terça-feira, 25 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8947: Notas de leitura (292): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte II): Futebol e Nacionalismo (Nelson Herbert / Luís Graça)





Gâmbia > Bathurst > 1953  > Comemorações da entronização da Rainha Isabel II, de Inglaterra >  Foto da seleção de futebol da Província Portuguesa da Guiné > De pé, da esquerda para a direita,  Antero Bubu (Sport Bissau e Benfica; capitão), Douglas (SB Benfica), Armando Lopes (UDIB),  Theca (SB Benfica), Epifânio (UDIB) e Nanduco (UDIB);  de joelhos, também da esquerda para a direita:  Mário Silva (SB Benfica),  Miguel Pérola (Sporting Club de Bissau), Júlio Almeida (UDIB),  Emílio Sinais (SB Benfica), Joãozinho Burgo (SB Benfica) e João Coronel (SB Benfica)...

No 1º jogo, a seleção da Guiné ganhou à seleção da Gâmbia por 2-0, com golos de Joãozinho Burgo; no 2º jogo,  as duas seleções empataram 2-2 (com golos,  pela Guiné, de Mário Silva e Joãozinho Burgo). Antiga colónia inglesa, a Gâmbia acedeu à independência em 1965.

Foto: ©  Armando Lopes / Nelson Herbert  (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Legenda de João Burgo Correia Tavares (vd. De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita, 2011, p. 41).


1.  E a propósito (e na continuação da leitura do livro) das memórias do Bobo Keita (*)... Fomos encontrar, no livro do Norberto Tavares de Carvalho, uma foto já nossa conhecida, da seleção de futebol da província portuguesa da Guiné, onde figura o  Armando Lopes (jogador da UDIB, pai do nosso amigo Nelson Herbert, e que também era conhecido como Búfalo Bill; fez o seu serviço militar no Mindelo, em 1943, na altura em que também lá estava, como expedicionário, o meu pai, meu velho e meu camarada, Luís Henriques; ambos nasceram em 1920 e, felizmente, continuam vivos; ambos tinham igualmente uma paixão pelo futebol).

A foto, que vem na página 41,  é do arquivo pessoal do João Nascimento Burgo Correia Tavares, o Joãozinho Burgo, do Sport Bissau e Benfica... (Mas o nosso blogue já tinha publicada uma igual, em 15 de Agosto de 2010, do arquivo do Armando Lopes) (***).

Caboverdiano, da Ilha do Fogo, onde nasceu em 1929,  Joãozinho Burgo era mais novo do que o Armando Lopes (n. 1929) mas mais velho que o Bobo Keita (n. 1939). O auge da sua carreira é em 1960,  com o apuramento da seleção de futebol da Guiné para a fase de qualificação para a disputa da taça Kwame  Nkrumah.


Vencedora da Série D, a seleção guineense foi disputar a final em Acra, capital do Gana: além de Joãozinho Burgo, fizeram parte dessa equipa Bobo Keita,  Júlio Semedo (Swift, guarda-redes), Antero 'Bubu', Vitor Mendes ('Penicilina'),  'Djinha', João de Deus,  'Chito', Luís 'Djató', 'Nhartanga' (que jogará depois em Portugal), entre outros...

O Joãozinho Burgo deixou de jogar na época de 1966/67, para de seguida ir tirar o curso de treinador, ainda em 1967, em Setúbal (onde teve como colegas de curso o José Augusto, o Coluna e o Cavém) (p. 36).

O Bobo Keita, mais novo (1939-2009), embora sportinguista de coração, assinou e jogou pelo Sport Bissau e Benfica (**),  clube do seu pai, alfaiate... O mais interessante era verificar a grande popularidade que tinha o futebol nessa época, nomeadamente em Bissau, mas também no interior (Mansoa e Bafatá, por ex.).


O futebol também foi um viveiro de   militantes, combatentes e dirigentes ao PAIGC (Júlio Almeida, Júlio Semedo, Bobo Keita, Lino Correia...). Era interessante saber porquê... 

