1. Trigésimo segundo episódio, enviado em mensagem do dia 1 de Dezembro de 2012, da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.
Do Ninho D'Águia até África (32)
O Cifra, já tinha uns meses que estava localizado em
cenário de guerra. Estava ainda no período de ambientação e
quase todos os meses tinha a missão da entrega do novo código
da cifra, pelas diversas unidades de acção, que essas sim, se
encontravam na verdadeira zona de conflito.
Não sei se já foi
dito, que para esse fim
usava os mais variados
meios de transporte, eram
os que nesse momento se
deslocavam de unidade
para unidade, tanto podia
viajar numa coluna
militar como na avioneta do
correio ou no helicóptero,
mas quase sempre era a
célebre coluna militar, e
era onde se sentia mais
seguro, lá ia, sentado,
sempre com a G-3 entre as
pernas, que o Setúbal
tinha limpado e oleado, dizendo depois que estava
operacional.
Ia sempre a tremer de medo, tentando falar sempre
com alguém que se sentasse a seu lado, para desanuviar a mente,
pois sempre que ouvia um ruído ou um movimento fora do normal,
ficava em pânico.
Uns dias depois de ter passado na estrada, que mais parecia
um carreiro, entre Bissorã e Olossato, uma coluna foi atacada,
havendo alguns feridos entre os militares.
O Cifra nunca soube
porquê, mas porque no Olossato estava um companheiro que era da sua zona em Portugal, com quem
tinha falado, talvez esse colega tivesse escrito, dando a notícia aos familiares de que tinha havido um ataque à coluna onde houve militares feridos. Daí terá corrido a falsa notícia na
sua aldeia, no vale do Ninho D’Águia, que o Cifra tinha sido
ferido, e “como quem conta um conto, acrescenta um ponto”, a
menina Teresa, a tal costureira solteirona, que por saber ler e
escrever, entre outras coisas era a conselheira da família,
estava na cabeleireira da vila, a fazer a permanente e a
eliminar o bigode, com um produto novo, que cheirava muito mal,
que tinha vindo de França, ouviu dizer que tinha morrido um
rapaz na Guiné que era do norte da vila, mas não sabiam o nome.
Pronto, foi o suficiente, para chegar ao conhecimento da mãe
Joana, que o Cifra, já não tinha sido ferido, mas sim, morto em
combate, onde tinha lutado contra muitos guerrilheiros, dado
muitos tiros, e tinha morrido abraçado aos restos da bandeira nacional,
que estava toda em farrapos dos tiros e da explosão das
granadas. Era um herói porque naquela altura a província da
Guiné andava nas bocas do povo, como se fosse o inferno, pois
alguns contingentes de tropas tinham sido desviados da
província de Angola e Moçambique, para irem de emergência, e
alguns mal preparados, diga-se de passagem, para a província da
Guiné.
Calculam a aflição da mãe Joana, ela não queria saber nada
se o filho era um herói, se tinha morrido agarrado à bandeira
nacional, nessa altura em farrapos, o que ela queria era o seu
filho vivo. A pobre, lavada em lágrimas, foi ao quartel, onde
recebia o dinheiro todos os meses, perguntar aflita, onde lhe
disseram que não sabiam de nada, mas que iam imediatamente telefonar
e que esperasse, que já lhe respondiam.
Era mentira! Estava vivo e sem problemas, pelo menos era a
informação oficial.
Na próxima carta, que a mãe Joana notou, e que a menina
Teresa escreveu, conta-lhe toda a história, e o Cifra manda-lhe
um aerograma com as seguintes palavras:
Mãe, estou vivo e com saúde! Morto, só se for afogado em cerveja
ou de saudades vossas!
E da unidade militar onde o Cifra tinha sido treinado
antes de ir para a província da Guiné, onde talvez tivessem
conhecimento das investigações sobre a dita falsa morte do
Cifra, a sua mãe recebe uma
carta de encorajamento,
foto em baixo, onde entre
outras coisas, dizia:
“Minha senhora, o vosso
filho António..., [...] aqueles
sentimentos que dignificam
e enobrecem o homem..., [...] a
família militar, é uma
extensão da família de cada
um de nós..., [...] podeis,
legitimamente, orgulhar-vos
do vosso filho..., [...] aprumado
e respeitador, qualidades
estas que a par de óptimos
sentimentos e carácter, o
tornam o digno de ser
considerado como um
exemplo a seguir pelos seus
camaradas e igualmente digno do apreço dos seus superiores. E se uma mãe, se pode
orgulhar de um filho assim, permita-me minha senhora que, sem
querer ferir a vossa modéstia, afirme que esse filho, se pode
orgulhar também de sua mãe, por esta ter sabido educá-lo de tal
forma”.
E assinava por baixo,
Mário Belo de Carvalho, Major de
Artilharia.
Não há dúvida, que estas palavras serenaram a mãe Joana, que
já não se lembrava se a bandeira nacional estava em farrapos, o
que talvez até já estivesse, pois o povo andava triste, com a
guerra colonial a levar os jovens das aldeias, vilas e cidades
para a África, ficando assim despovoadas, deixando as raparigas
solteiras e sem namorados, alguns não mais regressavam, mas a
mãe Joana, agora “babando-se” de orgulho por o seu filho ainda
estar vivo. Todos os dias se levantava ao passar do comboio das
seis e meia, que ao apitar aflito, ao descer o vale do Ninho
d’Águia, em direcção ao mar, a acordava, e mesmo antes de
acender o lume na lareira, onde fervia a água para fazer o café
de chicória numa grande panela de três pernas, que era o
utensílio mais importante da casa, pois era nessa panela que cozinhava
todas as refeições, e também “entalava”, alguns vegetais para os
animais, acendia uma vela ao Santíssimo e rezava um Pai Nosso e
uma Avé-Maria à Nossa Senhora de Fátima, para que o filho
regressasse vivo da maldita Guiné!
(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 1 de Dezembro de 2012 >
Guiné 63/74 - P10743: Do Ninho D'Águia até África (31): O Movimento Nacional Feminino em Mansoa (Tony Borié)