Pesquisar neste blogue

domingo, 24 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21006: Blogues da nossa blogosfera (132): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (47): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

MÃE

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Mãe
a palavra universal
a palavra mais consensual da humanidade.
Nem Deus…
Deus é de uns e não de outros
Deus é conceito de muitos
e negação de outros tantos.
A mãe é de todos sem excepção
a mãe é de todos e é só nossa
a mãe é do crente e do ateu
a mãe é do pobre e do rico
do sábio e do ignorante.
A mãe é dos poetas
dos filósofos e artistas
dos bons e dos maus
a mãe é do amigo e do inimigo.
Não há mãe de uns e não de outros
não há ninguém sem mãe
e não há mãe de ninguém.
A mãe é de toda a gente
a mãe é de cada um
a mãe é do mundo inteiro
e do nosso mais pequeno recanto.
A mãe é do longe e do perto
da água e do fogo
do sangue e das lágrimas
da alegria e da tristeza
da doçura e da amargura
da força e da fraqueza.
A mãe é certeza e aventura
medo e firmeza
dúvida e crença
a haste que se ergue no céu
ou se aninha rente ao chão
para que a morte a não vença.
A mãe é a outra parte de nós
sem mãe somos metade
sem mãe nada é exacto
igual a um
igual a infinito
onde se tocam princípio e fim
onde os tempos se encontram
sem presente passado e futuro.
A mãe é a lágrima que não seca
no sorriso que não se apaga
a nuvem que chove no sol que aquece
a mensagem da luz e da harmonia
e dos acordes matinais
com que abre o nosso dia.
A mãe levanta-se nas lágrimas da noite
e mesmo cansada
não perde a voz nem a cor da madrugada.
A mãe é a voz que se não teme
a voz que se confia
a voz que tudo diz
nas consoantes do grito
nas vogais do silêncio
nos abismos da agonia.
Mãe
primeira palavra a nascer
a última palavra a morrer.
A mãe é sempre a mesma
a mãe nunca é outra
na sua infinita diferença.
A mãe é criação
a mãe é sempre o fim
da obra-prima inacabada
a mãe nunca é ensaio
nem esboço nem projecto.
A mãe é um milagre
no milagre do mundo
o único milagre concebido
real e concreto.
Chora para que outros riam
ri para que a dor a não mate
mistura-se com a luz das estrelas
para vencer a escuridão
devora as nuvens por um raio de sol.
A mãe é beleza e poesia
aurora fulgurante
aurora adormecida
a mãe é bela porque é simples
porque nasce da silenciosa lógica da vida.
A mãe é fragilidade da semente
a força do tronco
a beleza da flor
a doçura do fruto
o dom de renascer.
A mãe é tudo numa só coisa
AMOR.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20960: Blogues da nossa blogosfera (130): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (46): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P21005: Blogpoesia (677): "Nossas amarras", "O cesteiro das Idanhas" e "Disponibilidade das pétalas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana:


Nossas amarras

Não nascemos soltos e livres.
Trazemos dentro novelos de amarras.
Tolhem-nos os gestos e os rasgos que brotam naturais.
Põem-nos à prova a capacidade de reprimir tendências e inclinações.
Somos híbridos nas nossas manifestações.
Temos ânsias de infinito e de perfeição.
Por outro lado, há chamamentos obscuros que nos apelam.
Nem sempre para o bem e a perfeição.
Temos de chamar a vontade e a razão para refrear nossas inclinações.
Nem sempre boas e puras.
Nascemos com algemas no corpo e na alma...

Mafra, 17 de Maio de 2020
12h48m
Jlmg

********************

O cesteiro das Idanhas

Uma casinha baixa, comprida, ali à face da estrada que vai para a vila.
Existiu ali um cesteiro. Trabalhar o vime era sua arte.
A família ia buscar a matéria-prima na borda do rio. Varas de salgueiro verdes.
Estavam em molhos, encostadas à parede da casa.
A elas recorria para fazer uma giga, um açafate ou, sei lá que mais.
Trabalhava o dia todo. À vista da gente que passava.
Lembro o cheiro forte que se exalava daquelas varas.
Não era agradável.
Mas, a simpatia e a simplicidade tudo suplantava.

A evolução dos tempos destronou o vime.
O malfadado-bem-amado plástico tomou conta de tudo…

Mafra, 17 de Maio de 2020
17h42m
Jlmg

********************

Disponibilidade das pétalas

As pétalas se abrem ao sol.
Se dispõem a tudo.
Se pintam às cores.
Em prole da fertilidade.
Insinuam.
Pintam a manta.
Seduzem insectos.
Buscam o pólen.
Adejam as asas.
Bailam ao vento,
Com véu de rainhas.
Ficam expectantes.
Querem reinar.
Dispostas a tudo,
Enquanto seu viço durar...

Mafra, 23 de Maio de 2020
15h21m
Jlmg
____________

Nota do editor

Último poste da série de 17 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20982: Blogpoesia (677): "Se a vida fosse um mar...", "Tardes suaves" e "Fugir da terra...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21004: Parabéns a você (1807): Rui Gonçalves Santos, ex-Alf Mil Inf da 4.ª CCAÇ (Guiné, 1963/65)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20997: Parabéns a você (1806): Luciano Jesus, ex-Fur Mil Art da CART 3494 (Guiné, 1971/74)

sábado, 23 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21003: Agenda cultural (748): "A Batalha do Quitafine", de José Francisco Nico, Ten-General PilAv. O livro pode ser adquirido através do endereço "batalhadoquitafine@sapo.pt" (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69):

Caros amigos e camaradas.

Acabou de ser publicado o livro "A Batalha do Quitafine". da  autoria do Tenenente General Piloto / Aviador José Francisco Fernando Nico, com quem convivi em perfeita simbiose na Guiné - Bissau entre 1967 e 1969. Eu,  Especialista MMA, ele, Piloto/Aviador, na "Esquadra de Tigres", Fiats G-91.

O livro, ilustrado com fotos e grafismos, relata episódios históricos sobre a Guerra em que muitos de nós fomos intérpretes na então Província da Guiné.

Este é um contexto em que a Força Aérea estava orfã: o seu desempenho em combate no âmbito da missão primária, ou seja na defesa do espaço aéreo da Guiné.

Este é o tema desenvolvido que tem um enquadramento claramente incómodo e desalinhado com os "fazedores da história", sem rodeios e sem molduras.

O General Nico oniciou a sua carreira como cadete na Academia Militar em 1960, sendo brevetado em 1964, após 3 anos de tirocínio...

Voou depois em Tiger Moth, Piper Cub, Chipmunk, C-45, Broussard, Alouette III, Puma SA 330, DO27, T6, T-33, T-37, F-86, Fiat G-91, DC-6, C-130H e Boeing 707.

Dedicou toda a sua vida ao ideal da Força Aérea e cumpriu uma comissão de serviço na Guiné entre 1967 e 1970.

O então Tenente Piloto / Aviador José Nico era um Oficial rigoroso e dedicado.