Recorde-se que o Júlio Almeida, antigo funcionário da granja de Pessubé que trabalhou com Amilcar Cabral, é referenciado como um dos fundadores, em 1956,  do PAIGC, ou melhor do PAI, mais tarde  PAIGC (**).

Bobo Keita, que nasceu no Cupelom [ ou Pilão] de Baixo, em Bissau, jogava na equipa do bairro, o Estrela Negra'... Dela faziam parte futuros militantes nacionalistas como o Umaro Djaló, Julião Lopes, Coronoa, Ansumane Mané (outro que não o brigadeiro), Lino Correia (que era de Mansoa)... Keita, miúdo de rua, não tinha botas. As primeiras que teve foram-lhe emprestadas (e depois dadas) pelo SB Benfica. Jogou com elas em Mansoa. Jogará depois nos júniores do Benfica e, dada o seu talento, chega rapidamente à seleção provincial.


Tinha então 17 anos. Como a idade mínima legal eram os 18, à face das normas internacionais do futebol, tiveram que lhe fazer uma "nova" certidão de nascimento (sic)... "A partir daí, segundo as circunstâncias, passei a exibir dois bilhetes de identidade, um com dezasste anos e outro comn dezoito anos", confidencia o Bobo keita ao seu biógrafo (p. 31).


Acabou por jogar a defesa direito no Benfica. Dos júniores passa às reservas e depois à equipa principal. Para além de ser o orgulho do seu pai, tornou-se muito popular entre os adeptos. O grande dérbi, em Bissau, eram o jogo Benfica-Sporting. Na época, o Benfica era de longe a melhor equipa de futebol da província, recheada de estrelas (que integravam por sua vez a seleção da província)


Foi o Victor Mendes, um treinador português, que levou Bobo Keita para a seleção e que o pôs a jogar como defesa lateral esquerdo, depois de muito trabalho... Ao que parece, ainda estará vivo. Outro clube cotado localmente era o UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau, onde jogava o seu primo João de Deus.


Nas conversas com Noberto Tavares de Carvalho (*), Bobo keita recorda o Torneio da África Ocidental, que começou na Ilha de São Vicente, Cabo Verde, em 1958, e que juntou outras as seleções (Cabo Verde, Senegal, Gâmbia e Guiné-Conacri) (pp. 39-40). Também, jogou na Gâmbia, onde a seleção guineense era, de há muito, temida, desde o tempo do Armando Lopes.


Na fase final, foram jogar a Acra, capital do Gana, em 1959. O encontro com o presidente Kwame Nkrumah terá sido decisivo na vida de Bobo Keita. Recorde-se que a antiga colónia inglesa, Golden Coast, a Costa do Ouro, proclama oficialmente a sua independência em 6 de Março de 1957. Nkrumah, num cerimónia de receção nos jardins do seu palácio,  incentivou então os jovens futebolistas a lutarem pela independência dos seus países. 


Em 1 de Outubro de 1960, Keita está em Lagos, capital da Nigéria, outra vez num torneio de futebol, por ocasião das festas da independência de mais um grande país africano (p. 44-46). Que memórias guarda desse tempo ?


 "Como acontecera com o discurso do Nkrumah, fui de novo sacudido por um mar de interrogações, sempre falando com os meus botões e acabando por concluir que tudo aquilo era bonito, mas completamente impensável na Guiné.  No entanto, pela segunda vez,  o acaso punha-me de caras  com os pensamentos  revolucionários daquele tempo. Só que desta vez senti algo a despertar em mim" (p. 45)...


E mais à frente acrescenta, na entrevista com Norberto Tavares de Carvalho (*): 


"Fiquei com aquela imagem de um  povo confiante, independente e livre. Esse quadro ficou gravado em mim como o segundo factor de formação da minha consciência nacionalista" (p. 46).


Três meses depois, em 26 de Dezembro desse ano, Bobo Keita, que tinha apenas a 4ª classe da instrução primária,  "vai no mato", isto é, entra na clandestinidade, mais exatamente segue em viagem para o sul, disfarçado de alfaiate, mas com destino certo: Conacri. Em 12 de Janeiro de 1961 tem à sua frente Amílcar Cabral, o homem que lhe tinha dado um bola, quando "djubi" do Cupelom, seu bairro natal...


