1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Fevereiro de 2015:
Queridos amigos,
É uma leitura que nos permite ficar a conhecer a formação
dos enfermeiros militares. Temos aqui um registo de exaltação do enfermeiro
a falar desses enfermeiros, alguém que escreveu que os feridos da guerra
colonial, na sua agonia e sofrimento aprenderam a só reconhecer um
verdadeiro herói na pessoa do enfermeiro de combate que, desarmado e debaixo
de fogo, os socorria nas picadas lamacentas. E dei comigo a pensar que ainda
não li um elogio semelhante aos maqueiros, falando por mim tive o privilégio
da colaboração de maqueiros extremosos que me acompanhavam nas operações, as
populações do Cuor confiavam neles, acompanhavam os doentes até à consulta
médica, faziam pequenos tratamentos a qualquer hora do dia e da noite.
Por
favor, se conhecerem relatos sobre estes maqueiros peço-vos a amabilidade de
mos transmitirem.
Um abraço do
Mário
Sopros de vida, por José Lemos Vale
Beja Santos
“Sopros de vida”, por José Lemos Vale, Fonte da Palavra, 2011, é uma homenagem de quem foi enfermeiro na CART 3505 de 1972 a 1974 e atuou em Diaca, Cabo Delgado, Moçambique. O autor esclarece: “O principal objetivo deste livro é o de relembrar a ação humanitária dos ex-enfermeiros militares e sobretudo a abnegação, coragem, sentido de entrega e generosidade de todos os ex-enfermeiros operacionais e das ex-enfermeiras paraquedistas que prestaram serviço na guerra colonial”. E exalta o combatente enfermeiro: “Era ao enfermeiro que cabia dizer ao companheiro caído, trespassado por uma rajada de metralhadora, que tivesse coragem, que não iria morrer, que tivesse fé e era a ele que cabia procurar, na picada ou no capim, o que restava do homem feito em pedaços por uma mina e depois arrumar o que pode encontrar para que as famílias viessem a ter algo dos seus entes queridos para velar. Quando se ouvia o sinistro estrondo de uma mina, ou o ladrar raivoso das metralhadoras a disparar a morte em pedaços de chumbo em brasa, todos os soldados se atiravam ao chão e se protegiam debaixo das viaturas ou num buraco qualquer. Todos, não! Carregando uma singela maleta com alguns medicamentos de primeiros socorros, os enfermeiros de combate corriam desarmados, debaixo de fogo inimigo, sob chuvas diluvianas ou sol abrasador, rastejavam nas tormentosas picadas tentando socorrer um companheiro em dificuldades ou em risco de morte que, em desfalecimento, suplicava: enfermeiro, aqui”.
O autor introduz um punhado de relatos de feridos em combate, onde constam os de Arquimínio Carrasco Marcão, da Companhia de Caçadores Paraquedistas 121, Guiné, 1970-1972, José Pereira Lopes, Guiné, 1972-1974 e Victor Tavares, também da Companhia de Caçadores Paraquedistas 121. Arquimínio Marcão depõe: “Eu regressei ferido. Fui apanhado numa emboscada quando já tinha 19 meses de comissão e ia ser distinguido com o Prémio Governador da Guiné. Depois deram-me um louvor. Uma rajada de metralhadora atingiu-me na barriga, no braço esquerdo, e o mais grave na perna esquerda: a bala entrou junto ao joelho e saiu entre as pernas”. José Pereira Lopes vivenciou o inferno de Gadamael: “Eramos obrigados a ir para as valas de água para fugirmos aos ataques. O pouco que comíamos era debaixo de fogo. Alguns, com a aflição de tentar fugir, atiraram-se ao mar e acabaram por morrer afogados”. Victor Tavares recorda a operação “Pato Azul”, na zona de Tite, o Alferes Afonso Abreu pisou uma mina antipessoal, improvisou-se uma maca alguns metros à frente um dos paraquedistas que pegava na maca acionou o fornilho que matou seis militares, incluindo o sinistrado alferes. E expõe a situação: “O Sousa, enfermeiro, que até aí tinha sido um herói no socorro ao Alferes Abreu e que seguia ao lado da maca segurando o frasco do soro, viria a morrer ficando sem um dos braços. Regressados ao destacamento, os feridos mais graves foram conduzidos para tendas onde lhes foram prestados os primeiros socorros por enfermeiros e socorristas que não tinham mãos a medir para aqueles que mais sofriam: uns choravam em sofrimento, porque os paraquedistas também choram”.
Esclarece a formação dos enfermeiros militares. No Hospital Militar Principal especializavam-se os cabos milicianos que seguiam para África como furriéis enfermeiros. No Regimento do Serviço de Saúde preparavam-se os soldados que eram enviados para a guerra como primeiros cabos enfermeiros. A instrução e especialização consistiam essencialmente em aulas teóricas onde os instruendos aprendiam matérias como: avaliação e tratamento do estado de choque; traumatismo craniano e torácico; improvisação de talas ortopédicas; urgências respiratórias e reanimação cardiorrespiratória; tratamento do choque anafilático; noções de traqueostomia (teoria); prática de pequenas cirurgias; estancamento de hemorragias; imobilização de fraturas internas; analgesia e sedação; tratamento de feridas extensas; injetáveis de vária natureza; tratamento antiofídico e antipalúdico; tratamento de doenças venéreas. No Regimento de Serviço de Saúde era também dada formação às especialidades de maqueiros e analistas de águas. Refletindo sobre as condições terríveis do trabalho do enfermeiro, recorda-nos que por vezes ele cedia às emoções e dá a sua interpretação: “Não é fácil ver um homem com os intestinos a saírem-lhe do abdómen e derramados pelo chão. É algo de pavoroso ver um corpo sem pernas, sem braços, às vezes sem as pernas e os braços. É arrepiante ver a massa encefálica a escorrer do crânio desfigurado por ter ficado sem parte da cara”. E comenta seguidamente o tratamento-tipo destes feridos e como se procurava aplacar as dores em estado de choque ou para impedir o aparecimento de gangrenas, por exemplo. Refere ainda o apoio psicológico do enfermeiro a militares deprimidos e em quadros de tentativa de suicídio. Menciona mesmo que o número de mortes de militares por suicídio foi muito significativo, o que sinceramente me deixou confuso, nunca considerei esta possibilidade. Para os grandes feridos era pedida uma evacuação e aí entravam as enfermeiras paraquedistas. Lemos Vale recolheu testemunhos de dois enfermeiros militares, dois deles antigos combatentes da Guiné: Hugo Rodrigues Coimbra e José Eduardo Reis Oliveira que nós aqui no blogue conhecemos por JERO.