Em combate, mostrou sempre bravura, coragem e serenidade, apesar do perigo constante da reacção do inimigo; tudo isto, aliado ao seu porte correcto e disciplinado... actuou em missões de reconhecimento fotográfico e visual, bombardeamento, apoio de fogo e escolta de protecção às nossas tropas de superfície e da Marinha.

Este livro é um documento histórico de uma grande riqueza analítica, que relata sem subterfúgios um pedaço indelével das nossas vidas.

Pode ser adquirido através do mail publicado no "flyer" que publico em anexo.

Mário Santos
____________

Nota do editor

Último poste da série de 27 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20910: Agenda cultural (747): "Voando sobre um ninho de Strelas", de António Martins de Matos: 2ª edição, revista e aumentada (Lisboa, Sítio do Livro, 2020, 456 pp.)

Guiné 61/74 - P21002: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (11): O Bando festejou mais um ano

1. Em mensagem do dia 27 de Abril de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, dedicada ainda ao confinamento.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 10

O Bando fez mais um ano


“Num te mexas beilho, não.
Nem gozes a bida, não.
Bais ber o que perdeste,
Ou a merda que fizeste.
Já foste, ó meu Morcão!”

(autor desconhecido)

No final de cada ano, cada individuo devia fazer uma retrospectiva e destacar quais os melhores dias que passou. Pelo que tenho observado, poucas são as pessoas que ultrapassam o registo do número dos dedos de uma mão.

Felizmente que nem eu nem os meus principais amigos pertencemos a essa multidão de morcões que espera pacientemente pela sua “boa horinha do Senhor”.

Ora aqui está uma boa razão para manifestar a minha satisfação por ter vivido mais um ano de alegrias e de bons convívios. Dentre eles, terei que destacar as oportunidades bem vividas junto do nosso Bando.

Com o Bando, saboreamos boa camaradagem, boa amizade e a boa gastronomia, cultivamos os conhecimentos e promovemos o bom-viver.

Visitámos os lugares mais lindos, os mais históricos e os mais sagrados. Apreendemos o nosso Património, revivemos as nossas raízes e recordamos as nossas tradições.

Quinta Sr.ª da Graça

Com o Bando, tanto olhámos deslumbrados o nosso Douro (Vila Real, Régua, Mogadouro, Pocinho, etc.) como convivemos nas fraldas do Barroso, nas encostas do Alvão e do Marão, nas vinhas de Penafiel e da Sr.ª da Graça, nas escarpas da Senhora do Salto e da Serra do Pilar, nas praias do Litoral, nos jardins do Bom Jesus de Braga, de Aveiro, de Ponte de Lima ou no “presépio” de Crestuma.

Galafura - Douro

O Bando assalta o Castelo do Mogadouro

No Big Beef

Com o Bando, fomos ao Museu do Douro, Museu dos Clérigos, Museu Militar, Museu do Gramido, Museu Vivo dos Combatentes, Museu do FCP, Parque Biológico, Jardim Botânico, Museu do Infante, Museus de Vila do Conde, Museu das Conservas da Murtosa, Museu do Montesinho, Museu dos Pescadores de Espinho, Museu Souza Cardoso de Amarante, a Nau Quinhentista, o Isqueiro da Maia, etc., etc..

Na Nau Quinhentista e outros Museus de Vila do Conde

Com o Bando, relembrando os nossos camaradas, fomos ainda ao RAP 2, ao GACA 3, ao Dia do Combatente de Gondomar, ao 10 de Junho de Crestuma e ao 25 de Abril na Régua.

No GACA 3 - Espinho

Com o Bando, percorremos os lugares mais típicos e mais simbólicos da nossa mui digna Cidade Invicta (o Porto, pois claro!), Património da Humanidade. Aqui, cabe referir que beneficiámos da companhia do Bandalho Jorge Portojo, mais que “Doutor” a falar sobre a História Tripeira. Ribeira, Banharia, Sé, S.Bento, Fontaínhas, Batalha, Aliados, Bolhão, Campo 24 de Agosto, Antas, Areosa, Carvalhido, Boavista, Campo Alegre, Palácio, Caldeireiros, Massarelos, Foz, Alfândega, Infante, etc., etc., são pontos de referência permanente e cheiinhos de Histórias. E, no que toca a nomes, ele discorria facilmente sobre as personagens mais sonantes do burgo portuense e arredores. Dava gosto ouvi-lo quando lembrava as origens do Porto e de Portugal, os seus donos na Idade Média, o Infante D. Henrique, a fauna fluvial do Rio Douro, a Ferreirinha, as guerras, as revoluções, os Bispos, o Camilo, o Eça, o Alexandre Herculano etc., etc..

O Portojo gozando das imagens nas alturas (e dos digestivos), no “17º.” do Hotel D. Henrique

E, por fim, em jeito de Almoço de Natal, já fomos contemplar o Porto, através da panorâmica disponível no Restaurante 17.º, do Hotel D. Henrique, fomos à Taberna do Rústico e à Quinta do Costa.




Também com o Bando, saboreámos os melhores petiscos da região nortenha. Seria injusto se não lembrasse:
- O Cozido Transmontano do Pires
- Os petiscos do Regula e do Ramirinho
- O Sável do Vigário de Atães
- Os Rojões do Pinto da Rua dos Polacos
- As Tripas da Rosinha da Marroca
- A Cabra Velha do Súcio
- A Paella do Ricardo de Recarei
- O Leitão da Casa do Casalinho
- O Bacalhau à Liberdade da Churrasqueira das Antas
- Bacalhau com todos no Carpa
- A Carne Estufada de Penafiel
- Chanfana no Pote Velho
- O Magusto da Campeã
- O Risoto do D. Henrique
- Lampreia de Rio de Moinhos
- Arroz de Sarrabulho de Ponte de Lima
- Feijoada da Luísa
- Bacalhau assado no Monte São Felix
- Assado do Big Beef
- Caldeirada na Casa das Enguias (Torreira)
- Posta no Lareira do Mogadouro
- Cabrito no Zeca Diabo de Brunhoso
- Sardinhas no Milho Rei de Matosinhos
- Vitela no Merendola da Maia
- Espetada no Mar à Vista da Madalena
- Lulas com Gambas em Espinho
- A Francesinha na Marisqueira do Porto
- O Polvo no Madureiras
- Caras de Bacalhau no S. Nicolau
- Cabrito refogado na Taberna do Rústico
- Self Service no Choupal dos Melros


Claro que tudo isto só se consegue graças a um excepcional núcleo de amigos ex-Combatentes que, por coincidência, já reuniam no Café Progresso antes de irem para a tropa, para Vendas Novas e, depois, para a Guiné. A eles se juntaram outros habilitados camaradas que, perante boas provas dadas, foram sendo agradavelmente admitidos. Agora, que o Progresso fechou, vão mais ao Piolho, Adega de Chaves, Badalhoca, Calhambeque, Guedes, etc. E chamam-lhe Reuniões de Trabalho.


Sentimos muito a falta dos que já partiram, especialmente a do Fundador do Bando, o Jorge Portojo e a do Bom Professor, o Carlos Peixoto.

