sábado, 29 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6491: Notas de leitura (114): Antologia do Conto Ultramarino, de Amândio César (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Maio:

Queridos amigos,
Aqui está a oportunidade, por um euro, de ler escritores que tiveram a sua importância na literatura colonial, tais como Baltazar Lopes, Fausto Duarte, Fernando Reis, Mário António, Vimala Devi e Fernando Sylvan.

Creio que está esgotada a temática ultramarina, no que toca à Guiné e que o Leopoldo Amado tão lapidarmente estudou.

Um abraço do
Mário


Dois escritores cabo-verdianos que escreveram sobre a Guiné

Beja Santos

A “Antologia do Conto Ultramarino” (1972), de Amândio César, ainda se pode encontrar nos alfarrabistas por um euro. O autor tinha publicado em 1969 dois volumes “Contistas Portugueses do Ultramar”, abrangendo o espaço de Cabo Verde a Angola. Com esta edição destinada aos livros da RTP, Amândio César pretendeu abarcar algumas expressões representativas das literaturas de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé, Angola, Moçambique, Estado da Índia, Macau e Timor. Curiosamente, em 1969, no que tocava à Guiné, incluíra um escritor combatente, Álvaro Guerra, com um conto admirável “O Tempo em Uane” (Em “Os Anos da Guerra” João de Melo irá recuperar esta jóia literária).

Amândio César faz representar a literatura guineense através de dois cabo-verdianos, Fausto Duarte e João Augusto Silva, já referidos em recensões literárias anteriores. Fausto Duarte nasceu na cidade da Praia em 1903 e foi agrimensor na Guiné em 1932. Obteve um importante prémio no concurso de literatura colonial com o romance “Auá”, inequivocamente uma obra com méritos. João Augusto Silva nasceu na Brava em 1910 e de 1928 a 1936 viveu na Guiné onde colheu elementos para o seu livro “África – da vida e do amor na selva” que igualmente foi premiado pela Agência-Geral das Colónias. João Augusto Silva foi tio do Pepito, que já aqui contou algumas das suas histórias.

Não vale a pena acrescentar mais elementos àquilo que o nosso confrade Leopoldo Amado já observou sobre a literatura colonial guineense. Estamos perante dois homens viajados que não resistiram à sedução africana, renderam-se ao exotismo, abordando temáticas onde vemos privilegiados amores entre nativos, histórias de caçadores, lutas correspondentes ao período da pacificação (até 1936), descrições primorosas sobre a paisagem africana, a sua fauna e a sua flora, entre outros motivos.

O conto de Fausto Duarte escolhido para esta antologia chama-se “Regresso”. Trata a história de um coronel que fora governador no tempo das lutas correspondentes ao período de pacificação e que vai ao cemitério de Bissau onde está o túmulo do seu filho que ele, por rigidez e insensibilidade, enviara praticamente para a morte, a força pacificadora tinha sido massacrada pelos revoltosos. Provavelmente Fausto Duarte baseou-se nas guerras de Bissau com as contínuas escaramuças dos Papéis. O conto “Foi em Cuntabanim” de João Augusto Silva passa-se no chão do régulo Mutari, andavam caçadores brancos na pista de uma pequena manada de elefantes, um pisteiro de nome Hamadi relata histórias fabulosas à volta da lareira, aguarda-se o amanhecer para que os brancos retomem a caçada. Hamadi começa por falar numa caçada aos búfalos, a novidade eram aquelas espingardas, obra de feitiço, espingardas pareciam coisas de brincar, os buracos de entrada das balas eram uma coisinha pequenina que mal se via, mas, ao sair abriam um buraco grande que parecia uma flor de poilão-forro. Hamadi tem mais histórias para contar: hipopótamos feridos que levantaram no ar canoas, em rios cheios de crocodilos, contou peripécias sobre a caça de leopardos e gazelas. A história termina assim: “Hamadi conta mais uma história, uma fábula, onde o bicho é metido a ridículo. Por entre pasmos e risadas sucedem-se contos maravilhosos. Mas o branco está cansado e tem sono. De dentro da barraca de campanha manda-os calar e recomenda que se deitem, pois no dia seguinte, ao terceiro cantar do galo, deverão estar todos a pé, prontos para a caçada”.

Enfim, uma África típica do período colonial, um mundo captado pelos olhares “civilizados” para entreter, do outro lado do Atlântico, outra gente civilizada.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6483: Notas de leitura (113): As ausências de deus, de António Loja (2) (Mário Beja Santos)

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