A recordatória das enfermeiras paraquedistas tem sido alvo de vários livros dos últimos anos, a sua formação, a mudança que trouxeram as tradições militares, os primeiros cursos destas boinas verdes, são assunto sobejamente conhecido. Ganham realce alguns depoimentos destas briosas profissionais de saúde como o de Zulmira André que foi buscar a Guileje o Capitão Peralta, no âmbito da operação “Jove”. O autor tece-lhes uma homenagem tocante, lembra como elas excederam todas as expetativas dos responsáveis daquele projeto pioneiro, estas enfermeiras levaram os combatentes o carinho, o profissionalismo, o altruísmo e o elevado sentido de missão, pondo a mulher num plano jamais observado, não como enfermeira num Hospital de Guerra mas indo fisicamente a locais de muito risco, salvar vidas.
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Nota do editor
Último poste da série de 25 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15410: Notas de leitura (779): "Combater duas vezes: as mulheres na luta armada em Angola", da antiga combatente do MPLA e hoje antropóloga Margarida Paredes (Vila do Conde: Verso da História, 2015)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
Guiné 63/74 - P15416: Notas de leitura (780): “Sopros de vida”, por José Lemos Vale, Fonte da Palavra, 2011 (Mário Beja Santos)
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Guiné 63/74 - P15415: Os manuais escolares que nos forma(ta)ram (1): Geografia, Portugal e Colónias, 3ª e 4ª classes, de A. de Vasconcelos, c. 1940 - Parte I: "A superfície das colónias portuguesas é 23 vezes maior que a superfície de Portugal Continental" (p. 93)... Éramos então a maior potência colonial, a seguir à Inglaterra e à França...
VASCONCELOS. A[ugusto Pinto Duarte] de - Geografia Portugal e Colónias, 3ª e 4ª classes, nova edição. Porto: Editorial Domingos Barreira, [1940], 118 + 1 pp., ilustrado, 18 cm.
[Cópia em formato ppt que nos chegou por intermédio do nosso grã-tabanqueiro Mário Beja Santos... Há também uma cópia disponibilizada na Net por Armando Oliveira Professor, Escola Secundária de S. Pedro da Cova, em 25 de junho de 2015]
Este livro do professor do ensino oficial Augusto de Vasconcelos já ia na 5ª edição, em 1930 (ano em que terá falecido, no Porto, segundo o Arquivo Municipal do Porto). Temos dúvidas sobre a data desta "nova edição", mas só pode ser dos anos 40: Bissau torna-se a capital da Guiné em 1941... não sabemos como o manual foi sendo atualizado e editado, depois da morte do autor).
Também não sabemos se chegou a tornar-se livro único, de acordo com a orientação do todo poderoso ministro António Carmeiro Pacheco (1887-1957), nos anos 30, que definiu as grandes linhas da política de educação nacional sob o Estado Novo: (i) transformação do Ministério da Instrução Pública (designação cara à I República) em Ministério da Educação Nacional; (ii) criação da Mocidade Portuguesa, Mocidade Feminina e Obra das Mães pela Educação Nacional; (iii) criação da Junta Nacional da Educação, a par do Instituto para a Alta Cultura, a Academia Portuguesa da História e o Instituto Nacional de Educação Física; (iv) introdução do modelo do livro único; (v) obrigatoriedade de afixação do crucifixo nas salas de aula; (vi) casamento das professoras sujeito à autorização do Estado. (A Reforma Carneiro Pacheco ficou definida pela pela Lei n.º 1941, de 11 de Abril de 1936, a Lei de Bases da Educação do Estado Novo).
Segundo Sérgio Claudino ("Os compêndios escolares de geografia no Estado Novo: mitos e realidades", Finisterra, XL, 79, 2005, pp. 195-208), a disciplina de geografia foi suprimida no ensino primário, nos anos 30, mas continuaram a produzir-se manuais... No ensino liceal, só "em meados dos anos 50, se inicia a aprovação de livros únicos de Geografia, de conceituados professores liceais"...
Segundo o citado autor, há uma primeira reforma da instrução primária, em 1927, sob a Ditadura Militar. Na 3ª classe, "os alunos abordam noções gerais de Geografia e aspectos físicos de Portugal". Na 4ª classe, dava-se a "orografia de Portugal e Colónias"... A reforma de 1929 vai acrescentar o estudo do Brasil, até então o principal destino da emigração portuguesa. É nesse ano que se abre "concurso para a aprovação governamental dos livros escolares que os professores poderão seleccionar" (p. 197)... Em 1937, abre-se concurso para o livro único, mas não aparecem textos de qualidade. O autor onsagrado e reconhecido pelas autoridades eram o Acácio Guimarães( Noções de Geografia da 3.ª e 4.ª classes. Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco, 1931).
O ensino da Geografia vai-se manter, na instrução primária, até aos anos 60, em "ilegalidade formal"... É nessa época que aparece a disciplina de Ciências Geográfico-Naturais nas quatro classes...
Portanto, é bem possível que alguns de nós ainda tenham conhecido este manual de Geografia de A. de Vasconcelos. Tenho ideia que o meu pai estudou por ele...
