentadinho a ganhar massa nos cagatórios da praça”!

Seguiu-se a confusão habitual na arrumação da “malta” para o almoço da praxe e o Serafim ficou numa mesa perto da minha.

Fiquei de frente para ele e não era capaz de o deixar de fixar.

Trinta anos é de facto muito tempo e ali estava ele: magro, envelhecido, de cabelo branco e bigode “à Prince”, desdentado e com o rosto sulcado de rugas.

Do rapaz que eu tinha conhecido na Guiné já quase nada restava. Talvez só os olhos – intranquilos - e o ar de “reguila”, que era a sua imagem de marca na Companhia nos longínquos anos de 1964-66.

O 49, como era tratado ao tempo, chegou à Companhia uns meses depois de estarmos instalados no Norte da Guiné. Era um rapaz metido consigo mas tinha uma “pinta” que não enganava. A vida já tinha passado por ele com dureza e deixara marcas que eram visíveis no “reguila” que se adivinhava em todos os seus gestos.

Jogava bem a bola, cantava o fado e fazia o que lhe competia sem margem para reparos. A excepção foi aquele azar na cabeça do motor…

Mas ele era “grande” era quando cantava o fado!

Quando a malta se juntava à noite e o 49 arrancava o seu fado, com sotaque do Porto, era sempre um êxito: “Sentadinho a ganhar massa nos cagatórios da praça”.

Que raio de letra! Passados aqueles anos todos nunca mais me esqueci do fado, do 49 e da sua maneira pungente de cantar aquela letra. Parecia que aquilo lhe vinha das entranhas. Da alma. Parecia quase pessoal e nos arquivos da minha memória aquele fado tinha ficado mesmo gravado.

E trinta anos depois ali estava ele: magro, envelhecido, de cabelo branco e bigode “à Prince”, desdentado e com o rosto sulcado de rugas.

O Moreira, um dos meus amigos dilectos da Companhia, estava por perto e perguntei-lhe:

- Eh pá, onde foste descobrir este tipo?

- O gajo mora em Gaia e trabalha numa fábrica de molduras. Ganha mal, coitado, e ainda trabalha aos fins-de-semana como pedreiro para ganhar mais algum. E nesta “fase do campeonato” mete-se um bocado nos copos…para esquecer as agruras da vida!

Mais malta cumprimentava o Serafim e incitava-o a cantar o fado dos cagatórios”! Afinal não era só eu que recordava o “tal fado “ da Guiné de 1964!

Na minha mesa estava o ex-Alferes Mendonça com quem eu ia trocando impressões de quem parecia bem e mal na vida, tendo em atenção o aspecto exterior.

Chegou a vez de falar no 49, o Serafim, que depois do regresso em 1966 tinha vindo pela primeira vez a um almoço da Companhia.

- Oh Mendonça, aquele rapaz tem mesmo cara de passar uma vida difícil!

- Oh Oliveira, você não sabe a vida daquele tipo?!

- Eh pá, não sei nada. Nunca mais o vi em trinta anos.

E o ex-Alferes Mendonça, que era Comandante de Companhia nas ausências do Capitão Tomé Pinto, contou-me que, por ter acesso à “papelada” de todos os elementos da Companhia, sabia alguma coisa da vida do Serafim. O 49 tinha passado a sua infância em casas de correcção e estava detido na prisão-escola de Leiria quando foi chamado para a inspecção.

- Oh Oliveira, ele praticamente veio da prisão para a Companhia. Está claro que, por recomendação do Capitão, este facto foi ocultado e, embora fosse alvo de discreta vigilância, nunca causou problemas. E sabe o que é que o pai dele fazia? Era guarda das “sentinas” de um dos mais velhos cafés da “Baixa” do Porto!

Parei de comer a minha sobremesa e recuando no tempo descobri finalmente “as raízes” do fado do 49: Sentadinho a ganhar massa nos cagatórios…Nessa tarde de confraternização estive várias vezes junto do 49 mas já não lhe voltei a pedir para cantar o seu fado…

No ano seguinte voltou a aparecer na festa da Companhia. Desta vez foi no Porto Alto, junto a Vila Franca de Xira.


Estava ainda mais magro e mais envelhecido Mas de bigode “à Prince”, e com o seu “ar reguila” de sempre. Já não se dava ao trabalho de esconder a sua dependência ”pelos copos”. Já poucas coisas o agarravam à vida.


Foi a última festa da Companhia a que o 49 veio. Morreu poucos meses depois.

Ao longo de uma existência complicada como teve o Serafim, os “5 dias de detenção “ por ter deixado queimar a junta da cabeça do motor em 1964” devem-lhe cá ter dado “um abalo ao pífaro” (1)!

A “malta” da minha Companhia da Guiné não mais esquecerá o Serafim e o seu fado: “Sentadinho a ganhar massa…”!

É verdade que é “um património em circuito fechado” mas tem “apenas”o valor da vida autêntica, que nos marca enquanto por cá andamos.

