Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 18 de maio de 2020
Guiné 61/74 - P20987: Notas de leitura (1284): “Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa; edição revista, corrigida e aumentada, edição de autor, 2016 (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Março de 2017:
Queridos amigos,
Dada a extensão e a importância que se confere a este livro, justamente premiado com o Prémio Fundação Gulbenkian História Moderna e Contemporânea de Portugal, aborda-se neste texto a passagem de Cabral para a clandestinidade, a sua ligação íntima ao movimento anticolonial português, a sua instalação em Conacri, a tentativa de conversações com Lisboa, a procura de apoios, os preparativos militares, a organização ideológica do líder fundador e a sua visão de unidade Guiné Cabo Verde e o advento da luta armada.
Se o segundo semestre de 1962 foi fundamentalmente ditado por atos de sabotagem que gradualmente desarticularam o Sul da província, 1963 assume-se como o tempo da instalação de duas frentes, a Sul e a Norte e a tentativa falhada na revisão do território, os excessos rápidos foram tais que Cabral chegou a acreditar que a vitória estava próxima. Mas a reação de Lisboa foi enorme, o dispositivo militar crescerá exponencialmente. Como veremos com o desenvolvimento da luta armada.
Um abraço do
Mário
Amílcar Cabral visto por Julião Soares Sousa:
Uma biografia incontornável, agora revista e aumentada (2)
Beja Santos
“Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário africano”, edição revista, corrigida e aumentada, edição de autor, 2016: tenho para mim que é a biografia do líder histórico do PAIGC, escrita em língua portuguesa, que nenhum estudioso ou interessado na história da Guiné-Bissau ou nas lutas de libertação que ali se travaram pode dispensar. Nenhum outro investigador de Amílcar Cabral coligiu tanta documentação, desfez mitos e quimeras e enquadrou com perspicácia e isenção o homem, a sua ideologia, a sua causa, nos tempos e na circunstância em que atuou e em que perdeu vida, assassinado pelos seus próprios companheiros de luta.
Amílcar Cabral abandona discretamente Lisboa e em 1960 vamos encontrá-lo no Norte de África em reuniões relacionadas com as lutas anticoloniais da chamada África portuguesa. Segue depois para Conacri, cabe-lhe montar a organização do PAIGC, esboçar uma ofensiva diplomática que permita formação de guerrilha para muitos jovens, acesso a armamento, apoio financeiro, e muito mais. Julião Soares Sousa descreve detalhadamente os combates espinhosos travados com organizações nacionalistas da Guiné e de Cabo Verde em Conacri e em Dakar. Rafael Barbosa é o mobilizador dentro da Guiné Portuguesa. Em Dakar e Conacri o PAIGC goza de enorme hostilidade e vai vencê-la. No plano diplomático, e a nível do MAC (Movimento Anticolonialista), Cabral vai capitanear informações sobre o colonialismo português, terá a maior importância a sua viagem a Londres, trabalha ativamente na frente internacionalista, em grande unidade com figuras como Mário de Andrade e Viriato da Cruz, políticos de proa do MPLA.
O autor consagra ampla reflexão à problemática da unidade africana e à unidade Guiné e Cabo Verde, estuda-as num certo paralelismo, encontra pontos de simbiose. Os sonhos de unidade africana cairão praticamente todos na água. Cabral concebe um projeto de união sub-regional, alegando que guineenses e cabo-verdianos partilhavam uma origem ancestral comum, referia-se à circunstância dos escravos transportados para as ilhas terem sido exclusivamente originários da Guiné, que havia identidade administrativa desde o século XVI e até 1879 entre as duas colónias. Toda a documentação que irá elaborar na viragem da década de 1960 insiste nesta identidade de interesses, vai encontrar enorme oposição. Por exemplo o cabo-verdiano Leitão da Graça defendia que não havia ligações históricas entre aquelas duas colónias, dizendo mesmo: “Na época colonial, a Guiné e Cabo Verde estiveram ligados organicamente mas para o interesse do colonialismo”. Cabral procura replicar dizendo que os cabo-verdianos jamais poderiam comandar os destinos da Guiné, seriam os guineenses a decidir depois da independência quem iria dirigir o país. Estava lançada uma semente de surdo descontentamento, passava a ser tabu mencionar-se as relações rancorosas entre guineenses e cabo-verdianos, estes eram os mandantes do poder colonial, chefiavam a administração, possuíam negócios, eram inequivocamente racistas. O descontentamento ficará adormecido até aos acontecimentos brutais de 20 de Janeiro de 1973, em Conacri.