Como é que um jovem e promissor jogador de futebol chega até aqui, ou seja, entra em ruptura com a sociedade onde, mal ou bem, está integrado ? Antes de mais, é de referir o sentimento de  injustiça e de revolta que começa a apoderar-se dos jovens jogadores da seleção da Guiné. Na Nigéria não recebem os prometidos e ansiados prémios de jogos. Sentem-se explorados e inferiorizados quando comparados com os jogadores das outras seleções africanas, em particular os nigerianos. Na capital da Gâmbia, Bathurst, o conflito, latente, estala, passando a conflito aberto, manifesto... Recusam-se a jogar... Acabam por ceder para "não ficarmos mal vistos" (p. 48), mas recebem no final o dinheiro prometido...

Os dirigentes da seleção estranharam o comportamento jogadores e não gostaram... No regresso a Bissau, entra a PIDE em ação. O ambiente é de crispação, dentro e fora do balneário. Chegou-se a pensar prender toda a selecção, mas acabou por imperar o bom senso... Os jogadores, incluindo Bobo Keita, foram discretamente interrogados, um a um, pela PIDE nas instalações dos Bombeiros Voluntários de Bissau (pp. 52 e ss.). Dada a sua popularidade, os jogadores da seleção, envolvidos no conflito passado na Gâmbia, acabaram por se safar... Acrescenta o Bobo Keita, que até o próprio Governador, na altura o Peixoto Correia, "uma ardente adepto do futebol", não terá apreciado a ação da PIDE (p. 53)...

Iremos continuar a respigar e comentar algumas notas de leitura (****) da 'longa conversa' que o Bobo Keita teve como Norberto Tavares de Carvalho, antes de morrer, em Portugal, em 2009. Era senhor de uma notável memória, era uma homem frontal, mas também de grande cordialiade.  Por sua vez, o autor do livro, com formação em ciências sociais, dá provas de honestidade intelectual e de preocupações com o rigor metodológico.

Leia-se o que diz o próprio Norberto Tavares de Carvalho:


"O trabalho de recolha, de entrevista e de releitura, durou mais de dois anos. Até que  no dia 19 de Dezembro de 2008 me desloquei a Lisboa para tratar com o comandante Bobo Keita os últimos trechos do livro. Fui visitá-lo ao hospital [, presume-se que o Amadora-Sintra,] onde estava internado. Ao ouvir a voz que o saudava, perguntou imediatamente: 'Quando é que chegaste ?'. Fiquei perplexo pois os rumores diziam que o velho combatente tinha perdido a memória. Animei-me de esperança. Tinha ainda mais perguntas a fazer-lhe para o aprofundamento de certos dados importantes. E devia ler-lhe a última parte do manuscrito" (p. 16).

O livro (brochado, 303 pp.,  incluindo fotos), edição de autor, está à venda no Porto, na UNICEPE - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL, sita na Praça Carlos Alberto, 128-A, 4050-159 PORTO >  Email: Unicepe@net.novis.pt; Telefone: + 351 222 056 660. Preço: 15 € (12 €, para associados da Unicepe).


2. Sobre este tema reproduzimos aqui uma mensagem recente do Nelson Herbert, que vive em Washington onde é editor da Voz da América:

Data: 20 de Outubro de 2011 21:05
Assunto: Futebol e Nacionalismo


Caro Luis


"As equipas de futebol deram bastantes militantes ao PAIGC... Era interessante saber porquê...No caso do Bobo Keita, foram decisivas as viagens ao estrangeiro (Ghana, Nigéria...) com a seleção nacional, até 1960, ano em que ele passou à clandestinidade"...
E eis (mais) um capítulo da história da Guiné ainda por aprofundar !!!


Repare que a seleção de que Bobo Keita fazia parte, contava igualmente com um dos elementos fundadores do PAIGC, refiro-me pois ao caboverdiano Júlio Almeida (guarda redes, que deduzo estar na foto a que fez referência) , então técnico agrário da Granja de Pessubé, [onde trabalhou com] Amílcar Cabral !!!