Felizmente que na vida a sério há “patrimónios” bem mais importantes dos que os dos “realities shows” da televisão dos nossos dias!


Digo eu!

Abraço,
JERO
Fur Mil da CCAÇ 675


Legenda:


(1) - Esta expressão era muito usada no calão militar e o seu significado é bem explícito…


Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4762: Estórias do Mário Pinto (4): Fotógrafos de guerra



1. Mais uma mensagem, desta vez com matéria mais séria, enviada pelo nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71:

Camaradas,

Tenho vindo a habituar o pessoal da Tertúlia a contar-vos estórias mais ou menos pitorescas da CART 2519, mas hoje resolvi desenvolver um tema mais sério, que intitulei; " Fotógrafos de Guerra", em homenagem a todos os nossos camaradas que pertenceram a esta especialidade.


“FOTÓGRAFOS DE GUERRA"

Raros foram os camaradas que não tiraram uma foto, quer no teatro de uma missão, quer nos seus momentos de descanso, quer numa confraternização, etc., para lembrar mais tarde.

Outros mais afoitos para conseguirem fotos mais “radicais”, transportavam a sua máquina de fotos, independente da sua marca e qualidade, juntamente com a sua G3, pela mata adentro, picadas, colunas, ataques, emboscadas e operações (algumas delas até bem arriscadas).

Sem qualquer outro interesse, senão ficar com uma recordação sua, para a posterioridade.

Naquele tempo não desconfiavam, nem pensavam, no precioso e enriquecedor contributo documental, que viriam a prestar à restante comunidade portuguesa e à História da Guerra Ultramarina, no nosso caso a Guiné.

Todos sabemos que o nosso exército possuía um departamento cinematográfico, que também realizava reportagens, e que não é segredo para ninguém que, o mesmo, se encontrava ao serviço da propaganda e dos “tratamentos” psico-políticos e militares da época.

Além destes ainda existiam os repórteres e fotógrafos da comunicação social vigente, mas seguiam pelo mesmo caminho dos do exército, ou seja, raramente saíam do perímetro entre Bissau e Bissalanca e, no máximo, só arriscavam até Nhacra.

Sem dúvida nenhuma, que o maior meio informativo na época era a televisão, com um único canal a RTP1 (a que mais tarde se juntou a RTP2), ambos órgãos do Estado, que se limitavam, praticamente, a reportar as célebres Mensagens de Natal e, mesmo essas, também só muito esporadicamente iam além do perímetro que referi.

No Sul da Guiné e nos sítios onde “doía” o “barulho”, nunca dei por eles, ou ouvi falar na sua presença.

Comparando o nosso conflito (se houver alguma comparação possível com o do Vietname), neste capítulo de reportagem, denota-se uma abismal falta de material fotográfico e, consequentemente, da respectiva divulgação.

Quero dizer com isto, e pelo que me tem sido dado ver ao longo destes últimos 35 anos, que se não fossem mais uma vez, a intuição e a espontaneidade da “malta” do mato, o património fotográfico dos acontecimentos era quase nulo.

Tal facto, creio eu permitiria, que muitas entidades e instituições mal intencionadas e, ou, maldizentes, ousassem utilizar a fertilidade das suas deturpadas e malévolas imaginações, para iludir a verdade dos factos mais vezes ainda, do que aquelas que, em certos momentos, detectamos em alguns meios de comunicação.

Hoje, estes documentos, são o suporte básico e fiel de muitas notícias que para aí circulam, em documentários, artigos diversos, livros, revistas, etc.

Fotos, como por exemplo, as que foram editadas no poste do nosso camarada Alferes Miliciano Carlos Farinha, da CART 6250 e do seu encontro inédito com o PAIGC, figuram na catarse da frente da Guiné como “peças” únicas, entre outras de igual valor e teor histórico de camaradas nossos, e que, indiscutivelmente, constituem um inestimável e indispensável contributo histórico, para a posteridade.

Comungo inteiramente do dito do povo: “Vale mais uma boa fotografia que mil palavras”.

Não fossemos nós considerados dos melhores militares do mundo, especialistas no combate à adversidade, na coragem demonstrada, na espontaneidade da inter-ajuda, na rebuscada imaginação, na solvência da miséria, na difusão da alegria, na comunhão da tristeza e na exteriorização da comoção.

Até na fotografia nos desenrascamos. Meus amigos de facto fomos… ENORMES.

Bem haja quem conseguiu perpetuar tais momentos, bons e menos bons, para todo o sempre.

Um abraço,
Mário Pinto

Foto: © Eduardo Ribeiro (2009). Direitos reservados.
__________

Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4761: Blogpoesia (57): Por esse Geba acima... até Contuboel, o eldorado (Luís Graça, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, 1969/71)

Memória dos lugares: Por esse Geba acima... até Contuboel, o eldorado (*)


por Luís Graça

(foto à esquerda, o ex-Fur Mil Henriques, Ap Arm Pes Inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, Junho de 1969/Março de 1971)

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados






Aos marinheiros das LDG,
que também foram barqueiros de Caronte;
Aos meus camaradas, tugas, da CCAÇ 2590,
futura CCAÇ 12,
que fizeram comigo esse trajecto Bissau-Contuboel
em 2 de Junho de 1969;
Ao meu conterrâneo e amigo Agnelo Pereira Ferreira,
da CCS do BCAÇ 2852,
que encontrei em Bambadinca, nesse dia;
Ao Renato Monteiro, o homem da piroga,
amigo de mês e meio em Contuboel,
e hoje um homem de múltiplos fotografares;
aos meus soldados instruendos, guineenses, da CCAÇ 2590,
futura CCAÇ 12;
enfim, ao povo gentil de Contuboel...

L.G.




Como um cão apanhado na rede,
repetias tu,
nessa madrugada de 2 de Junho de 1969,
no fundo de uma lata de uma LDG,
atracada ali ao lado do mítico cais
do Pijiguiti,
entre fardos de colchões de espuma,
camas metálicas,
redes mosquiteiras,
trens de cozinha,
tendas,
cacifos,
mesas,
cadeiras,
cunhetes de munições,
Berliets e Unimogs novinhos em folha,
velhas malas de viagem atadas com cordões,
homens esverdeados,
de farda engomada
e ar assustadiço,
pensando em minas anfíbias,
crocodilos,
hipopótamos,
ou nem sequer pensando em nada,
bêbedos de sono,
enjoados,
suados,
tirando dos bornais
as primeiras latas de Fanta e de Coca-Cola,
a água suja do imperialismo,
cliché de todos os Maios de 68
que não viveste…
- Olha, Tite, olha, Porto Gole,
que, quando embrulham, ouve-se em Bissau!


Guiné > Rio Geba > A bordo da LDG >
O Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor, CCS/BCAÇ 3872,
Galomaro, 1972/74... Veja-se a sua deliciosa descrição do Xime, quando ele estava hospedado, aguardando embarque para Bissau, onde foi entregar viaturas para abate...

Foto: © Juvenal Amado (2008). Direitos reservados. (2005).










… Mas, não, ninguém diz nada,
olhos como binóculos
assestados nas margens espessas do rio…
Para trás fica uma cidadezinha
que fervilha de vida,
logo pela manhã,
gente que transpira,
entre a Amura e o Grande Hotel,
gente que inspira,
à tona de água,
água de Lisboa, manga di sabi,
gente que labuta,
nas pirogas ou nas bolanhas,
e gente que conspira,
no Pilão da clandestinidade,
dando que fazer à PIDE/DGS
de Herr Spínola.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime> 1969: A LDG 105 pronta a descarregar mais um contingente de tropas no cais do Xime, a caminho da Zona Leste. O Geba Estreito, a partir do Xime, só agora navegável através de LDM e LDP



Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.










No estuário do Geba há um silêncio de morte,
no Geba há morte,
uma ligeira brisa de morte,
vais para o leste,
não para o norte,
que rima com Choquemone,
nem para o sul,
onde as almas penadas gemem
Oh! Gandembel das morteiradas
Aqui apenas se ouve o barulho dos motores da LDG,

Lancha
de Desembarque
Grande,
daquelas como nos filmes e romances,
da II Guerra Mundial,
Norman Mailer,
os nus e os mortos,
mas nem sequer há guia turístico,
nem bar aberto,
neste cruzeiro sem regresso para alguns de nós.
Passado o Cumeré,
Geba acima,
como há 500 anos atrás,
no tempo dos primeiros exploradores,
portugueses,
que baptizaram Porto Gole,
tugas, se faz favor,
que ainda está para vir
o tempo do politicamente (in)correcto.
Tuga é
o epíteto com que te vão insultar na mata,
quando a guerra começar a sério.
- Vai para a tua terra, tuga,
que esta é nossa terra bem amada,
a terra dos nosso avós! -

cantam os pioneiros do PAIGC,
a caminho da escola,
de lencinhos tricolores ao pescoço
e Kalash na mão,
sob a bandera di strela negro,
que há-de unir todos os guinéus,
dos Felupes no norte
aos nalus no sul.

Vamos no gosse gosse, pá,
que o calor já aperta,
a caminho da zona leste,
terra de fulas forros e futa pretos,
o chão fula,
dos antigos conquistadores,
valentes guerreiros,
exímios cavaleiros,
lês na brochura de propaganda
que te deram no Niassa,
vamos à vida,
que a morte é certa,
camaradas,
antes que seja tarde,
antes que caia o pano da história,
antes que o sol se ponha em África,
enquanto a terra vai estreitando as águas barrentas,
como uma cobra gigante
que sufoca lentamente a sua presa…

Fuzileiros,
hercúleos,
heróicos,
barbudos,
garbosos,
bronzeados,
em tronco nu,
de garrafa de cerveja na mão
(bazuca, aprenderás mais tarde),
marinheiros,
aventureiros
heróis do mar,
nobre povo,
nação valente
,
assustam bichos e homens
com tiros de morteirete,
próximo da temível Ponta Varela.
Exorcizam os diabos negros
que infestam o tarrafo
e espantam os irãs
acocorados nos cerrados palmeirais
que circundam as margens do rio.
- Turras a estibordo, patrão ?!
... Não, é apenas um ritual de passagem,
sempre que se passa na Ponta Varela,
para desacagaçar os piras,
tirar-lhe os três,
que eles vão hirtos e tensos,
recolhidos como meninos de coro,
almas virgens,
de sobrepeliz
e vozes celestiais,
no cacilheiro do Geba,
em procissão,
como se fossem caminho da eternidade…
- Senhor imediato,
obrigado pela boleia,
mas por favor não seja chato,
que há aqui gente que enjoa…


Um solitário T-6,
protector como um anjo da guarda,
sobrevoa a foz do Corubal,
um pouco acima da Ponta do Inglês,
um outro topónimo que aprenderás mais tarde,
com sangue, suor e lágrimas,
três palavras tatuadas no braço,
Guiné 69/71,
amor de mãe
,
nunca vi escrito amor de pai,
meu pai, meu velho, meu camarada,
que o teu país é uma sociedade matriarcal,
cinco séculos de solidão das mulheres,
de xailes negros,
os filhos no além, no além-mar...
Um T-6, ronceiro,
sob um céu de chumbo,
ou de bronze incandescente,
em círculos concêntricos
como o voo do sinistro jagudi
que fareja a morte,
a quilómetros de distância.
Acaba por alijar a sua carga mortífera,
lá para longe,
após a nossa chegada a bom porto,
talvez a norte,
em Madina/Belel,
talvez a sul,
lá para o Fiofioli,
onde a nossa imaginação febril,
em noites palúdicas,
irá ver enfermeiras cubanas,
feiticeiras de olhos verdes e carapinha,
de peito farto,
e bunda larga,
cenas de sexo sado-masoquista,
em camas de lençóis brancos
em hospitais dos turras,
camuflados na floresta-galeria,
o inferno verde do Xime-Xitole.
- Fiofioli, meu amor,
acelera o meu coração,
a cada explosão
das bombas do T-6.

Tite, Porto Gole, Geba,
Corubal, Fiofioli, Ponta Varela,
Xime, Xitole,
Ponta do Inglês, Madina, Belel…
Como esta toponímia exótica
da tua baralhada e curta geografia
irá ficar gravada a ferro e fogo
na tua memória,
meu pira,
meu camarada,
minha pobre criatura
que não páras de rosnar
e praguejar no teu diário:
- Como um cão apanhado na rede,
como um cão…


Desde os teus catorze anos,
desde 1961,
desde o grito de guerra
Angola é Nossa,
que ouvias, de olho e ouvido bem abertos,
na televisão,
do café público da tua vilória,
a RTP, o novo ópio do povo,
Negage, Pedra Verde, Nambuangongo,
enfim, há pouco mais de oito anos,
que sabias
que foras apanhado como um cão,
em contra-mão da história…
- Angola… é Nossa!,
Angola… é Nossa!


E aqui estás, neste caixote flutuante,
sem colete nem salvação,
sem bode expiatório,
nem álibi,
sem uma simples palavra de explicação,
sem razão
para matar ou morrer,
de morte matada,
de G3 na mão,
porquê eu, porquê tu, meu irmão,
mas com cinco litros de sangue
no corpo,
a derramar pela Pátria,
se for preciso,
em rega gota gota,
ou até em bica aberta,
que a Pátria não se discute,
a Pátria, a Fátria ou a Mátria
que te pariu,
meu safado,
meu javardo,
a caminho da guerra,
que não sabes onde começa
e onde acaba.
E sobretudo quando acaba…
Recapitulas:
- Tite, Porto Gole, Ponta Varela…
E registas no teu caderninho
os primeiros termos da gíria de caserna:
embrulhanço,
turras,
gosse-gosse,
irãs,
jagudis,
bolanha,
mancarra,
jubi,
bunda,
macaréu…


E eis que chegas agora,
ao primeiro porto,
seguro,
um porto fluvial,
um sítio chamado Xime,
sem qualquer tabuleta que o identifique,
um pontão acostável,
meia dúzia de estacas no lodo,
caranguejos de um só pata
devorando os olhos dos pobres dos mortos
arrastados pela fúria do macaréu,
uma guarnição militar a nível de companhia
com um destacamento no Enxalé,
do outro lado do rio e da bolanha.
Aqui começa o Geba Estreito,
avisam-te,
mais à frente é o Mato Cão,
que irás conhecer como a palma da tua mão,
um leito de rio incerto,
sinuoso,
viscoso,
como o corpo de uma serpente,
em que ficas ao alcance de uma granada de mão,
nas curvas da morte…



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > "Estrago de mina na estrada Bambadinca/Xime"


Foto e legenda: © Jaime Machado (2008). Direitos reservados.



