terça-feira, 20 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1617: A mística e a nostalgia do espírito de corpo dos comandos (A. Mendes, 38ª CCmds)


1. Recebi, em 17 de Fevereiro último, uma foto (actual) do Amílcar Mendes. Escreveu-me ele: "Amigo Luís, como vês a idade não perdoa. Aqui vai uma foto dos dias de hoje, que as de ontem já tu tens. Um grande abraço. A. Mendes".

O nosso camarada, que pertenceu à 38ª CCmds, já aqui publicou alguns posts notáveis. No entanto, o último que dele publiquei remonta a 18 de Janeiro de 2007 (1).

Notei, de resto, alguma amargura nas suas palavras, quiçá mesmo desilusão, em relação ao nosso blogue:

"De há uns tempos a esta parte tenho sido mais leitor que interveniente, porque algumas coisas que vou lendo no Blogue, sobre o tempo da guerra da Guiné, me obrigam a estar calado. De facto, os comentários que vou lendo confundem-me ao ponto de não saber se falamos da mesma guerra e da mesma Guiné".

"Primeiro que tudo estou no Blogue porque sou um ex-combatente da Guiné e é essa a razão deste Blogue. Trocarmos impressões sobre o que passámos é saudável. A razão por que é que passámos, isso é já história política. Para isso existem os letrados e iluminados que escrevem sobre as causas e consequências" (...).

Na altura fiz-lhe o seguinte comentário:

"A gente ainda não se conhece pessoalmente mas já temos falado várias vezes ao telefone (...) Há muitas feridas de guerra, no corpo e na alma, que não saram e que vão morrer connosco. (...). É uma problemática dolorosa, essa, a do deve-e-haver da nossa guerra em África (...).

"Como qualquer membro da nossa tertúlia, tu tens direito à palavra. Não preciso de te dizer que o teu testemunho, como homem e como operacional, me sensibilizou, e tem enriquecido o nosso esforço colectivo para reconstruir e divulgar a nossa memória da guerra na Guiné (...).

"Nunca escondemos uns dos outros que não pensamos todos pela mesma cabeça, nem sentimos todos pelo mesmo coração... A nossa riqueza está justamente no nosso pluralismo e na capacidade de gerir as nossas diferenças... É certo que nem sempre lemos o que outro escreve... Tu, por exemplo, se calhar não entendeste bem o que o Vitor [Junqueira] quis dizer, ou então foi o Vitor que não comunicou bem... Compete a ele esclarecer-te, se for caso disso. Mas eu insisto: temos que aprender a ouvir os outros"...

Depois disso ele limitou-se a mandar uma foto pessoal (que reproduzo acima) para actualização dos seus dados constantes da página respeitante à nossa tertúlia. Fico-lhe grato, mas continuo à espera que ele retome a sua colaboração no blogue, contando-nos mais estórias da sua actividade operacional no TO da Guiné, enquanto comando da 38ª...

Obrigado, Amílcar. Fico à tua espera. E já agora faço-te uma surpresa (re)publicando um dos teus primeiros textos, inserido na 1ª série do blogue (mas sem o teu nome no título)... É um texto poético (por onde perpassa a mística e a nostalgia do espírito de corpo dos comandos, mas também a exaltação do tempo de juventude) para tu releres, noite dentro, no teu táxi, algures na noite de Lisboa... E aparece quando quiseres e puderes, que o nosso semáforo está sempre verde... para os amigos e camaradas da Guiné (LG).

Foto: © Amilcar Mendes (2007). Direitos reservados.




Guiné > Brá > 1965 > A velha companhia de comandos, formada na Guiné, Em formatura, no final do curso, prontos para para receberem com orgulho os seus crachás. Esta CCmds teve apenas um ano e poucos meses de existência.

Foto: © Virgínio Briote (2005) . Direitos reervados.


2. Post originalmente publicado no Blogue-fora-nada, em 1 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXI: O regresso dos Comandos (A. Mendes)


Texto de A. Mendes (... com um abraço ao Briote, um dos 'velhos comandos' de Brá, que aparece aqui, na foto ao lado) (2):

Escolheram um entre cem. A elite do exército. São 130 com oficiais, sargentos e praças. São uma Companhia de Comandos que aguardam o fim do silêncio ao cair da noite. Todos envergam o dolmen que ostenta o crachá e o lenço preto será o respeito pelos que ficaram. São todos veteranos de África. Soldados que guardam no fundo do peito, após o regresso de África, a nostalgia indefinível de terem deixado lá longe, do outro lado do mar, a liberdade de uma vida há pouco começada. Pois lá longe havia a guerra e nela sentiam-se livres, livres e iguais, livres e pobres. Ricos, somente, dos seus músculos, das suas armas e da sua Audácia.

Lá longe até o vento tinha um certo gosto e a terra selvagem parecia cantar. É certo que havia medo e era preciso ter corajem. Uma bala perdida ou um estilhaço acabavam sempre por vencer.

A Pátria dos Comandos estendia-se de Lamego aos planaltos de Moçambique, onde as granadas erguiam a noite dos tempos para os bravos. Era aí que se batiam os jovens guerreiros que só em si próprios acreditavam, recitando por puro prazer o credo das suas legiões a milhares e milhares desses senhores palavrosos que se permitiam medir-lhes a glória ou a crueldade.

Foram felizes e todo-poderosos. Regressaram para cumprir os ritos da sua guerra. Para se recolherem. Para compartilhar, também, da sua Pátria faternal, beber em honra dos sacrificados, cantar com os camaradas de armas. Como já tinham feito outrora os seus irmãos, seguindo a tradição dos veteranos. Soldados das matas, marcados pela África onde se bateram para respeitar o juramento à Bandeira e ao Código Comando.
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. 16 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)


(2) O 1º Cabo Mendes, da 38ª CCmds (Os Leopardos) foi comando na Guiné, de 1972 a 1974. Bateu o território "de norte a sul, de este a oeste". Esteve em todos os sítios quentes: Morés, Cubiana-Churo, Oio, Cantanhez... E ainda "em Guidaje, no cerco de Binta a Guidaje, enterrando os nossos mortos na bolanha do Cufeu" (3)...

Vd. posts de

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1262: Guidaje: a verdade sobre o Cemitério de Cufeu (A. Mendes, 38ª CCmds)

1 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1232: O soldado comando Raimundo, morto em combate, não foi abandonado em Guidaje (A. Mendes, 38ª CCmds)

27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)

Vd. ainda os posts de:

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1199: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (1): Sete anos de serviço

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1200: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (2): Um dia de Natal na mata de Cubiana-Churo

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje

24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1207: Guidaje, Maio/Junho de 1973: a 38ª CCmds, na História da Unidade (A. Mendes)

Sem comentários: