sexta-feira, 31 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4762: Estórias do Mário Pinto (4): Fotógrafos de guerra



1. Mais uma mensagem, desta vez com matéria mais séria, enviada pelo nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71:

Camaradas,

Tenho vindo a habituar o pessoal da Tertúlia a contar-vos estórias mais ou menos pitorescas da CART 2519, mas hoje resolvi desenvolver um tema mais sério, que intitulei; " Fotógrafos de Guerra", em homenagem a todos os nossos camaradas que pertenceram a esta especialidade.


“FOTÓGRAFOS DE GUERRA"

Raros foram os camaradas que não tiraram uma foto, quer no teatro de uma missão, quer nos seus momentos de descanso, quer numa confraternização, etc., para lembrar mais tarde.

Outros mais afoitos para conseguirem fotos mais “radicais”, transportavam a sua máquina de fotos, independente da sua marca e qualidade, juntamente com a sua G3, pela mata adentro, picadas, colunas, ataques, emboscadas e operações (algumas delas até bem arriscadas).

Sem qualquer outro interesse, senão ficar com uma recordação sua, para a posterioridade.

Naquele tempo não desconfiavam, nem pensavam, no precioso e enriquecedor contributo documental, que viriam a prestar à restante comunidade portuguesa e à História da Guerra Ultramarina, no nosso caso a Guiné.

Todos sabemos que o nosso exército possuía um departamento cinematográfico, que também realizava reportagens, e que não é segredo para ninguém que, o mesmo, se encontrava ao serviço da propaganda e dos “tratamentos” psico-políticos e militares da época.

Além destes ainda existiam os repórteres e fotógrafos da comunicação social vigente, mas seguiam pelo mesmo caminho dos do exército, ou seja, raramente saíam do perímetro entre Bissau e Bissalanca e, no máximo, só arriscavam até Nhacra.

Sem dúvida nenhuma, que o maior meio informativo na época era a televisão, com um único canal a RTP1 (a que mais tarde se juntou a RTP2), ambos órgãos do Estado, que se limitavam, praticamente, a reportar as célebres Mensagens de Natal e, mesmo essas, também só muito esporadicamente iam além do perímetro que referi.

No Sul da Guiné e nos sítios onde “doía” o “barulho”, nunca dei por eles, ou ouvi falar na sua presença.

Comparando o nosso conflito (se houver alguma comparação possível com o do Vietname), neste capítulo de reportagem, denota-se uma abismal falta de material fotográfico e, consequentemente, da respectiva divulgação.

Quero dizer com isto, e pelo que me tem sido dado ver ao longo destes últimos 35 anos, que se não fossem mais uma vez, a intuição e a espontaneidade da “malta” do mato, o património fotográfico dos acontecimentos era quase nulo.

Tal facto, creio eu permitiria, que muitas entidades e instituições mal intencionadas e, ou, maldizentes, ousassem utilizar a fertilidade das suas deturpadas e malévolas imaginações, para iludir a verdade dos factos mais vezes ainda, do que aquelas que, em certos momentos, detectamos em alguns meios de comunicação.

Hoje, estes documentos, são o suporte básico e fiel de muitas notícias que para aí circulam, em documentários, artigos diversos, livros, revistas, etc.

Fotos, como por exemplo, as que foram editadas no poste do nosso camarada Alferes Miliciano Carlos Farinha, da CART 6250 e do seu encontro inédito com o PAIGC, figuram na catarse da frente da Guiné como “peças” únicas, entre outras de igual valor e teor histórico de camaradas nossos, e que, indiscutivelmente, constituem um inestimável e indispensável contributo histórico, para a posteridade.

Comungo inteiramente do dito do povo: “Vale mais uma boa fotografia que mil palavras”.

Não fossemos nós considerados dos melhores militares do mundo, especialistas no combate à adversidade, na coragem demonstrada, na espontaneidade da inter-ajuda, na rebuscada imaginação, na solvência da miséria, na difusão da alegria, na comunhão da tristeza e na exteriorização da comoção.

Até na fotografia nos desenrascamos. Meus amigos de facto fomos… ENORMES.

Bem haja quem conseguiu perpetuar tais momentos, bons e menos bons, para todo o sempre.

Um abraço,
Mário Pinto

Foto: © Eduardo Ribeiro (2009). Direitos reservados.
__________

Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

5 comentários:

mario gualter rodrigues pinto disse...

Ao camarada Carlos Farinha

Peço desculpa pelo erro da Cart. a mesma é 6250 e não 2625.

Um abraço

Mário Pinto

Anónimo disse...

Tem toda a razão, caro camarada Mário Pinto. O património fotográfico sobre a guerra na Guiné que este blogue já arrecadou é de um valor incalculável. Muitas das fotos são mesmo de antologia. Ainda ontem, ao pesquisar já não sei o quê, dei com uma foto que mexeu comigo: a rendição de uma companhia. Além da parte estética propriamente dita (a foto está bem conseguida e é nítida) imaginei o turbilhão de sentimentos que percorriam aqueles militares de um lado e do outro. E vê-se bem a realidade daquelas situações: de um lado militares com as suas G3, de camuflado ainda bem escuro, significando pouco uso, formados a preceito, mesmo alinhados. Em frente, outras cores mais claras e desbotadas. Nada de armas nem de formatura a preceito. Cada qual "fardado" a seu modo: não seria desleixo, mas descontracção. Acredito que os "velhinhos" estivessem a viver sentimentos contraditórios: alegria pela rendição, vendo a "Metrópole" já bem perto; comiseração por aqueles que chegavam. Quanto aos recém-chegados, não se pode imaginar no que pensavam. Mesmo quem passou por aquela situação (que não é o meu caso, pois a minha comissão foi em Angola e em rendição individual)terá dificuldades, 40 anos depois, em expressar os sentimentos que viveu naquela situação.
Vou tentar descobrir a foto e acrescentarei o número do post aqui.
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

A foto a que me refiro no anterior comentário consta do post 1747.
Cumprimentos,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

... de 10/05/07.
CC

Anónimo disse...

Comentário do Armandino Alves, com data de 22 de Agosto de 2009:

Caro Camarada Mário


Quem estiver a ler o seu Poste julgará que nasceu depois do 25 de Abril de 1974. Ora todos sabe«mos que isso não é verdade, pois também foi Combatente na Guiné.

Qual era o regímen que imperava nessa altura ? Salazar ou Marcelo.
Acha que qualquer deles deixava um órgão da Comunicação Social andar à solta pelo teatro da guerra a fotografar ou a filmar o que lá se
passava ? Para que era que existia a PIDE ? Acha que, mesmo anónimo,
o repórter conseguia pôr alguma coisa nos jornais da época? Mesmo os nossos soldados, quando tiravam fotos, era para eles próprios ficarem com uma recordação.

E se não repare : Já estamos em democracia há mais de 30 anos e só com a criação deste Blogue é que as fotos vão aparecendo.

Quanto á RTP 1 posso dizer-lhe que a mesma esteve em Béli e em Madina do Boé em 1966 para as tais mensagens de Natal. Só estavam autorizados a filmar os escolhidos na parada e nada mais.
(Nessa altura Madina do Boé era o pior teatro de guerra da Guiné).

Mesmo os Serviços Cinematográficos e Fotográficos do Exército o que
faziam era para consumo interno. Por isso não vamos acusar a imprensa da época pois a mesma estava completamente amordaçada.

Armandino Alves
Ex 1º Cabo Enfº CCaç 1589
armandino_alves@hotmail.com