Porém, a sua lembrança dá-nos mais força para cada vez mais nos agarrarmos à vida que nos resta.

E porque essa vida está indissociavelmente ligada às “combatentes” que nos têm acompanhado desde a maldita guerra que nos marcou, chegou a hora de lhes darmos maior atenção e maior abertura nos convívios que participamos. Afinal, elas são valentes e sabem mais da guerra que muitos condecorados da nossa Pátria.

Não vamos parar, ó meu!
Nem vamos esmorecer.
Para irmos par’o Céu,
Falta muito que fazer

Se o Covid nos levar
Sem honras, sem orações,
Nunca nos vai apagar
Das boas recordações.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20980: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (10): Feliz em África (em jeito de biografia)

Guiné 61/74 - P21001: Os nossos seres, saberes e lazeres (394): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
Enquanto o viandante percorre as escavações de Herculano e medita neste capricho do destino que foram aqueles bons metros de lava e lama que "congelaram" a existência da cidade e permitem agora este maravilhamento que é percorrer um mundo que se extinguiu há quase dois milénios, pensa-se no Vesúvio, que é muito belo de ver à distância, é imponente e sobranceiro na sua vastidão de rocha vulcânica, há uma rota turística para visitar o Monte Vesúvio, contemplar as suas vinhas com uvas Lacrima Christi que davam um dos melhores vinhos de Itália - é uma beleza terrífica, nas camadas de cinza e nas correntes de lava fica a lembrança de um poder destruidor que mudou a vida em Pompeia e Herculano.
Agora, depois do cataclismo, é o calmo peregrinar por esse mundo perdido, e aplaudir a paciência e a sabedoria dos arqueólogos que desnudam esse opulento mundo perdido.

Um abraço do
Mário


Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (5)

Beja Santos

O viandante sobraça o guia de Nápoles e a costa amalfitana, um daqueles livros onde cabem vulcões, património edificado com museus, igrejas e ruínas, um pouco da história da cidade, lugares onde comer e ficar, shopping e entretenimento. A informação é útil e completa o pequeno guia de Herculano oferecido à entrada do parque arqueológico. A cidade tornou-se parte do Império Romano em 89 a.C., era próspera, contígua ao mar e quando em 79 d.C. a erupção do Vesúvio soterrou Pompeia cobriu igualmente Herculano com uma camada profunda de lava e lama, acabaram por ser o prodigioso elemento que levou à conservação destas escavações que estão patentes ao público e que, insista-se, são uma parte minoritária da primitiva Herculano. Olhando à volta, pergunta-se com tanto casario a rodear estas escavações, o que será possível fazer mais. O que é pena, veja-se a beleza que as escavações oferecem e imagine-se o muito que ainda há para ver. Logo a seguir, a imagem num estabelecimento que servia comida, não esquecer que era prática romana almoçar fora de casa, deviam ser fogareiros que permitiam servir à ilustre clientela um buffet quente, era assim o takeaway do Império Romano.


A visita a Herculano, tal como a Pompeia, permite conhecer as divisões da casa, o átrio, com a sua parte central que recolhia a água da chuva, o impluvium, as paredes decoradas, a sala de estar, também decorada, o tablino, que estava situado entre o átrio e o peristilo (jardim rodeado de pórticos ou galerias com colunas). Os dormitórios davam pelo nome de cubiculum. Os elementos religiosos eram recorrentes, os romanos tinham os seus deuses domésticos, os manes.



O viandante entra agora numa casa chamada a Herma de Bronze (uma herma é um busto sem braços assente num pilar), este senhor seria o dono da casa, impressiona muito.


Em Herculano todas as habitações escavadas têm nome: a Casa de Aristides, a Casa do Esqueleto, a Casa do Albergue, a Vila dos Papiros (não está patente ao público, sabe-se que inspirou a construção do museu Jean Paul Getty em Malibu, Los Angeles), o viandante fica intrigado, gostava de saber mais, segue em diante, vai a outras casas, entra na sede dos sacerdotes augustais, é de uma rara beleza, descodifica um pouco a prática religiosa romana. Para os libertos, antigos escravos, o facto de se poderem transformar em sacerdote augustal dava-lhes ascensão social. Tinham então um colégio consagrado ao culto do imperador Augusto, que se situava na área do fórum, o local onde se desenrolava a vida política, religiosa e comercial da cidade. O que mais impressiona são os seus frescos. As outras casas que se podem visitar dão-nos conta da organização do espaço doméstico, como se pode ver na imagem seguinte.





Herculano revela estabelecimentos, casas com átrio repleto de mosaicos, casas com varandas de madeira, com jardins, com entradas repletas de colunatas, há mesmo uma casa com átrio coríntio, outra que possui um grande portal. Impressiona o ginásio que é um gigantesco complexo arquitetónico destinado a atividades desportivas. Só uma parte do edifício foi alvo de escavações, o que se pode ver em colunas é de cortar a respiração. Neste ponto da visita considera o viajante que é bom saber que todo este reboco foi restaurado, as ruínas de Herculano estão a céu aberto, desapareceram as proteções em pedra, durante os restauros acordou-se em fortalecer as paredes para evitar mais deteriorações. É uma operação de conservação que garante uma longa vida para estes achados arqueológicos que fazem parte do património da humanidade.




No termo da visita, o viandante foi conhecer as réplicas das tais ossadas de alguma gente que fugia espavorida do inferno vulcânico, carregada dos seus haveres, numa efémera tentativa de se salvarem no mar, o que não aconteceu. Com a barriga a dar horas e meditando nas partidas do destino e nas erupções vulcânicas que não escolhem idades nem ricos e pobres se põe termo à visita a Herculano. Resta ir comer, flanar pela baía de Nápoles, entrar nos bairros populares e descansar o corpinho, amanhã é dia de partida para a costa amalfitana, caminhar até Ravello.


(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 16 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20979: Os nossos seres, saberes e lazeres (392): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 22 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20999: Os nossos seres, saberes e lazeres (393): Diário de um confinado (... mas não condenado) (José Saúde, Beja, abril de 2020)

Guiné 61/74 - P21000: PAIGC - Quem foi quem (13): Areolino Cruz, professor do ensino primário, que alegadamente terá perdido a vida ao tentar salvar os seus alunos durante um bombardeamento, em Cubucaré, em 17 de fevereiro de 1964 (Cherno Baldé / Jorge Araújo)


Fundação Mário Soares > Portal Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > Pasta: 07065.084.016 > Título: Requisição de material de ensino > Assunto: Requisição de material de ensino, assinada por Areolino Cruz, para a zona Sul > Data: Quarta, 22 de Julho de 1964
Citação:
(1964), "Requisição de material de ensino", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40014 (2020-5-22)

1. Troca de comentários ao poste P20994 (*);

(i) Cherno Baldé:

Estas cartas mostram, se dúvidas existissem, quão difícil foi iniciar a luta na zona Leste, pois eles (os guerrilheiros) estavam mais aterrorizados do que as populações civis a quem deviam aterrorizer e meter medo: tinham que passar todo o tempo escondidos no mato, porque se fossem detectados pela população eram presos e apresentados as autoridades coloniais.

