domingo, 18 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17482: (De) Caras (77): Fausto Teixeira, deportado político em 1925, empresário em Bafatá, de quem o 2º tenente Teixeira da Mota, ajudante de campo do governador Sarmento Rodrigues dizia, em 1947, ser um "incansável pioneiro da exploração de madeiras da Guiné"... Mais três contributos para o conhecimento desta figura singular (José Manuel Cancela / Jorge Cabral / Armando Tavares da Silva)


Guiné > Bissau > s/d [.c 1969] > À esquerda, o José Manuel Cancela. O terceiro é o António Teixeira, filho do Fausto Teixeira, que irá depois, em 1971, como furriel miliciano para Angola. "É curioso. O António Teixeira nunca me falou de um sobrinho nascido em Bafatá. Falava-me de um irmão mais velho que vivia em Palmela, tal como ele e o pai, o sr. Fausto".

Foto (e legenda): © José Manuel Cancela (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bafatá > Fá > Serração mecânica de Fausto Teixeira > 7 de fevereiro de 1947 > Visita do Secretário de Estado das Colónias, eng. Rui Sá Carneiro, e comitiva, no regresso a Bissau, vindo de Bafatá.

Segundo a "nossa leitura", do lado esquerdo, teríamos o eng. Rui Sá Carneiro, o prefeito apostólico José Ribeiro de Magalhães e o governador Sarmento Rodrigues; em segundo plano, rodeado dos seus empregados, parece ser o dono da empresa, observando (e possivelmente dando explicações sobre) o corte de um grande toro de madeira (à direita). O administrador da circunscrição de Bafatá, Carlos Costa, também terá integrado a visita, tal como o 2º ten Teixeira da Mota, ajudante de campo do governador. Não sabemos quem é o autor desta fotos e das restantes que acompanham o extenso e altamente detalhado relatório da "visita ministerial", que é assinado por Teixeira da Mota. Não temos até agora nenhuma foto do empresário Fausto [da Silva] Teixeira,

Fonte: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, vol II - Número Especial, [Comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné], 1947, p. 370 . [O número completo está disponível "on line" aqui]

[Imagem digitalizada a partir de cópia pessoal pertencente ao prof Armando Tavares da Silva,  historiador, membro da nossa Tabanca Grande]


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Grupo de combate do Alf Mil Torcato Mendonça (que hoje vive no Fundão e é um dos nossos colaboradores permanentes), antes de a CART 2339 ser colocada em Mansambo, cujo aquartelamento iria construir de raíz. O arriar da bandeira ... 

Tirando as patrulhas ao mato Cão, para montar segurança aos barcos civis que atravessavam o Geba Estreito (Xime-Bambadinca-Bafata), Fá Mandinga era uma "verdadeira colónia de férias", beneficiando de "instalações ótimas"... Já aqui se escreveu, erradamente, que tinha sido uma "antiga estação agronómica por onde passara, nos anos 50, o engº Agrónomo Amílcar Cabral, licenciado pelo ISA - Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa"... o que parece ser falso. O engº agrónomo Amílcar Cabral trabalhou e viveu, isso, sim, em Pessubé, perto de Bissau, com a sua esposa e colega portuguesa, Maria Helena Rodrigues.  

Segundo o Torcato Mendonça, as "instalações civis" estavam, na altura, à guarda de um civil, mandinga, o Marinho, que deveria ser pago pela administração [circunscrição de Bafatá ?] (Veja-se a deliciosa história do bode que foi roubado ao Marinho, quando o grupo de combate do alf mil Torcato Mendonça recebeu ordem para deixar Fá...].

Foto: © Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais 3 contributos para o conhecimento desta história singular, a de um deportado político que se torna um importante empresário na época colonial, exportador de madeiras tropicais:


(i) José Manuel Cancela, natural de (e residente em) Penafiel (ex-sold ap metr pesada, CCAÇ 2382, Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1968/70):

Amigo Luís.
Vou tentar responder às tuas perguntas, a partir do que ainda lembro.
O meu conterrâneo, que também se chamava Teixeira, sem ter traços familiares com o patrão [, o madeireiro Fausto Teixeira],  veio embora após o 25 de Abril. Estava muito revoltado por ter perdido o emprego, e culpava o exército por não ter acabado com a guerra. Enfim!!!

Infelizmente não me pode ajudar no que toca a este tema. Faleceu ainda nos anos oitenta, não tinha cinquenta anos.

Recordo-me que, nos princípios de 71, estava ele de férias, perguntei-lhe pelo António. Disse-me que passou por Bissau, com destino a Angola, como furriel miliciano. Junto uma das minhas fotos, onde estamos juntos, em Bissau, eu e o António.


(ii) Jorge Cabral, ex-alf mil art, Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71] [o segundo, na segunda fila, na foto à esquerda]

Obrigado Luís!
Fá estava dividido, em duas partes, a de cima e a de baixo. Esta foto parece-me ser na parte de baixo.

Como te disse ao telefone, existia um guarda civil, o Marinho do qual tanto eu como o Torcato Mendonça [ex-alf mil, CART 2239, Fá e Mansambo, 1968/69], já falámos. Terá sido contratado, por via do fim da serração? 

Penso que a tropa só lá se instalou, em Fá,  a partir de 1965. Foi sede de Batalhão e de muitas Companhias. Em Julho de 1969 e pela primeira vez, foi entregue a um Pelotão, o meu. 

Era na parte de cima que se encontravam as melhores instalações. Uma casa óptima com vários quartos e duas vivendas, além de mais dois edifícios. Teria tido água canalizada e com certeza um potente gerador, que ocuparia uma casa própria, que o meu soldado Dairo aproveitou para a sua residência. 

Entre Julho de 1969 e Fevereiro de 1970, data da chegada da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, as mulheres e os filhos dos meus soldados viveram no Quartel. Não ocupámos nem a parte de baixo, nem a "casa grande" e as duas vivendas. 

Quem pagaria o ordenado do Marinho, que até fazia rondas nocturnas, munido apenas de uma lanterna e que uma vez foi alvejado pelo meu soldado Mamadú que, estando de sentinela, ao ver uma luz,  disparou ?... 

Abraço,   J. Cabral.


(iii) Armando Tavares da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.).  

Luís,
O Fausto Teixeira faria parte de um grupo de 26 membros da Legião Vermelha que, a bordo do cruzador Carvalho Araújo,  foram deportados para a Guiné, onde chegaram em Junho de 1925.

A Legião Vermelha era um grupo anarcossindicalista que varreu o país com uma onda de atentados bombistas contra figuras de destaque no campo do comércio, indústria, etc.,  supostamente conservadoras. A 15 de Maio de 1925 atentam contra a vida do comandante da polícia, coronel João Maria Ferreira do Amaral, que fica ferido. É na sequência deste atentado que um grupo destes anarquistas é deportado para a Guiné [entre eles, Gabriel Pedro, pai de Edmundo Pedro]. Era presidente do ministério Victorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Foi o mesmo grupo que, em 1937, atenta contra a vida de Salazar.


Gabriel Pedro, pai de Edmundo Pedro, com outros deportados para a Guiné, em 1925, alegados membros da misteriosa "Legião Vermelha". Neste grupo, é provável que conste o Fausto Teixeira. O Gabriel Pedro é o terceiro da segunda fila, a contar da direita.

