Texto do José Teixeira, (ex-1º cabo auxiliar enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70) com mais uma das suas estórias (1):
Voluntário na tropa... nem para comer!
Por Zé Teixeira
Numa tarde da minha recruta, depois de nos ser explicado o que são as estrias da arma e para que servem, o alferes instrutor pede um voluntário para ir junto cabo quarteleiro levantar as estrias de uma G3, para melhor explicar e . . . houve um pato que caiu.
Quando regressou com um valente pontapé no traseiro, ainda apanhou uma gargalhada geral dos companheiros do seu grupo. Com isto aprendemos a lição de que "voluntário na tropa, nem para comer”...
Estava a meio da comissão, a aguardar que aparecesse um meio de transporte que me levasse até Bissau, para um mês de férias bem merecido junto dos meus. Dos três enfermeiros da Companhia, um estava em Bissau, regressado da Metrópole à espera de transporte para voltar a Buba. Os outros dois repartiam-se nas saídas para a protecção do grupo de trabalho na construção da nova estrada, nas emboscadas montadas para o mesmo fim, no patrulhamento e na protecção às colunas de reabastecimento de Quebo. A tudo isto juntava-se o trabalho na enfermaria do quartel de assistência aos militares e à população.
No dia anterior tinha regressado já noite, do apoio e segurança na estrada. Nesta manhã seguia a coluna para Quebo e à minha Companhia competia-lhe fazer a batida dos flancos e a picada da via, à procura de eventuais minas, até perto de Nhala. À tarde, viria em princípio a Dornier do correio e talvez houvesse uma vaga para me deixar em Bissau. Feitas as contas, ainda daria tempo para eu ir na coluna e regressar.
Dado que por uns dias ficaria apenas um desgraçado enfermeiro em serviço, prontifiquei-me e oferecei-me voluntariamente para substituir o colega em serviço. Contra a vontade do companheiro que perante a minha insistência anuiu, apresentei-me ao comandante da força, e, pronto para sair, junto à pista, pelas cinco horas da matina, lembrei-me de que “voluntário na tropa, nem para comer “!
Não hesitei mais, fui ter com o meu amigo Catarino, pedi desculpa, entreguei-lhe a bolsa de primeiros socorros e disse-lhe apenas:
- Vai tu, é a tua vez!
Cerca de meia hora depois a frente da coluna cai numa emboscada., quando detectava um campo de minas. Mal acalmada a situação depois de prolongado tiroteio, inicia-se a desminagem. Um camarada, mais esperto, vê um tronco de palmeira ao longo da picada e decide ir ver o que se passava lá mais à frente. No topo da palmeira estava uma AP à espera dele.
Complicada situação para o enfermeiro que tinha a missão de o socorrer. As minas estavam por perto e o IN também. O ferido esvaía-se em sangue, pois que uma perna tinha desaparecido com o impacte. Felizmente não fora uma bailarina muito usada por estas bandas de Buba.
Nestes momentos é que se vê e se sente quem são os heróis. Um camarada junta-se ao enfermeiro e diz-lhe:
- Vamos lá os dois buscar o Miguel.
Não pensaram no perigo e trouxeram-no para berma, prestaram-lhe os socorros possíveis e recambiaram-no para mim em Buba, de onde seguiu para Bissau e terminou a sua comissão.
Outras minas estavam no terreno e foram levantadas.
Mais à frente estavam buracos abertos no meio da estrada, tipo campas para enterrar cadáveres com umas mensagens muito convidativas
E eu . . . mais uma vez fui bafejado pela sorte.
J. Teixeira
Esquilo Sorridente
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. estórias anteriores:
10 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1059: Estórias do Zé Teixeira (13): A Maria-tira-cabaço-di-branco
7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1055: Estórias do Zé Teixeira (12): O Balanta que fugia do enfermeiro
4 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1044: Estórias do Zé Teixeira (11): As vitaminas abortivas
4 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1043: Estórias do Zé Teixeira (10): O embalsamador amador
4 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1042: Estórias do Zé Teixeira (9): camaleões, putos e cobras
26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCVI: Estórias do Zé Teixeira (8): Do tan-tan ao pum-pum, um casamento em Mampatá
20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIX: Estórias do Zé Teixeira (7): Síndrome de guerra
19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXVIII: Estórias do Zé Teixeira (6): um atribulado regresso
21 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLVIII: Estórias do Zé Teixeira (5): as abelhas, nossas amigas
21 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLVII: Estórias do Zé Teixeira (4): o lugar do morto
15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXVIII: Estórias do Zé Teixeira (3): a festa da vida
11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXIV: Estórias do Zé Teixeira (2): o Conceição ou o morrer de morte macaca
9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXIII: Estórias do Zé Teixeira (1): Dôtor, Bô ka lembra di mim ?
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Viva,
é só para dizer que ainda te lemos.
rainbowman e malta dos foruns do Publico (não, o eljump não :D)
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