O Jaime Machado foi Alf Mil Cav, comandante do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70)







- Xime, meu amor! - nunca to direi em nenhum aerograma,
pela simples razão
de que nunca escreverei nenhum aerograma a ninguém,
o Xime é uma bandeira das quinas ao vento,
descolorida,
esfarrapada,
gente brava, lusitana,
três obuses Krupp,
alemães,
de 10 ponto 5,
do tempo da II Guerra Mundial,
silenciosos mas ameaçadores,
meia dúzia de casas de estilo colonial,
de adobe e chapa de zinco,
e mais umas escassas dezenas de cubatas de colmo,
ruínas dum antigo posto administrativo,
restos de uma comunidade mandinga,
gente que não é de inteira confiança,
dir-te-ão mais tarde os teus soldados fulas,
vestígios de um decadente entreposto comercial,
cercados de holofotes,
arame farpado,
espaldões,
valas,
abrigos,
a estrada cortando ao meio a tabanca e o aquartelamento,
dois irmãos siameses condenados a viver e a morrer juntos…
- Bem vindos, piras,
ao primeiro dia do inferno
que vai ser o resto das vossas vidas! –

Alguém, um velhinho,
cacimbado,
apanhado do clima
,
desgraçado,
que ouves com temor e reverência,
escreveu numa daquelas paredes desboroadas,
de cores desbotadas…


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 1972 > Obus 10,5 cm (ou 105 mm). No aquartelamento do Xime, existiam três obuses deste calibre e um morteiro 81 m/m.

Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.



- Ah! Como tudo isto é tão triste, meu Deus!
Duvido que tenhas dito Meu Deus,
como não dirias turras,
que aos vinte e dois anos,
não evocavas o nome de Deus em vão,
e sentias-te órfão,
sem pai nem nem mãe no mundo,
nem tinhas carta de condução,
nem bússola,
nem nenhuma ideia definitiva sobre o sentido da vida
mas achavas ainda romântica a ideia daquela maldita guerrilha…
E ali vais tu,
meio acagaçado,
meio curioso,
disposto a salvar o coiro,
alinhado ma non troppo,
desformatado,
violentado na tua consciência,
o quico bem enterrado até às orelhas,
entre filas de velhinhos,
brancos e pretos,
de lenços garridos ao pescoço,
com ar de fadistas,
a palhinha de capim ao canto da boca,
como o estereótipo do chulo do Bairro Alto,
fingindo fazer um cordão de segurança no mato,
até à famigerada bolanha de Madina Colhido,
a caminho de Bambadinca,
a próxima paragem…


Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 14 > "Cais do Xime, a cores já esbatidas" (RM)…Atracagem de uma LDG - Lancha de Desembarque Grande... Em primeiro plano, o Fur Mil Renato Monteiro, meu amigo de Contuboel, que foi parar ao Xime (e depois ao Enxalé, destacamento do Xime, no outro lado do Rio Geba) por não morrer de amores pelo comandante da sua unidade de origem, a CART 2479 (1968/70)... Conheci-o em Contuboel, em Junho/Julho de 1969. Nunca mais o vi... Só há poucos anos nos reencontrámos... Graças ao blogue... É a história de um feliz acaso, já aqui contada (*). Ele era(é) o misterioso homem da piroga, fotografado comigo no Rio Geba, em Contuboel, uma das poucas fotos que tenho da Guiné...

Fotos: © Renato Monteiro (2007). Direitos reservados.




- Terra importante-
diz o capitão,
em jeito de sermão,
como se fora padre, pai e patrão.
... Vértice do triângulo
Bambadinca- Xime – Xitole,
Sector L1 da Zona Leste,
fazendo fronteira,
através do Rio Corubal,
com o mítico sul,
Quínara e Tombali,
as terras do lendário Nino.
Regista aí,
para memória futura,
para o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné,
que já o viram, vestido de cow-boy,
a cabeça a prémio,
wanted dead or alive,
como nos filmes do faroeste.
Alguém te dissera,
em jeito de confidência,
na 5ª Rep, o Café do Bento,
o maior mentidero de Bissau.
- Quantos pesos e traições
vale a tua cabeça, camarada Nino ?
E sobretudo tu, grande Cabral ?

E lá vai o tuga, pobre infante,
a três metros do solo,
sobrevoando o capim,
no alto de um Matador,
que serve para transportar tudo o que lhe mandam
desde obuses a carne para canhão…

Destino: Contuboel,
a norte de Bafatá,
terra de marabus,
artesões, cavaleiros,
e bajudas com cabaço
e mama firme,
fulas e mandingas,
pontas de caboverdianos
com bíblicas plantações
de bananas, abecaxis e víboras verdes,
Contuboel, enfim,
onde é esperado que chegues,
são e salvo,
já noite dentro…
-
Que desta já escapaste,
o que é preciso é acordares com a tusa toda,
e o dedo mindinho do pé a mexer-
assegura um dos velhinhos lá do sítio.