Conquistada a liderança do movimento de libertação da Guiné e Cabo Verde, apoiado por Sékou Touré, Cabral escreve a Salazar propondo conversações para a independência das colónias, nunca obterá resposta. Em Dakar, o PAIGC não tem uma vida fácil, Leopoldo Senghor apoia a FLING e o MLG, estes dois partidos irão fundir-se mais tarde. De 1961 para 1962, a repressão sobre os militantes do PAIGC na Guiné enche as cadeias, é impressionante a vaga de prisões, em Março de 1962 Rafael Barbosa será preso, mas a subversão não para, a partir do segundo semestre de 1962 todo o Sul da Guiné entra em tumulto. Usando a expressão do autor, Cabral e o PAIGC entraram na fase do “Estado em construção”. Aqui Soares Sousa detém-se longamente sobre o pensamento ideológico de Cabral em matérias como o imperialismo, o neocolonialismo, a cultura e libertação nacional e como esta já estava a gerar cultura e identidade específicas.
Escreve ao autor que até Janeiro de 1963 a estratégia de Cabral amparava-se na ideia do restabelecimento da legalidade internacional, do direito dos povos á autodeterminação e à independência. Mas foi incitando uma atmosfera de subversão, tinha poucas ilusões de que Salazar aceitasse os ventos da história, a onda da descolonização. A violência e a luta armada foram-se gradualmente substituindo aos métodos pacíficos, começaram os preparativos para o início da guerra. Cabral era simultaneamente um marxista típico e atípico, aceitava a parte funcional da ditadura do proletariado mas tinha uma visão própria do proletariado, da vanguarda pequeno-burguesa mas dizia sem ambiguidade que “por mais bela e atraente que seja a realidade dos outros, só poderemos transformar verdadeiramente a nossa própria realidade com base no seu conhecimento concreto”. Cabral estudava e mandava estudar a estrutura social guineense, as sociedades horizontais e as verticais, as razões que levavam Fulas e Mandingas a apoiar os portugueses, a posição ambivalente dos comerciantes e dos camponeses, o seu apreço pelo campesinato Balanta. Entendia que a política de mobilização na Guiné não podia incidir sob os mesmos princípios dogmáticos adotados na Argélia ou na China. Muito menos podia ser justificada a luta de libertação com base em conceitos sobre o colonialismo ou o imperialismo. Na Guiné, o problema da alienação de terras nunca se colocou. “Para que a mobilização produzisse os resultados desejados devia incidir sobre aspetos da realidade que fossem inteligíveis para as massas. A atenção devia estar virada para os seguintes problemas: o baixo preço dos produtos agrícolas, a obrigatoriedade de pagamento de impostos, os abusos perpetrados pelos funcionários administrativos. Não foi por acaso que a subversão eclodiu justamente em zonas controladas por companhias monopolistas e em terras predominantemente habitadas por Balantas”.
Logo em 1961, quando o MLG atacou em Julho S. Domingos, Cabral se apercebeu que era indispensável acelerar o processo preparatório militar. Nesse ano os primeiros quadros partiram para a China. Marrocos e o Gana dotaram o PAI/PAIGC com as primeiras armas e munições. Depois da China, Moscovo tornar-se-á no principal aliado e fornecedor militar. Em Agosto de 1962 as sabotagens ganharam expressão no Sul, foram o antecedente próximo da luta armada. Esta inicia-se formalmente em Janeiro de 1963, eivada de dificuldades, ainda pouca preparação militar, armamento muito deficiente, processos intimidatórios que Cabral irá punir no ano seguinte, no congresso de Cassacá. A surpresa da estratégia utilizada foi muito grande, o dispositivo militar português instalara-se a contar com refregas nas fronteiras. E a seguir ao caos instalado na zona Sul que levou o Brigadeiro Louro de Sousa a escrever para Lisboa que o controlo era praticamente total por parte do PAIGC com exceção das povoações junto aos rios, a escalada ofensiva estendeu-se para a chamada Frente Norte, Cabral contava que a aceleração das sabotagens desarticulasse por completo a economia colonial, designadamente a monocultura do amendoim. Osvaldo Vieira e Francisco Mendes vão para a zona do Morés e são bem-sucedidos. A Frente Leste abrirá mais tarde, mas os relatório militares portugueses dão conta de situações muitíssimos graves, caso do Corubal que deixou praticamente de ser navegável. A luta armada estava de pedra e cal. Lisboa é forçada a mobilizar cada vez mais batalhões para a Guiné. No interior, PAIGC e as populações aliadas dos portugueses disputam-se encarniçadamente.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 11 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20964: Notas de leitura (1283): “Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa; edição revista, corrigida e aumentada, edição de autor, 2016 (1) (Mário Beja Santos)
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11 comentários:
A santificação do grande líder Amílcar Cabral continua.