Também não sabemos se chegou a tornar-se livro único, de acordo com a orientação do todo poderoso ministro António Carmeiro Pacheco (1887-1957), nos anos 30, que definiu as grandes linhas da política de educação nacional sob o Estado Novo: (i) transformação do Ministério da Instrução Pública (designação cara à I República) em Ministério da Educação Nacional; (ii) criação da Mocidade Portuguesa, Mocidade Feminina e Obra das Mães pela Educação Nacional; (iii) criação da Junta Nacional da Educação, a par do Instituto para a Alta Cultura, a Academia Portuguesa da História e o Instituto Nacional de Educação Física; (iv) introdução do modelo do livro único; (v) obrigatoriedade de afixação do crucifixo nas salas de aula; (vi) casamento das professoras sujeito à autorização do Estado. (A Reforma Carneiro Pacheco ficou definida pela pela Lei n.º 1941, de 11 de Abril de 1936, a Lei de Bases da Educação do Estado Novo).
Segundo Sérgio Claudino ("Os compêndios escolares de geografia no Estado Novo: mitos e realidades", Finisterra, XL, 79, 2005, pp. 195-208), a disciplina de geografia foi suprimida no ensino primário, nos anos 30, mas continuaram a produzir-se manuais... No ensino liceal, só "em meados dos anos 50, se inicia a aprovação de livros únicos de Geografia, de conceituados professores liceais"...
Segundo o citado autor, há uma primeira reforma da instrução primária, em 1927, sob a Ditadura Militar. Na 3ª classe, "os alunos abordam noções gerais de Geografia e aspectos físicos de Portugal". Na 4ª classe, dava-se a "orografia de Portugal e Colónias"... A reforma de 1929 vai acrescentar o estudo do Brasil, até então o principal destino da emigração portuguesa. É nesse ano que se abre "concurso para a aprovação governamental dos livros escolares que os professores poderão seleccionar" (p. 197)... Em 1937, abre-se concurso para o livro único, mas não aparecem textos de qualidade. O autor onsagrado e reconhecido pelas autoridades eram o Acácio Guimarães( Noções de Geografia da 3.ª e 4.ª classes. Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco, 1931).
O ensino da Geografia vai-se manter, na instrução primária, até aos anos 60, em "ilegalidade formal"... É nessa época que aparece a disciplina de Ciências Geográfico-Naturais nas quatro classes...
Portanto, é bem possível que alguns de nós ainda tenham conhecido este manual de Geografia de A. de Vasconcelos. Tenho ideia que o meu pai estudou por ele...
Geografia, op. cit., p. 93: "A superfície das colónias portuguesas é de 23 vezes maior que a superfície de Portugal Continental", o que nos coloca(va) entre as três maiores potências coloniais do mundo...
Geografia..., op. cit, p. 82: o território era então dividido em 3 partes, espalhadas por 4 continentes; (i) Continental; (ii) Insular (ou "ilhas adjacentes"); e (iii) Ultramarina ("colónias ou províncias ultramarinas").
Geografia..., op. cit, p. 83
Geografia... op cit, pp. 97, 99-100 >
A capital já era, nessa altura, Bissau. E outras "povoações importantes" eram Bolama, Cacheu, Farim, Geba (!), Buba e Cacine... Repare-se que Bafatá nem sequer consta da lista: a única povoação importante do leste (chão fula) é Geba, completamente decadente no final dos anos 60, ofuscada pela vizinha Bafatá!... O desenvolvimento de Bafatá (a "princesa do Geba") estará ligado à expansão da cultura da mancarra, a partir dos anos 40.
Ah!, e ainda segundo o manual, "nos sertões há muitos animais ferozes": tigre (!) (sic), leão, pantera, onça, lobo e hiena... (Essa do tigre, um felino asiático, dá vontade de rir!)... De entre as produções agrícolas, destaca-se depois do arroz e do milho, a "jinguba" (mancarra, no nosso tempo)...
Geografia..., op. cit, p. 98
É bom recordar que a Guiné só em 1879 é que se separa administrativamente de Cabo Verde. É nessa altura que Bolama passa a ser a capital. Só seis décadas depois, em 9 de dezembro de 1941, é Bissau se torna a moderna capital da colónia, conhecendo então um surto de desenvolvimento sob a ação enérgica e esclarecida do governador Sarmento Rodrigues.
Na época a Guiné Portuguesa fazia fronteira com a Guiné... Francesa.
(Edição das imagens e notas: LG)
_______________
Nota do editor:
(*) Sobre "presídio de Geba" nos finais do séc. XIX, vd. poste 21 de junho de 2005 > Guiné 63/74 - P71: Antologia (3): Sócio-antropologia da família e da mulher em Geba, nos finais do Séc. XIX (Marques Lopes)
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quinta-feira, 26 de novembro de 2015
Guiné 63/74 - P15414: Fotos à procura de... uma legenda (65): Os que deram, não a vida, mas uma parte do seu corpo (um pé, uma perna, uma mão, um braço, ou os olhos) pela Pátria (José Maria Claro / Francisco Baptista)
Foto nº 1 B > HMP [Hospital Militar Principa], Lisboa, c. 1969/70 > Cinco camaradas amputados por efeito de minas na guerra do ultramar / guerra colonial
Foto nº 1 A > Foto nº 1 C > HMP [Hospital Militar Principa], Lisboa, c. 1969/70. O José Maria Claro é o segundo a contar da esquerda.
Foto nº 1 > No HMP [Hospital Militar Principa], Lisboa > O José Maria Claro é o segundo a partir da esquerda.
Foto nº 3 > CCAÇ 2464, Biambe, 1969. O José Maria Claro, cheio de energia, vida e otimismo, no campo de futebol (improvisado) do quartel, antes da maldita mina A/P o ter mandado para Lisboa, para o HMP... É hoje DFA. Recorde-se, por outro lado, que a ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas comemora este ano o seu 40º aniversário.
