1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), com data de 1 de Setembro de 2011:
ENCONTROS
Foi-me dado a conhecer o Blogue, LG & Camaradas da Guiné.
Li e, passado algum tempo, fiz um comentário. Não sei porquê, após esse comentário, comecei a escrever com alguma assiduidade. Porquê? …A guerra para mim acabou há muito tempo… dizia ou pensava eu…
Sobre a vida militar e a guerra pensava, há muito tempo, ter essa parte de minha memória envolvida por denso nevoeiro. Recordava, em pequenos “flashes”, um assunto ou outro. Certo, isso sim, era ter considerado encerrado esse Capítulo. Não tenho o hábito, após considerar encerrado um “Capítulo de Vida”, voltar a abri-lo. Erro meu este, erro meu.
Hoje pouco, muito pouco mesmo, escrevo para o Blogue. Agravado por estes períodos de ausência que vieram reforçar a pouca vontade de “contador de estórias” e etecéteras desse meu passado.
Aborreço-me ler certos escritos. Não são só aqueles geradores de “desavença” ou polémica. Esses são naturais e salutares em espaço de opinião que se quer plural. Refiro-me mais a certos abusos, não reprimidos.
Muitos deles são aberrações, produto de mentes com algum problema ou intenções destrutivas. Como tal deviam, de imediato, entrar na trituradora do papel. Também certo modo de juntar demasiado as NT e o IN (leia-se Nossas Tropas e o Inimigo). Cada um no seu lugar. Misturas, não. Claro que a guerra já terminou.
Então falemos abertamente, com o respeito tido outrora ou hoje sem contenda. Diga? Quem? Eu? Só nós? Pois, e assim não, não.
Contudo, o que começo a tolerar menos, detesto, são certas “vaidades”. Chamo-lhe assim e coloco entre aspas para poder continuar.
Volto ao inicio, à abertura de um Capítulo já encerrado, ao erro da sua abertura.
Queria eu dizer então:
- Há muitos anos, muitos mesmo, tendo tanto trabalho, tanta vida a galgar, tanta preocupação, como iria ter tempo para recordações militares?
Fechei então esse “Capítulo” e ponto final. Os anos passaram velozes.
Um dia o telefone tocou.
- É um senhor com um assunto pessoal.
- Quem?
- Diz ter estado na Guiné…
- Passe então… Guiné!?
Estabeleceu-se uma conversa que me levantou algumas dúvidas. Não a recordo bem. Queria o meu endereço para tratar, ele e outros, do primeiro almoço da Companhia, a CART 2339. Disse-lhe o número do apartado.
Dias depois aí estavam notícias. Falei com alguém da Companhia. Não tenho a certeza com quem. Como não recordo o ano. Talvez 90 ou 91. Localidade escolhida para esse primeiro encontro, Aveiro.
Fui. O ponto de encontro foi junto a um hipermercado. Depois fomos para um restaurante da cidade.
Ali estávamos novamente junto, cerca de vinte anos depois.
Olhava e queria ver o impossível, os mesmos rostos, os mesmos gestos e sorrisos e, confesso, além de não recordar a maioria ou confundir os nomes, estava muito emocionado. O desgaste do tempo, o nosso afastamento, aquela inesperada reunião - planeada, é certo – a emoção que provocava, a saudade dos que ali não estavam e sentiam-se, tudo junto levava-me a só parte de mim ali estar. Além disso quem ali estava pouco, muito pouco, tinha a ver com o militar que outrora estivera com aqueles camaradas. Era outro muito diferente e não vestia o camuflado. Era passado. Só que nunca se apaga totalmente o passado e algo ainda ali permanecia, algo começava a aparecer. Sentia-o naturalmente.
Além disso apercebia-se, pela forma de estar, de conversar, de rir que alguns ainda por lá andavam. Muito deles pertenciam ainda a esse passado. Viviam o hoje como se fosse o ontem, contavam certas vivências como fossem quase o presente.
Eu reagia, fortemente, a uma palavra se pronunciada – Mansambo. Preferi ir na onda e ouvir mais do que falar. Hoje sinto uma recordação tão longínqua, tão afastada desse encontro, talvez, mesmo mais afastada do que os tempos vividos na Guiné.
Ali estava gente feliz com risos, gargalhadas, falando alto em alegria e, talvez, procurando apagar aquele afastamento de duas décadas. Seria? Não sei.