Abraço,
António Graça de Abreu
E parece que faltam ainda 3 postes. É azar.
Porque será que não podemos falar dos nossos antagonistas? Medo de fantasmas?
Caro Graça de Abreu, por acaso não costumas ir a Espanha? A esse país de eternos inimigos que nos queriam assimilar, que tantos mortos nos causaram e que nos governaram durante 64 anos?
Abraço do editor
Carlos Vinhal
Tenho comentários a fazer, mas guardo-me para quando o texto estiver completo.
Abraço
AMM
A Academia Portuguesa de História por ter atribuído o prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História Moderna e Contemporânea, em 2011, a Julião Soares Sousa, pela publicação de 'Amilcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário africano', também o 'santificou'.
Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz
p.s. AGA não percebi bem sobre o não terem publicado alguns comentários.
Caro Valdemar
Estás distraído?
A animosidade do António só é aparentemente dirigida ao Amílcar.
Repara, nem sequer é ao autor do livro, da tese, do trabalho, ao Julião.
É mesmo ao "mensageiro" do mesmo.
É o costume.
Mas agora já não há desculpa para não perceber.
Recentemente, num outro comentário, o António diz claramente que a sua "pendência" com o Beja Santos é (agora e sempre) por causa de, alegadamente segundo o António, o plágio que o Beja fez dum título dum livro do António.
Por sinal esse livro do António é que me encaminhou para o Blogue e reconheço nesse livro muito do que poderá ser entendido como a obra do "jovem António". Gostei do livro e continuo a gostar e a invocá-lo sempre que necessário.
Mas continuo a pensar que "Diários da Guiné" serão como os chapéus do velho filme português: "há muitos!" E daí que pensar que a implicância do António com o Beja será coisa pouca.
Agora, quanto à alegada eliminação de comentários, não se trata, como se poderia pensar, de qualquer delírio. Não. Parece ser agora a "nova" táctica de "certos" meios que é a de se fazerem vítimas do "autoritarismo", da "censura", coisas que foram prática há uns largos tempos e que "alguns" querem ressuscitar.
Hélder Sousa
Caros amigos,
Nao concordo com a opiniao simplista do autor em como a teoria sobre as estruturas sociais de A. Cabral (povos com organizaçao social vertical vs horijontal) conseguiu explicar porque razao " Fulas e Mandingas apoiavam os portugueses enquanto que os Balantas apoiavam o (ideal revolucionario) do PAIGC". dito assim é muito redutor e nao alcança a essencia de todas as contradiçoes e/ou motivaçoes do posicionamento diante daquilo que, depois, veio a resultar no movimento da luta pela independencia da Guiné. O PAIGC nunca conseguiu entender e explicar quais foram os verdadeiros motivos da aversao e/ou adesao a causa da luta dos diferentes grupos etnicos, porque na verdade a sua verdadeira motivaçao nunca foi de libertar os povos da Guiné, mas simplesmente de substituir os portugueses e assimilados no aparelho da administraçao colonial e nesse aspecto os lideres fulas nao se deixaram enrolar.
Quanto aos Balantas, penso que a estratégia anti-guerrilha do Gen. Louro de Sousa, no inicio, conseguiu provocar a maior mobilizaçao destas populaçoes a favor da guerrilha, com os seus bombardeamentos indiscriminados e queimadas de aldeias e campos de cultivos.
O A. Cabral nao foi um SANTO e nunca o pretendeu ser, pois um dirigente revolucionario nunca pode pretender a substituir o "Santo Pontifice" que nao tem o direito da dar uma palmadinha na mao "atrevida e inaportuna" de uma fiel devota, em publico.