As cartas sobre o ataque a Pirada e sabotagens [pontes, linhas telefónicas,,,], provavelmente, nada seriam do que um "bluff", para mostrar, à direcçao superior do partido, alguma acção no terreno, porque na verdade tinham imensas dificuldades de movimentaçao e abastecimentos e não podiam contar com o apoio da população local.

Esta situação de desespero criou no partido o sentimento anti-fula que resultou depois no genocídio dos líderes desta etnia no pós-independência.

O Areolino Cruz é hoje  considerado herói nacional [, tem nome de rua em Bissau e nome de liceu regional/escola secundária em Catió].

Desse grupo de guerrilheiros, penso que só Chico Té [ , Francisco Mendes,]  assistiu à independência em 1974.

O Areolino Cruz foi professor numa escola da região de Cubucaré (no Sul do país) onde morreu durante um bombardeamento no dia 17 de Fevereiro de 1964, dia festejado na Guiné Bissau como o dia do Professor em homenagem à sua morte.

Quanto ao Yaya Koté, a grafia do seu nome indica que é natural ou naturalizado no Senegal, podendo ser descendente de pais de origem Guineense, pois a grafia portuguesa na Guiné portuguesa seria Iaia Coté, portanto diferente. Seria daqueles aventureiros que se juntaram ao movimento,  contando com a rápida independência do território, mas que depois se afastaram em virtude das dificuldades encontradas no terreno...Fazia de elo de ligação com os elementos de Dakar, facto que confirma a sua facilidade de movimentos no Senegal.

Quanto ao tal Demba... Não se trata do mesmo Demba, criado do [comerciante de Pirada,] Mário Soares, este ninguém o tirava da mesa do M. Soares, muito menos para ir morrer de fome no mato. Se calhar morreu depois da partida do patrão em 1974/75.

O Demba mencionado na carta, fazia parte do grupo dos poucos fulas que, no início, o PAIGC conseguira mobilizar para a guerrilha no Senegal, mas que, de seguida, abandonariam o barco devido às dificuldades e à feroz perseguição de que foram alvo no Chão fula.

(ii) Luís Graça:

Estes documentos de 1963 são bem elucidativos das tremendas dificuldades por que passou a guerrilha do PAIGC no chão fula, em especial no Gabu... Pirada (e não só) era um sítio hostil...Já em Bambadinca e Xime havia importantes núcleos balantas... como Nhabijões, Samba Silate, Poindom...


(iii) Cherno Baldé:

Contrariamente ao que se possa pensar, em Bambadinca e Xime a semente da rebelião não estava na população Balanta (vítima do seu caracter rebelde e belicoso), mas sobretudo entre os ponteiros mestiços e assimilados (Guinéus e Caboverdianos) das familias dos Semedos e Pereiras que detinham grandes extensões de terras agrícolas e que utilizavam os Balantas como mão de obra nas suas pontas (as tais pontas do Inglês, entre outras). 

No inicio as autoridades militares não conseguindo fazer uma leitura correcta da situação, perseguiram e massacraram muitos inocentes apanhados no meio e assim conseguiram empurrá-los para o lado da guerrilha.

(iv) Jorge Araújo:

Caro Cherno Baldé: Antes de mais, os meus agradecimentos pelas informações complementares ao meu texto acima. São sempre achegas oportunas e relevantes, que ajudam à compreensão do(s) contexto(s)

[...) Quanto ao assunto relacionado com a morte do Areolino Cruz (e não Aerolindo):

Referes que "foi professor numa escola da região de Cubucaré (Sul do país) onde morreu durante um bombardeamento no dia 17 de Fevereiro de 1964 [último dia do I Congresso do PAIGC], dia festejado na Guiné-Bissau como o dia do Professor em homenagem à sua morte”.

Porém, em consulta aos meus apontamentos, verifico que em 17 de Junho de 1964, ou seja, quatro meses depois, Amílcar Cabral manda-o apresentar ao Nino Vieira, com uma guia de marcha, onde consta:

“Vai o camarada Areolino Cruz apresentar-se ao camarada João Bernardino Vieira (Nino) na zona 11, para ser integrado nos serviços de instrução (ensino) no chão dos Nalus.

"O camarada Areolino Cruz, que era estudante e tomou parte activa no complô contra o Partido, está sujeito a uma sanção suspensa de expulsão do Partido. Por isso, não tem quaisquer direitos de membro do Partido e deve ser rigorosamente controlado pelos responsáveis. Deve ser enviado um relatório mensal sobre a sua conduta, ao Secretário-Geral.”

Fonte: Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40246

Será que se trata da mesma pessoa?

(v) Luís Graça:

Mito ou não, o Areolino Cruz é descrito, na “hagiografia” do PAIGC, como um professor que perdeu a vida ao tentar salvar os seus alunos durante o bombardeamento de Cubucaré, no dia 17 de Fevereiro de 1964...

É um dos heróis nacionais, "combatente da liberdade da Pátria"... E os guineenses, como todos os povos, "precisam de heróis". de exemplos inspiradores... Tem nome de ruas, de estabelecimemtos de ensino, etc.

Mas o que passou realmente com este Areolino ?

Também já tinha dado conta, no Arquivo Amílcar Cabral, do "anacronismo" apontado pelo Jorge Araújo... Ele morre, estranhamente, no último dia do Congresso de Cassacá, no Cubucaré, em 17/2/1964... E em 17 de junho do mesmo ano, Amílcar Cabral manda-o, de castigo, com "guia de marcha",  para o sul, para ser "reeducado" pelo 'Nino' Vieira ?  Afinal, onde é que ele estava ?

Pode ser um erro de dactilografia, um erro no ano... Mas podia ser 17/6/1963 ? Nessa altura está em Pirada e é co-autor da carta de 10 de julho de 1963, transcrita pelo Jorge Araújo...

Já agora, de que chão seria o Areolino Cruz ? Manjaco ?

No portal Casa Comum / Fundação Mário Soares, encontrámos o seguinte documento, da época colonial (1933), que faz parte hoje do arquivo do INEP / Bissau, e que fala de um "arrolador" (recenseador) de nome Areolino Cruz, talvez um antepassado do homónino, combatente do PAIGC... Pai ? Avô ? Bisavô ?.

Instituição:
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau
Pasta: 10426.215
Assunto: Solicita envio dos elementos do arrolador Areolino Cruz.
Remetente: António Pereira Cardoso, 1.º oficial, Direcção dos Serviços e Negócios Indígenas
Destinatário: Administrador da Circunscrição Civil de Canchungo
Data: Sexta, 3 de Novembro de 1933
Fundo: C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas
Tipo Documental: Correspondencia
Cota Original: C1.6/13.215

http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10426.215

(vi) Cherno Baldé:

Caro Jorge Araujo,

Pode haver algum problema com a data oficial da sua morte em Cubucaré, que não sei explicar, é bem provavel que tenha sido um ano depois, em 1965.

