1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Março de 2017:
Queridos amigos,
Não se pode estudar o período da luta armada na Guiné sem consultar um conjunto de obras-chave, onde se incluem nomes como Julião Soares Sousa, Leopoldo Amado, António Duarte Silva, entre outros. Em língua portuguesa, não há livro mais rigoroso que esta biografia que Julião Soares Sousa escreveu sobre Cabral, investigação exaustiva, com arquivos, entrevistas, sempre no afã de procurar e encontrar provas novas. Livro bastante incómodo para os hagiógrafos e beatos do líder fundador. Fica-se com o retrato de um jovem educado em ambiente cabo-verdiano, numa cultura tipicamente ocidental, mas já evado de preocupações sociais, que reformula o seu pensamento no ambiente de Lisboa, que volta à Guiné e percorre o território, ali descobre a razão porque vai lutar e fundar, seguramente em 1959, um partido revolucionário com uma base ideológica singular: uma vanguarda pequeno-burguesa local à frente de um proletariado agrícola, coisa impensável para o marxismo leninismo canónico.
Um abraço do
Mário
Amílcar Cabral visto por Julião Soares Sousa:
Uma biografia incontornável, agora revista e aumentada (1)
Beja Santos
Julião Soares Sousa |
É por isso um documento incontornável, atendendo que o biografado não só fundou e liderou o PAIGC como, pelo pensamento e ação, está consagrado como um dos políticos africanos de renome internacional. Julião Soares Sousa recorda que nas últimas décadas a investigação sobre esta grande figura do século XX tem aberto novas perspetivas de análise, graças à abertura de arquivos que estavam inacessíveis. O investigador sentiu-se estimulado a fazer uma nova leitura cruzada sobre o assassinato de Cabral, é este o capítulo mais alargado nesta edição revista.
A abordagem da estrutura da biografia não conheceu mudanças de tomo. No primeiro capítulo da parte primeira (da formação do homem à conquista da liderança do movimento de libertação da Guiné e de Cabo Verde) temos a infância de Cabral passada na Guiné, onde nasceu, em 1924, a sua deslocação para Cabo Verde, em 1932, fará aqui o liceu, conhecerá o desvelo sem tréguas da mãe, Iva Pinhel Évora, veremos nascer o seu estro poético e seu olhar em torno da condição cabo-verdiana. Recebe uma bolsa e irá estudar para Lisboa, o mundo está em estrepitosa mudança, emerge um radicalismo ideológico, nos meios que vai frequentar discute-se o nacionalismo africano, põe-se em causa o colonialismo. Segue-se o capítulo segundo, Cabral faz a sua aprendizagem política em Lisboa, torna-se engenheiro e parte para a Guiné, vai trabalhar na granja de Pessubé e acompanhado pela mulher procederá ao recenseamento agrícola, operação que o fará conhecer todo o território do futuro país. Em 1955, abandona a Guiné e volta a Lisboa. Vejamos o que demais relevante trata Julião Soares Sousa no seu estudo incontornável.
Quando Cabral nasce Bafatá, Juvenal Cabral é professor em Geba e depois Bafatá. Iva seria uma pequena proprietária, em Cabo Verde vê-la-emos no desempenho de trabalhos muito humildes, será ela a pagar os estudos do filho. Em Cabo Verde, Juvenal Cabral contrairá nova relação, ao contrário do que sugere certa hagiografia, a influência de Juvenal Cabral não foi tão relevante como a apregoada, a gratidão pela mãe aparece inequivocamente testemunhada na página do seu livro de curso: “Para ti mãe Iva,/Eu deixo uma parcela/Do meu livro de curso…/Para ti, que foste a estrela/Da minha infância agreste./A tua alma viva/E o teu amor profundo,/Aceita este tributo,/Que tudo quanto eu fora,/Será do teu amor,/-Tua carne, Mãe, teu fruto!”.
Julião Soares Sousa enquadra a formação do jovem estudante, Cabral denota aí as bases da sua cultura portuguesa, que jamais renegará. Em Lisboa conhecerá novo ambiente. Fica atento ao MUD – Movimento de Unidade Democrática, contacta regularmente com a Esquerda portuguesa e vai firmando a opinião de que a luta antifascista não está verdadeiramente motivada para a luta anticolonial. O autor aborda as influências literárias, ideológicas e culturais, o pendor marxista começa a germinar. Afluem a Portugal cada vez mais africanos, as discussões sobre a independência das colónias africanas ganha expressão. O autor desvela a vida do Centro de Estudos Africanos, a par das atividades da Casa dos Estudantes do Império.