[Fonte do fotograma:  You Tube > A Legião Vermelha - Portugal 1920/1925]




Excerto do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, nº especial, dezembro de 1947, pp. 368-370, a partir de cópia pessoal do nosso amigo Armando Tavares da Silva
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Nota do editor:

Vd. poste de 16 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17477: (De) Caras (83): Ainda o madeireiro Fausto da Silva Teixeira, com residência familiar em Palmela, amigo do "tarrafalista" Edmundo Pedro... Apesar da "amizade" com Amílcar Cabral e Luís Cabral, teve um barco, carregado de madeiras, atacado e incendiado no Geba, a caminho de Bissau...

sábado, 17 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17481: Estórias do Juvenal Amado (56): Em memória dos filmes que comecei a ver a meio

Cine-Teatro de Alcobaça

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 16 de Junho de 2017:


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO

56 - Em memória dos filmes que comecei a ver a meio

Gostei muito de cinema desde sempre e o Cine Teatro de Alcobaça, foi ponto de encontro de gerações de Alcobacenses.

Em miúdo com a minha tia ia ver os filmes do Joselito e Marisol mais tarde também me levou a ver filmes históricos em especial sobre as guerras napoleónicas, género que deixou de ser tema de interesse para as produtoras cinematográficas, pois há muito tempo, tirando uma versão do "Guerra e Paz", deixei de ver em cartaz esse género. Quando há tempos pela escrita do José Marques Vidal e Arturo Pérez-Reverte, voltei a lembrar-me do tema, revi mentalmente a batalha de Austerlitz, onde Napoleão derrota os exércitos russos, austríacos e ingleses, bem como outras venturas e desventuras do corso, que resolveu criar um Mundo à sua vontade até se afogar no seu próprio orgulho e melomania.

Mas também era comum juntar-me aos Mendes, ao Cafézinho, ao BiBi e outros miúdos, que numa das portas laterais, esperávamos que o porteiro, senhor Sílvio, nos desse uma borla e assim nos deixasse assistir aos filmes.
- ”Não façam barulho e espalhem-se, não os quero todos juntos” - dizia ele.

Depois do primeiro intervalo, lá íamos nós sem fazer barulho até ao 3.º balcão, razão essa, que tenho na memória os filmes que nunca vi o principio como o "Ben-Hur", o "Rei dos Reis",  o "Barrabás", "Spartacus", etc, etc. Esses ficaram para sempre amputados dos seus inícios pelas razões que acabei de apresentar.


Entretanto comecei a trabalhar, e com direito a semanada, pude assim comprar o bilhete e começar finalmente a ver todos os filmes desde inicio. Estava na época dos filmes "cobóis" "esparguete" com o Clint Eastwood, (quem diria que ele se faria num dos maiores realizadores do nosso tempo?) o Bud Spencer e Terence Hill etc, que gastavam mais balas na apresentação do que em todas as guerras do México. As pistolas de seis tiros disparavam sem cessar, nunca ficavam sem balas.

Também os filmes de karatê do Bruce Lee levavam legiões de admiradores, e era vê-los à saída do cinema, a gingarem-se e a imitar os tiques do actor. Simplesmente hilariante, quando ele era atacado por mais de vinte bandidos, que despachava num ápice. Ficava sempre para o fim um e esse, é que era sempre um rolha dura de roer. Entre gritos, chapadas e pontapés de toda a forma e feitio, o nosso herói tinha mais trabalho com esse do que com os outros vinte.

Por causa desses filmes logo apareceram escolas de karatê nas diversas modalidades, o que deu azo a episódios caricatos como o do meu amigo “Bife”, que acabado de ter a sua primeira aula de Tae Kon Don, se envolveu logo à pancada com outro junto ao campo de ténis.

Filmes completamente irracionais e sem ponta por onde se lhes pegar, mas a malta não sabendo mais o que fazer, ia ver as "coboiadas" de feios porcos e maus e ouvir o Pelé lá do 3.º Balcão, que em plenos pulmões tentava avisar o herói que os índios estavam emboscados ou que um bandido vinha à falsa fé para lhe fazer a folha.
As gargalhadas sucediam-se a cada nova exclamação do nosso bem conhecido angariador de peles de coelho e ferro velho. O velho Pelé também servia para as mães meterem medo aos filhos, que praticavam qualquer maldade, ou não queriam comer a sopa. A sua imagem andrajosa com um saco às costas, era assim aproveitada para o imaginário da garotada.

Também a Escola Técnica de Alcobaça, sob a batuta do professor Miranda, levava à cena as peças no Cine Teatro, que ensaiava para serem apresentadas nas suas festas anuais. Nunca me esqueci da peça "A Gaivota", de Anton Tchecov, e também quando o teatro de revista deixava o Parque Mayer e fazia digressões pela província.


Naquele tempo o Cine-Teatro abarrotava de espectadores e, na maioria dos casos, só ficavam livres as cadeiras obrigatoriamente guardadas para os descendentes do fundador António de Oliva Monteiro.

Depois fui para a tropa e para a Guiné, durante 3 anos não me deliciei com os filmes nem com a vivência ao redor dos mesmos.
Na Guiné, em Galomaro, fomos uma vez visitados pelos serviços de foto-cine do exército, se não estou em erro com o filme "Chaimite", na verdade um tema bem a propósito como é bom de ver. Foram exibidas duas sessões para dar oportunidade a quem estivesse de serviço, ver no dia a seguir. Numas das sessões, calhou-me fazer reforço na porta de armas e tive o maior assédio de lavadeiras que há memória, pois queriam que eu as deixasse entrar para ver o filme. Está claro que não podia deixá-las entrar sob pena de o Coronel me dar uma porrada de todo tamanho, mas devo ter ficado com fama de ser um bom filho p…… durante muito tempo.

Sei que havia salas de cinema em Bafatá e em Bissau, mas nunca lá fui ver nada. Se calhar porque só pernoitei uma vez em Bafatá, no seguimento da trágica morte do nosso camarada Teixeira, e em Bissau estive só de passagem e com pouco ou nenhum dinheiro.

Quando regressámos, deu-se a explosão com o fim da censura, as sessões sucediam-se para vermos os filmes até ali eram proibidos, ou revermos os que tinham sido amputados das cenas que a comissão da censura tinha resolvido cortar. Seguiram-se as sessões de pornografia, que eram exibidas depois da meia-noite.
Depois o declínio foi-se agravando, e não foi só em Alcobaça. As salas começaram ficar vazias por causa dos centros comerciais e das suas sessões continuas, da televisão, dos clubes de vídeo, que por sua vez foram à falência por casa da TV por cabo, onde podemos ver filmes a toda a hora sem se sair de casa, com a qualidade HD nos LED's de tamanho considerável com sistemas de som circundante.