A indicação e a consequente  transferência  de Júlio Almeida do futebol mindelense para a UDIB de Bissau foi iniciada, a pedido do clube guineense - creio que [no ínício dos] anos 50-   pelo meu pai [ Armadndo Lopes],  na altura de férias em S. Vicente, a ilha de natal de ambos.


Convém não perder de vista que ante a então apertada vigilância da PIDE, a "bola" foi  por sinal a via encontrada por Amílcar Cabral para a conglomeração, na periferia de Bissau, de guineenses e caboverdianos  em redor de ideais nacionalistas.

E falando ainda de futebol, recordo ter lido em tempos no blogue um poste que fazia referência ao papel dos soldados portugueses na Guiné, na "massificação" do futebol naquela antiga província ultramarina.


Obrigado por partilhar !

Mantenhas
Nelson Herbert



______________




Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8941: Notas de leitura (290): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho

(**) Comentário de Nelson Herbert ao poste de 2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense, nos anos 50


(...) "Apareceram também clubes de futebol como o Sport Lisboa e Benfica, 'por iniciativa de alguns nomes conhecidos da sociedade portuguesa, Gama das Construções [Gama] Lda, Pimenta do Cadastro, Casqueiro, etc.', e o Sporting Club de Bissau, 'sob a égide de Eugénio Paralta, irmão Zé Paralta, Chico Correia'...

"A UDIB já existia, diz-nos Cadogo Pai. No entanto, o desenvolvimento do futebol, 'trouxe mais um bafo de rivalidades, olhando a situação dos jogadores cabo-verdianos, importados pelo Benfica, que, para os atrair, os adeptos bem colocados, tinham que lhes oferecer bons empregos. Bons rapazes, no fundo, Antero, os sinais [?] Tcheca, Marcelino Ferreira (Tchalino), etc." (1ª Parte, p. 6).

(...) A origem das equipas de futebol da Guiné é, por sinal, uma das temáticas que há meses vinha eu já ensaiando propor a 'debate' a (e como contribuição para) o blogue ...Sobre esta temática tenho eu recolhido alguns testemunhos, por incentivo do meu próprio progenitor...por sinal, da leva dos futebolistas cabo-verdianos que povoaram o meio desportivo guineense da época. Aliás, modalidade-rei, com a qual os cabo-verdianos estavam em certa medida familiarizados, através dos ingleses que, pelas passagens pelo Porto Grande da Ilha de São Vicente, introduziram o futebol e o 'cricket'...Quanto a este último. facto curioso, nos demais territórios 'ultramarinos' de Portugal, foi o único onde a modalidade pegou e conserva ainda alguns resquícios da sua prática.

Dessa 'hegemonia' de futebolistas cabo-verdianos...Antero, Marcelino (Gazela), Armando Lopes (Búfalo Bill , meu pai), Tcheca, Júlio Almeida (referenciado como um dos fundadores do PAIGC), na sua maioria atletas do Sport Bissau e Benfica e da UDIB (caso do meu pai que, 'importado' de Cabo Verde, inicia a sua carreira na UDIB,transferindo-se anos mais tarde para o Benfica de Bissau), houve na época a necessidade de se contrabalançar essa então 'primazia' de futebolistas das ilhas, pelas razões já expostas acima...

E seria pois com base nesse pressuposto que nasceria o Sporting Club de Bissau (clube de que fui futebolista júnior, apesar da minha paixão clubística pela UDIB), outrora Império, e no qual militaram numa primeira fase da sua fundação, e na sua quase totalidade , futebolistas originários da Guiné. 'Cabo-verdianos' do Sporting viriam depois... e entre os nomes sonantes dessa época, cito aqui o nome de 'Djinha.'" Almeida...

Por iniciativa dos irmãos Paralta, e de mais um lote de futebolistas, de novo, na sua maioria cabo-verdianos que, na época do defeso do campeonato provincial, praticavam o ténis nos adstritos 'courts' do então estádio Sarmento Rodrigues, nasceria a ideia de fundação do Tenis Club de Bissau...

Eis pois aqui uma proposta de 'debate' e de recolha de testemunhos de que o Blogue tem sido profícuo...