De notar que, alguns meses depois da sua passagem por Pirada e arredores,  documentada pelas cartas publicadas neste Poste (*), o Areolino (Lopes) da Cruz seria enviado à URSS para continuar seus estudos e em finais de 1963 (Setembro e Outubro) ele escreve aos irmãos Cabral (Luís e Amílcar) da cidade de Leninegrado onde estava a frequentar a Faculdade preparatória da lígua Russa. Todavia, sabe-se que depois houve problemas no seio dos estudantes sobre questões políticas, nomeadamente sobre a difícil questão da luta no interior e sobre a unidade Guiné/Cabo-Verde. (Fonet: Arquivo da Casa Comum)

Tudo leva a pensar que se trata do mesmo individuo que, infelizmente, terão mandado regressar e transferido para uma escola do Sul, na zona 11, como referiste na nota, para ser cuidadosamente observado, tipico dos métodos estalinistas usados pelo PAIGC durante e apás a luta.

(vii) Jorge Araújo:

Caro Cherno Baldé,

Obrigado pelas notas supra. Algumas delas já estavam incluídas nos meus apontamentos, pois fazem parte do espólio documental do Arquivo de Amílcar Cabral, disponível na Casa Comum, onde a sua consulta é pública.

Perante a ausência de informações concretas, sobre as questões em aberto, significa que este dossiê não ficará fechado, aguardando por novos/outros desenvolvimentos. Até breve.

(viii) Luís Graça;

No livro de Norberto Tavares de Carvalho, "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita" (Edição de autor, Porto, 2011, 303 pp) (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11), há uma informação detalhada sobre "guerrilheiros caídos no campo da honra" (Parte V). São duas dezenas, entre eles o Areolino Cruz.

Diz Bobo Keita,  na pág. 242:

 (...)"pertencia a uma família bem conhecida em Bissau. Indivíduo bastante instruído, foi para a luta e o seu desejo foi sempre o de trabalhar no domínio da educação. Era responsável pelo setor de educação no Sul (...). Ocupava-se do enquadramento e da educação dos jovens na escola primária. Morreu durante um ataque inimigo apoiado pela aviação. Foi violento".

Não diz o o local e a data da sua morte. (**)
_______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 20 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20999: Os nossos seres, saberes e lazeres (393): Diário de um confinado (... mas não condenado) (José Saúde, Beja, abril de 2020)




Beja > Abril de 2020 > O Zé Saúde... "confinado mas não condenado"

Fotos (e legenda): © José Saúde (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Mensagem do José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74), jornalista e escritor, residente em Beja, com 190 referências no nosso blogue:

Data: 15/05/2020, 17:35 
Assunto: Diário de um confinado



Luís, boa tarde

Tu, como administrador do nosso blogue, entendes que a temática que escrevo tem cabimento no nosso espaço?


Todos vivemos a preocupação do covid-19, e todos falamos a mesma linguagem de uma pandemia que por ora nos aflige.

O texto é longo e tem três fotos e foi feito a 20 de abril. Deixo isto ao teu critério, se entenderes publica. Ah, falo também de dois camaradas nossos por terras guineenses.

Abraço,

Zé Saúde


Diário de um confinado
por José Saúde

O confinamento que o Covid-19 obrigou!

Somos ínfimas partículas de um universo onde a banalidade dos acontecimentos proliferam, sendo a sua arquitetura surreal construída em peças soltas que ditam fins pressupostamente engendrados e cuja aritmética final baterá sempre certa desde que a conjetura derradeira da prova seja pautada pela exiguidade e o seu fim se apresente estritamente compreensível. 

Agora, confrontado com uma perspetiva inimaginável, o mundo depara-se com uma epidemia que não conhece fronteiras, raças humanas, credos, religiões, natureza das línguas, cores, estratos sociais ou políticos, enfim, um flagelo de consequências ilimitadas que obrigam o mais vulgar cidadão cosmopolita a resguarda-se de um inimigo invisível que dá pelo nome Covid-19.

Nasci no dia 23 de novembro de 1950 em Aldeia Nova de São Bento, concelho de Serpa, distrito de Beja, Baixo Alentejo.  e no universo celeste de então ainda se falava dos sórdidos alaridos dos sons das armas com as quais os desavindos combateram na Segunda Guerra Mundial a qual ocorreu entre 1939 e 1945. Depois, com a Europa praticamente destroçada, procedeu-se à sua renovação, assistindo-se às emigrações em massa de gentes que procuravam melhores situações financeiras além-fronteiras.

O mundo perante a devastação territorial observada, soube evoluir e a era das máquinas trouxe uma outra performance a uma sociedade que reclamava bem-estar e sobretudo pão para colocar na mesa de famílias famintas que viviam confinadas aos magros salários entretanto auferidos. Da carroça puxada, à época, por uma parelha de animais, às novas máquinas foi um passo gigante, seguindo-se o inovado tempo dos tratores, dos automóveis e sobretudo de uma enorme alteração infraestrutural quer do mundo rural na sua plenitude, quer do urbano.

A humanidade desenvolveu-se, conheceu a expansão das cidades, vilas e aldeias, assim como as novas técnicas industriais e, por outro lado, soubemos, in loco, o quão difícil foi a funesta guerra colonial nas três frentes de combate – Angola, Moçambique e Guiné – onde estiveram envolvidos cerca de 800 mil jovens soldados, intitulados como “carne para canhão” e de onde resultaram 100 mil feridos, 30 mil evacuações e perto de 10 mil mortos.

A evolução entrementes deparada não parou e cresceu desalmadamente no tempo e no espaço, o homem foi à lua, desbravou campos aéreos, implementou novas dinâmicas e chegou ao ponto de denominar tecnologicamente um qualquer espaço independentemente do local onde porventura este se situe. Carrega-se num botão e de repente eis-nos em contacto direto e visual com um outro amigo que se encontra do outro lado do globo terrestre. Acrescesse que as cenas cinéfilas a preto e branco do passado deram lugar à cor e o mundo evoluiu compreensivamente.

Aliás, tudo mudou radicalmente. Na minha singela opinião o universo confronta-se com uma presumível “Terceira Guerra Mundial”, mas sendo esta biológica, química e nuclear. A mãe Natureza é imutável e, quando o homem se fixa no interior de um casulo onde o eu se sobrepõem ao nós, eis que o desfecho tem efeitos tremendamente desastrosos. É o covid-19 a causar danos irrecuperáveis.


Retido em casa

Encontro-me retido entre as paredes de uma casa onde o vazio é uma arma de arremesso que me coloca, felizmente, ainda na prateleira dos seres viventes. Desabafo com os meus botões e eles, embora murmurando de baixinho, respondem-me com altivez: não tombes, transmite-me o mais voluntarioso companheiro no alto da sua irreverente dignidade e eu, obediente, volto a reerguer-me. Vivo só e as visitas, não sendo diárias, dão-me alento para reencontrar o caminho seguro do amanhã.