O que virá a seguir não sei, talvez com máquinas de realidade virtual em que sejamos expectadores e actores ao mesmo tempo, com influência no guião do filme.
Ontem liguei a televisão, e estavam a exibir o filme "Cartas de Guerra". Já ia adiantado, mas mercê das novas tecnologias, voltei atrás para ver de principio. Gostei, apesar de algumas incongruências, digo eu, uma vez que a guerra que travámos na Guiné foi forçosamente diferente da de Angola pelo tipo, pelo espaço físico e também pelo antagonismo existente entre os três movimentos independentistas. O filme faz-me lembrar uma banda desenhada com grandes planos e muitas imagens falsamente paradas, em que o autor tenta transmitir ao espectador a dor, o isolamento, o desamor e a violência daqueles dias, usando um ambiente surreal. (A ver os "Vampiros" com textos de João Melo e desenhos de Juan Cavia, uma história de ficção passada na Guiné em 1972 ).
Fez-me reviver os nossos mortos, e as imagens a preto e branco, mais os gritos na escuridão, conferiram um efeito trágico e sufocante sobre as minhas próprias memórias.
Desejável seria que este filme fosse ponto de partida para mais registos devidamente aconselhados, por homens que sabem com conta peso e medida aplicar com rigor as recordações daquele tempo.

Hoje o Cine Teatro de Alcobaça continua lindo. Cinema pouco, mas chegam-me notícias de teatro, teatro de marionetes, bailado e também musica de vários géneros.
Os filmes é que parecem rarear naquele espaço mas isso é fruto dos tempos.

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17029: Estórias do Juvenal Amado (55): O Dia da Defesa Nacional

Guiné 61/74 - P17480: (D)o outro lado combate (8): Regime de Sékou Touré e PAIGC: propostas de reforço da cooperação militar, elaboradas por Amílcar Cabral, 4 meses antes de ser assassinado (Jorge Araújo)














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Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17279: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (7): a última carta de Amílcar Cabral, enviada em 19/1/1973, a Pedro Pires, com diretivas para o reforço da luta na região de Quitafine

Guiné 61/74 - P17479: Parabéns a você (1272): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas do BART 3872 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17466: Parabéns a você (1271): Francisco Silva, ex-Alf Mil Art da CART 3492 e CMDT do Pel Caç Nat 51 (Guiné, 1971/74)

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17478: Notas de leitura (969): “A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
O professor João Freire recebeu pelo seu trabalho a menção honrosa Almirante Sarmento Rodrigues, da Academia da Marinha. Trata-se de uma investigação com arco temporal de 80 anos onde interagem a Marinha com factos político-militares, económicos e sociais. Era inevitável a participação da Armada num território com as caraterísticas da Guiné. O autor discreteia sobre a lógica monárquica-constitucional e republicana, ao longo do referido arco temporal e demora-se detalhadamente sobre a Marinha na ocupação efetiva e na consolidação colonial.
É um novo olhar da investigação que enriquece a historiografia guineense do período colonial.

Um abraço do
Mário


A colonização portuguesa da Guiné, 1880-1960, por João Freire (1)

Beja Santos

“A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha(*), foi uma das edições preeminentes do ano transato, no que tange à investigação guineense no período colonial. João Freire manipula expeditamente a heurística e a hermenêutica, por cada capítulo abordado tece conclusões, assume responsabilidades interpretativas, nunca deixa o leitor à deriva ou no território das especulações. É uma viagem cronológica onde os assuntos da Marinha colonial têm peso preponderante.

Pegando no saboroso livro de Ernesto Vasconcelos, "Guiné Portuguesa, Estudo Elementar de Geografia Física, Económica e Política", de 1917, recorda que o estado da nossa ocupação da Guiné era deveras lamentável em 1841, resumindo-se aos seguintes pontos: Bissau, sede do governo e praça de guerra; Nova Peniche, no ilhéu do Rei; Geba, a 60 léguas de Bissau; Fá, no rio Geba; Bolama, posto militar; Cacheu, defendido por uma paliçada e por três velhos redutos; Bolor, posto militar na embocadura do rio Cacheu; Ziguinchor, posto militar na margem esquerda do Casamansa; e Gonzo, posto comercial de Honório Barreto, também no Casamansa. Esta descrição pode ser lida em paralelo com a vibrante memória que Honório Pereira Barreto escreveu por essa época, este não escondeu pelo desassombro da linguagem a contar a verdade sobre a administração portuguesa: “Os governadores, sendo militares, como são, não estudam ordenações, nem reformas judiciárias; portanto tudo se julga militarmente […]”. E completa a descrição escrevendo que “em todos os estabelecimentos há uma autoridade que, sob o título de Juiz do Povo, governa o povo. Estes juízes, excetuando em Ziguinchor, que é um notável, diferenciam-se dos outros por serem mais bêbedos”. Inevitavelmente, fala-se de revoltas, acordos denunciados, assaltos a comerciantes, uma vida em perigo permanente. Sendo a presença portuguesa mais do que precária, deve-se a Honório Barreto o alargamento dos territórios, as suas doações à Coroa, a sua capacidade na defesa militar.

Tece o autor uma alargada referência ao mosaico étnico e releva a importância das guerras que ocorrem no século XIX entre Mandingas e Fulas que, para além de terem introduzido novas relações de poder no território deram ocasião a significativas alterações no mosaico étnico, principalmente no que toca a Beafadas, Fulas Pretos e Fulas Forros, Papéis, Balantas e Manjacos, fenómeno demográfico que nem sempre é interpretado quando estuda as guerras da pacificação e o enorme peso de que dispõe a sociedade rural civil durante esta fase do período colonial. João Freire lembra as observações do investigador guineense Carlos Cardoso sobre a procura de sistema de alianças e a lógica dos tratados de paz estabelecidos com Bolama, depois da separação da Guiné de Cabo Verde, em 1879. Era a chegada de uma filosofia de apaziguamento e de boa convivência e a exploração de rivalidades interétnicas. Diz Cardoso que Portugal se envolveu nos conflitos internos, designadamente entre os Fulas, apoiando um grupo contra outro. E comenta o autor:
“Da nossa própria análise retiramos a ideia de que o centro de gravidade das guerras nos anos 90 do século XIX se desloca do alto-Geba e do Forreá para as bocas do Geba e do Cacheu, e que tais conflitos bélicos tomam um caráter mais soberanista (saber que manda onde, e sobre quem), antes de evoluírem para as lutas pela (e contra a cobrança de imposto de palhota que marcaram o período seguinte. Contudo, a mudança de estratégia político-militar, já no início do século XIX, em torno da africanização das forças combatentes do lado português, decerto que agudizou muito os ressentimentos entre tribos. 
E depois o autor comenta disposições de tratados de obediência e vassalagem, irónico e não iludindo a distância que vai entre os desejos e as realidades: 
“ - 1ª O régulo do Forreá, assim como os chefes subalternos, juram […] , considerando-se súbditos portugueses para os efeitos da lei”. – É de duvidar que os interlocutores guineenses tivessem consciência do alcance jurídico desta proposição. 
"- 2ª Os territórios […] ficam pertencendo ao domínio de Portugal”. – Cláusula para eminente uso externo, por parte do governo português. 
"- 3ª Os usos e costumes de todos os habitantes dos citados territórios, quando não sejam contrários às leis e garantam a moralidade, segurança pessoal e liberdade do cidadão português, serão respeitados”. Toda a questão se situa na interpretação futura a dar ao que pudesse “contrariar a lei portuguesa” e ameaçar a “moralidade, segurança pessoal e liberdade do cidadão português”
"- 4ª O régulo […] obriga-se a proteger o comércio […] promovendo tanto quanto possível a segurança dos comerciantes [… e] a segurança das propriedades e culturas […]”. – Esta liberdade e segurança eram, à época as condições fundamentais que interessavam a Portugal. 
"- 5ª Aos cidadãos portugueses ou estrangeiros que estiverem munidos do competente passe das autoridades portuguesas, o mesmo régulo proporcionará nos territórios que lhe estão sujeitos todas as precisas condições que lhes garantam o bom agasalho, a sua segurança e a sua liberdade, devendo o referido régulo satisfazer quaisquer requisições de carregadores, mantimentos, etc, mediante prévio ajuste da respetiva remuneração […]”. – E esta era a contrapartida de poder e de rendimento económico de que se matinha na posse dos chefados locais.
"- 6ª Quando pelas autoridades portuguesas seja requisitado algum indivíduo sujeito à ação da justiça, o régulo do Forreá fá-lo-á entregar imediatamente […]”. – Imperatividade que no plano civil/criminal, ilustra bem a precedência da norma europeia sobre a norma local, para o melhor (por exemplo, para impedir a escravatura), como para o pior (supúnhamos para manietar um contestatário à ocupação portuguesa). 
"- 7ª O régulo de Forreá e os seus chefes […] virão pessoalmente no primeiro dia de Janeiro de cada ano homenagear Sua Majestade Fidelíssima, perante o comandante militar […]”. – Ato simbólico de ‘humilhação’ dos poderes negros de grande significado para eles, só amenizado pela tão grande distância física a que essa majestade se encontrava, que a tornava apenas virtual.