Em 1950, Cabral terminou o seu curso, dois anos depois defendeu a sua tese de tirocínio, é reconhecido como especialista em erosão de solos. Há anos que se sente atraído por África, apresenta candidaturas, é aceite para um lugar disponível de Engenheiro Agrónomo na Repartição Técnica dos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné, desembarca a 21 de Setembro de 1952, a mulher junta-se-lhe em Novembro. Os grupos oposicionistas de Bissau vivem dentro dos princípios da luta antifascista, Cabral está motivado pela luta nacionalista, deixa o antifascismo para os oposicionistas portugueses. Torna-se um comunicador brilhante ao nível da sua profissão, tenta criar o Clube Desportivo em Bissau, a Administração não dá seguimento. Aspeto curioso sublinhado pelo autor, a pretensão baseava-se num clube exclusivamente para guineenses, põe-se a dúvida se nesta fase Cabral ainda não tinha urdido a tese da unidade Guiné-Cabo Verde. O autor esclarece outras coisas, como a alegada fundação do MING por Cabral ou a ele se tenha associado. Põe-se como hipótese que tanto o Partido Socialista da Guiné como o MING tiveram vidas efémeras. Em Março de 1955, Cabral e a mulher regressam a Portugal, vêm doentes, certos hagiógrafos têm escrito que foram expulsos ou perseguidos, não há provas, no entanto a ficha de Cabral na PIDE começa a crescer.
A vida profissional de Cabral vai aproximá-lo de Angola, da convergência com outras lutas anticoloniais, encontra-se em Paris com dirigentes angolanos, são-tomenses e moçambicanos. Sobre a fundação do PAI (Partido Africano pela Independência da Guiné e de Cabo Verde) em 1956, o autor põe sérias reservas quanto à natureza do partido criado e não vê hipóteses de Cabral lá ter estado presente. Não há uma só menção na correspondência trocada entre Cabral e outros camaradas revolucionários da fundação do PAI em 1956. Recorde-se que o mesmo se passa com a data da fundação do MPLA, sobre a qual há manifesta controvérsia.
Em Setembro de 1959, Cabral está comprovadamente em Bissau, inteirou-se da agitação política existente e do massacre do Pidjiquiti, contactando com a única organização política existente em Bissau, o Movimento de Libertação para a Guiné, onde pontifica Rafael Barbosa. Acorda-se na necessidade de uma estratégica, Cabral e Rafael Barbosa são as duas figuras chave para o impulso dinâmico do partido. Criou-se uma organização clandestina, definiram-se propósitos. Ainda hoje há muitas nebulosas sobre quem são os fundadores e alegados fundadores do PAI, futuro PAIGC. Já no exílio, e sobretudo a partir de Conacri, onde funciona o seu escritório e a escola piloto, Cabral vai contactar outras organizações nacionalistas da Guiné e Cabo Verde. A luta vai arrancar, a sua liderança, gradualmente, ir-se-á impondo.
(Continua)
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Notas do editor
[1] - Vd. poste de 22 DE NOVEMBRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P16746: Agenda cultural (521): "Amílcar Cabral (1924-1973): vida e morte de um revolucionário africano", nova edição, revista, corrigida e aumentada (622 pp.): convite da embaixada guineense para o lançamento do livro do prof doutor Julião Soares Sousa, na Universidade Lusófona, Lisboa, sábado, dia 26, às 15h00
Último poste da série de 4 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20939: Notas de leitura (1282): “Corações Irritáveis”, por João Paulo Guerra, Clube de Autor, 2016 (Mário Beja Santos)
3 comentários:
Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra, em 11 e 13 de Maio de 1970, manuscrita por Vasco Cabral.
Membros Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo Vieira, Francisco Mendes, Pedro Pires, Paulo Correia, Mamadu N'Djai [Indjai], Osvaldo Silva, Suleimane N'Djai.
Secretário: Vasco Cabral.
Eis as palavras do "grande" Amílcar Cabral, após terem assassinado cobardemente e retalhado o corpo de três majores e um alferes do meu CAOP 1, no Pelundo, que foram desarmados ao encontro dos homens do PAIGC, numa missão de paz.
Amílcar – Este acto foi um acto de grande consciência política e um acto de independência. Foi um acto de grande acção e de capacidade dos nossos camaradas do Norte. É a primeira vez que numa luta de libertação nacional se mata assim três majores, três oficiais superiores que, nas condições da nossa luta, equivale à morte de generais.
Este não é o meu blogue. É o blogue que nem sei como classificar, ou melhor, sei, mas não digo. Se escrevo mais, limpam-me logo o comentário.
Abraço,
António Graça de Abreu
Realmente a tal Acta é uma chatice.
Ainda estamos à espera que o Jorge Araújo publique no blogue, o Comunicado Oficial do Comando-Chefe, sobre o triste acontecimento em plena guerra da Guiné.
Entretanto, AGA tem de saber classificar como é que em Lisboa, Setúbal, Bobadela, Queluz, Amadora, Agualva-Cacém e outras localidades do país existem Rua Amilcar Cabral.
Valdemar Queiroz
Muito andei pela guine mais propriamento Massaba e k3 70 72 gostarei imenco de adequerire um exemplare desta biografia de Amilcar Cabral porque nos EUA mas isto e de menos deste ja muito obrigado se tiver alguem que posa ajudar
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