Por exemplo, que papel teve a 'tropa'.  na sustentabilidade do futebol na Guiné, pelo menos a nível das equipas do interior do país, alguns, que com início da guerra deixaram de ser parte do campeonato provincial da Guiné.

Entretanto, relativamente à participação das equipas do futebol guineense, incluindo a própria seleção provincial, nas competições regionais africanas da época...Bobo Keita, um histórico comandante da guerrilha e talentoso futebolista guineense, entretanto já falecido, recordou em tempos, em entrevista por mim conduzida, o seu primeiro contacto com a ideia da necessidade da emancipação do homem africano...Aconteceu pois aquando de uma digressão da seleção provincial da Guiné ao Gana de Kwame Nkrumah (...)

(***) Vd. poste de 15 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6853: Futebol e nacionalismo na década de 1950 (Nelson Herbert, filho do jogador da selecção da província, Armando Lopes ou Búfalo Bill)

(****) Último poste da série > 24 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8942: Notas de leitura (291): Arquitectura Tradicional da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

14 comentários:

Luís Graça disse...

O A. Marques Lopes, nosso camarada, Cor DAF, que escreveu o posfácio do livro e que deu apoio técnico ao autor, mandou-nos a seguinte informação, hoje:

"O livro do Norberto está à venda na UNICEPE e numa livraria de Coimbra (cujo nome não sei mas poderei saber). O preço é 15€.

"No entanto, eu tenho na minha garagem 56 exemplares empacotados que o autor cá deixou para vir alguém mais tarde buscar. Disse-me para não lhes mexer, mas eu já lhe perguntei, dado haver pedidos, se não o poderei fazer. Se ele me responder que sim poderei enviar para quem quiser.
Abraço A. Marques Lopes".

Mail do A. Marques Lopes:

cantacunda@netcabo.pt

Luís Graça disse...

Por gentileza do A. Marques Lopes, recebi pelo correio um exemplar do livro, que ele comprou na UNICEPE (e que eu ainda não paguei...), justamente para oferecer ao ortopedista que me operou ao meu joanete... Nada mais nada menos do que o nosso camarada Francisco Silva. Ofereci-lho há dias com uma dedicatória especial...

Hoje estive com ele de novo, já me tirou alguns dos 25 agrafos (de "aço"!)... Mesmo com 40 doentes na consulta externa, só esta tarde (!), o Francisco ainda arranjou tempo e disposição para conversarmos um bocadinho, sobre a "nossa Guiné", enquanto me "desagrafava"...

Disse-me que estava a ler o livro com muito interesse, nos poucos momentos livres que tem à noite... O Francisco, que esteve à frente do Pel Caç Nat 51, em Jumbembem (*), diz que ainda chegou a estar escalado para seguir para Guidaje - confidenciou-me ele...

______________

(*) Vd. poste de

26 de Abril de 2010
Guiné 63/74 - P6252: Tabanca Grande (215): O Francisco Silva, hoje cirurgião, ortopedista, no Hospital Amadora-Sintra, foi o substituto do infortunado Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves da Costa, do Pel Caç Nat 51, morto por um dos seus homens em 16 de Julho de 1973

Mário Beja Santos disse...

Luís e Nelson, também já li o livro que o António Marques Lopes teve a gentileza de me mandar, presumo para efeitos de recensão. Como o Luís escreveu, é um testemunho raro de um combatente que nos oferece um quadro vivo da infância, da vida de Bissau e da partida para o mato. É extremamente útil o quadro do início da guerrilha, com desassombro não esconde que houve dureza e brutalidade parte a parte. Traz um depoimento arrasador quanto às possíveis implicações de Osvaldo Vieira no assassinato de Amílcar Cabral. São discutíveis as suas apreciações sobre Nino Vieira, mas os grandes combatentes também guardam ressentimentos, é o lado negro da mediocridade. E abre luz nalguma dessa matéria tabu, incandescente, dos acontecimentos posteriores ao 25 de Abril e até ao dia da chegada a Bissau. Francamente, acho que o Cote não foi muito feliz sobre a metodologia utilizada, interrompe desabridamente testemunhos por vezes eloquentes, remetendo-nos para a Wikipedia. Logo que acabe este espantoso diário do JERO, editado em 1965, darei a minha opinião sobre este documento do Bobo Keita. Um abraço do Mário

Luís Graça disse...