Esta a lógica de um Protetorado, em que um protetor impõe as suas condições ao protegido. No próximo capítulo, o autor aborda a participação da armada nas revoltas nativas e prossegue com a apresentação da administração colonial portuguesa na Guiné entre 1880 e 1910.

(Continua)
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Notas do editor

(*) - Vd poste de 31 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17009: Agenda cultural (539): Lançamento do livro "A Colonização Portuguesa da Guiné", do prof João Freire, sociólogo (Lisboa, Comissão Cultural de Marinha, 2017), em Belém, na Biblioteca Central da Marinha, no próximo dia 8, 4ª feira, às 18h

Último poste da série de 15 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17473: Notas de leitura (968): Saiu o II volume de "Memórias Boas da Minha Guierra", de José Ferreira (Lisboa, Chiado Editora, 2017): Sabemos, desde Fernão Lopes, que não há História com H grande sem as pequenas histórias da arraia-miúda. Este é também um livro de homenagem à arraia-miúda (Luís Graça, prefácio)

Guiné 61/74 - P17477: (De) Caras (76): Ainda o madeireiro Fausto da Silva Teixeira, com residência familiar em Palmela, amigo do "tarrafalista" Edmundo Pedro... Apesar da "amizade" com Amílcar Cabral e Luís Cabral, teve um barco, carregado de madeiras, atacado e incendiado no Geba, a caminho de Bissau...


Guiné > Bissau > s/d [. c 19690/70] > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa") (Detalhe).

Colecção: Agostinho Gaspar / Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).



Anúncio da empresa, em nome individual, "Fausto da Silva Teixeira", dono de serração mecânica de madeiras, com sede em Bafatá, publicado em Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2.


[Imagem digitalizada partir de cópia pessoal pertencente ao nosso saudoso camarada Mário Vasconcelos (1945-2017), ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72, Mansoa, e Cumeré, 1973/74] (*)


I. O que sabemos mais, a partir de comentários ao poste P17447 (*), sobre o português Fausto Teixeira ou Fausto da Silva Teixeira, deportado para a Guiné em junho de 1925 por razões políticas, sem qualquer julgamento, e que irá, menos de três anos depois, construir uma moderna serração mecânica em Fá, perto de Bambadinca, e que duas décadas depois é um colono próspero e respeitado, ao ponto de receber a visita do representante do governo de Salazar e do próprio governador-geral Sarmento Rodrigues em 7 de fevereiro de 1947...


(1) Do depoimento do nosso camarada José Manuel Cancela, de Penafiel (ex-sold ap metr pesada, CCAÇ 2383, Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1968/70) apurámos o seguinte:

(i) conheceu-o pessoalmente, ao sr. Fausto Teixeira,  em 1969 (quando o Spínola era já o governador geral e o comandante-chefe):

(ii) o empresário estava  hospedado no Hotel Portugal (que era o melhor de Bissau);

(iii) tinha como companheira uma senhora de origem cabo-verdiana, chamada Agostinha;

(iv) com o casal vivia o filho mais novo do Fausto, o António, que na altura teria uns 21 anos, e que se tornou amigo do Zé Manel Cancela;

(v) na altura (1969), o sr. Fausto "já deveria estar próximo dos 80 anos" [a ser assim, teria nascido na última década de 1890, e estaria já próximo dos 30 anos quando foi deportado, em 1925, para a Guiné]:

(vi) o relacionamento com do nosso camarada Zé Manel Cancela com o filho António devia-se ao facto de um seu (dele, Zé Manel) conterrâneo, de Penafiel, ser o fiel guarda da madeira que chegava de Bafatá e ficava no Pijiguiti à espera de embarque;

(viii) resumindo, em 1969, o sr. Fausto Teixeira "continuava a ser um senhor de muitas posses, pois além das serrações em Bambadinca e Bafatá, tinha um barco para o transporte da madeira"...


(2) Do neto, Fausto Luís Teixeira, formador, e de pesquisas adicionais que fizemos na Net,  ficámos a saber algo mais;

(i) o avô seria de (ou residiria em) Setúbal ou por aí perto;

(ii) não deveria ter 80 anos em 1969;

(iii) no pós-25 de Abril, era visita do Edmundo Pedro, nascido no Samouco, Alcochete, também margem sul do Tejo;

(iv)  o Edmundo deveria ser (e é, uma vez que ainda é vivo...) mais novo que o avô: nasceu em 8/11/1918, portanto, fará 100 para o ano se lá chegar;

(v) o Edmundo esteve dez anos no Tarrafal, o campo de concentração na ilha de Santiago, Cabo Verde;

(vi) é nessa altura que rompe com o PCP, alegadamente por ter violado a disciplina do Partido, ao tentar, por sua conta e risco, uma fuga;

(vii) é hoje, como se sabe, um velho militante socialista,

(viii) não sabemos de onde nem quando vem se essa amizade (e convívio) com o Edmundo Pedro 

(ix) apontamos o ano de nascimento do avô Fausto Teixeira para os primeiros anos do séc. XX, talvez 1905;

(x) a bater certo, ele é deportado para a Guiné com 20 anos;

(xi) seria,portanto, 13 anos mais velho do que o Edmundo Pedro;

(xii) em 1969,  quando o Zé Manel Cancela o conheceu no Hotel Portugal ele não poderia, de facto, ter 80 anos, mas sim 64;

(xiii) provavelmente devia "parecer ser mais velho", com  quase meio século de Guiné...

 (xiv) o Fausto Teixeira é deportado para a Guiné em 1925, no final da I República, em tempos conturbados; em 1947 quando recebe a visita, na sua serração mecânica de Fá (Fá Mandinga, no nosso tempo, 1969/71),  a escassos quilómetros de Bambadinca, do secretário de Estado das Colónias, do governador-geral Sarmento Rodrigues e comitiva,  era um homem importante na Guiné;

(xv) a imprensa dizia seu respeito, não que tinha sido deportado, mas sim que "se fixara" na colónia há cerca de 20 anos... (Em 1947, ainda a PIDE não estava instalada na Guiné, o que só acontecerá em 1954 ou 1957, não sabemos ao certo...).