A minha rotina do dia-a-dia passa pelo levantar cedo, cerca da sete da manhã, como aliás sempre foi costume, tomo banho, desfaço a barba, umas vezes visto-me como se fosse para sair, outras fico em pijama, delicio-me com o meu pequeno almoço e parto para mais uma jornada de trabalho. Ligo o computador e é nele que passo parte dos meus dias de ócio.

Aproveitando a razão de um confinamento imposto pelas entidades oficiais, que se aceitam plenamente, lá vou “matando” o tempo com a escrita, lendo e ouvindo as últimas notícias emitidas pelos canais televisivos. As informações todas elas recaem no covid-19 e das sequelas que o dito cujo proporciona numa sociedade onde os velhos são os mais fustigados, dado que a sua fragilidade é naturalmente superior. X mortos, y de novos casos e w de recuperados.

Creio que o medo que a determinada altura se apoderou da minha pessoa, está diretamente relacionada com o AVC que há quase 14 anos me flagelou, na madrugada do dia 27 de julho de 2006, e que tentou levar-me para o além quando nada o fazia prever. Logo, a minha condição patológica acarreta cuidados redobrados. Sou, portanto, uma das pessoas de alto risco, daí que as minhas filhas, Marta e Rita, diariamente me telefonem para saberem o meu estado de alma.

A Marta vive no Montijo e por volta das 10 horas da manhã, faz o primeiro contacto repetindo o feito ao longo da tarde. A Rita utiliza o mesmo método, para além das visitas onde me traz a comida que consumo em horários considerados adequados. Aqui fica também o profundo obrigado ao meu genro, Paulo Paixão, sendo que ambos se ocupam da missão ao trazerem-me os preciosos bens alimentícios. Aliás, desde que estou confinado a uma casa cheia de nada, é comum às segundas-feiras tanto a Rita como o Paulo trazerem-me o “avio” para a semana.

Uma outra presença, mesmo não sendo constante, é a do meu amigo Chico Fonseca, também ele um camarada na guerra da Guiné que, equipado com uma máscara,  me traz algumas das novidades postas a circular nas ruelas citadinas acerca do covid-19. Numa destas recentes quintas-feiras, 17 de abril, lá me trouxe uma remessa de encomendas para aconchegar na minha dispensa e outras que foram a caminho do frigorifico. A ele estou-lhe verdadeiramente grato.

De resto recebo telefonemas, outras vezes a iniciativa é minha, dos meus amigos Otílio, Zé Cano Brito, Machado, Fernandes, Joaquim Catrapona, Dorival Xavier, Manel Serra, de entre outros que esporadicamente me perguntam sobre o meu estado moral, o que aliás muito agradeço, como foi o caso do Toinho no passado dia 15 de abril. Aqui deixo também o meu bem-haja à minha prima Anazinha, residente em Almada, que nunca se esquece de fazer o favor em me ligar. Ou não fosse a nossa amizade uma espécie de irmãos de sangue.

A lida da casa

Os afazeres de casa foi coisa que nunca me perturbou a mente. Sabendo-se que a minha condição física é limitada, a mão direita resolveu um dia declarar-se ausente às tarefas, utilizo somente a esquerda, aquela que é hoje a minha idolatrada rainha, ponho a mesa, lavo a loiça e volto a colocar os utensílios utilizados no seu lugar. 

Para além destes afazeres diários, faço máquinas para lavar a roupa, estendo-a e passo-a a ferro. Reconheço que o cansaço é, amiudamente, confrangedor dado que a diminuição física acarreta alguns contratempos, mas a minha voluntariedade, assente essencialmente numa enorme ânsia de viver, não me faz recuar perante os obstáculos que me surgem pela frente. O fazer a cama, por exemplo, é uma outra tarefa quotidiana de que não abdico.


Saudades da convivência social

É óbvio que tenho saudades da convivência social e aceita-se que assim o seja. Dos finais de tardes passadas na companhia dos amigos Zé Pardal, um velho companheiro e e também ele camarada da Guiné, Manel Vilão, Fernandes, Léi Marujo, Manel Augusto, Manel Aleixo, Chico do Talho, como é conhecido, Pepe, Correia e Zé Horta, ou do simpático Rui Torres, um rapaz com trissomia 21 que amavelmente se aproxima de nós, sendo a nossa reação de aproximação entendida como profícua, de entre outros companheiros que se juntam connosco à mesa do Café Caixinha, no Bairro de Santa Maria, em Beja, onde a cordialidade do Vítor e da Sandra é digna da nossa afeição, enfim, ali se dispersam um rol de conversas que tempo, já com tempo, dissemina a uma velocidade estonteante.

Tenho também saudades em conduzir o meu carro estrada fora e desbravar os dias solarengos de uma primavera onde o mês da abril nos envia para os tempos em que se conquistou a liberdade no ano de 1974 com a Revolução dos Cravos. Mas este abril nasceu sob o signo do confinamento, um confinamento que aleatoriamente leva o ser humano a um monumental cansaço psicológico reclamando-se laivos de liberdade, não obstante as regras que determinam a razão de o ficar em casa. Todavia, uma luz ao fundo do túnel aconselha-me que lance um grito de “Ipiranga” e soletre calmamente a expressão: quero ser livre, quero abraçar, apertar a mão e beijar, sobretudo os meus netos!

Liberdade

Através dos vidros da janela de um segundo andar vejo movimento, embora limitado, de pessoas em circulação numa rua que acusa uma suprema falta de trânsito. Algumas, poucas, criaturas segurando a trela de animais de estimação, outras com sacos de compras, ou de lixo para jogar para o contentor, outras em carros que se preveem serem gente em trabalho, e eu em casa amarrado ao mui digno conceito que acusa falta de uma liberdade plena.

Olho, atentamente, as fotos dos meus cinco netos que faço questão em manterem-se por perto e à noite contemplo-me com uma videochamada onde nos permite um encontro virtual. Avô e netos reencontram-se à distância porque a liberdade das novas tecnologias permite-nos trocar dois dedos de conversa. Ou quando à socapa vou vê-los, eles na varanda e eu cá em baixo na rua, e com a minha neta Ritinha, na inocência dos seus quatro aninhos, lançando-me o alerta: “avô, vai para casa porque o coronavírus é perigoso”! Tem razão. O avô cumpre.

Com o breu da noite a reclamar descanso parto rumo ao meu leito, seguindo-se uma noite desassossegada por via de um rol de sonhos que teimam em não me aluviar de um stressante dia onde uma imensidade de fantasias me ocorrem amiúde.

Sequioso da liberdade, remeto-me a incentivar o mais incauto cidadão que o tempo que por ora vivemos requer cuidados e sobretudo respeito por nós e pelos outros, porque só assim levaremos no futuro, que se requer próximo, a carta a Garcia.

Soltem as amarras do medo

Sim, é perfeitamente admissível que neste diário de um confinado lance o meu estridente e solidário grito de alerta o qual se encontra perfeitamente enquadrado com a questão sanitária que se abateu sobre o povo: soltem as amarras do medo e viajemos com segurança pelo interior de uma sociedade farta de estar em casa, sabendo-se de antemão que os tempos que sobram passam pela tenaz luta contra um inimigo cujo paradeiro é literalmente marcado pela sua invisibilidade. É, no fundo, o assistir a uma peleja desigual visto que do outro lado da trincheira existe um outro guerreiro, com rosto, nós, que foi apanhado na cilada sem que nada o fizesse prever.