Mário:

Farás depois também a tua leitura. Concordo com a tua crítica, relativamente às desnecessárias e palavrosas "buchas" da Wikipédia e outras fontes, interrompendo o caudal do discurso do Bobo Keita...

Uma má opção do autor, que podia pôr tudo isso em notas de rodapé ou no final do livro... Falta de experiência, sem dúvida... Também não gostei da organização por capítulos, tipo folhetim...

Mas o mais importante é o resultado, é o livro, é um guineense escrever um livro sobre outro guineense, neste caso um homem com 13 anos de "mato"...

Há revelações inesperadas, pelo menos para mim: por exemplo, a participação do Mamadu Indjai no complô contra o Amílcar Cabral... O mesmo Mamadu Indjai que pôs o regulado do Corubal a ferro e fogo em Julho e Agosto de 1969 e que a tropa do Torcato Mendonça (CART 2339, Mansambo, 1968/69) irá ferir gravemente na Op Nada Conta (em que estivemos envolvidos, a CCAÇ 12, o Pel Caç Nat 53, a CART 2339 e o BCP 12 / CCP 122 e 123...).

Quanto ao 'Nino' Veira, adorei aquela de ele levar 2 ajudantes carregados de mesinhos, um à frente e outro atrás... O depoimento do Bobo Keita sobre o "rapaz macho" do Nino não é de facto muito abonatório... Mas teremos que o confrontar com outras "versões"... Não será apenas uma questão de "ódio de estimação", gerado pelo golpe de Estado de 1980... Os homens nunca são objetivos quando falam dos outros, amigos ou inimigos...

Anónimo disse...

Caro Luis

Oportuna a informacao enviada pelo A. Marques Lopes... ja que na sequencia de reaccoes a um "post"a proposito do livro, na minha pagina do Facebook, tenho andado as voltas para tentar, satisfazer o interesse demonstrado por alguns "amigos" na identificacao de uma livraria ou via online de aquisicao livro !

Por outro lado, confesso nao ter lido ainda o livro cujo exemplar gentilmente cedido pelo autor deduzo estar a caminho...mas calculo o quao arrasador,tera sido para o Mario, o depoimento de Bobo Keita quanto a implicacao de Osvaldo Vieira na morte de Amilcar Cabral... diga-se em parte corraborada por alguns indicios e provas materiais nesse sentido !!!

Mas a titulo de curiosidade e relativamente a esta passagem do post, que assumo tambem do livro - "Vencedora da Série D, a seleção guineense foi disputar a final em Acra, capital do Gana"-

...de acordo com as "memorias" recolhidas do meu "velho"... consta-me ter sido essa edicao do torneio, a ultima nesses moldes e baptizada de Taca Kwame Nkrumah... ja que nas edicoes posteriores, a prova assumiria um outro formato e uma outra designacao... a ainda hoje Taca das Nacoes Africa, CAN (Coupe d'Afrique des nations de football)...


Nelson Herbert

Antº Rosinha disse...

Com tanta gente culta e com estudos nos movimentos de libertação e tão pouco escreveram.

É um achado, quando aparece alguem com coragem para se abrir.

E, sabendo que todas as equipas de futebol desde o tempo de Matateu, Peyroteo e Coluna e Fialho e Mário Wilson, tinham já um sentido de nacionlismo, deve é perguntar-s porque da equipa de Bobo Keita, poucos seguiram o caminho de Keita, tal como Chipenda e muito poucos mais.

Só saberemos (eu tenho uma ideia muit vaga, porque conheci muitas equipas), se aqueles que ainda vivem, escreverem, pois muitos são doutores e treinadores e sabem muito bem como se escreve.

Luís Graça disse...

Rosinha:

Boa questão, mas não basta saber escrever... Será que eles querem mesmo escrever ? E são livres de o afzer ?