(3) De qualquer modo, há "zonas de sombra" na vida de Fausto Teixeira que estão por esclarecer e que compete à família partilhar (ou não) connosco...

Por exemplo, essa história dos electrodomésticos... Será que o avô do nosso leitor chegou ter, depois do 25 de abril, depois do regresso da Guiné, um negócio de electrodomésticos, tal como o seu amigo Edmundo Pedro ? Ou as coisas que ele trazia para casa (rádios, gravadores. etc.) não seriam antes compradas na loja do Edmundo Pedro ? Ou até uma oferta do amigo ?...

Sobre o Edmundo Pedro, ver aqui esta entrada na Wikipédia.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Edmundo_Pedro

Por outro lado, não se percebe bem o que o neto escreveu: 

"Estou em crer que em determinada altura se terá dedicado ao comércio, tanto pelas prendas que trazia (gravadores, rádios,...), como por uma vez ter perguntado a alguém(?) que conhecia bem a Guiné, se ele conhecia algum madeireiro chamado Fausto e ele só se lembrar de um comerciante em Bafatá com esse nome"...

A minha leitura é a seguinte:

(i) o seu avô encontrou alguém que conhecia a Guiné (talvez um ex-militar);

(ii) perguntou-lhe se conhecia algum madeiro, de nome Fausto (que era ele);

(iii) esse alguém lembrava-se de um comerciante em Bafatá com esse nome... (Só podia ser o Fausto da Silva Teixeira);

(iv) o negócio principal do Fausto era exploração e exportação de madeira, mas é possível que também tivesse uma loja de comércio a retalho em Bafatá, onde tinha a sede da sua empresa de serração...

(v) enfim, ele quis testar os conhecimentos dessa pessoa que encontrou...provavelmente um ex-militar que, como muitos de nós, conheceu Bafatá...

Nessa altura (anos 60) Bafatá, onde de resto o resto nasceu, tinha a um ar próspero, e havia bastante casas de comércio... Era conhecida como a "princesa do Geba"... Há uitas fotos de Bafatá: pesquisar no Google Imagens= Bafatá.

Por outro lado, e esta é outra questão eventualmente delicada para a família... O avô Fausto Teixeira devia ter boas relações com o PAIGC, com o Luís Cabral, futuro presidente da República (que ele ajudou a sair da Guiné, para o Senegal, em 1959, a seguir aos acontecimentos do Pijiguiti, quando o Luís Cabral estava na iminência de ser detido pelo PIDE)...

Pergunta-se: por que é que não ficou na Guiné, depois da independência ? Por causa dos filhos e netos ? 

 O Zé Manel Cancela esclareceu este ponto, acrescentando:

(i) não  creio que ele se desse muito bem com PAIGC porque o barco que transportava as madeiras foi atacado e encendiado no Geba numa viagem para Bissau;

(ii)  o barco foi depois reparado num estaleiro que havia na altura no ilhéu do Rei:

(iii) cheguei a ir lá com o António Teixeira numa altura que o pai dele veio a Portugal;

(iv) até cheguei a saber quanto custava a reparação, noventa contos, que era uma pequena fortuna para a época; [em 1970, 90 mil escudos na metrópole equivaleriam hoje a 25.798,94 €, segundo o conversor da Pordata; se se tratar de escudos da Guiné, há que ter em conta uma desvalorização de 10% em relação ao escudo da metrópole]

(v) também soube,  através do meu conterrâneo [o guarda da madeira que chegava de Bafatá e ficava no Pijiguiti à espera de embarque], que o António foi parar a Angola como furriel, isto em 71;

(vi) outra coisa: a família tinha casa em Palmela... (**)

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quinta-feira, 15 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17476: Agenda Cultural (566): Lançamento do II Volume de "Memórias Boas da Minha Guerra", da autoria de José Ferreira, dia 8 de Julho de 2017, pelas 10h30, no Choupal dos Melros, Rua das Cabanas, 177, Fânzeres-Gondomar - Seguir-se-á um almoço com inscrição prévia



1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", I e II volumes, com data de 14 de Junho de 2017:

Caros amigos
Graças à vossa atenção e ao vosso carinho, o nosso blogue “ Luís Graça & Camaradas da Guiné” vem publicando regularmente as minhas histórias, nestes últimos sete anos. Elas estão divididas em duas séries; “Memórias boas da minha guerra” e “Outras memórias da minha guerra”.

Por insistência de alguns amigos, estou a passá-las para livro. Já editei o primeiro volume e vou agora lançar o segundo. Cada um é composto por 26 histórias e como já ultrapassei as setenta e cinco, tudo leva a crer que ainda virá um terceiro volume.

O primeiro volume foi lançado no simbólico RAP 2, de onde saiu a minha CART 1689, integrada no BART 1913, para a Guerra da Guiné(*). Este segundo volume será lançado no Choupal dos Melros, outro lugar de enorme importância para os Combatentes, dado que ali coabitam os grupos “Bando do Café Progresso” e a “Tabanca dos Melros”.

Conforme aponta o cartaz, o evento terá lugar no próximo dia 8 de Julho, pelas 10h30. 
Quem quiser, fica para o tradicional almoço convívio, que se realiza todos os segundos sábados de cada mês.

Um abraço cheio de gratidão
José Ferreira da Silva
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Notas do editor

(*) - Vd. poste de 21 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16626: Agenda cultural (508): No passado dia 14 de Outubro de 2016, no Salão Nobre do Quartel da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, realizou-se a sessão de apresentação do livro "Memórias Boas da Minha Guerra" da autoria do nosso camarada José Ferreira da Silva

Último poste da série de 8 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17446: Agenda Cultural (565): Convite para a apresentação de livros da colecção Fim do Império, a levar a efeito no próximo dia 11 de Junho, pelas 15h00, no Auditório da Feira do Livro de Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

Guiné 61/74 - P17475: Efemérides (258): O 10 de Junho no Porto e em Leça da Palmeira (Carlos Vinhal / Núcleo de Matosinhos da LC)

Leça da Palmeira, 10 de Junho de 2017
Homenagem aos leceiros caídos em campanha


Dado que este ano as comemorações oficiais do Dia de Portugal, presididas pelo Sr. Presidente da República, decorreram no Largo do Molhe, no Porto, as nossas cerimónias realizaram-se em duas fases. 

Pelas 11h00, no Porto, realizou-se um desfile militar ao longo das avenidas do Brasil e de Montevideu em que participaram 100 Combatentes de várias associações de combatentes, onde se incluíram 30 sócios do nosso Núcleo. 

Posteriormente, em Leça da Palmeira, pelas 12H45, foi dada continuidade à comemoração deste dia no cemitério local - Talhão Militar da Liga. 
Promovida pelo Núcleo, em colaboração com a União de Freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira, cumpriu-se mais uma vez uma tradição de há muitos anos perante algumas dezenas de sócios, combatentes e famílias. 

