Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 22 de março de 2007
Guiné 63/74 - P1619: Questões politicamente (in)correctas (27): Teixeira Pinto, a Coroa e a República (João Tunes)
Qual era a bandeira do Capitão João Teixeira Pinto, o pacificador da Guiné (1912-1915)? A verde-rubra, da República, ou a azul e branco, da Monarquia ?
Mensagem do João Tunes:
Caro Luís,
No post P1615 (1) lê-se: “o capitão Teixeira Pinto (na qualidade de chefe do Estado Maior da Guiné entre 1912 e 1915) conquistou o Ôio, contrariando as instruções expressas do governador e também comandante militar da Guiné. Entrou depois no chão dos Balantas e dominou-os, submetendo-os à Coroa Portuguesa.”
Porque o rigor também é uma forma de respeitar as nossas figuras históricas e o depoente sobre a publicada evocação histórica de Teixeira Pinto é seu parente e professor universitário, gostaria que me esclarecessem como foi possível que o capitão Teixeira Pinto, tendo estado na Guiné entre 1912 e 1915, submeteu os Balantas à “Coroa Portuguesa”, se a República foi instaurada em Portugal (sem recaídas monárquicas até ao momento) em 1910?
Abraço do João Tunes (ex-Alf Mil Transmissões, Pelundo/Teixeira Pinto e Catió, 1969/71).
2. Comentário do editor do blogue:
Meu caro João: Em princípio, trata-se de um lapsus liguae. São pequenas imprecisões, que acontecem a quem escreve para o ciberespaço, como tu e eu. É como dizer soba em vez de régulo. Mas, naturalmente, é ao autor do texto, A. Teixeira-Pinto, professor da UTAD (e não da Universidade da Beira Interior, como eu por lapso o apresentei no post, lapso de que peço desculpa ao meu colega mas que já foi corrigido) que cabe fazer a devida errata ou esclarecer melhor o seu pensamento.
Em termos lógicos e cronológicos, o Capitão João Teixeira Pinto, o pacificador da Guiné (como dizem os nossos historiógrafos militares) fez a campanha do Oio (e a primeira de quatro campanhas miliares, entre 1913 e 1915), sob a bandeira verde-rubra (2)... Não sei se ele era monárquico, nem para o caso isso aqui interessa. Há um excelente texto de Carlos Bessa sobre a sua figura e acção na Guiné, de que transcrevo os seguintes trechos (valerá a pena fazer, oportunamente, a transcrição integral do texto, para conhecimento dos nossos amigos e camaradas da Guiné). Uma coisa parece certa: a Guiné-Bissau, em termos territoriais e populacionais, não seria o que é hoje, sem a visão estratégica e a acção destemida, enérgica e sangrenta do Capitão Teixeira-Pinto, ao serviço de Portugal e da República:
Teixeira Pinto, pacificador da Guiné, "enclave" unificado
por Carlos Bessa
Proclamada a República, a administração portuguesa continuou a impor-se cada vez mais segura, ora aos comerciantes, ora a régulos poderosos e interesseiros como Adbul Injaí. Quando necessário usava a força contra as etnias animistas. Os Franceses não se conformavam com o perdurar do "enclave" da Guiné, tropeço para a expansão na Senegâmbia.
Até que, em 23 de Setembro de 1912, chegou um oficial diferenee. Nascera em Moçâmedes, bebera o saber de guerras no sertão de militares coloniais como João de Almeida, de cuja coluna fez parte nos Dembos, aprendendo a estudar primeiro o inimigo e o meio e só atacar depois. Não era um teórico. Cuidava do pormenor. Beneficiou de os governadores lhe darem carta branca, embora tendo de enfrentar os assimiliados da Liga Guineense, criada após a república para fins escolares e educativos, mas buscando com o tempo crescente influência política.
O novo chefe do Estado-Maior concentrou esforços entre Cacheu e o Geba para evitar o choque com os Frnaceses e encurtar linhas de comunicação. Dispondo de poucas tropas, apoiou-se em chefes mercenários nem sempre modelares, como Abdul Injaí e Mamadu Cissé, ou no administrador e oficial de segunda linha Calvet de Magalhães, que soube captar o régulo Monjur e fazer dos fulas do Gabu aliados fiéis. Quadros militares de carreira queria poucos e dispensou-os. Elegeu como objectivo liquidar as bolsas animistas, apoiado nos islamizados, que utilizou também contra os grumetes. Dentro desta ordem de ideias organizou quatro campanhas: a do Oio, por onde começou, por ser a região mais adversa, de Abril a Agosto de 1913, na transição do cacimbo para a época das chuvas; a dos manjacos e papéis de Cacheu, de Janeiro a Abril de 1914; contra os balantas de Mansoa, de Maio a Julho de 1914; e contra os papéis de Bissau, de Maio a Agosto de 1915 (...).
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1615: O Capitão Diabo, herói do Oio, João Teixeira Pinto (1876-1917) (A. Teixeira Pinto)
(2) Carlos Bessa - Guiné. Das feitorias isoladas ao 'enclave' unificado. In: Manuel Themudo Baraa e Nuno Severiano Teixeira, ed. lit - Nova Históriaa Militar de Portugal. Vol. 3. S/l: Círculo de Leitores. 2004. 257-270.
Leia-se também o próprio Teixeira Pinto, em livro de memórias que eu não conheço > João Teixeira Pinto - A ocupação militar da Guiné. Lisboa: Agência Geral das Colónias. 1936.
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