Muitos destes homens (e mulheres) condenaram-se, eles próprios, ao silêncio, por pudor, por amargura, por lassidão, por descrença, por sentimento de culpa...

Como comentava há uns anos atrás um médico angolano, militante do MPLA, que acreditou em (e lutou por) um ideal, a construção de um país novo e de um "homem novo", na sua amada Angola... Em 2003, ele, desencantado, sorria para mim, com um sorriso amargo, com quem sorriso docemente amargo que tinham ainda os angolanos 2003, e interrogava-se, com auto-ironia:
- Um homem novo!?... Onde está o homem novo angolano com que eu sonhei ?!

O mesmo se passa hoje com um PAIGC totalmente desacreditado, com uma revolução que devorou os seus próprios filhos e com uma Guiné-Bissau, ou melhor, com um Estado guineense, que está nos antípodas da imagem-cliché, a utopia cabraliana, que os amigos do Ocidente quiseram passar no Ocidente, através do cinema, dos livros, da arte, dos jornais, etc., e que foi muito eficaz em termos de marketing político e diplomático...

A realidade é, quase sempre, brutal, destrói os nossos sonhos e torna-se pesadelo...

Quem tem, afinal, coragem para se confrontar, aos 60, 70, 80 anos, com os ideais de juventude dos seus verdes 20 anos ? ...

antonio graça de abreu disse...

Meu caro Luís

Assino por baixo, com todo o gosto, este teu último comentário.
Não devemos ser ingénuos toda a vida.
Já vimos muita água a passar por debaixo das pontes, mesmo quando não havia pontes e nós inventámos pontes.
Temos idade para ter juízo, às vezes um triste juízo, mas juízo.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

A propósito de futebol

Imaginem a seguinte cena:
-Numa emboscada após os tiros da ordem,faz-se silêncio..
Oh tuga..como é que ficou o Benfica?
!!! o "cabrão" quer saber a minha posição..muda cautelosamente de lugar e pergunta..Oh "turra de merda porque é que queres saber?
...é é que eu sou do Benfica.
Durante quase uma hora gerou-se uma discussão violentíssima entre "tugas e turras,tugas e tugas turras e turras,cada um defendendo a sua cor "clubística"..
No final fez-se novamente silêncio..tugas e turras meteram o rabinho entre as pernas..recuaram estrategicamente e foram às suas vidas..

Qualquer coincidência com esta ficção é pura realidade.

C.Martins

Anónimo disse...

Rectificação

Primeiro perguntou e depois é que mudou de posição..assim é que foi.

C.Martins

Antº Rosinha disse...

Luis, o nosso raciocínio (como tuga, colon) que temos o nosso tchon neste rectângulo, nunca retrata o sentimento genuinamente dos Cabrais, Baldés ou Agostinho Neto.

E aproximando mais,nem sequer retrata o sentimento de Alberto João Jardim.

Eu já ouvi discursos iguaisinhos de AJJ aos de Nino.

Um no Chão da Lagoa, outro na praça do império.

Luis, o teu raciocínio que tem toda a lógica e como sempre desenvolves bem, quem me dera a mim, não consegue explicar o que mais sempre intriga os que de nós viram e permaneceram até ao fim:

Alem de os lideres que morreram sem escrever, qual a razão porque em cada Queita que abandonou a equipa de futebol sobraram sempre os outros 10 no relvado?

Esses 10 convenceram-nos? enganaram-nos?

ou convenceram-se? enganaram-se?

Se os africanos, tanto os que ficaram em África, como os que se afastaram (emigraram) não se pronunciarem, nunca saberemos o que se passava nos bastidores daquela luta.

Isto penso eu, assim como estou de acordo quando dizes, que alguns se condenam ao silêncio.

Mas se não escreverem e explicarem, esses nossos povos ermons ficam na dúvida se veneram herois e libertadores, se traidores ou opressores, se vítimas ou carrascos.

O que para uns é uma coisa, para outros é o oposto.

Luís Graça disse...

