Décimo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.
1. Comentário de António Graça de Abreu ao poste
P14283:
Há algum tempo, o nosso companheiro António Graça
Abreu, que também andou lá por Mansoa, comentando
amavelmente um poste nosso, que o nosso “comandante”
Luís salientou, dizia entre outras palavras,
“Quanto ao
Museu Dali de S. Petersburgo, na Florida, tive a sorte, e
um desbragado prazer de o visitar, há menos de um ano,
em Março de 2014. Aluguei um carro em Miami, viajei
pela Florida durante seis dias (Everglades, crocodilos,
astronautas, Cape Canaveral, Ferraris aos montes), a
descoberta do universo, a ostentação dos ricos, made in
America, o equilibrio dos pobres, made in Mexico. E mais
os outros todos. America, fascínios do mundo”.
O António, companheiro com educação superior, pois foi
oficial enquanto militar, segundo sabemos, escreveu
alguns livros, viaja, tem poder de observação acima do
normal, e nós, sentindo-nos honrados com o seu amável
comentário, dizemos que ele fez um “retrato” quase fiel do
estado onde eu vivo, que é a Florida, que tem um clima
sub-tropical, onde a principal fonte de receita é o turismo.
O apelido do estado é "Sunshine State", que quer dizer
mais ou menos, estado, ou neste caso, "local com luz do
sol”, é conhecido mundialmente pelas suas diversas
atrações, que trazem anualmente mais de 60
milhões de turistas, vindos de outros estados e de outros
países, normalmente, em férias, passeando, e claro, onde
muitos milhares de pessoas têm residência, como
segunda habitação, que na verdade, vêm passar
temporadas por aqui, não se sabendo qual o nível de vida
que levam em outras paragens, mas por aqui, é verdade,
viajam nos tais “ferraris aos montes”, mas de todas as
suas palavras salientamos aquela frase em que ele muito
bem diz,
“o equilibrio dos pobres, made in México”.
Tal como o nosso presidente Obama diz,
“a discriminação
está longe de acabar”, tem havido progressos, mas
continua por aí, ela existe, embora hoje seja muito menor
do que no passado, as novas gerações estão a ser
educadas de maneira diferente, mas ninguém pode fechar
os olhos, ela ainda anda por aí. Aqui, mesmo na cidade
onde vivemos, pois assistimos à evolução dos
empreendimentos que fizeram desta aldeia uma cidade,
havia trabalhos onde era preciso sujar as mãos, estavam
lá em baixo no “buraco” dois ou três emigrantes, não
importava que fossem oriundos do México ou de outro
qualquer país, e cá em cima estavam cinco ou seis
pessoas, que podiam ser inspectores, encarregados ou
representantes do sindicato, às vezes conversando.
Mas os emigrantes, principalmente oriundos da América
do Sul, também se “colocam a jeito”, procuram isso, pois
dada a sua situação, querem receber em “cash”, em “el
contado”, não se importando de receber menos, e claro,
alguns empreiteiros, ambiciosos e menos escrupolosos,
tiram vantagem dessa situação, mas de uma maneira
geral, o emigrante, seja pela cor, pela língua que fala, pois
tem sotaque na voz, é sempre olhado de uma maneira
diferente, por aquele que se diz “Americano”, embora o
seu bisavô ou pai do seu bisavô, tenha vindo da Europa
ou do Oriente.
O pensamento do emigrante em geral, pelo menos aquele
que é oriundo da América do Sul, está sempre no seu
País, vem aqui por algum tempo, por épocas, levando
todos os seus ganhos consigo, de regresso ao seu país,
onde em muitas situações, continua a sua família. Aqui na
Florida, já se vai notando pouco, mas na California, pelo
menos na área de Los Angeles, os emigrantes oriundos
da América do Sul vivem na cidade e arrabaldes, mas é
outro mundo, é o “mundo deles”.
Um dia, viajando na companhia de nossa esposa e
companheira, da cidade de Orlando, aqui da Florida, para
Los Angeles, ao fim de algumas horas, vendo filmes,
lendo por uma dezena de vezes o nosso roteiro, vendo
pela janela do avião lá ao fundo uma paisagem seca de
planícies e algumas pequenas montanhas,
conversávamos com a pessoa que ia ao nosso lado
esquerdo, que parecia pessoa de negócios, pois ia lendo
e fazendo contas no computador, e nos questionou
porque é que íamos para Los Angeles, deixando um
estado tão agradável como o da Florida, pois em Los
Angeles parte da população é de raça “Hispânica”, onde
nós, compreendendo a “maldade” da pergunta, logo lhe
respondemos que era só para ver do ar o cruzamento
das auto-estradas, que nesta cidade chegam a ter seis
andares de estradas, que seguem em diferentes
direcções.
