1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Outubro de 2019:
Queridos amigos,
Enquanto o viandante percorre as escavações de Herculano e medita neste capricho do destino que foram aqueles bons metros de lava e lama que "congelaram" a existência da cidade e permitem agora este maravilhamento que é percorrer um mundo que se extinguiu há quase dois milénios, pensa-se no Vesúvio, que é muito belo de ver à distância, é imponente e sobranceiro na sua vastidão de rocha vulcânica, há uma rota turística para visitar o Monte Vesúvio, contemplar as suas vinhas com uvas Lacrima Christi que davam um dos melhores vinhos de Itália - é uma beleza terrífica, nas camadas de cinza e nas correntes de lava fica a lembrança de um poder destruidor que mudou a vida em Pompeia e Herculano.
Agora, depois do cataclismo, é o calmo peregrinar por esse mundo perdido, e aplaudir a paciência e a sabedoria dos arqueólogos que desnudam esse opulento mundo perdido.
Um abraço do
Mário
Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (5)
Beja Santos
O viandante sobraça o guia de Nápoles e a costa amalfitana, um daqueles livros onde cabem vulcões, património edificado com museus, igrejas e ruínas, um pouco da história da cidade, lugares onde comer e ficar, shopping e entretenimento. A informação é útil e completa o pequeno guia de Herculano oferecido à entrada do parque arqueológico. A cidade tornou-se parte do Império Romano em 89 a.C., era próspera, contígua ao mar e quando em 79 d.C. a erupção do Vesúvio soterrou Pompeia cobriu igualmente Herculano com uma camada profunda de lava e lama, acabaram por ser o prodigioso elemento que levou à conservação destas escavações que estão patentes ao público e que, insista-se, são uma parte minoritária da primitiva Herculano. Olhando à volta, pergunta-se com tanto casario a rodear estas escavações, o que será possível fazer mais. O que é pena, veja-se a beleza que as escavações oferecem e imagine-se o muito que ainda há para ver. Logo a seguir, a imagem num estabelecimento que servia comida, não esquecer que era prática romana almoçar fora de casa, deviam ser fogareiros que permitiam servir à ilustre clientela um buffet quente, era assim o takeaway do Império Romano.
A visita a Herculano, tal como a Pompeia, permite conhecer as divisões da casa, o átrio, com a sua parte central que recolhia a água da chuva, o impluvium, as paredes decoradas, a sala de estar, também decorada, o tablino, que estava situado entre o átrio e o peristilo (jardim rodeado de pórticos ou galerias com colunas). Os dormitórios davam pelo nome de cubiculum. Os elementos religiosos eram recorrentes, os romanos tinham os seus deuses domésticos, os manes.
O viandante entra agora numa casa chamada a Herma de Bronze (uma herma é um busto sem braços assente num pilar), este senhor seria o dono da casa, impressiona muito.
Em Herculano todas as habitações escavadas têm nome: a Casa de Aristides, a Casa do Esqueleto, a Casa do Albergue, a Vila dos Papiros (não está patente ao público, sabe-se que inspirou a construção do museu Jean Paul Getty em Malibu, Los Angeles), o viandante fica intrigado, gostava de saber mais, segue em diante, vai a outras casas, entra na sede dos sacerdotes augustais, é de uma rara beleza, descodifica um pouco a prática religiosa romana. Para os libertos, antigos escravos, o facto de se poderem transformar em sacerdote augustal dava-lhes ascensão social. Tinham então um colégio consagrado ao culto do imperador Augusto, que se situava na área do fórum, o local onde se desenrolava a vida política, religiosa e comercial da cidade. O que mais impressiona são os seus frescos. As outras casas que se podem visitar dão-nos conta da organização do espaço doméstico, como se pode ver na imagem seguinte.
Herculano revela estabelecimentos, casas com átrio repleto de mosaicos, casas com varandas de madeira, com jardins, com entradas repletas de colunatas, há mesmo uma casa com átrio coríntio, outra que possui um grande portal. Impressiona o ginásio que é um gigantesco complexo arquitetónico destinado a atividades desportivas. Só uma parte do edifício foi alvo de escavações, o que se pode ver em colunas é de cortar a respiração. Neste ponto da visita considera o viajante que é bom saber que todo este reboco foi restaurado, as ruínas de Herculano estão a céu aberto, desapareceram as proteções em pedra, durante os restauros acordou-se em fortalecer as paredes para evitar mais deteriorações. É uma operação de conservação que garante uma longa vida para estes achados arqueológicos que fazem parte do património da humanidade.
No termo da visita, o viandante foi conhecer as réplicas das tais ossadas de alguma gente que fugia espavorida do inferno vulcânico, carregada dos seus haveres, numa efémera tentativa de se salvarem no mar, o que não aconteceu. Com a barriga a dar horas e meditando nas partidas do destino e nas erupções vulcânicas que não escolhem idades nem ricos e pobres se põe termo à visita a Herculano. Resta ir comer, flanar pela baía de Nápoles, entrar nos bairros populares e descansar o corpinho, amanhã é dia de partida para a costa amalfitana, caminhar até Ravello.
(continua)
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Notas do editor
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Último poste da série de 22 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20999: Os nossos seres, saberes e lazeres (393): Diário de um confinado (... mas não condenado) (José Saúde, Beja, abril de 2020)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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