Neste subtil contexto, fica o solidário aviso de um ermita que recusa perentoriamente atirar a toalha ao chão porque a vida, sendo efémera, vale a pena ser vivida. Cuidem-se, porque o barco em que navegamos é o da solidariedade e nele jornadeiam ricos, remediados e pobres, logo pronunciemos com firmeza que o momento é de união e não de discórdia, já que o covid-19 bate às mais diversificadas portas, sejam elas a da ostentação ou a da pura humildade!


Almoço do confinado

Neste permanente deambular à volta de uma mesa onde os bens alimentícios são trazidos não só pela minha filha Rita como também pelo meu genro Paulo, hoje, 22 de abril de 2020, o estômago do confinado nutriu-se com um bacalhau feito no forno, cujo paladar foi abençoado com um copo de vinho da região e pão de São Miguel do Pinheiro.

Para compor a refeição fiz uma salada com tomate, pepino e cebola, regada com azeite e vinagre e, por fim, uma laranja. Convém deixar vincado que arranjar todos estes ingredientes comestíveis dá-me um imenso trabalho. Só com a mão esquerda a funcionar, o serviço, parecendo fácil, de facto para mim não o é. Mas pronto, lá puxo pelas ferramentas escondidas e por fim dou graças por mais um obstáculo vencido.

As notícias

As notícias sobre o covid-19 caem em catadupa. Todo o mundo, o que é absolutamente normal, fala da epidemia. As conversas cruzam-se a uma velocidade estonteante. O medo instalou-se e a sociedade parece martirizada a um confinamento que tarda em conhecer o seu fim.

Reconheço que o covid-19 trouxe uma forma mais real para o ser humano se reencontrar com a veracidade da vida. A monstruosidade de efeitos provocados pela mão do homem neste imenso globo, trouxe catastróficas condições existenciais que levaram a própria Natureza a reclamar a razão pela qual é mãe.

É óbvio que a epidemia conhecida terá tido uma outra razão. Daí a desigualdade conferida na essência da mortalidade. Vejamos: racionalmente conhecemos que os mortos, quase na generalidade, são pessoas cujas idades se situam acima dos 70 anos. É a terceira idade a ver-se confrontada com tamanho mal. Aliás, numa observação atenta no capítulo mundial, verifica-se que os mais idosos são aqueles que sofrem na pele um destino que se apresenta como lógico. Os Lares são espaços que merecem uma maior atenção.

Falando com os meus amigos, pessoas que se situam já casa dos 70, ou próximo desta idade, pois todos na generalidade para lá caminhamos, observo medo neste covid-19. Mostram-se apreensivos e ninguém ousa traçar o caminho do futuro com convicção. Ou seja, projetar o dia de amanhã em segurança. Resguardados em casa limitam-se ao convívio caseiro e nada de visitas. Todos, já com netos, lá vão mendigando a presença dos seus descendentes, todavia, o dever do confinamento e da aproximação lá vai ficando colocada na prateleira dos desejos.

Neste contexto, as notícias não são animadoras. Fiquemos, pois, com a esperança que tudo passará, sabendo-se que nem tudo será como dantes, pelo menos ao dia em que existir uma vacina que “derrube” o maldito covid-19.

Os medos

Confesso, convictamente, que ninguém é herói nesta epidemia que infelizmente nos flagelou. Nos meus elevados 69 anos conheci as mais díspares situações que fizeram o mundo evoluir. Conheci o mau e o bom. Conheci uma outra guerra em que existia um inimigo com qual lutávamos nas frentes de combate. Sim, estive no conflito armado na Guiné, onde assisti a caóticas situações. Camaradas que morreram, outros estropiados, outros psicologicamente atrofiados, outros que passaram imunes às balas que felizmente lhe passaram ao lado, ou a uma mina que rebentou fora da sua área de ação, ou a um flagelamento ao quartel onde tinha sido depositado, enfim, a malfadada guerra aqui era uma outra.

Mas, atualmente, a guerra é contra um inimigo sem rosto e onde a sua invisibilidade acarreta problemas acrescidos. Tenho medo? Sim, porque os medos aqui são literalmente tidos como incertezas do amanhã.

A minha esperança, que é a de todos, que estes medos que ora nos angustiam sejam convertidos em auréolas de felicidade num futuro que esperamos seja risonho.
__________

Guiné 61/74 - P20998: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (3): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Dá-se sequência a um conjunto de esboços de um romance que não chegou a ver a luz do dia, houve um baralhar e dar de novo, a partir de 2006, quando voltei à fala com o Luís Graça, e me comprometi a pôr por escrito o meu diário, deixei no limbo todos os projetos anteriores, seja o que vivi na experiência açoriana, seja na ficção que me ocorreu, e ponho as mãos sobre os livros sagrados como magiquei estes amores que culminaram na Rua do Eclipse. E confesso que me dá prazer rememorar este projeto e as pessoas que o envolviam, reais ou ficcionadas, e que nem lhes passa pela cabeça como estão a ser movimentadas nestes tilintares de memória.
Continuemos, era suposto haver muitíssimo ainda mais para dizer.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (3): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Paulo Guilherme, agradeço-lhe os seus telefonemas, são sempre bem-vindos, são esclarecedores do que pretende para o arranjo do romance que está a organizar, espero não o dececionar com a minha colaboração. Estudei vários meses em Lisboa, para dominar com fluência o português, antes do 25 de Abril frequentei um curso de férias na Faculdade de Letras, nessa altura já trabalhava como intérprete, usando as minhas línguas nativas, o francês e o neerlandês, mais o alemão e o inglês, só mais tarde me decidi pelo espanhol e o português. Foi nos estudos em Lisboa que me apercebi da profundidade da vossa cultura, e pode imaginar a alegria que senti há alguns anos atrás, precisamente na Europália 1991, dedicada a Portugal, passei fins de semana nas vossas exposições em várias cidades da Bélgica. Consegui a custo entrada para a exposição do Triunfo do Barroco, no Museu Nacional das Belas-Artes, fiquei abismada com a sumptuosidade das obras apresentadas, já conhecia o Museu dos Coches, mas aquelas carruagens que D. João V mandou ao Papa, ainda por cima bem restauradas, foi um assombro. Estive também na exposição De Goa a Lisboa, visitei-a antes do Natal desse ano, também guardei o catálogo, estava perto do Museu Nacional das Belas-Artes, no Banque Bruxelles Lambert, dedicado à arte indo-portuguesa dos séculos XVI a XVIII, não sabia da importância de S. Francisco Xavier, de toda aquela arte religiosa em marfim, os cofres, os relicários, as imagens dos santos, as alfaias religiosas, os paramentos e até o mobiliário, foi outra completa surpresa, a vossa presença no Oriente deu aquela síntese com as tradições milenares indianas.