Percebes, por fim, que estás na Guiné,
para lá de Bissau,
das esplanadas,
dos desenfiados,
dos felizardos,
para lá do Cumeré,
para lá de Porto Gole,
longe do Vietname,
quanda passas pela ponte do Rio Udunduma,
semi-destruída quatro dias antes,
e agora guardada por toupeiras humanas,
e quando chegas a Bambadinca,
e há medo estampado no rosto
do escriturário,
do cripto,
do básico,
do cozinheiro,
do chulo,
do proxeneta,
do condutor,
do cabo,
do comerciante,
do cipaio,
do administrador de posto,
da professora,
dos meninos da escolinha,
do furriel,
do alferes,
do capitão,
e que sobe pela espinha cima
até ao topo da hierarquia militar…
- Dá-me licença, meu comandante ?!

Uns dias antes, houvera o aparatoso
ataque de 28 de Maio de 1969…
Há 43 anos atrás
o façanhudo do Gomes da Costa
viera de Braga, a cavalo,
a trote,
e de espada em riste,
impor o respeitinho
que era muito bonito
,
no Terreiro do Paço,
num outro 28 de Maio, o de 1926,
uma efeméride importante
para o regime.
- Efemérides ? Coincidências ?
Ingénuo, vês o génio de Cabral
por toda a parte,
e o filme da história
a passar pelos teus olhos,
sem legendas,
a preto e branco,
sem som,
nem sequer a mísera pianola do tempo do mudo…
-
Senhor engenheiro Cabral,
como fica tão bem,
de fraque e de cartola,
é deveras o africano mais português de Portugal!

A ti, apanharam-te como um cão,
danado,
e soltaram-te nesta terra,
de azenegues e de negros,
para lhes morderes as canelas…
-
Dog, dog,
if turra comes back,
jampa-lhas às pernas,
diz o calafona.




Guiné > Zona Leste > Contuboel> Junho de 1969: Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o Rio Geba. Furriéis milicianos Luís Manuel da Graça Henriques (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Renato Monteiro (CART 2479 / CART 11).

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados



Até o humor do meu companheiro de viagem
é deslocado…
Viemos no mesmo camarote,
no T/T Niassa,
a tresandar a óleo e a vomitado…
Vou agora mais descontraído,
sem pena nem tema,
numa surpreendente estrada alcatroada,
entre Bambadinca e Bafatá…
Vais gozar as delícias do sistema,
meu safado:
- Contuboel - dizem-te - é um eldorado… (**)

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça)

(...) " Três dias depois iriam dar-nos uma G-3, novinha em folha, e uma ração de combate, para de seguida nos porem no fundo duma LDG, a caminho do Leste, Rio Geba acima, escoltados por uma equipa de fuzileiros navais que, à medida que o ri estreitava, batiam com fogo de morteirete a cerrada vegetação das margens (o tarrafe) até às proximidades do Xime" (...) .

16 de Dezembro de 2006>Guiné 63/74 - P1371: Foi a LDG 101 Alfange que transportou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 até ao Xime em 2 de Junho de 1969 (Manuel Lema Santos)

(...) "Quem vos transportou no dia 2 de Junho de 1969 ao porto de Xime, no Geba, um pouco acima da confluência com o Corubal foi a LDG 101 Alfange, tendo regressado no mesmo dia, conforme consta dos registos oficiais de navegação da Alfange" (...).


(**) Vd. poste de 28 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXXVI: No 'oásis de paz' de Contuboel (Junho de 1969) (Luís Graça)

Vd. também:

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

6 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2412: História de vida (8): Renato Monteiro, um homem de múltiplos... fotografares (Luís Graça)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4760: Pensamento do dia (17): Recordando as Picas (Jorge Teixeira/Portojo)

1. Mensagem de Jorge Teixeira (Portojo) (*), ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70, com data de 29 de Julho de 2009:

Caro camarada e amigo Vinhal

Para publicar se tiver interesse.
Na secção que achares melhor.

Um abraço especial para ti.
Jorge Teixeira




Recordando as Picas

As Picas em acção na estrada Catió/Ganjola

Foto: © Jorge Teixeira (Portojo) (2009). Direitos reservados.


Rebuscando o baú fui dar com esta foto de meados de 1968. Nessa altura ainda tinha a mania das fotos - a máquina por vezes era emprestada para também ficar com uma recordação e que em devido tempo seria mandada para casa, demonstrando assim que tudo estava bem no paraíso de férias que era Catió e arredores.

Ora esta dita foto foi feita na estrada Catió/Ganjola [leia-se: Gandjola,que ficava a norte de Catió] e que era percorrida se não todos, quási todos os dias, com reabastecimentos lá para o destacamento.

Chegados a uma determinada altura, a coisa já era tão normal que quási passava a descontracção. Mas sempre era picada a dita estrada, o que demorava a fazer nos seus primeiros 6 a 7 km umas três horas bem puxadas. A parte restante até ao rio [de Ganjola] já era feita só pelas viaturas, ficando o pessoal da pica no remanso à espera do regresso.

Mas o importante da foto é que se podem ver na perfeição os nossos simpáticos e quási infalíveis detectores de minas, mais conhecidos como as Picas. Ora digam lá, camaradas, vocês que bem conheceram estes artefactos, se não mereciam estar em destaque nos vários Museus Militares espalhados pelo País Portugal?