Depois de posicionados o Guião do Núcleo, pelo Vogal da Direção, José Trindade, e uma Guarda de Honra composta por sócios combatentes enquadrada pelo Vogal da Direção José Neto, iniciou-se a cerimónia com a chamada dos nomes dos combatentes leceiros mortos na Guerra do Ultramar, pelo 1.º Secretário da Mesa da Assembleia Geral do Núcleo, Carlos Vinhal. 
Seguidamente, procedeu-se à deposição de duas coroas de flores no Talhão, uma pelo Presidente da União de Freguesias, Dr. Pedro Sousa, e a outra pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Núcleo, Ribeiro Agostinho e pelo Presidente da Direção, Tenente Coronel Armando Costa. 
A cerimónia prosseguiu com um minuto de silêncio de Homenagem aos Mortos, seguindo-se uma evocação religiosa pelo Diácono Manuel Gonçalves e as alocuções alusivas ao ato pelo Presidente do Núcleo e pelo Presidente da União de Freguesias. 
As palavras ditas realçaram a importância de homenagear a memória de todos aqueles que, ao longo da nossa História, tombaram no campo da honra, nomeadamente na Guerra do Ultramar. 
Para terminar, todos os participantes cantaram o Hino da Liga dos Combatentes.


Porto, 10JUN2017 - Recepção ao senhor Presidente da Répública

Porto, 10JUN2017 - No momento da homenagem aos mortos

Porto, 10JUN2017 - Tenda/abrigo para os antigos Combatentes

Porto, 10 JUN2017 - Os antigos Combatentes do Núcleo de Matosinhos da LC com o senhor TGen Chito Rodrigues


Porto, 10JUN2017 - Cerca de uma centena de antigos Combatentes em desfile nas avenidas Brasil e Montevideu.

Após desfilarem, os antigos Combatentes na sua bancada assistindo ao resto do desfile.

Porto, 10JUN2017 - Findas as cerimónias, o Presidente da República cumprimentou os antigos Combatentes

Leça da Palmeira, 10JUN2017 - Cemitério n.º 1 - Deposição de coroas de flores no Talhão da LC

Leça da Palmeira, 10JUN2017 - Evocação religiosa pelo Diácono Manuel Gonçalves

Leça da Palmeira, 10JUN2017 - O TCor Armando Costa durante a sua alocução

Leça da Palmeira, 10JUN2017 - O Presidente da União de Freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira, Dr. Pedro Sousa, no uso da palavra.

Leça da Palmeira, 10JUN2017 - Os presentes entoam o Hino da Liga dos Combatentes

Texto e selecção de fotos: Núcleo de Matosinhos da LC
Fixação do texto, edição e legendagem das fotos: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17458: Efemérides (257): A propósito do 10 de Junho, ainda os estranhos e excelentes portugueses no mundo... "Goa, um adeus no entardecer dos dias / e uma lágrima para sempre" (Poema e fotos de António Graça de Abreu)

Guiné 61/74 - P17474: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca ... é Grande (109): Na Lourinhã, fui encontrar o ex-1º cabo at inf Alfredo Ferreira, natural da Murteira, Cadaval, que foi o padeiro da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70)... e que depois da peluda se tornou um industrial de panificação de sucesso, com a sua empresa na Vermelha (Luís Graça)


Distintivo da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70).  Cortesia de Manuel Traquina que descreve o distintivo nestes termos:

"Este era o distintivo da Companhia. Continha na parte central, a figura de um militar com aspecto de veterano de guerra, já com o camuflado e botas um pouco danificados, e a sua inseparável G3.
"Na mão direita segura aquilo a que chamávamos a 'pica', que não era mais que uma vareta de aço afiada e que servia como o nome indica para picar o terreno susceptível de ocultar uma mina. Na extremidade da referida 'pica' encontra-se uma pequena caixa que representa uma mina anti-carro.
Sendo a CCaç 2382 uma Companhia Independente, nos quatro ângulos do distintivo encontram-se as iniciais dos comandos a que pertenceu: o primeiro é o Regimento de Infantaria 2,  de Abrantes,  onde a companhia se formou e foi mobilizada; o segundo é o COSAF -  Comando Operacional de Aldeia Formosa; o terceiro, Batalhão de Caçadores 2834,  ao qual a companhia esteva adida e o quarto, o COP4 (Comando Operacional nº4, sedeado em Buba).

"As duas inscrições laterais poderão levantar algumas interrogações: 'Por Estradas Nunca Picadas'. Esta pequena frase diz-nos que a companhia andou por locais até ali ainda não pesquisados; 'Por Picadas Nunca Estradas' aqui pretende-se dizer o que foi uma realidade, que os militares andaram pelo mato por caminhos que nunca foram estradas.

"Mas voltando à figura central, àquele a que chamámos 'o Zé do olho vivo', por ser uma figura mais ou menos engraçada, valeu-nos na Guiné o título da Companhia dos Palhaços. ".Manuel Batista Traquina".



1. Há dias, na Lourinhã, fui visitar uma das minhas irmãs, a do meio (tenho três, mais novas do que eu). A mana Z... tem um filho, o A..., que está num país árabe a tentar a sua sorte como talentoso adjunto de treinador profissional de futebol. A sua conpanheira, I..., é do Cadaval, concelho vizinho.

Manuel Traquina
Os pais da moça foram-me apresentados. Na hora do chá, conversa puxa conversa, verifico que o pai, Alfredo Ferreira, estivera na Guiné na guerra colonial:
- Quando?
- 1968/70.
- Somos contemporâneos, o meu amigo é mais velho um ano do que eu...
- Pois, sou de 46!
- E eu de 47!... E a sua companhia, já agora, ainda se lembra o número ?
- A 2382, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, Contabane... Éramos a companhia do "Zé do Olho Vivo"! Companhia de Caçadores...
- Se me lembro!... Tenho gente dessa companhia no meu blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné... E o camarada foi operacional? Qual era o posto?
- 1º cabo atirador de infantaria... Mas, como era preciso alguém para
Carlos Nery [, o cap mil Araújo]
fazer o pão, fiquei eu, como padeiro.
- E o capitão?
- Carlos Nery Sousa Gomes de Araújo. Era miliciano.
- Incrível, é meu vizinho de Alfragide!... E quem mais, dos alferes e furriéis...?
- Olhe, o furriel mecânico Manuel Traquina que até escreveu o livro com histórias do pessoal da companhia. É de Abrantes.
- Já estive com ele num dos nossos encontros anuais...

... Emociona-se o ex-1º cabo Alberto Ribeiro C. Ferreira ao falar do ataque a Contabane e das colunas a Gadamael... E do ataque a Buba... E do monumento que foi edificado aos combatentes da sua terra, que regressaram todos, graças a Deus... Sessenta e seis!... Estamos a falar de Murteira, freguesia de Lamas, concelho do Cadaval... Ele escreveu (ou ajudou a escrever) as três quadras de homenagem que estão gravadas na pedra. Recita-me as quadras com um brilhozinho nos olhos. Fica exasperado por lhe faltar o primeiro verso da última quadra... Faz apelo à memória da esposa, a seu lado...

O meu cunhado, M...,   estava banzado com a nossa conversa e a familiaridade dos nomes das terras da Guiné, que ambos testemunhávamos, eu e o Alfredo: de Mampatá a Contabane, do Saltinho a Gandembel, de Buba a Quebo,  e ainda de João Landim a Bula, e o dia em que o Alfredo  ia morrendo afogado no rio Mansoa, agarrado a um frágil tronco de palmeira, ele que nem sabia nadar!...

