Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 24 de fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1544: Quem conheceu o Furriel Mil Art Fernando J. G. Ribeiro, morto na picada de Binta-Farim em Julho de 1973? (Luís Graça)
Lisboa > Belém > Monumento aos Mortos do Ultramar > O Furriel Fernando Gaspar Ribeiro é um dos milhares nomes, gravados no mármore, que constam no impressionante memorial afixado nas muralhas do Forte do Bom Sucesso.
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem de alguém que foi das relações de amizade de um camarada nosso, morto na Guiné, e que pretende saber mais pormenores sobre a sua vida e morte. Por razões de sigilo, transcrevo apenas uma parte do teor do mail que recebi (e que circulou internamente na nossa tertúlia):
Bom dia, Luís:
Fiquei muito contente por me ter escrito e então vou contar-lhe o que se passou: (....) O Fernando Ribeiro (...) foi para a Guiné, onde esteve 24 meses. Já depois dos 22 meses a que tinha direito, foi buscar mantimentos a algures, pois dizia que estava cansado de estar no mesmo sítio. Sei que no regresso, na picada entre Binta e Farim, uma mina rebentou (...).
(...) Agora com a Internet, eu vou pesquisando coisas de que gosto e esta foi uma delas: a guerra do ultramar (...).
(...) Num dos comentários, feito pelo João Tunes, a descrição dum acontecimento era esta: quando morre um camarada nosso é como se morresse uma parte do nosso coração, então quando um camarada que ia um carro, sentado em cima dum saco de areia ao lado do condutor, foi morto por uma mina, dizendo-nos:
- Estou fodido, foderam-me a vida e eu sei que não me safo, mas digam à Fulana Tal que estou a pensar nela (1).
(...) Tudo o que me possam dizer do Fernando Ribeiro, Furriel Miliciano de artilharia, eu agradecia (...) Faleceu em Julho de 1973 (2). Foi o único da companhia que não veio.
(...) Sei que esteve também em Bafatá, também perto do Rio Cacheu e chegou a estar mesmo na fronteira do Senegal (...) .
Agradeço a sua atenção por este caso (...).
2. Comentário do editor do blogue:
Fico sensibilizado por saber que o nosso blogue já chega a muitas partes e é lido até por muita gente que nunca esteve na Guiné, nem foi tropa: por exemplo, filhos de camaradas nossos que já morreram, outros familiares, ex-namoradas ... E há estórias de partir o coração... Há filhos a querer saber por onde andou o pai na Guiné... Em vida, lá em casa nunca se falava da Guiné... Por pudor, por respeito, por constrangimento... Entretanto, o pai morre precocemente, de doença ou de acidente... Há um pedaço da vida dele que passa a ser um buraco negro na memória de todos e de cada um, a nível da família...
Com culpa e lágrimas nos olhos, vem-me perguntar se os posso ajudar a encontrar um pista, um nome, uma unidade, uma terra, uma camarada.... Aconteceu-me hoje, por exemplo, com uma jovem enfermeira que me procurou, e cuja pai morreu há uns anos, de cancro no estômago... Ela era demasiada nova (15 anos) para puxar a conversa sobre a guerra e a Guiné... A mãe só o conheceu mais tarde, depois da desmobilização... A mala dele perdeu-se na viagem de regresso a casa... Não há fotos, não há aerogramas, não há memórias,traços da passagem do pai pela Guiné...
E agora aparece-me esta mulher a evocar um amigo que morreu na guerra... Confirmei que o Furriel Fernando [José Gaspar] Ribeiro morreu em combate em 15 de Julho de 1973... Dele não não sei mais nada. Mas espero que outros camaradas e amigos possam trazer mais algumas pistas. Ficarei feliz se pudermos ajudar esta e outras mulheres recuperar e a fortalecer as suas recordações de juventude... Não traremos de volta, infelizmente, o Fernando (ou qualquer outro dos nossos camaradas que morreram), mas pode ser que apareça alguém que o tenha conhecido, e nos diga algo mais sobre ele e as circunstâncias em que morreu...
Esta nossa visitante não nos pediu confidencialidade... Pelo contrário, teve a coragem de dar a cara e fazer um pedido (público) de ajuda. Entendi, no entanto, que ela não pode ser exposta, em termos mediáticos, e tem direito ao respeito pela sua privacidade e intimidade... Decido publicar o seu caso, sem a identificar, e recorrer à nossa tertúlia. As nossas melhoras saudações tertulianas para ela. E aqui fica a porta aberta para esta ou outras mulheres passarem também a fazer parte deste nosso grupo de amigos e camaradas da Guiné... Elas foram, afinal, as que ficaram na rectaguarda, amando-nos, rezando por nós, escrevendo-nos, animando-os à distância... (LG) .
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post 21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - CCCI: Morreu um soldado português no Afeganistão... (A. Marques Lopes / Afonso M.F. Sousa / João Tunes)
(2) Fernando José Gaspar Ribeiro, furriel do exército, morto em combate em 15 de Julho de 1973, natural de Condeixa-A-Nova, unidade mobilizadora: BII 17... Vd. Lista disponível, em formato pdf, no sítio do António Pires > Moçambique - Guerra Colonial > José da Silva Marcelino Martins > Militares que Tombaram em Campanha (1961-1974) > Guiné
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1 comentário:
Boa noite a todos
Ao Dr Luis Graça, agradeço o sigilo.
A todos o meu agradecimento pelo que me têm mandado. Nunca pensei que seria possivel.
Considero-me uma camarada vossa
Maria Luisa
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