sexta-feira, 27 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14411: Notas de leitura (697): "Império Ultramarino Português", Empresa Nacional de Publicidade, 1950 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Junho de 2014:

Queridos amigos,
Esta monografia do Império tinha subjacente a experiência dos dois autores, já com boa tarimba da escrita. Pretendiam obra de informação geral, e foram bem sucedidos, deixaram um documento elaborado com vivacidade e muito boa arrumação.
No caso específico da Guiné, a monografia ficou ultrapassada poucos anos depois, Teixeira da Mota publicou a sua “Guiné Portuguesa” em 1954, como hoje soe dizer-se, tornou-se seminal, para além de carrear dados científicos mais atualizados, o oficial de Marinha, colaborador direto de Sarmento Rodrigues, trazia ideias sobre as grandes mudanças em curso e que eram necessárias imprimir à Guiné.
Inexoravelmente, o trabalho de Galvão e Selvagem tornara-se uma relíquia. Mas uma boa relíquia.

Um abraço do
Mário


Império Ultramarino Português (2)
(Monografia do Império), por Henrique Galvão e Carlos Selvagem(*)

Beja Santos

Editado em 4 volumes, a obra “Império Ultramarino Português” de Henrique Galvão e Carlos Selvagem, pela Empresa Nacional de Publicidade, veio a revelar-se uma importante obra de divulgação, séria, rigorosa e com dados atualizados até 1948.

A Guiné aparece no primeiro e segundo volumes. No primeiro volume, teve-se em conta a descrição do projeto henriquino e a chegada à costa da Guiné; referiu-se seguidamente o comércio negreiro o papel histórico de Cabo Verde, o declínio da presença portuguesa sobretudo durante o domínio filipino, a tentativa de retoma com a restauração, a criação de companhias majestáticas, que foram sucessivos falhanços e deu-se destaque aos principais acontecimentos ocorridos no século XIX; com as mudanças políticas e militares decorrentes das campanhas do capitão Teixeira Pinto, ensaiou-se na Guiné um despertar económico que se revelou tímido e inconsequente. Os autores recordam o termo das operações de pacificação quando o régulo de Canhambaque, nos Bijagós, aceitou a obediência portuguesa, em 1936.

No segundo volume, os autores espraiam-se em generalidades sobre as terras e o mar: a criação da província, a situação geográfica, a formação geofísica, configuração, solo e subsolo – orografia e hidrografia, meteorologia… era suposto tratar-se de matérias monótonas, o leitor ficará surpreendido com a vivacidade da redação.

Enquanto decorria a demarcação da fronteira luso-francesa, à volta de 1886, sucediam-se as rebeliões sustadas a muito custo. As fronteiras ficarão praticamente demarcadas em 1906, mas haverá ainda alguns ajustes. A promulgação dos diplomas fundamentais da Carta Orgânica do Império e da Reforma Administrativa Ultramarina veio contribuir para estabilizar a vida interna da Guiné.

Os autores tecem comentários à designação geográfica da Guiné e citam João Barreto, um divulgador hoje contestado e reconhecidamente desatualizado. O termo Guiné, escreveu Barreto, procederia de uma pequena povoação indígena fundada nos começos do século XI nas margens do rio Níger, a 14º de latitude Norte. Zurara escreveu na sua crónica ora Guiné ou Guinée, ou Guinéa ou Ghyné; João de Barros, em Ásia, falou da região da Guiné a que os mouros chamam Guinauhá; Duarte Pacheco, no seu Esmeraldo chama-lhe simplesmente Guiné. Depois do descobrimento do rio Senegal, o vocábulo Guiné passou a designar especificamente toda a costa ao Sul do Senegal. Com a descoberta da Costa da Mina passou a fazer a distinção entre Guiné Superior e Guiné Inferior.