Rosinha (já que estamos neste tu cá tu lá, e estou aqui com a pata ao alto, vendo uma nesga do mundo pela janela, em dia triste e feio de inverno):

Falsificações da história, sempre as houve e haverá... Mas hoje temos muito mais conhecimento, mais produção historigráfica, em quantidade e qualidade, mais filtros, mais pensamento crítico...

Celebrámos o ano passado o 1º centenário da república... Repara como a 1ª república e muitos republicanos (só para dar um exemplo)trataram a história e figuras históricas nacionais: (i) Camões "republicano", (ii) Pombal "destruidor da maçonaria!, (iii)Gomes Freire, "perseguidor dos franceses", (iv) os jesuítas, "violadores, assassinos, ladrões e envenenadores"...

Mas podia dar outros exemplos: cristãos novos/cristão velhos...

Em todas as épocas e em todos os regimes, mesmo em democracia, temos tendência para "diabolizar" os outros... Não acredito na natureza "intrinsecamente má" dos seres humanos, apesar de os armários da nossa história estarem cheios de cadáveres...

Não gosto de dicotomizar os homens e as mulheres que vêm à boca de cena da história representar os seus papéis (uns mal, outros bem): heróis e libertadores, traidores e opressores, vítimas e carrascos...

Concordo que temos de fazer (e melhor) a "pedagogia" da história: que sabem hoje os nossos putos sobre figuras nacionais como o Egas Moniz, D. João II, o Afonso de Albuquerque, o Pombal, o Dom Miguel, o Afonso Costa, o Salazar, o Mouzinho de Albuquerque, o Salgueiro Maia... ?

O mesmo se passa na Guiné-Bissau, com os "grandes combatentes da liberdade da pátria" cujos ossos (?) repousam na Amura, desde o Domingos Ramos ao Amílcar Cabral, sem esquecer o Osvaldo Vieira, que terá traído o "fundador da nacionalidade"...

Há tanta pergunta (ainda) sem resposta... Mantenhas. LG

Luís Graça disse...

Até no futebol, muito antes da política, se instalou, manifesta ou subrepticiamente, natural ou perfidamente, a infeliz expressão usada na Guiné "Burmedjos" e "Pretos Nok"...

Faz-me lembrar outras que se usa(ra)m no nosso país para dividir os portugueses: marranos (judeus), malhados (liberais), faschos, comunas, mouros, morcões...

Temos uma "miserável" tradição de antissemitismo, que ainda perdura nos nossos provérbios e "lugares comuns" da língua portuguesa... Devido ao Deicídio (o pecado pela "morte de Jesus Cristo"), imputada pelos cristãos ao coletivo (!) do povo judeu, temos aranzéis picarescos como este de um cristão caloteiro, que se recusava a pagar ao "usurário" do judeu:

"À segunda não te pago,
à terça é dia aziago,
à quarta vendeste-Lo,
à quinta crucificaste-Lo,
à sexta enterraste-Lo,
o sábado guarda-lo tu,
o domingo guardo-o eu,
vem outro dia, judeu".

Fonte: Ricardo Jorge -"Pro Israel". In: Samuel Schwarz - Os cristãos-novos em Portugal no séc. XX.Lisboa; Cotovia, 2010, p. 27 1ª ed., 1925).

Carlos Silva disse...

Meus Caros Amigos & Camaradas

Refere o Luís no 2ºcomentário:
..."foi o substituto do infortunado Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves da Costa, do Pel Caç Nat 51, morto por um dos seus homens" Há testemunhas presenciais dos factos ou que estavam próximas do local do triste acontecimento, embora não tivessem assistido à prática do acto. vid P6219.
No entanto, não sei porquê e qual o fundamento que motivou a Comissão para o Estudo das Campanhas de África do EME, no Livro 2 dos Mortos da Guiné, na página 215 registar como causa da morte: ACIDENTE, OUTROS MOTIVOS. Será que a Comissão fundamentou o seu registo no relatório do Proc Disciplinar ou Proc Crime porventura instaurado contra o dito soldado? Enquanto que a versão das testemunhas é no sentido de que o malogrado Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves da Costa foi morto por um dos soldados do Pel Caç Nat 51.
Termino com votos de melhoras para ti Luís.
Com um abraço
Carlos Silva