segunda-feira, 24 de maio de 2010

Guiné 63/74 – P6461: Histórias do Eduardo Campos (13): Língua Portuguesa na Guiné: Em Perigo?

1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos a 2ª estória da sua ainda fresquinha viagem à Guiné:

CAÇ 4540 – 72/74 – SOMOS UM CASO SÉRIO
LÍNGUA PORTUGUESA NA GUINÉ: EM PERIGO?


Existe entre nós uma preocupação em ajudar os povos da Guiné e, felizmente, temos muita gente trabalhando intensamente nessa causa, na tentativa de atenuar a miséria que lastra naquele país.
Na minha recente curta estadia na Guiné, fiquei a ter uma nova preocupação (a ser verdade) e esta, para mim, é muito preocupante, já que mais uma vez vem demonstrar que os políticos deste País, ou andam a dormir, ou simplesmente não se interessam em inverter aquilo, que me parece, que com o decorrer do tempo estará irremediavelmente perdido.
Estou a falar da língua Portuguesa, ainda usada pela população, principalmente em Bissau onde, num determinado local, fiquei com a sensação que estava numa rua de uma qualquer cidade de França, já que só ouvi falar a língua daquele país.
Abordei então um grupo de cinco jovens, que me disseram, que dois deles eram da Guiné Conacri e os restantes da Guiné-Bissau.
Com o desenrolar da conversa, lá me foram dizendo que a presença da França, especialmente em Bissau, é muito forte em várias áreas, sobressaindo a cultural.
Ora com o Senegal acima e a Guiné Conacri abaixo, é natural que a língua Francesa se comece a impor à portuguesa.
Talvez com a minha expressão de surpreendido, aproveitaram para me dizerem: “O que é que queres, na área da cultura até parece que a França é que foi a potência colonizadora, já que investem muito mais nessa área do que Portugal.”
Fiquei perplexo, até admitia que na área dos investimentos financeiros a França possa ser mais forte do que a do nosso país, agora na cultura, não posso, nem quero acreditar.
Sinceramente, espero que me digam que estou enganado, que foi apenas “um incidente linguístico” e que um grupo de jovens quiseram brincar com um Tuga.
Seguem-se algumas fotos da minha visita à cidade de Bissau:
Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540

Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
___________

Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

3 de Maio de 2010 >
Guiné 63/74 – P6308: Histórias do Eduardo Campos (12): CCAÇ 4540, 1972/74 - Sadjo Seidi – O homem do Jerrican

8 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Eduardo

Talvez não estivessem a brincar, talvez não.
Se a memória não me atraiçoa, recordo-me que o falecido Presidente 'Nino' no final, ou durante, o encontro que teve com elementos portugueses aquando do Simpósio sobre Guileje ter dito, melhor, ter apelado (havia a presença do Sr. Embaixador ou seu representante) para que Portugal enviasse professores.
Não sei o que Portugal, institucionalmente, faz, sei que no terreno existem várias organizações espanholas, isso sei.
Sabemos que Portugal 'é um país pequeno, que tem muitas dificuldades, blá, blá, blá' mas realmente há coisas que não necessitam de grandes verbas e que não se fazem, deixando o caminho aberto à iniciativa de outros.
Por exemplo, na exploração do turismo das ilhas, há uma boa parte que pertence a uma firma, ou companhia, de um francês, a partir de Dakar...
Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Não fosse a guerra que durou 13 anos, nenhum território lusófono existia em África.

A França sempre influenciou a desaparecimento da lusofona Guiné (1998 foi um exemplo).

Moçambique sempre foi uma barreira de acesso ao Indico aos Paises anglofonos, e a Tatcher avisou em público Machel, que se entrasse na Comonwelth a guerra com a Renamo terminava imediatamente.

Machel caiu de avião, a guerra terminou e Moçambique "alinhou". Machel já tinha avisado Eanes que só Moçambique é que não tinha paisinho.

E Angola, sempre foi avisada que os paises do sul, "precisavam daqueles rios do sul" para regar os desertos da Namibia e da Africa do Sul.
Sem falar que a França sempre manteve uma guerra com os anglofonos na defesa da francofonia nos Congos, sempre com o olho no norte de Angola.

Quando o pai deste Kabila, derrubou Mobutu, com o apoio dos americanos, a primeira voz de Kabilá é que o Congo democrático ia mudar para o inglês.

No caso da Guiné, o pior, é que cada guineense que aprende a ler, "foge" da miséria.

Cada vez há menos guineenses a falar português porque estão em Portugal ou na França.

Até engenheiros já tem vindo para cá para servir nas obras.

Antº Rosinha

Luís Graça disse...