Henrique Galvão e Carlos Selvagem eram já escritores experimentados quando se afoitaram a este projeto, momento há em que produziram literatura de muito boa qualidade. Veja-se a propósito do que escreveram sobre orografia e hidrografia: “Este tapete verde assente sobre terras vermelhas não tem rugas nem ondulações importantes. É um território sem relevo – um interminável plaino, cortado de rios e braços de rios, cujas elevações não vão além de escassos cinquenta metros. Apenas na região do Boé se eleva suavemente até aos 300 metros. Esta modéstia orográfica é largamente compensada pela exuberância hidrográfica”.


Quem viveu na Guiné, sabe que o ano quanto a temperaturas, se divide em época seca e época das chuvas. Os autores trazem um aporte curioso. Alfredo Carvalho guerra, no seu “Subsídio para o estudo do clima da Guiné Portuguesa”, divide o ano, quanto a temperaturas, em quatro períodos:

• Período fresco: os meses de dezembro, janeiro e fevereiro, em que também se verificam as maiores amplitudes térmicas;
• 1.º Período quente: março, abril (mês de transição) e maio, com grandes amplitudes térmicas ainda em março e abril;
• Período das chuvas: junho, julho, agosto e setembro;
• 2.º Período quente: outubro e novembro (meses de transição).

Falando dos povos que habitam a Guiné, deixam o seguinte comentário: “Não se conhece, de Norte a Sul da África Negra, em tão reduzida área territorial, tal concentração de tipos etnicamente tão variados”.

A propósito dos caráteres dos povos indígenas, apresentam os Grumetes do seguinte modo: “São um tipo curioso de mestiços indígenas, disseminados entre a grande massa negra, mas vivendo sobretudo nos aglomerados europeus, constituem como que uma casta aparte, embora sem raízes étnicas comuns. São descendentes de quaisquer das raças nativas (mais especialmente dos Papéis e dos Manjacos) que, tendo recebido o batismo, se assimilaram aos europeus no trajo, nos usos, nas profissões. Renegando a sua origem, consideram-se superiores aos outros indígenas, embora, no fundo, conservem a mesma psicologia, vícios e superstições. São preciosos auxiliares das colunas de operações que marcham contra as tribos sublevadas e na defesa das praças de Bissau, Cacheu e Farim. Foram sempre o grande elemento intermediário entre europeus e indígenas puros, exceção feita aos Futa-fulas e Mandingas”.

A propósito deste capítulo sobre povos, usos e costumes, encontramos outra curiosidade, não se resiste à sua reprodução. "Uma comissão chamada de “Civilização e assistência a indígenas”, funcionando sobre a presidência do Governador, nos termos da legislação de 1935, ocupa-se da elevação do nível espiritual e material da população não civilizada pela melhoria e expansão da instrução, construção de postos sanitários, habitações e fontes, distribuição de sementes selecionadas, proteção e valorização de terras e produção indígena, combate às doenças, etc. O seu programa é muito vasto, mas os recursos materiais disponíveis não lhe permite realizá-lo a não ser a um ritmo muito lento que, em muitos casos, se tornará inoperante”.

Tratando-se de uma obra de divulgação, os autores não se eximem em emitir considerações pessoais, e nem sempre pacíficas. Um exemplo: “A Guiné pode considerar-se uma província onde pode viver uma população branca. Será ainda discutível a sua capacidade como colónia de fixação de europeus”.

Há ainda capítulos sobre a organização política e administrativa, transporte e comunicações, economia, finanças e crédito.

Esta monografia do Império é muito mais do que uma simples curiosidade, mesmo aos olhos de hoje. Autores experimentados, vê-se que consultaram muito e têm ideias próprias sobre o assunto. Com a publicação em 1954 da monografia “Guiné Portuguesa”, de Avelino Teixeira da Mota, o trabalho de Galvão e Selvagem foi ultrapassado e não mais retomado.
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Notas do editor

(*) Poste anterior de 23 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14400: Notas de leitura (695): "Império Ultramarino Português", Empresa Nacional de Publicidade, 1950 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 24 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14404: Notas de leitura (696): "Os Segredos da Censura", por César Príncipe (Manuel Joaquim)

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