Fotos (e legendas): © José Maria Claro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]
1. O nosso grã tabanqueiro José Maria Claro foi soldado radiotelegrafista de engenharia, da CCAÇ 2464 / BCAÇ 2861, esteve em Biambe, setor de Bula, em 1969...
Foi curta a sua estadia no TO da Guiné. Vitimado por uma mina antipessoal, que lhe causou a perda de um dos membros inferiores. foi evacuado para a Metrópole, para o Hospital Militar Principa (HMP), em Lisboa. (*)
.2. Comentário do nosso camarada Francisco Baptista [,ex-alf mil inf, CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]
Amigo e camarada José Maria Claro, salta à vista a alegria com que te moves e te divertes, só tu ou com outros camaradas, antes da maldita mina te ter roubado uma perna.
A tua última fotografia [, no HMP, em Lisboa,] depois de toda a sequência anterior, é de um homem corajoso que não está disposto a desistir de viver seja qual for a contrariedade. O que nos ensinas é que a vida é um caminho a percorrer sejam quais forem as dificuldades do percurso.
O teu poste fotográfico diz mais do que mil palavras. (**)
Muita saúde e felicidades que bem mereces e muito obrigado pela lição de optimismo que me deste.
Um abraço. Francisco Baptista
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Notas do editor:
(*) 25 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15411: Memória dos lugares (323): Biambe em 1969, fotos de José Maria Claro, DFA, ex-Soldado Radiotelegrafista da CCAÇ 2464
(**) Último poste da série > 8 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15220: Fotos à procura de... uma legenda (64): visita do gen Arnaldo Schulz e do brig Reimão Nogueira a Porto Gole, em fevereiro de 1967... O insólito: (i) duas caixas de cerveja (Cristal e Sagres) no banco traseiro do helicóptero; (ii) um comandante-chefe, de máquina fotográfica a tiracolo, com ar de turista...
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Guiné 63/74 - P15413: Expedição Porto-Dakar, integrada na 2ª edição do Dakar Desert Challenge: Coruche, Marrakech, Bissau, Dakar: 26 de dezembro de 2013- 9 de janeiro de 2014 (Abílio Machado, ex-alf mil, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72) - II (e última) Parte
Porto-Bissau... Expedição > 21 de abril de 2016...Dia 17 > Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira da Silva > O tão desejado avião da TAP...
Porto-Bissau... Expedição > 21 de abril de 2016...Dia 17 > Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira da Silva...
O que restou de Portugal, na Guiné-Bissau, por comparção com a herança inglesa (na Gâmbia) e francesa (no Senegal) ? O que resta de Portugal na Senegâmbia ? Fomos os primeiros europeus a chegar a esta vasta região da Africa sariana e subsariana... A pergunta (e a provocação) é do Abílio Machado, que a percocorreu, de jipe, entre 26 de dezembro de 2013 e 9 de janeiro de 2014,,, Ficou de nos mandar fotos, que não mandou... Socorremo-nos de outras, mais antigas, da expedição Porto-Bissau, realizada em abril de 2006, por alguns camaradas nossos (o Xico Allen e o A. Marques Lopes) e onde o Hugo Costa, filho do Albano Costa, se integrou.
Fotos: © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]
II (e última) parte da crónica do Abílio Machado
[foto atual à direita; Abílio Machado, ex-alf mil, contabilidade e administração, CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/72; e também um dos fundadores do grupo musical Toque de Caixa; vive na Maia; publicou recentemente o Diário dos Caminhos de Santiago, Porto, 2013]
Porto-Dakar - Parte II
por Abílio Machado
[, integrado na 2ª edição do Dakar Desert Challenge: Coruche, Marrakech, Bissau, Dakar: 26 de dezembro de 2013- 9 de janeiro de 2014 ]
Um fim de dia global : na Mauritânia estamos, no Hotel Emira, camaronês, dormimos, no restaurante Huzur, turco, comemos. Bem. Na companhia do grupo espanhol. Boa.
Quarto triplo : 127 euros. A cotação está alta ou a oferta baixa e muita a procura…
Nouakchott [, a capital], uma cidade em terra batida, onde mal adivinhas um centro, se o há, um chafariz monumental, sem água, em cada multibanco um guarda, o Islão impera, homens de vestes islâmicas, as mulheres de cabeça coberta, algumas emburqadas.
Emborcar é coisa que não farás, se o não trazes, aqui não o compras, não há uma pinga de álcool à venda… Nem cães, não se vêem cães na Mauritânia…
Vê-los-ás de novo no Parque Nacional de Diawling, e verás tucanos, pegas, da azul e da negra, abutres, perdizes, javalis, esquilos, ginetos, e mais pelicanos e garças, uma explosão de vida selvagem, não, não é um safari, embora se veja por aqui muito bicho selvagem, o homem que é o pior de todos, e algumas mulheres…
Há algo de diferente hoje : o ar quente, há mais acácias, e mais verdes, ali um embondeiro, capim, enfim a savana… Entramos na África negra : mais escura a cor da pele, a roupa é um revoltear de cores vivas, há um aroma de luxúria, na mulher e na vegetação…
Senegal, cidade de Saint Louis, La langue de Barbarie : ao lusco-fusco, as ruas fervilham de agitação, uma correria de gente e carroças, jumentos amestrados transportam os donos a casa e aos negócios, fazem-se ofertas, vendem-se os últimos produtos…
O Senegal é um mercado só, tudo é uma venda e todos vendedores, até o que julgas ser um favor é um negócio e tem um preço, a polícia de trânsito é o exemplo, a extorsão pratica-se às claras, uma multa - não importa se legítima - é regateada como uma venda, 18.000 fr. cfas podem num ápice reduzir-se a 11.000, nunca mostres o dinheiro que tens, levam-to todo, tiram-to da mão, a venalidade e a corrupção começam de cima, quem os ensinou?...