Não deixo de refletir como nós, os europeus, que caminhamos para uma maior aproximação do nosso destino comum, temos uma irradiação universal: os portugueses em África, no Brasil e em regiões do Índico, até na China e no Japão; os espanhóis no continente americano; sabemos por onde se fixaram os britânicos e os franceses; assimilámos a cultura greco-latina e as suas desvairadas proveniências; aos holandeses, não podemos subestimar a sua presença comercial em dois oceanos; e se virmos com atenção, os povos nórdicos também se espalharam, misturando-se com eslavos, procurando até conquistá-los. Somos um continente com algumas fronteiras bem precisas mas temos o privilégio de todos estes cruzamentos, em todos os continentes. Tomei nota da sua observação das imisções culturais do que é hoje a Bélgica, a nossa arquitetura é por um lado genuinamente flamenga e francesa. Mas há o passado, e gostei muito que me tivesse falado de Saint-Géry, temos vestígios da presença romana, o bairro era percorrido pelo rio Senne que, como bem sabe, foi todo abobadado do século XIX para o século XX, quando Bruxelas perdeu o ar medieval e passou a ter um traçado urbanístico de grandes boulevards. Ainda bem que gostou da requalificação do Mercado de Saint-Géry, terei muito gosto de na sua próxima viagem irmos lá tomar uma bebida.

Percebo o seu fascínio pela cidade. Não é por acaso que eu vivo aqui, neste ponto central, permita-me que lhe fale um pouco da minha história. Sou de origem judia, o meu pai chegou a ser dirigente do Partido Comunista da Bélgica, foi preso quando as tropas alemãs aqui chegaram. Nasci em 1944, em Marolles. Maman, de nome Juliette, deu-me à luz na comuna de Ixelles, no exato momento em que os alemães procuravam os últimos judeus para os recambiar para Leste, não havia ilusões de que era para os exterminar. O meu pai falou com um casal católico de Marolles, eu fui para lá e registada com o nome deles. Maman e a minha meia-irmã de seis anos, Ester, conseguiram, através de uma viagem audaciosa, chegar à Suécia, regressaram em julho de 1945. O meu pai ficou muito combalido pelo que passou na prisão, voltou ao ensino e foi com muita dor que assistiu ao definhamento do Partido Comunista, morreu amargurado. Tive bolsas de estudo, muito cedo descobri esta inclinação para as línguas, parece ser uma propensão natural dos judeus. Como o Paulo Guilherme, gosto muito de Arte e percorrer os mercados de velharias. Ciente de que nos encontraremos mais vezes, pelas razões do seu livro, vou preparar um roteiro com alguns passeios, por exemplo, há visitas guiadas a Marolles e a Saint-Gilles, há os passeios Arte-Nova, temos quase cem museus para visitar, é tudo uma questão de tempo e disponibilidade. Durante aquele nosso almoço referi-lhe que sou obrigada a constantes deslocações, embora uma boa parte da minha vida se passe nos bairros Léopold e Europeu, reuniões da Comissão e do Parlamento, vou ao Luxemburgo, há as conferências internacionais de todos os Estados-membros, dão-me jeito por causa das ajudas de custo, tenho muitas vezes os fins de semana tomados. Mas tudo se há de conciliar para conversarmos, ainda bem que gosta de passear, a minha mãe vive na comuna de Saint-Josse, depois de Madou, numa pequena moradia na Avenida Georges Pêtre, vamos buscá-la, podemos ir até Waterloo, que me disse que não conhece, será o nosso primeiro passeio.

Falemos agora do seu trabalho, vamos deixar essa paixão ficcionada para mais tarde. Há aqui uma mistura entre a realidade e a ficção, como aliás me tem observado nas conversas telefónicas, e não lhe quero esconder o assombro que me provoca aquelas descrições da sua guerra colonial. Como me pede sugestões, gostava muito que o Paulo Guilherme me descrevesse as razões que o levaram a decidir ir à guerra, já que era contra ela. Não entendi bem o que me disse que rapidamente se aclimatou a viver muito bem com a população e com os seus soldados, não percebi se havia um quartel de um lado e um aglomerado de habitações nativas ali perto, pelo que me descreve parece que tudo se mistura. Parecendo que não, esse seu esclarecimento pode tornar, permita-me a apreciação, o seu relato mais interessante e aproximativo entre o tal português que vem trabalhar a Bruxelas e que se rende incondicionalmente de amores por uma mulher que tem o seu coração livre mas quer saber tudo sobre o passado dele, quer entender como aquela guerra tão violenta lhe mudou a vida, como ele tão insistentemente proclama.

Não se esqueça de me confirmar os seus planos de viagem. Os seus telefonemas são recebidos com o maior agrado, acredite, mas se possível telefone-me sempre antes das dez horas, não se esqueça que há vezes em que saio de casa às cinco e meia da manhã, quando vou trabalhar no Luxemburgo. Bem para si, muito bem para si, Annette.



Les Halles de Saint-Géry

Interior de Les Halles de Saint-Géry

Annette foi trabalhar para Antuérpia e manda uma imagem da Grand-Place


Imagens da Feira da Ladra de Bruxelas, Place du Jeu de Balle

Num bairro típico de Bruxelas, Marolles

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 15 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20975: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (2): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P20997: Parabéns a você (1806): Luciano Jesus, ex-Fur Mil Art da CART 3494 (Guiné, 1971/74)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 19 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20989: Parabéns a você (1805): Joaquim Martins, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4142 (Guiné, 1972/74) e Xico Allén, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 3566 (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20996: Memória dos lugares (408): Ponte Alferes Nunes, sobre o Rio Costa Pelundo na Região de Cacheu (Carlos Silva, ex-Fur Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Silva (ex-Fur Mil Inf CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71) com data de 19 de Maio de 2020:

Olá Carlos
Dado que recolhi mais elementos sobre a Ponte Alferes Nunes existente sobre o rio Costa Pelundo, região do Cacheu, fiz um vídeo para que os tertulianos tomem conhecimento na sequência do que muito já se escreveu no blogue sobre a obra de arte da Engenharia nos posts: P2275; P3743; P4364; P4381; P4382 e P9625 e com certeza mais alguns.

Aqui vai o link da minha página Jumbembem do Youtube onde tenho mais vídeos alojados sobre a Guiné: https://youtu.be/Acp92_WHSvs - 2020-05 Guiné-Bissau - Ponte Alferes Nunes – História



A designação de Ponte Alferes Nunes (Alferes José Nunes) militar português, Administrador da região do Cacheu na Guiné no início do Séc. XX e que numa batalha contra os naturais daquela terra, que se travou nas proximidades da travessia do rio Costa Pelundo, acabou por falecer e daí ter ficado conhecida a ponte aí existente com o seu nome.

Presumo que tal designação nunca foi oficializada.

Abraço
Carlos Silva
____________

Nota do editor

Último poste da série de 17 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20863: Memória dos lugares (407): Cuntima: a hortinha da CCAÇ 14 (1969/71) (Eduardo Estrela)