Quanto a nós entendemos perfeitamente que lá vivam
muitos “Hispânicos”, que falem castelhano, pois a cidade
de Los Angeles, a quem carinhosamente chamam pelas
iniciais “LA”, é a segunda cidade mais populosa dos
Estados Unidos, estende-se por 1300 quilómetros
quadrados no sul da Califórnia, está classificada como a
13.ª área metropolitana do mundo, foi fundada em 1781,
em nome da “Coroa de Espanha”, o seu nome inicial era
muito grande, parecido com aqueles nomes de pessoas
nobres, que em pequenos aprendemos na história de
Portugal, pois chamava-se,
“El Pueblo de Nuestra Señora
la Reina de los Angeles del Rio de Porciúncula”, tornando-se
parte do México em 1821 após a sua independência da
Espanha, depois houve a Guerra Mexicano-Americana, e
Los Angeles e o resto da Califórnia foram adquiridos como
parte do
“Tratado de Guadalupe Hidalgo”, tornando-se
parte dos Estados Unidos.
O nosso roteiro era sair da cidade e ir na direcção ao
norte, pela estrada número 1, que segue ao longo do Oceano Pacífico até ao estado de Oregon, onde vimos
muitas quintas, com os tais “Hispânicos”, apanhando
vegetais e fruta. Para isso, ao sair do aeroporto,
tomámos um autocarro que nos levaria aos balcões das
companhias de “Carros de Aluguer”, que sempre cheios,
com uma fila de pessoas esperando, uma simpática
pessoa, com uma camisa com o emblema de determinada
companhia de carros de aluguer, ouvindo-nos falar em
português, nos falou em língua castelhana, questionando-nos,
mais ou menos com estas palavras,
“por que estão
nesta linha de “Gringos”, subam aqueles degraus, e logo
ali alguém vos providencia o arrendamento de um veículo,
e lá, falam castelhano ou portunhol e, é mais barato”.
Na verdade existe em Los Angeles, nas periferias da
cidade, “Los Barrios” onde habitam os “Chicanos”, onde
todo o comércio, assim como o estilo de vida, é igual,
como qualquer aldeia, de qualquer país da América do
Sul, que são pessoas que emigraram e não só, desse
continente, principalmente do país vizinho México e, “os
outros”, os tais Americanos, que embora habitem na
cidade, não falam o idioma castelhano, que na sua
linguagem são os “Gringos”.
Não nos queremos alongar muito, pois isto era assunto
para muitos mais postes, mas quase todo o trabalho
manual na agricultura, tanto aqui, no estado da Florida,
como em outros estados do sul até ao estado da
California, é feito por essas sofredoras pessoas, que se
sujeitam a receber menos, a trabalhos sujos e cansativos,
vivem em muito más condições, mas sempre é melhor
que nos seus países de origem, onde não existem muitos
meios de sobrevivência.
Para finalizar, dizemos o que
vai na mente de quase todos nós, para fazerem uma ideia
da coragem dessas pessoas, um dia atravessámos a
fronteira para a cidade de Tijuana, no México, para lá é
livre, é só atravessar o portão, para cá é impossível
passar, só com documentos e autorização para trabalhar,
por isso, quando colocamos alguma fruta ou vegetais na
nossa mesa de jantar, o nosso reconhecimento é muito
grande para com essas corajosas e sofredoras pessoas.
Agora sim, vou terminar, pois está na hora ir fazer uma
salada com morangos, que hoje comprei na feira, nos
arrabaldes da cidade de St. Agustine, morangos frescos,
cultivados aqui na Florida e, apanhados e vendidos por
uma família “Hispânica”, que me pediu dois dólares por
um cesto cheio, dizendo, “são dois pésitos”.
Tony Borie, Abril de 2015
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Nota do editor
Último poste da série de 22 de março de 2015 >
Guiné 63/74 - P14397: Libertando-me (Tony Borié) (9): Este fui eu