Da África negra direi : a pobreza, a sobrevivência, as crianças “cadeau, cadeau”, o lixo plástico, os jumentos, os mercados, tangerinas, caju, telemóveis e acessórios, panos, água em sacos, gelo, bolos, doces fritos na hora, bolachas à unidade, melancias, feno, lenha, mancarra, carne, moscas e pau de Cabinda, não sei se me entendem… mas também das acácias vivas, das mangueiras, dos embondeiros, aquela flor do embondeiro lembrou-me a declinação latina “ rosa-rosae”, das palmeiras, dos rios, graves, pachorrentos, das árvores que não florescem como se a flor lhes exigisse demasiado esforço e energia.
Direi mais : dos jovens, deitados, apáticos, sem destino e sem futuro, a fome entristece, a pobreza enlouquece, do calção roto, do pé descalço, também do telemóvel, da parabólica à porta da cubata de adobe.
De súbito, nesta viagem, La Grande Mosquée de Thiamène…um marco nesta viagem, a ela acorrem muçulmanos de todo o Senegal.
Guiné-Bissau
A passagem pela Guiné foi - não o escondo - um dos motivos maiores que me trouxeram a esta expedição. E a aventura, que sempre me estimula. A oportunidade de rever amigos e voltar a um território onde, por força da guerra, gastei dois anos da minha juventude, tornavam esta jornada mais que aliciante.
A entrada da fronteira fazia-se pelo leste da Guiné, a região a que pertence Bambadinca, o quartel onde cumpri o serviço militar. Aí tive as primeiras emoções, direi melhor, decepções.
Em Bafatá, a segunda cidade da Guiné, a degradação das antigas casas comerciais é escandalosa, é chocante ver algumas delas, hoje edifícios públicos, ao abandono, os funcionários à porta, desocupados.
Na avenida que conduz ao cais serpenteia-se por entre buracos. A alguns kms de Fá-Mandinga, onde Amílcar Cabral realizou as suas primeiras experiências de agronomia, Bafatá quis lembrá-lo e implantou um busto do libertador, olhando o Geba… Abandonado e sujo está o pai da Nação, os novos líderes esquecidos da sua herança.
No aeroporto que usei tantas vezes, a caminho ou no regresso de Bissau, já não aterram aviões, desde fins dos anos 90 é uma avenida urbanizada, com um hotel/discoteca, algumas tabancas e casas inacabadas.
Manhã cedo, rumamos a Bambadinca, ao encontro das emoções. Revi amigos, abracei-os, o tempo não corrói a amizade, mas altera as feições, não os reconheceria ao fim de tantos anos. Na face de alguns, algumas, a miséria escreveu rugas e decrepitude, mulheres sós, mortos os maridos, lutam pela vida numa sociedade que lhes é madrasta; a outros, outras, a fome ou a doença derrotou-os.
O pequeno aeródromo que servia o quartel é hoje ocupado por um mercado - é assim em toda a Guiné- onde, como no país vizinho, tudo é vendável.
Do quartel - fui recebido pelo 2º Comandante, dois dos seus subordinados acompanharam-me numa visita às instalações - recuso falar : a degradação total, destruídos os bares, as messes, os quartos, só alguns gabinetes são usados.
De pé e a funcionar, a igreja e a escola missionária S. José : para os alunos, na pessoa do director e professores, deixamos o que levávamos de ajuda humanitária : óculos de sol, roupas, bolas, livros, cadernos, mochilas, canetas. A alegria das crianças guineenses, como em toda a África, é contagiante : nada têm, mas na face um sorriso cativante, sempre, que se transforma em dança, saltos, cabriolas à mais pequena dádiva, um pequeno saco de caramelos solta alegrias, às vezes lutas…
Bissau é a praça da Independência, o Hospital e a Assembleia Nacional Popular…tudo o resto é um cartão de visita calamitoso que o país apresenta ao visitante.
A avenida que conduz ao cais do Pidjiguiti, e as ruas adjacentes, estão tão esburacadas como a credibilidade interna e exterior dos seus lideres políticos.
O país é isto : uma jovem mãe, mulher apreciável, um Mercedes novo, vidros fumados, aguarda o abastecimento de combustível. Descasca uma laranja com os dentes, cospe a casca e depois as pevides, pela janela… Quando aproxima o carro da bomba de combustível, a sua educação mede-se pelos restos cuspidos da laranja, não pelo rasto dos pneus.
De resto, um país bloqueado, instituições paradas, projectos cancelados, ONG’s em fuga, bolanhas ao abandono, o gado mais nutrido que as pessoas, uma pequena lavra, por vezes…
E como tudo isto contrasta com o belo da natureza : mangueiras abrigam as povoações, mamoeiros, palmeiras, bagabagas, o tarrafo, os rios Geba, Mansoa e Cacheu espraiam e arrastam suas águas turvas rumo ao mar…
Mas há um aroma no ar, ou uma cor, a cor do dinheiro : chegada a expedição a Bissau, as propostas para compra dos jeeps são insistentes, qual o preço, quer vender?, a uma farmácia aonde vais em busca de álcool o dono da farmácia pergunta primeiro o preço do carro…
1 queca : 5.000 fr. cfas.
Apresento-vos a Gâmbia, mais que um país é um rio, do mesmo nome, à volta dele se faz a vida das suas gentes.
Transcrevo da Wikipédia : “…comerciantes árabes criaram uma rota comercial, que comercializou escravos, ouro e marfim. No século XV, os portugueses herdaram este comércio estabelecendo uma rota de comércio do Império Mali. Em 1588, António, Prior do Crato, vendeu os direitos de exclusividade de comércio na região do rio Gâmbia aos ingleses, direitos … confirmados pela rainha Elizabeth I ”.
Um pouco de história, da nossa história não aborrece e ajuda a fazer, no ferry, a travessia do rio. A língua é a inglesa, encravada entre o português da Guiné-Bissau e o francês do Senegal, já o trânsito é continental, circula-se pela direita.