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
Helder
Estou a perceber, estava distraído.
Parece que esse estilo tem outros seguidores, do género 'quero lá saber se não publicarem as verdades', e como diria o outro...e vai-se a ver e nada.
Ainda bem que vamos tendo estas conversas, desde que não haja ofensas grosseiras ou daqueles tiques palermas do 'você sabe com quem está a falar'.
Abraço, saúde da boa e vamos ver se o Cândido Cunha aparece a contar das boas sobre o Pechincha que só ele sabe.
Valdemar Queiroz
Caro Cherno Baldé, inteiramente de acordo e ainda bem que és tu a fazer essa análise.Eu não a poderia fazer porque não conheço a realidade.Mas se o fizesse decerto que levaria umas palmadinhas.(Em sentido figurado claro).
Quanto à Fundação Gulbenkian e sem tirar o mérito a Julião Soares Sousa, sabemos muito bem como é que é.E tratando-se de Amílcar Cabral já estou como o Graça de Abreu santificar é preciso.
Um abraço Carlos Gaspar
Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra, em 11 e 13 de Maio de 1970, manuscrita por Vasco Cabral.
Membros Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo Vieira, Francisco Mendes, Pedro Pires, Paulo Correia, Mamadu N'Djai [Indjai], Osvaldo Silva, Suleimane N'Djai.
Secretário: Vasco Cabral.
Palavras do grande revolucionário Amílcar Cabral, após os combatentes do PAIGC terem morto cobardemente e retalhado os corpos de três majores e um alferes do meu CAOP 1, Teixeira Pinto, que caminharam ao encontro dos guerrilheiros, desarmados para um encontro de paz: – "Este acto foi um acto de grande consciência política e um acto de independência. Foi um acto de grande acção e de capacidade dos nossos camaradas do Norte. É a primeira vez que numa luta de libertação nacional se mata assim três majores, três oficiais superiores o que, nas condições da nossa luta, equivale à morte de generais".
Comentários para quê?
O Hélder tem grilos na cabeça, além de um feitio obtuso e alguma ignorância. Existem apenas três livros com o título "Diário da Guiné", o meu, de 2007, e os dois do Mário Beja Santos, de 2008 e 2009. Basta consultar a Porbase,da Biblioteca Nacional, a Base Nacional de Dados Bibliográficos. Chapéus há muitos, com certeza, há quem goste de se pôr de cócoras ou de fazer o pino. Está no seu pleníssimo direito. Não quero ofender ninguém.
Já agora explico a origem do nome Diário de Guiné. O meu é um diário de guerra, factual, escrito em cima da guerra, em Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/1974.
Publiquei-o em 2007 e levei-o para o primeiro encontro da Tabanca Grande, em 2007, em Pombal. Não conhecia ninguém e ao almoço, sentei-me ao lado do Mário Beja Santos, que recordava da TV. Mostrei-lhe o meu livro, que ele observou com atenção, e disse-me que também tinha pronto para edição uma espécie de diário, com base nas suas memórias e escritos soltos da guerra que se iria chamar Na Terra dos Soncó. Disse-lhe que o título Na Terra dos Soncó não era bom, pouca gente sabia quem eram os soncó, e a palavra Guiné na capa do do livro seria mais apelativa. Menos de um ano depois, o Mário Beja Santos, que poderá confirmar esta nossa conversa, lançava, com pompa e circunstância, na Sociedade de Geografia o seu primeiro Diário da Guiné que tem como subtítulo Na Terra dos Soncó.
Por último, esclareço que já tive vários comentários cortados neste blogue, alguns, com razão, ter-me-ei excedido, outros creio que sem razão, mas a razão tem razões que a razão desconhece.
Disse.
Abraço,
António Graça de Abreu
Até que enfim percebi a "coisa". Mais vale tarde do que nunca…
Fernando Gouveia
Volto apenas para expressar a minha fraca capacidade de entender como dizer que um fulano qualquer "tem grilos na cabeça, feitio obtuso e alguma ignorância" e ainda que há "quem goste de se pôr de cócoras ou de fazer o pino" e concluir que "não quer ofender ninguém".
O que seria se quisesse?
Há "polémicas" que na realidade não o são. Apenas diversão.
E há "peditórios" para os quais não dou. Faço o pino.
Hélder Sousa
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