[À direita, foto do João Crisóstomo, em Porti das Barcas, Lourinhã, em 2017; luso-americano, natural de Torres Vedras, conhecido ativista de causas que muito dizem aos portugueses: Foz Côa, Timor Leste, Aristides Sousa Mendes... Régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, foi alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): vive desde 1975 em Nova Iorque; é casado, em segundas núdes, desde 2013, com a nossa amiga eslovena, Vilma Kracun]
Date: terça, 19/05/2020 à(s) 10:46
Subject: Alaka
Encontrei o teu contacto no meu telefone… Espero que recebas…
Estive agora a falar com o Rui [Chamusco]. Sei que ele já te falou deste assunto: Como sabes há dois anos quando estive aí, fui falar com o Dr. Acácio (da escola portuguesa) e pedi-lhe para ele aceitar o Alaka na escola. [O Alaka deve estar hoje com 8 anos,]
Respondeu-me que o admitiria logo que ele falasse português suficiente. E comecei a ajudar para que ele, com o auxílio dos pais, aprendesse depressa a língua portuguesa. Para uma criança devia ser muito fácil, especialmente com a ajuda dos pais [, que falam português e são professores].
Eu fui para Londres, já tinha 24 anos. Comecei a estudar ( lavando pratos num restaurante durante o dia para pagar a escola). Trabalhava de dia; às 4.00 da tarde ia para a escola ; depois ia a pé para casa para não ter de pagar o autocarro que o dinheiro era pouco... Chegava a casa por volta das 11.00 da noite, Estudava e dormia e às 09.00 da manhã, voltava a pé para o restaurante para trabalhar, lavando pratos…
E ao fim de 14 meses eu tinha aprendido Inglês… com exames feitos na Universidade de Cambridge… Não só falava bem como podia lecionar como professor de Inglês.
Depois fui para a França e fiz o mesmo; e depois fui para a Alemanha aprender alemão. Sem a ajuda de ninguém eu aprendi; quando se é criança é muito mais fácil aprender. Se o Alaka ainda não fala fluentemente o português, é porque ele e os pais não se interessaram como devia ser.
Já perdi a esperança de o pôr na escola portuguesa; é uma pena pois ele podia vir a ter uma vida brilhante pois eu ia-o ajudar sempre até ele conseguisse o curso que quisesse. Mas vejo que perdi o meu tempo.
Como o Rui já te disse, daqui por diante dás apenas 25 dólares ao Alaka e o resto -75 dollars- são para a escola SFA em Manati-Boenau onde há tantas crianças que precisam de ajuda. Continuas a dar os 25 dólares ao Alaka se ele precisar; se os pais dele não precisarem dessa ajuda, tanto melhor: nesse caso vai tudo para a escola.
Eu gosto de ajudar mas tenho de ver que vale a pena o meu esforço; e o Alaka e os pais não fizeram o esforço que eu esperava. Para ele não pensar que não o quero ajudar, continuas a dar os 25, mas só. Se um dia eu voltar a Timor (do que duvido muito) e eu vir esforços, trabalho e boa vontade..., depois se verá.
Sr hoje tenho casa e uma vida decente, foi porque trabalhei no duro; sem trabalho e esforço não vamos a parte nenhuma. E não se deve esperar que outros façam o esforço por nós. Lembrando um provérbio da minha terra, "Deus manda ser bom, não manda ser parvo!"...
Um grande abraço para ti e tantos amigos timorenses que recordo com saudade…
João (e Vilma)
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Nota do editor:
Último poste da série > 3 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20804: Ser solidário (230): Viva a Escola São Francisco de Assis "Paz e Bem", em Boibau, Manati, Liquiçá, Timor Leste (Rui Chamusco)
2 comentários:
oão (c/c Rui Chamsuco):
Apreciei a frontalidade e o alcance do teu texto: obriga-nos a repensar muita da nossa ajuda, individual e coletiva, aos países em vias de desenvolvimento...
O atual modelo de cooperação e de ajuda ao desenvolvimento há muito que está esgotado. E voltamos sempre à história do peixe e da cana de pesca...
A "caridade" perpetua a dependência dos "pobres" e dá-nos uma falsa consciência de que estamos a fazer o bem...Temos que repensar as nossas formas de sermos solidários...
Eu não tenho uma resposta fácil para esta questão...Mas acho que temos de pedir contas, às elites locais, aos governos, às ONGD, aos grupos... Tem de haver uma análise de custo-benefício. O que é "simplesmente dado" não ajuda a sair do "círculo vicioso" da pobreza, dependência, iliteracia, doença...
Mas, por outro lado, os povos têm de ter, para cada um de nós, um rosto concreto: na Guiné-Bissua, A Alicinha do Cantanhez (para a Alice, que a ajudava, uma criança órfã de mãe, que infelizmente não chegou aos 5 anos...); em Timopr-Leste o Alaka (para ti e a Vilma)...
Não quero ser cínico nem moralista. E admiro a tua generosidade e o teu exemplo de vida. Mas tens razão: tem de haver "feedback", retorno, não basta ajudar, é preciso sentir que o outro também quer ser ajudado e faz progressos...
Um abracinho para vocês os dois, João e Vilma. Um chicoração também para o nosso Rui Chamusco
Para o João Crisóstomo, um entusiasta da causa Timorense, sobretudo do programa escolar português, a recusa do Alaka em aprender é uma pequena punhalada no seu entusmo.
As oportunidades são para quem as aproveita e o Alaka, talvez sem exemplo caseiro, está passando ao lado de uma muito importante, a que o João lhe estava a oferecer. Pode muito bem acontecer que o Alaka reconsidere.
Abraço.
José Câmara
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