Vi um tractor na Gâmbia e um anão negro…
Transpostas as fronteiras, é a hora de uma breve comparação entre estes países. De colonizações diversas, o que se vê, o que ressalta do que ficou?
A herança francesa é visível no Senegal :
(i) identificação e organização das comunidades rurais,
(ii) poste de santé,
(iii) escolas,
(iv) universidade em Ziguinchor,
(v) mais limpeza e sanidade, algumas povoações esmeradas, mesquitas, sinalização e indicativos de velocidade…
A Gâmbia não esconde a colonização inglesa:
(i) estradas em bom estado,
(ii) sinalização e identificação das aldeias, há rails numa das estradas,
(iii) campos cultivados,
(iv) um dos ferries em bom estado e um cais novo em construção,
(v) ruas mais limpas, mercados mais cuidados, polícias, muitas mulheres polícias, todos bem fardados…
Da Guiné-Bissau, valha a verdade,
(i) as estradas do interior estão em bom estado,
(ii) pontes foram construídas sobre os rios,
(iii) os espaços Galp bem arranjados, mesmo se as bombas estão vazias…
Anda há quatro anos fugido à crise, não dorme em hotéis, toca viola, estuda temas da música fula e mandinga, vai de família em família, como as famílias se estendem por países, vai de país em país, fala francês, inglês, espanhol, vimo-lo, o grego errante, perdido, como Ulisses, quase um andrajo, magro, mochila vazia, contente de nada ter…
Enfim, a chegada ao Lac Rose…e a estadia no Hotel Campement Lac Rose. O sol escondeu-se, não pudemos ver a reverberação rosa nas águas do lago…
O regresso, apressado ou económico, segundo as opiniões - em 5 dias fizemos o que na ida fizéramos em 14?? - foi feito sem incidentes de maior.
Ao contrário, alguns rallystas da African Race - passaram por nós a toda a brida, motos, buggies, camiões, no parque natural de Diawling - tiveram seus contratempos, rebocados alguns, a nossa Elisabete Jacinto dialogava com os colegas a melhor forma de socorrer um dos camiões, mais atascado que javali na lama.
Do regresso direi mais :
(i) do canto dos muezzins, às seis da manhã, em Nouakchott,
(ii) da raposa tresnoitada a caminho da toca,
(iii) dos ciclistas, sós, algures entre Nouadhibou e Nouakchott,
(iv) do almoço com Maité e Tomás no deserto mauritano, jamon, pão com tomate catalão, conservas, paio português,
(v) do cabo Boujdou (Bojador), “ quem passa além do Bojador, passa além da dor “ [, Fernando Pedssoa],
(vi) do azul do mar sarauhi,
(vii) da chuva, hélas, chuva no deserto, do vento quase um tornado, dos polícias ou soldados que em todas as povoações te obrigam a parar, o Sahara um país ocupado…
Direi dos kms do regresso :
1º dia : Dakar – Nouakchott : 600 Kms
2º dia : Nouakchott – Dakhla : 850 Kms
3º dia : Dakhla – Agadir : 1200 kms
4º dia : Agadir – Jerez de la Frontera 890 kms
5º dia : Jerez – Porto 900 kms
Quem vem e atravessa o rio… Ah, meu Porto sentido, lar, doce lar… Ah cama boa!!!
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Nota do editor:
Vd. poste anterior > 24 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15405: Expedição Porto-Dakar, integrada na 2ª edição do Dakar Desert Challenge: Coruche, Marrakech, Bissau, Dakar: 26 de dezembro de 2013- 9 de janeiro de 2014 (Abílio Machado, ex-alf mil, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72) - Parte I
[foto atual à direita; Abílio Machado, ex-alf mil, contabilidade e administração, CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/72; e também um dos fundadores do grupo musical Toque de Caixa; vive na Maia; publicou recentemente o Diário dos Caminhos de Santiago, Porto, 2013]
Porto-Dakar - Parte II
por Abílio Machado
[, integrado na 2ª edição do Dakar Desert Challenge: Coruche, Marrakech, Bissau, Dakar: 26 de dezembro de 2013- 9 de janeiro de 2014 ]
Um fim de dia global : na Mauritânia estamos, no Hotel Emira, camaronês, dormimos, no restaurante Huzur, turco, comemos. Bem. Na companhia do grupo espanhol. Boa.
Porto-Bissau, expedição. 10 de abril de 2006. Dia 6. Rua de Nouakchott, capital da Mauritânia. Foto: © Hugo Costa (2006) |
Nouakchott [, a capital], uma cidade em terra batida, onde mal adivinhas um centro, se o há, um chafariz monumental, sem água, em cada multibanco um guarda, o Islão impera, homens de vestes islâmicas, as mulheres de cabeça coberta, algumas emburqadas.
Emborcar é coisa que não farás, se o não trazes, aqui não o compras, não há uma pinga de álcool à venda… Nem cães, não se vêem cães na Mauritânia…
Vê-los-ás de novo no Parque Nacional de Diawling, e verás tucanos, pegas, da azul e da negra, abutres, perdizes, javalis, esquilos, ginetos, e mais pelicanos e garças, uma explosão de vida selvagem, não, não é um safari, embora se veja por aqui muito bicho selvagem, o homem que é o pior de todos, e algumas mulheres…
Porto-Bissau, expedição. 12 de abril de 2006. Dia 8.
Viagem de Tambacunda (Senegal) até à Guiné-Bissau...
Babuínos(ou macacos-cães).
Foto: © Hugo Costa (2006)
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Senegal, cidade de Saint Louis, La langue de Barbarie : ao lusco-fusco, as ruas fervilham de agitação, uma correria de gente e carroças, jumentos amestrados transportam os donos a casa e aos negócios, fazem-se ofertas, vendem-se os últimos produtos…
O Senegal é um mercado só, tudo é uma venda e todos vendedores, até o que julgas ser um favor é um negócio e tem um preço, a polícia de trânsito é o exemplo, a extorsão pratica-se às claras, uma multa - não importa se legítima - é regateada como uma venda, 18.000 fr. cfas podem num ápice reduzir-se a 11.000, nunca mostres o dinheiro que tens, levam-to todo, tiram-to da mão, a venalidade e a corrupção começam de cima, quem os ensinou?...