Eduardo: Não perguntes "O que é que o Estado Português (não) faz", pergunta "O que é que nós podemos fazer"...


Podemos e estamos a fazer alguma coisa (como já fizemos no tempo da guerra, mesmo com todas limitações): por exemplo, (i) abrir o nosso blogue aos guineenses lusófonos;

(ii) contribuir para a preservação e divulgação da nossa memória histórica comum;

(iii) aumentar os conteúdos na Internet dirigidos aos jovens quadros guineenses;

(iv) fazer chegar livros em português às escolas;

(v) apoiar o projecto de reconstrução da Casa do Amílcar Cabral em Bafatá e pôr lá uma biblioteca a funcionar como deve ser (projecto em curso dos nossos amigos da AD, com o apoio da Fundação Mário Soares);

(vi) apoiar ONG como a AD que têm uma perspectiva integrada do desenvolvimento, que
é sócio-económico mas também também cultural, assente na promoção da língua portuguesa como elemento identitártio de um povo

(vii) divulgar em portugal e em português os artistas, os músicos, os cineastas, os escritores guineenses...

(viii) apoiar a participação de guineenes em projectos de investigação & desenvolvimento nas diversas áreas da ciência e tecnologia, etc.

Quanto ao resto, tens razão: Bissau é uma Babel de línguas, há muitos emigrantes (ilegais) do "chão francês", o Centro Cultural Francês em Bissau tem prestígio, tem recursos, faz coisas; os nossos representantes diplomáticos nem sempre sabem dar o devido valor à língua e à cultura, como recursos estratégicos de um país...

Mas terão que ser, em grande parte, os guineenses a descobrir que é mais importante para eles e para o seu futuro o domínio do português, escrito e falado, do que do francês...

A tragédia é que grande parte das crianças guineenses não têm escola nem nunca irão aprender o português, língua oficial da Guiné-Bissau.

Anónimo disse...

Caro Campos

Relativamente ao fenomeno linguistico de que foi testemunha, ela existe, por razoes obvias,ligadas ao intenso fluxo populacional,de e para um e outro lado da fronteira... em todos os dominios, com destaque para o comercio, entre a Guine e as suas duas "francofonas fronteiras". Um fenomeno regional e vivenciado em toda essa nossa Africa, com o frances ou o ingles a se imporem de forma alternada e regional,como uma especie de lingua franca...
Alarmismos a parte, identica experiencia encontramos no Norte de Angola, na fronteira com a Republica Democratica do Congo,mas nem por isso a lingua portuguesa esteve alguma vez em perigo !

A entrada do pais da "Zona do Franco CFA" e o estatuto de pais-membro da CEDEAO, acredite em muito mais terao contribuido para essa experiencia por si vivenciada, do que qualquer actuacao da Franca, digno desse feito !

Mas o problema da lingua portuguesa, no caso concreto na nossa Guine nao se resume hoje a um caso de mais Franca menos Portugal ou vice versa.

Encarar o debate desse prisma, tem porventura os seus riscos: o seu cunho paternalista! Alias, longe de se estar perante um naco de terra em disputa de caracter linguistico entre as duas outroras antigas potenciais coloniais,a historia comum, que nem "ferro em brasa" costuma por conseguinte deixar indelevel, as suas marcas!

No caso da Guine,por mais tenue que pareca a vista desarmada, a lingua portuguesa faz parte da nossa genetica cultural e linguistica,isto apesar do bom senso nos impelir tambem a admitir que se hoje ela eh pouco ou mal falada na Guine, a realidade de per si, resulta em certa medida, de uma heranca colonial...

E temos tido neste blog,testemunhos de experiencias de militares portugueses,que de arma em tiracolo, as costas deram o seu contributo ao combate de um "analfabetismo" cronico,particularmente nas zonas rurais,que como atesta a historia recente do pais, acabaria por ser fatal aos ideais de construcao de um estado moderno..ou no minimo tolerante !


Por conseguinte, o problema da lingua portuguesa na Guine,neste caso o do seu ensino ,esta de forma intrinsica ligada a ausencia de politicas de educacao e porque nao a decadencia do proprio sistema educativo de um estado de ha muito em franca derrocada !

Haja mais Estado e mais Governo, resgate-se por iniciativa nossa com o imprescindivel concurso dos parceiros internacionais,Portugal entre eles,a lingua comum e sobretudo a dignidade dos guineenses!

Mantenhas
Nelson Herbert
USA

Ps:Fui docente, numa epoca em que todo o sistema educacional da Guine,era dominado por tecnicos,pedagogos e especialistas cubanos,mas nem por isso a lingua de Cervantes se impos a nossa lingua comum!

manuelmaia disse...