Falei-lhe do blogue e das referências que temos à malta da companhia do "Zé Olho Vivo"... Não é pessoa de navegar na Net, mas vai todos aos anos aos convívios da CCAÇ 2382... Fala, com calor humano, dos tempos da Guiné e dos seus camaradas... Vê-se que a guerra e a camaradagem marcaram-no para sempre.

Fico a saber que, no regresso (ou ainda antes, logo em 1969), se estabeleceu por conta própria como industrial de panificação. Devido à lei do condicionamento industrial, na época,  o Grémio do setor só o deixou estabelecer-se em Alcoentre, no concelho próximo, Azambuja, transferindo-se mais tarde (presumo que depois do 25 de Abril) para a Vermelha, outra sede de freguesia do concelho de Cadaval. 

O negócio do pão prosperou ao ponto de a clientela se ter alargado a boa parte da região Oeste e à Grande Lisboa... Passou a condução dos negócios ao filho, líder hoje da Panificadora Regional da Vermelha, empresa que tem mais de meia centena de colaboradores e uma apreciável frota automóvel para distribuição diária de pão... que chega às nossas mesas através das redes de hipermercados  e supermercados  onde fazemos compras... Vê-se que sente orgulho na obra feita e na continuidade dada pelo filho (que "não quis continuar a estudar" e é hoje um empresário de sucesso)...

O Zé Manel Cancela
Falámos ainda de amigos do concelho do Cadaval, do Joaquim Pinto de Carvalho, hoje advogado, outro camarada da Guiné, natural do Cadaval, que tem um turismo rural em Vila Nova, a "ArtVila"... Falámos do Miguel Luís Evaristo Nobre, do Vilar, e da sua paixão pelos moinhos de vento... Falámos, inevitavelmente, da serra de Montejunto, e das terras ali à volta, como a "pitoresca" Pragança e o Pereiro (onde se cantam e pintam os Reis) ...

Prometemos, enfim, fazer um visita a Murteira, ao monumento local aos combatentes da guerra do Ultramar e, naturalmente, à casa deste camarada que já ficou avisado:
- Para a próxima, passamos a tratar-nos por tu, como camaradas que somos e continuamos a ser... Tratamo-nos por tu, na Tabanca Grande, do general ao soldado...

2. Não me ocorreu o nome do meu amigo e camarada de Penafiel, o Zé Manuel Cancela, ex-soldado apontador de metralhadora pesada, que também pertenceu à CCAÇ 2382... Na altura não tinha o portátil comigo, pelo que não deu para fazer pesquisas sobre a malta desta companhia que faz parte da nossa Tabanca Grande, e onde se incluem os nomes do Manuel Traquina (ex-furriel miliciano) e do Carlos Nery (ex-cap miliciano, por sinal meu vizinho de Alfragide), além do José Manuel Moreira Cancela e do Alberto Sousa e Silva (ex-soldado de transmissões) (e de quem não temos para já uma foto atualizada).

Apesar da máquina fotográfica andar sempre comigo, também não me ocorreu tirar uma foto... com o Alberto Ferreira e a esposa. A filha I... já a conhecia há uns tempos mas não assistiu a esta conversa. Também ela costumava acompanhar os pais nos convívios anuais da companhia. E conhece bem o Manuel Traquina.

De qualquer modo, pode-se dizer,  mais uma vez, e com toda a propriedade, que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca...é Grande!

Guiné 61/74 - P17473: Notas de leitura (968): Saiu o II volume de "Memórias Boas da Minha Guierra", de José Ferreira (Lisboa, Chiado Editora, 2017): Sabemos, desde Fernão Lopes, que não há História com H grande sem as pequenas histórias da arraia-miúda. Este é também um livro de homenagem à arraia-miúda (Luís Graça, prefácio)


Capa do livro, editado pela Chiado Editora, Lisboa


Próximas sessões de lançamento

Aqueles que souberam fazer a guerra e a paz, com “sangue, suor e lágrimas”… e uma boa pitada de humor de caserna


prefácio de Luís Graça

1. Não tenho a pretensão de ser um descobridor de talentos literários... Mas a verdade é que o nosso blogue (“Luís Graça & Camaradas da Guiné”) tem sido um verdadeiro seminário de vocações literárias... 


Ao José Ferreira da Silva (Zé Ferreira, “tout court”) já lhe tinha posto o olho em cima desde que entrou na Tabanca Grande e começou a escrever, há mais de seis anos, em 8/6/2010... Neste espaço de tempo, foi alimentando, com maior ou menor regularidade, uma curiosa série a que ele próprio chamou "Memórias boas da minha guerra"... 

Há quem só tenha "memórias más", o Silva da CART 1689, o ex-fur mil José Ferreira da Silva, que fez a guerra “pura e dura”, também terá as suas, mas no cômputo final são as boas (ou, talvez antes, agridoces…) que vêm ao de cima e que ele faz questão de partilhar connosco... 

Criaria depois outra série a que chamou "Outras memórias da minha guerra", onde a guerra e a sua (des)humanidade vêm mais ao de cima. No nosso blogue, ele conta já com quase um centena de referências.

Finalmente, o Zé Ferreira coligiu estes textos e publicou-os em livro, sob a chancela da Chiado Editora, para regozijo de alguns leitores do blogue que se tornaram seus fãs, e terão também, pelo apreço e incentivo manifestados, uma pequena quota parte de responsabilidade nessa feliz decisão de passar a papel as "memórias boas da (sua) guerra", de que se publica agora o 2.º volume.

O título pode ser irónico ou provocatório já que a sua companhia, a CART 1689, esteve longe de ter ido passar férias à então "província portuguesa da Guiné". Bem pelo contrário, teve uma intensa atividade operacional, tendo estado debaixo de fogo inúmeras vezes e deambulado por quase todo o território, de tal maneira que era conhecida por “Os Ciganos”.

Recordo-me lhe de ter dito, há uns anos, que “o humor é uma arte” e que esse  título, “Memórias boas da minha guerra”, era um achado, que me fazia lembrar as rábulas do saudoso Raul Solnado na sua ”guerra de 1908”. E até antevia que era um bom título para um possível "best-seller"... De qualquer modo, o mais espantoso é que no blogue ninguém o insultou por reivindicar o direito a ter também "memórias boas” da vida, da tropa e da guerra, de Lamego a Catió, do Porto a Gandembel, da Feira a Canquelifá.

2. A primeira impressão que eu retive deste camarada que se estreava na escrita, era a de um bom contador de histórias, às vezes até já mestre, exímio sobretudos nas “short stories”, nos relatos “claros, concisos e precisos”, no traço caricatural de personagens, mas onde nunca falta uma ponta de ironia, humor, brejeirice, malícia, cumplicidade ou compaixão. 

Tem, como os bons contistas, também a capacidade de saber “ler, parar e escutar”… Tem matéria-prima existencial para dar e vender, “tem mundo”, é "homem de vida", como se diz no Norte, e sobretudo um apaixonado pela vida, mas também um grande observador do "zoo" humano, e um grande escultor de corpos e almas.. 

