1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 22 de Julho de 2009:
Caro Carlos:
Mais uma vez estou sem computador, daí o atraso. Em anexo aí vai a XI estória
para a série "A Guerra Vista de Bafatá".
Um abraço.
Fernando Gouveia
A GUERRA VISTA DE BAFATÁ
Bafatá. 1969. Grande parte da tabanca da Rocha com a mesquita.
11 – Interrogatórios.
Já anteriormente referi que a minha principal função, como Oficial de Informações do Comando de Agrupamento, era tratar as notícias que iam chegando, quer respeitante ao IN, quer às NT. No entanto, também tinha sido instruído para fazer interrogatórios.
Na minha comissão de dois anos só tive que fazer dois interrogatórios, pois a grande maioria era feita nos Comandos de Batalhão ou de Companhia onde havia (caso dos Batalhões) um Capitão com essas funções específicas.
Abrindo aqui um parênteses referirei que, em combate e debaixo de fogo, de tudo seria capaz para salvar os meus camaradas e a minha própria pele, no entanto a frio e à sombra de um quartel seria de todo incapaz de torturar, física ou psicologicamente, qualquer elemento IN, como aliás aconteceu em vários casos que tive conhecimento. Recordo até que um dia, em Bambadinca, quando se estava a proceder a um interrogatório com alguma violência à mistura, vem ter comigo um alferes vangloriando-se de lá ter ido molhar a sopa. Episódio triste, tanto mais que esse alferes nada tinha a ver com o interrogatório.
Dos dois interrogatórios que fiz, um não deu em nada, dando até a impressão que o homem nunca pertencera ao IN e o que queria era ficar com as NT, onde tinha comida e dormida. Recordo que me pediu para lhe arranjar tabaco e eu próprio lhe comprei no mercado, às minhas custas, umas folhas de tabaco.
O outro foi a um elemento da população afecta ao IN, capturado numa operação. Idoso e com lepra em estado não conseguiu fugir. O interrogatório foi feito com o sujeito deitado numa maca e com a ajuda de um intérprete.
Com o mapa da zona à minha frente e com as sucessivas respostas que o homem foi dando, cheguei à localização, para mim exacta, do tal refúgio IN.
A informação que assim obtive destinava-se a concretizar uma operação, logo ao amanhecer do dia seguinte, primeiro um bombardeamento pelos Fiats ao local por mim assinalado e, em seguida, um golpe de mão pelos Páras, que nessa altura estavam em Bafatá.
Como na manhã do dia D o tecto (núvens) estava baixo, os Fiats não puderam actuar tendo-se feito a operação só com os Páras, helitransportados.
Mais uma vez, na guerra de retaguarda, não fui directamente responsável por mortes na Guiné pois se os Fiats tivessem actuado, tinham acertado em cheio: A cruz que tinha desenhado no mapa veio a verificar-se ser o local exacto do acampamento IN.
O resultado da operação resumiu -se à recolha de inúmero material, mais civil que militar: panos, amuletos, medicamentos (muitos pacotinhos de aspirina), apetrechos de limpeza de armas e muitos livros escolares. O pessoal IN conseguiu fugir todo.
O Ten Pára-quedista Gomes (meu antigo colega do liceu) que comandou a operação, acabou por me dar muito desse material, algum do qual ainda hoje conservo, como uma cartucheira que utilizo na caça.
Capa de um dos livros apreendidos
Uma página do livro anteriormente referido
Página de um outro livro com toda a certeza de origem nórdica (repare-se nas figuras). Tal como os nossos livros pretendiam ensinar aos guineenses as serras e os rios da metrópole, também estes referiam vivências, como patinagem, possivelmente no gelo, etc.
Última página de outro livro, já muito usado.
Duas páginas de outro livro, este para aprendizagem de algo relacionado com o árabe ou o Alcorão
Amuletos respectivamente para a cinta e para o pescoço (um feito com um chifre de cabra), também capturados. No seu interior eram introduzidos pequenos papeis com as preces pretendidas escritas em árabe.
Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.
Na próxima estória irei mostrar por dentro e por fora o Mercado de Bafatá, que na altura era o ex-libris da cidade.
Até para a semana camaradas.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4707: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (10): Mina bailarina
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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