CARO EDUARDO,

O NATURAL AVANÇO FA LÍNGUA FRANCESA NA "NOSSA" GUINÉ,ESTÁ EVIDENTEMENTE EXPLICADO,COMO DISSESTE,PELA LIGAÇÃO FRONTEIRIÇA A DOIS PAÍSES DE LÍNGUA FRANCÓFONA,
PELA APOSTA CULTURAL QUE O "PAÍS DA CULTURA" ESTÁ A ALI A FAZER,E PELO QUASE DESINTERESSE DE PORTUGAL
QUE NÃO PODE INVOCAR O PROBLEMA ECONÓMICO PORQUE TODOS SABEMOS QUE SE DELAPIDAM MUITOS MILHÕES EM COISAS DE LANA CAPRINA,E QUE SISTEMÁTICAMENTE SÃO ROUBADOS(SIM ROUBADOS...)OUTROS TANTOS MILHÕES POR ESSA GENTALHA IMPREPARADA QUE CICLICAMENTE,EU DIRIA ATÉ QUASE ININTERRUPTAMENTE,SENTA O SÍTIO ONDE AS COSTAS MUDAM DE NOME, NOS ALMOFADADOS BANCOS DO PODER...
HÁ NEGLIGÊNCIA,IMCOMPETÊNCIA E CRIME.
E FICO-ME POR AQUI PARA NÃO FERIR SUSCEPTIBILIDADES E GENTE QUE GOSTE DE SALAMALEQUES.
ABRAÇO
MANUEL MAIA

Carlos Silva disse...

Meus Caros Amigos

Perdoem-me, mas para mim, com todo o respeito, por opiniões contrárias a minha, estou convicto que reina uma grande confusão na vossa cabeça, relativamente ao tema que o a língua portuguesa está em perigo na Guiné Bissau e quanto a Portugal nada fazer.
Não sejam derrotistas nem vejam o tema por esse prisma e desçam à terra.
Eu já enviei um artigo sobre a matéria, tendo dado conhecimento ao Eduardo, que já me respondeu.
Publiquem o artigo em tempo oportuno.
Respondendo ao Luís, ambos somos amigos da AD, mas esta ONG que de facto tem feito um excelente trabalho, não tem capacidade de resposta para pôr o Povo Guineense a falar Português.
Depende da vontade deles.
Basta atentar nos factos. Estás inserido num grupo de guinenses que falam português, mesmo assim eles entre si falam as línguas nativas ou o crioulo, até os responsáveis pelo País dirigem-se às populações nas línguas nativas e em crioulo.
O falar português só depende da vontade própria dos guineenses e de de uma mudança de mentalidade.
Não é nenhuma força exterior que vai mudar a língua, até porque o Português é língua oficial em todos os PLOPs.
Com um abraço amigo
Carlos Silva

Joaquim Mexia Alves disse...

Bom dia meus camarigos

Permitam-me uma provocação, que não passa disso mesmo: uma provocação!

Leio e ouço constantemente e por causa das coisas mais simples, o anátema colonialismo, a propósito de tudo e de nada.

Parafraseando Sadam, o homem do Iraque de triste memória, o colonialismo apresentado como a mãe, ou o pai, de todos os males de África, o que até terá alguma justificação.

Então e esta coisa de querer impor uma língua, (neste caso a Portuguesa), não será também uma forma de "perpetuar" o colonialismo???

Será que aqueles povos da Guiné não poderão e deverão falar as suas línguas de origem se assim lhes apetecer, ou outras quaisquer que lhes agradem???

Não me batam, porque eu afirmei logo desde inicio que isto era uma provocação, mas a verdade é que andam por este mundo fora tantos anticolonialistas e depois afinal vai-se a ver e cultivam-se novas formas de colonialismo!!!

Será assim ou não???

Retiro-me como entrei, docemente provocador!!!

Um grande e camarigo abraço para todos

Anónimo disse...

Claro que a Guiné não é só Bissau, mas o Luis referiu um aspecto muito importante, que é o trabalho desenvolvido pelo Centro Cultural Francês (CCF) em Bissau - porta aberta, biblioteca, conferências, etc..
Quando estive lá três ou quatro dias em 1999 não tive oportunidade de verificar isso, mas tenho ouvido essas referências desde os anos 80 a quem residia em Bissau - a forma como cativam e desenvolvem (no CCF) o interesse nas "coisas" francesas por parte da população de Bissau ou que por lá passe . E, a seguir, vinha a crítica à falta de acção do lado Português.
Alberto Branquinho