O eacritor, José Ferreira
Basta, de resto, conhecer a sua biografia de homem que se fez a si próprio, e que começou muito cedo a trilhar a dura “picada da vida”. Revela também essa rara qualidade de saber ouvir os outros com perspicácia e empatia…

O que vem ao cima, desta espuma existencial, são todos os ingredientes que nos fazem, a nós, seres humanos (e portugueses), sermos como somos, humanos (e portugueses)...

Devo dizer que tive o grato prazer de conhecer, em carne e osso, o Zé Ferreira na Tabanca de Matosinhos, no nosso convívio de 29/12/2010... As circunstâncias não foram as melhores, para mim, devido a uma maldita ciática que me atormentou na última quinzena do ano de 2010... Reencontrei, entre muitos outros camaradas, o saudoso Jorge Teixeira (“Portojo”) (1945-2017), um verdadeiro cavalheiro, tripeiro, como deve ser, de fino humor e verbo fácil. O Zé Ferreira e o Portojo estiveram em Catió, no sul da Guiné, e "reconheceram-se" (!) ao fim destes anos todos... na Tabanca de Matosinhos que costumam frequentar, com maior ou menor regularidade.

Ficámos, no fim, eles, eu e mais um  ou outro camarada, a contar algumas histórias... Qualquer deles, são dois grandes contadores de histórias e camaradas divertidos... O “Portojo” mais expansivo, o Ferreira da Silva mais discreto... Uma das histórias que vem no livro (volume I) é do “Piteira, o ranger do Alentejo” (pp. 43-49), foi-me contada por alto por ele mesmo, Zé Ferreira... Achei-lhe um piadão e esqueci por uns largos minutos a maldita cialgia... Mas ao relê-la, agora em forma escrita, é que me ri que me fartei, sozinho… Ri com gosto, a bandeiras despregadas, ao lê-la com calma e com todos os detalhes...

Enfim, foi um momento alto do nosso "humor de caserna", que é bipolar (dizem os psiquiatras de fora)... Na realidade, a tropa e a guerra não foram feitos para “meninos de coro”... mas também um “ranger” (à força, como aconteceu com o Zé Ferreira e o Piteira) não era um homem que deixava a sua humanidade (e a sua cidadania) em Lamego para se transformar numa “máquina de guerra” nas matas e bolanhas da Guiné.

Outra história fabulosa, de resto contada em primeira mão numa roda de amigos, é a do soldado comando Dionísio, de Valbom, desertor e herói, em “É guerra, é guerra… (Será?)” (volume I, pp. 119-129).

Mas, enfim, não há só “mouros” e “morcões”, nesta galeria que ilustra bem a educação erótica, sentimental, cívica e militar, de toda uma geração, também há figuras femininas, com individualidade própria. Do ponto de vista socioantropológico, o Portugal aqui retratados, era muito diferente, nos anos 60/70, do país que conhecemos hoje... (Como era diferente, mas eu não tenho saudades!)... Era diferente, para o melhor e para o pior... a ponto de ter conseguido aguentar uma guerra durante 13 anos, em três frentes, a milhares de quilómetros de casa. Em todo o caso, era (e continua a ser) um país que é feito por grandes mulheres e grandes homens como, por exemplo, a Ilda e o Neca (volume I, pp. 91-99)... Cá está, esta é uma comovente história de amor em tempo de guerra!...

3. Leitor necessariamente indisciplinado e, muitas vezes distraído, fui escrevendo alguns comentários, ao correr das teclas, a alguns dos postes das séries "Memórias Boas da Minha Guerra" e “Outras memórias da minha guerra” e com isso fui assistindo ao "making of" deste livro em dois volumes, que não tem propriamente um “fio condutor”, é uma coleção de meia centena “sketches” ou pequenas histórias, uma escolha nem sempre fácil de um lote maior.

O Zé Ferreira conta-nos aqui históricas pícaras, verosímeis, reais ou fictícias, não interessa. Costuma-se avisar o leitor de ficção, de que "qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência"... Os textos do Zé Ferreira estão entre a ficção literária e a biografia, a crónica e a memória: as figuras que desfilam no seu ecrã são portuguesas e portuguesas de carne e osso (mas também guineenses)... E, nalguns até, com “chapa fotográfica”, podendo eventualmente, questionar-se se o autor tomou as devidas cautelas para salvaguardar o direito de cada um de dos nossos camaradas, ainda vivos, à "reserva da intimidade", ao sigilo, e até ao esquecimento… Mas também aqui parece haver uma evidente cumplicidade entre o artista e o modelo, o criador e a criatura.

Tive o privilégio de ser um dos primeiros a ler as suas "short stories", pequenos contos onde cabe sempre uma parte das nossas vidas, de quando éramos jovens e filhos devotados da Nação... Não sendo "meninos de coro", nem "virgens púdicas", cedo aprendemos que o "pícaro", o picaresco, fazia parte da(s) nossa(s) vida(s)... Ora o autor tem esse notável sentido do picaresco, do burlesco, do humor de caserna, e as suas histórias não nos deixam indiferentes, tocam-nos, justamente pela sua humanidade...

Quem o conhece sabe que é um homem afável, no trato e na linguagem. Quanto à linguagem eventualmente "inapropriada", bom, a reprodução da oralidade (incluindo o calão) é um recurso que decorre da liberdade narrativa e criativa... O Zé Ferreira fá-lo, em geral, com bom gosto, bom senso, ironia, sentido de humor...

O autor teve necessariamente de fazer um seleção dos seus escritos, não conhecendo eu ainda o índice definitivo do seu 2.º volume. Mas tenho pena que alguns possam ficar de fora, como o “Deixem-nos trabalhar”, um roteiro completo pelo Porto castiço, “lúmpen”, "underground", onde floresciam as “casas de passe”, ligadas à iniciação sexual da geração nascida nos anos 40, o Porto da adolescência e juventude do autor que não existe mais mas que é recriada, graças a uma fina sensibilidade socioantropológica que lhe permite descrever, com propriedade e humor, tipos e cenas que escapavam ao olhar distraído da maioria... Esse texto é bem o retrato social e humano da época a que ele se reportava (anos 50/60), que era de miséria e de pobreza... O Porto estava cheio de "ilhas" (zonas de habitação degradadas e degradantes), tal como Lisboa ("bairros de lata" e "vilas")...

Enfim, não é por acaso que os últimos textos são memórias da “guerra pura e dura”, do suplício de Sísifo que foi aquela guerra (, de que Gandembel é um símbolo,) mas também testemunhos da importância que têm os laços de camaradagem entre os antigos combatentes, a tal ponto que persistem para lá da tropa e da guerra, ao fim de meio século.

Em suma, este livro acaba por ser o autorretrato de uma geração de portugueses que fechou um ciclo de 500 anos, que soube fazer a guerra e a paz, com “sangue, suor e lágrimas” e uma boa pitada de humor de caserna, e que se recusa a ir para a “vala comum do esquecimento”… Não é a História com H grande, nem dos heróis com direito a Panteão Nacional. Mas sabemos, desde Fernão Lopes, que não há História com H grande sem as pequenas histórias da “arraia-miúda”. Este é também um livro de homenagem à “arraia-miúda”.

Luís Graça, 

editor do blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17457: Notas de leitura (967): Honório Pereira Barreto (Notas para uma biografia), por Joaquim Duarte Silva (Beja Santos)