Quantos picadores nos salvaram a vida com estas belezas? Mas quantos deles foram também traídos por elas?

A nossa homenagem a todos os picadores das estradas da Guiné.


Um abraço para a Tabanca e até à próxima
Jorge Teixeira
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4614: Controvérsias (23): Milicianos… eram os peões das nicas! (Jorge Teixeira)

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3208: Pensamento do dia (16): E não se pode exterminá-la ?... A epidemia de cólera em Bissau (Sofia Branco, Público)

Guiné 63/74 - P4759: História da CCAÇ 2679 (22): Falando sobre Bajocunda (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 29 de Julho de 2009:

Caro Carlos,
Envio-te mais um pedaço da passagem de uma companhia pelas bandas de Bajocunda. Desculpa a trabalheira, tanto mais que em pleno Verão não deves precisar de mais aquecimento, mas não me ocorreu dar outro destino ao texto.

Um grande abraço para ti a para a Tabanca.
J.Dinis


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679
BAJOCUNDA


A localidade encontra-se no nordeste da Guiné, entre duas tabancas situadas sobre a linha de fronteira com o Senegal, Pirada, 11 Km a oeste, e Copá, cerca de 20 Km a leste. Fica a uma distância da linha de fronteira de cerca de 4 Km, e pertencia ao regulado de Amedalai. Olhando do ar para Bajocunda, a identificação dos limites, definidos pela fiada de arame farpado, revela uma figura ovalizada, com excepção a leste, onde a pista de aviação contígua configura um segmento de recta.

Havia três portas (cavalos de frisa), que correspondiam aos acessos a três estradas (picadas), para Pirada, com passagem por Tabassi, na direcção sudoeste, já que esta aldeia é ainda mais a sul; para Nova Lamego, na direcção sul; para Copá, na direcção leste, com bifurcação para Amedalai, a 3 Km, na direcção sudeste.

A tabanca ocupava a parte oriental do perímetro aramado. No interior desse perímetro estendia-se uma faixa de rodagem que permitia o fácil acesso por viatura aos abrigos periféricos.

O aquartelamento ocupava cerca de metade da àrea total e estava separado por uma vedação de arame. Era ali, onde fora o coração económico e social da terra, que, em antigas casas comerciais, se situava o Comando e Secretaria, a Messe, a Enfermaria, os quartos, a Arrecadação de Material de Guerra, as Transmissões e a Cantina.
Numa construção aberta, mas coberta por chapa zincada, funcionava a Cozinha e o Refeitório. Em frente à Secretaria, soterrado, oblongo e com uma entrada estreita e alta numa extremidade, existia um Paiol, carinhosamente baptizado de submarino.

Na localidade havia ainda três casas comerciais, uma delas, com a frontaria virada para o pau de bandeira e a Secretaria, quase permanentemente encerrada e o proprietário, um velhote africanista, fez poucas visitas.
Das duas restantes, uma, junto à Messe, era gerida por um guinéu e eram escassos os artigos, reflectindo-se na pouca clientela. Do outro lado da rua à direita, no sentido do aquartelamento para a pista, ficava a casa do Silva, que sob o alpendre tinha sempre dois alfaiates, e um razoável número de pessoas que conversavam ou ficavam protegidas, tanto do sol inclemente, como da chuva quando lhe tomava a vez.

No interior, por trás de um velho balcão, o Silva, o ajudante, e raramente a esposa, faziam toda a sorte de negócio que interessasse aos locais ou à tropa. Nas traseiras, sob as frondosas mangueiras que davam sombra ao quintal, e onde também se destacava uma ou duas papaieiras, funcionava um improvisado bar ou restaurante. Recordo a excelente galinha de fricassé que o cozinheiro sabia preparar e constituía um manjar de deuses.

A actividade económica organizava-se, principalmente, em torno da presença militar, que patrocinava o grande fluxo de patacão, cujo circuito terminava maioritariamente na loja do Silva. A população praticava uma reduzida agricultura, com algumas lavras de mancarra, e de milho, que era semeado no inicio das chuvas e colhido quatro meses depois, com o início da seca. Praticava-se ainda alguma pouca pastoricia.

A população vendia à tropa alguma (pouca) fruta, galinhas e cabritos. As vacas eram propriedade de muito poucos e símbolo de poder e riqueza, pelo que, por vezes, era relutantemente que as vendiam à tropa. Recordo que as vacas custavam dois contos, e tendo em conta os rendimentos médios a seguir referidos, o preço de uma vaca equivalia a um ano de receita para o comum da população, e não tinham preço de aquisição, nem tinham custo de produção.

O rendimento familiar era muitas vezes substancialmente acrescido com o salário de Soldado ou Milícia, dado que muitas famílias tinham parentes na tropa. Ainda assim, dificilmente o rendimento familiar médio excederia 200 a 300 escudos (pesos) mensais, que à distância do tempo, poderia significar 20 ou 30 contos por mês, cem ou cento e cinquenta euros nos dias de hoje. Refiro-me, claro, a famílias do ambiente rural no âmbito descrito.