Da África negra direi : a pobreza, a sobrevivência, as crianças “cadeau, cadeau”, o lixo plástico, os jumentos, os mercados, tangerinas, caju, telemóveis e acessórios, panos, água em sacos, gelo, bolos, doces fritos na hora, bolachas à unidade, melancias, feno, lenha, mancarra, carne, moscas e pau de Cabinda, não sei se me entendem… mas também das acácias vivas, das mangueiras, dos embondeiros, aquela flor do embondeiro lembrou-me a declinação latina “ rosa-rosae”, das palmeiras, dos rios, graves, pachorrentos, das árvores que não florescem como se a flor lhes exigisse demasiado esforço e energia.
Direi mais : dos jovens, deitados, apáticos, sem destino e sem futuro, a fome entristece, a pobreza enlouquece, do calção roto, do pé descalço, também do telemóvel, da parabólica à porta da cubata de adobe.
De súbito, nesta viagem, La Grande Mosquée de Thiamène…um marco nesta viagem, a ela acorrem muçulmanos de todo o Senegal.
Porto-Bissau, expedição. 13 de abril de 2006. Dia 9. Guiné-Bissau: Quinhamel.Foto: © Hugo Costa (2006) |
Guiné-Bissau
A passagem pela Guiné foi - não o escondo - um dos motivos maiores que me trouxeram a esta expedição. E a aventura, que sempre me estimula. A oportunidade de rever amigos e voltar a um território onde, por força da guerra, gastei dois anos da minha juventude, tornavam esta jornada mais que aliciante.
A entrada da fronteira fazia-se pelo leste da Guiné, a região a que pertence Bambadinca, o quartel onde cumpri o serviço militar. Aí tive as primeiras emoções, direi melhor, decepções.
Em Bafatá, a segunda cidade da Guiné, a degradação das antigas casas comerciais é escandalosa, é chocante ver algumas delas, hoje edifícios públicos, ao abandono, os funcionários à porta, desocupados.
Porto-Bissau, expedição. 16 de abril de 2006. Dia 12.
Mansoa, ponte (portuguesa) sobre o rio
Foto: © Hugo Costa (2006)
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No aeroporto que usei tantas vezes, a caminho ou no regresso de Bissau, já não aterram aviões, desde fins dos anos 90 é uma avenida urbanizada, com um hotel/discoteca, algumas tabancas e casas inacabadas.
Porto-Bissau, expedição. 18 de abril de 2006. Dia 14. Saltinho, a ponte (portuguesa) sobre o rio Corubal ainda lá estava, rija, de pé.Foto: © Hugo Costa (2006) |
O pequeno aeródromo que servia o quartel é hoje ocupado por um mercado - é assim em toda a Guiné- onde, como no país vizinho, tudo é vendável.
Porto-Bissau, expedição. 18 de abril de 2006. Dia 14.
O mítico rio Corubal,no Saltinho. Foto: © Hugo Costa (2006)
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De pé e a funcionar, a igreja e a escola missionária S. José : para os alunos, na pessoa do director e professores, deixamos o que levávamos de ajuda humanitária : óculos de sol, roupas, bolas, livros, cadernos, mochilas, canetas. A alegria das crianças guineenses, como em toda a África, é contagiante : nada têm, mas na face um sorriso cativante, sempre, que se transforma em dança, saltos, cabriolas à mais pequena dádiva, um pequeno saco de caramelos solta alegrias, às vezes lutas…
Bissau é a praça da Independência, o Hospital e a Assembleia Nacional Popular…tudo o resto é um cartão de visita calamitoso que o país apresenta ao visitante.
A avenida que conduz ao cais do Pidjiguiti, e as ruas adjacentes, estão tão esburacadas como a credibilidade interna e exterior dos seus lideres políticos.
O país é isto : uma jovem mãe, mulher apreciável, um Mercedes novo, vidros fumados, aguarda o abastecimento de combustível. Descasca uma laranja com os dentes, cospe a casca e depois as pevides, pela janela… Quando aproxima o carro da bomba de combustível, a sua educação mede-se pelos restos cuspidos da laranja, não pelo rasto dos pneus.
Porto-Bissau, expedição. 18 de abril de 2006. Dia 15.
Empada, escola Foto: © Hugo Costa (2006)
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E como tudo isto contrasta com o belo da natureza : mangueiras abrigam as povoações, mamoeiros, palmeiras, bagabagas, o tarrafo, os rios Geba, Mansoa e Cacheu espraiam e arrastam suas águas turvas rumo ao mar…
Mas há um aroma no ar, ou uma cor, a cor do dinheiro : chegada a expedição a Bissau, as propostas para compra dos jeeps são insistentes, qual o preço, quer vender?, a uma farmácia aonde vais em busca de álcool o dono da farmácia pergunta primeiro o preço do carro…
1 queca : 5.000 fr. cfas.
Apresento-vos a Gâmbia, mais que um país é um rio, do mesmo nome, à volta dele se faz a vida das suas gentes.
Transcrevo da Wikipédia : “…comerciantes árabes criaram uma rota comercial, que comercializou escravos, ouro e marfim. No século XV, os portugueses herdaram este comércio estabelecendo uma rota de comércio do Império Mali. Em 1588, António, Prior do Crato, vendeu os direitos de exclusividade de comércio na região do rio Gâmbia aos ingleses, direitos … confirmados pela rainha Elizabeth I ”.
Um pouco de história, da nossa história não aborrece e ajuda a fazer, no ferry, a travessia do rio. A língua é a inglesa, encravada entre o português da Guiné-Bissau e o francês do Senegal, já o trânsito é continental, circula-se pela direita.