Do “meu” Grupo estava, como é lógico, mais próximo. Sentia uma maior emoção ao vê-los, sentia-os todos, os presentes e os ausentes. Com alegria ia conhecendo a sua vida de hoje, o seu estar na vida, a família, os filhos e as mulheres. Era uma alegria fortemente emotiva.
- Tens dez filhos?
- Dez…
O tempo voou rápido e saí. Como? Quando? Não sei, não recordo. Rumei a Coimbra. Apetecia-me beber em silêncio, estar só. Vinha-me uma palavra ao pensamento, uma recordação mais forte. Porque abrira aquilo? Porque abrira aquele “Capítulo de Vida”? Era um misto de sim e não. Era o aceitar e o querer afastar. Não as pessoas, não os camaradas ou a Guiné. Então o quê? O meu eu de outrora? Era uma luta entre o passado, aquele passado, e o presente. Mas o presente não podia viver amputando dessa parte do passado.
Aquele encontro é possível que tenha condicionado mais fortemente o novo encerramento. Tanto assim que foram sucedendo, ano após ano, os almoços anuais dos encontros e fui, ano após ano, adiando a minha comparência. No fundo sempre os senti perto. Estavam todos, todos, mas em Mansambo. Eram os eternos camaradas e amigos. Difícil de explicar. Tanto assim que certo acontecimento marcou o regresso.
Ano de 2005, ano difícil para mim. Esperava ser ano de paragem, ano em fim de linha. Regressei, quinze anos depois, ao Encontro, para uma despedida silenciosa. Era uma necessidade voltarmos a encontrar-nos em Évora onde, trinta e oito anos antes, tudo começara.
Falamos, rimos, revivemos, voltei a entreabrir o tal “Capitulo de Vida”, qual pisca-pisca ou abre e fecha.
Senti-me desgastar mais cedo do que esperava e, a meio da tarde, pedi a meu filho para regressarmos.
Ele, que não foi militar e da Guiné pouco sabia, regressou a contra-gosto. Um regresso cheio de perguntas. Estava deslumbrado e não entendia bem aquele convívio, o modo como as pessoas estavam, a maneira como se relacionavam umas com as outras, a amizade e camaradagem. Tentei explicar. Devia ter explicado há mais tempo.
Poucos dias depois o mais novo disse-me:
- Pai, se para o ano fores ao Encontro, eu quero ir contigo.
O irmão contara-lhe. Talvez um dia isso aconteça, talvez um dia regresse.
Agora tenho ido aos Encontros do Blogue – LG & Camaradas da Guiné. É diferente. São antigos militares, camaradas e amigos, muitos a só se conhecerem nesses encontros, mas com algo em comum. A Guiné, a guerra, as situações de perigo vividas e algo que só eles, só eles compreendem e eu não sei definir.
Há uma palavra que diz algo: -
camarigo. Sim
camarigo, a contracção de camarada e amigo. Para alguns a palavra camarada é pouco agradável, mas o afecto, a amizade, a partilha de toda uma vivência naquela Terra une-os e continuam camaradas e amigos.
Os encontros de Companhia têm tudo isso e mais a cumplicidade vivida e sentida. Para o ano, parece ser em Maio de 2012, há mais um encontro da Companhia e porque não ir? Estamos, temporalmente, a uma eternidade de meses de distância e vivo um dia de cada vez. Um dia…
Terei que pensar, com tempo, tanto tempo para esse Encontro.
Tenho, sinceramente que tenho, vontade de encerrar mesmo. Ainda hoje consegui ouvir um minuto, talvez dois, do fim da conversa de três Camaradas numa TV. São do Blogue, membros do Blogue. Não deu para ter uma opinião. Certo é que me deu para pensar um pouco, para juntar estas letras e me interrogar sobre alguns porquês.
Até sempre Camaradas ou Camarigos…
TM
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 16 de Agosto de 2011 >
Guiné 63/74 - P8676: Fotos à procura de... uma legenda (6): Mansanbo, CART 2339 (1968/69)...O pingue-pongue...da vida undergound (Torcato Mendonça)
Vd. último poste da série de 24 de Agosto de 2011 >
Guiné 63/74 - P8703: Blogoterapia (187): Devaneios literários? (José Marcelino Martins)