Parada de Bajocunda, enriquecida com a presença da Fatinha, a lavadeira que não gostava mesmo nada que lhe chamassemos rata cega.

Foto e legenda: © Cândido Morais (2009). Direitos reservados


Nos arredores de Copá havia ainda uma boa plantação de cajueiros, que não sei se era propriedade particular ou comunitária. Outra fonte de receita resultava da prestação de serviços, que quase se resumiam ao (mau) tratamento da roupa e à prostituição.

Amedalai era a mais importante das tabancas por ser sede de regulado. Vivia em regime de auto-defesa com um Pelotão de Milícias. No período de transferência da Companhia, e tendo em conta o elevado número de tropa em Bajocunda decorrente dos recentes acontecimentos na região, praticamente todas as noites se deslocava um Pelotão para reforço da aldeia, ou montava emboscada nas cercanias. Passado esse período, raramente voltou a acontecer algum Pelotão ali se deslocar a passar a noite.

Tabassi era uma pequena aldeia a meio caminho para Pirada. Por esta ocasião foram distribuídas armas novas do modelo G-3, foi erguida a vedação e abertas valas de protecção e defesa. Apesar do regime de auto-defesa, todas as noites se deslocava um Pelotão para garantir a protecção da aldeia. Pouco tempo depois, quando exigi do Chefe de Tabanca a verificação do armamento... nem pó, levaram sumiço. Estas situações relatadas, levam-me a concluir pela existência de relações de cumplicidade destas populações com o IN, no entanto não tive conhecimento de alguma atitude com vista à recuperação das armas, nem da mais leve preocupação a propósito. "Durante o mês de Agosto o IN revelou-se uma única vez, com uma flagelação a Copá, mas sem quaisquer consequências" - da História da Unidade.


Indício sobre a gestão da Companhia

Durante os primeiros seis meses de comissão, em Piche, a Companhia adquiriu uma boa experiência operacional, face às inúmeras saídas a que o quotidiano da intervenção obrigava. Dependíamos do Batalhão ali sediado em tudo o que à logística dizia respeito, pelo que os nossos serviços nessa área não tiveram qualquer relevância.

Com a assunção de responsabilidades no sub-sector, verificou-se a autonomia de administração de tudo o que à Companhia dizia respeito, nomeadamente na aquisição e gestão dos géneros alimentares, material e sobressalentes para as viaturas, bem como na aquisição e gestão da gasolina. Começou então a verificar-se uma relação directa entre a acção do Comando, onde pontificava o Primeiro-sargento, enquanto senhor de vasta experiência, e as condições de operacionalidade e qualidade de vida de todos os elementos, quer integrassem os operacionais, quer a parte de serviços.

A primeira surpresa foi-me relatada pelo Furriel responsável pela secção mecânica. Em princípio seria ele o interlocutor directo com o Comando no que à actividade e às necessidades correlativas dissesse respeito, tendo em vista a orientação para o melhor aproveitamento dos recursos. Referiu-me preocupado e revoltadamente uma proposta que logo lhe fizeram e constava do seguinte: a Companhia passava a abastecer-se de gasolina pela compra directa na sucursal da Casa Gouveia no Gabu, e para cada requisição de combustível, carregava-se apenas metade da quantidade mencionada na guia. O produto da restante quantidade seria dividido pelo representante da casa vendedora, o capitão, os dois sargentos e o furriel mecânico.

Perguntei-lhe quanto é que lhe renderia o negócio. Indignado, respondeu que regeitara a concumitância, mas que a parte proposta era ínfima. Dei-lhe os parabéns, ele era íntegro e pessoa de bem que não se deixara manipular. Mas ficou marcado, e mais tarde havia de lhe sair cara a ousadia.

De seguida, na Messe, referi para quem quis ouvir, que eu, se tivesse que transportar gasolina, ou carregar os bidons, ou carragava todos os constantes da guia, ou nenhum. E, tanto quanto me lembro, das inúmeras vezes que fui a Nova Lamego para reabastecimento, só transportei gasolina quando algum membro da sociedade se deslocava ao entreposto. De uma vez, tenho a certeza.

O miserável parque automóvel, com viaturas destroçadas e avariadas, para que nada falhasse e fosse justificável, nos mapas que seguiam para Bissau, constava em condições normais de utilização, com tudo a andar e a consumir alarvemente, medida que garantia duas situações: a justificação para o consumo a coberto da legitimidade por parte da sociedade, e o risco acrescido do pessoal que se deslocava em viaturas para o mato, tudo ao monte e fé em Deus. De facto, se trinta homens se deslocassem em três viaturas, a capacidade de reacção e o risco era bem diferente do que deslocando-se em duas.

JMMD
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4692: História da CCAÇ 2679 (21): O meu regresso à Guiné, após as férias na Metrópole (José M. Matos Dinis)