Vi um tractor na Gâmbia e um anão negro…
Transpostas as fronteiras, é a hora de uma breve comparação entre estes países. De colonizações diversas, o que se vê, o que ressalta do que ficou?
A herança francesa é visível no Senegal :
(i) identificação e organização das comunidades rurais,
(ii) poste de santé,
(iii) escolas,
(iv) universidade em Ziguinchor,
(v) mais limpeza e sanidade, algumas povoações esmeradas, mesquitas, sinalização e indicativos de velocidade…
A Gâmbia não esconde a colonização inglesa:
(i) estradas em bom estado,
(ii) sinalização e identificação das aldeias, há rails numa das estradas,
(iii) campos cultivados,
(iv) um dos ferries em bom estado e um cais novo em construção,
(v) ruas mais limpas, mercados mais cuidados, polícias, muitas mulheres polícias, todos bem fardados…
Da Guiné-Bissau, valha a verdade,
(i) as estradas do interior estão em bom estado,
(ii) pontes foram construídas sobre os rios,
(iii) os espaços Galp bem arranjados, mesmo se as bombas estão vazias…
Anda há quatro anos fugido à crise, não dorme em hotéis, toca viola, estuda temas da música fula e mandinga, vai de família em família, como as famílias se estendem por países, vai de país em país, fala francês, inglês, espanhol, vimo-lo, o grego errante, perdido, como Ulisses, quase um andrajo, magro, mochila vazia, contente de nada ter…
Enfim, a chegada ao Lac Rose…e a estadia no Hotel Campement Lac Rose. O sol escondeu-se, não pudemos ver a reverberação rosa nas águas do lago…
O regresso, apressado ou económico, segundo as opiniões - em 5 dias fizemos o que na ida fizéramos em 14?? - foi feito sem incidentes de maior.
Ao contrário, alguns rallystas da African Race - passaram por nós a toda a brida, motos, buggies, camiões, no parque natural de Diawling - tiveram seus contratempos, rebocados alguns, a nossa Elisabete Jacinto dialogava com os colegas a melhor forma de socorrer um dos camiões, mais atascado que javali na lama.
Agora chama-se Sahara Desert Challenge e vai na 4ª edição...Inscrições ainda abertas!... Arranca de Coruche no próximo dia 27 de dezembro... (LG) |
Do regresso direi mais :
(i) do canto dos muezzins, às seis da manhã, em Nouakchott,
(ii) da raposa tresnoitada a caminho da toca,
(iii) dos ciclistas, sós, algures entre Nouadhibou e Nouakchott,
(iv) do almoço com Maité e Tomás no deserto mauritano, jamon, pão com tomate catalão, conservas, paio português,
(v) do cabo Boujdou (Bojador), “ quem passa além do Bojador, passa além da dor “ [, Fernando Pedssoa],
(vi) do azul do mar sarauhi,
(vii) da chuva, hélas, chuva no deserto, do vento quase um tornado, dos polícias ou soldados que em todas as povoações te obrigam a parar, o Sahara um país ocupado…
Direi dos kms do regresso :
1º dia : Dakar – Nouakchott : 600 Kms
2º dia : Nouakchott – Dakhla : 850 Kms
3º dia : Dakhla – Agadir : 1200 kms
4º dia : Agadir – Jerez de la Frontera 890 kms
5º dia : Jerez – Porto 900 kms
Quem vem e atravessa o rio… Ah, meu Porto sentido, lar, doce lar… Ah cama boa!!!
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Nota do editor:
Vd. poste anterior > 24 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15405: Expedição Porto-Dakar, integrada na 2ª edição do Dakar Desert Challenge: Coruche, Marrakech, Bissau, Dakar: 26 de dezembro de 2013- 9 de janeiro de 2014 (Abílio Machado, ex-alf mil, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72) - Parte I
Guiné 63/74 - P15412: Parabéns a você (992): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil Art da CART 2412 (Guiné, 1968/70) e Manuel Lima Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3476 (Guiné, 1971/73)
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Nota do editor
Último poste da série de 24 de Novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15403: Parabéns a você (991): Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Guiné, 1967/69) e António (Tony) Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)
quarta-feira, 25 de novembro de 2015
Guiné 63/74 - P15411: Memória dos lugares (323): Biambe em 1969, fotos de José Maria Claro, DFA, ex-Soldado Radiotelegrafista da CCAÇ 2464
1. Fotos enviadas ao Blogue pelo nosso camarada José Maria Claro, DFA, (ex-Soldado Radiotelegrafista de Engenharia da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Biambe, 1969) referentes à sua curta estadia na Guiné.
Lembremos que o José foi evacuado para a Metrópole por ter sido vitimado por uma mina antipessoal, que lhe causou a perda de um dos membros inferiores. Vd. última foto.
Biambe, 1969 - À entrada da Tabanca
Na fonte do Biambe
Biambe, 1969 - No campo de futebol
Biambe, 1969 - Com camaradas
Biambe, 1969 - Junto à pista dos aviões
Na parada do Biambe
Biambe, 1969 - Com um camarada do rolo de peso
Biambe, 1969 - Com o Xico
Biambe, 1969 - Na bananeira
Biambe, 1969 - A ler a correspondência
Biambe, 1969 - Ao "telemóvel"
Biambe, 1969 - Na parada com o portátil
Parada do Biambe
No HMP de Lisboa (Claro, o segundo a partir da esquerda)
____________Nota do editor
(*) Vd. poste de 11 de setembro de 2014 Guiné 63/74 - P13601: Tabanca Grande (444): José Maria Pinto Claro, DFA, ex-Soldado Radiotelegrafista de Eng.ª da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861 (Biambe, 1969)
Último poste da série de 11 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15233: Memória dos lugares (322): Porto Gole: mulheres balantas apanhando "cacri", na bolanha, junto ao rio Geba. O "cacri" (espécie de bocas) era, também para nós, um petisco saboroso que acompanhávamos com a célebre cerveja São Jorge (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, 1966/68)
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