Meu caros Luis, Carlos, Briote, Magalhães e restante Tabanca Grande
Foi bonita a festa pá mas há que voltar ao trabalho.
Assim uma pequena estória ligth que retrata a nossa entrada na vida militar.
O Zé Lourenço é meu amigo até hoje.
Encontro-o várias vezes quando vou buscar a minha mãe e ele está visitar um amigo comum, que inflizmente está muito doente.
Esse amigo trabalhou comigo na Crisal, mas hoje está agarrado a uma cadeira de rodas.
Práticamente só já mexe a cabeça, mas mesmo assim ditou estórias para crianças que uma funcionária do lar escreveu, e com elas, foi editado um livro muito bonito.
Vou pedir-lhe autorização para enviar à tertúlia uma das suas estórias
Também quero trazer o Zé ao nosso convívio.
Um abraço
Juvenal Amado
8.º Pelotão com o Asp. Of. Mil. Pimenta e o 1.º Cabo Miliciano Picado
ELE VOLTARÁ CRESCER
Cortei o cabelo num barbeiro perto da entrada do Convento de Sta. Clara, onde funcionava o CICA 4, onde naquele 9 de Junho de 1971 me apresentei para dar início à recruta e aos anos que se seguiram como militar.
Durante a viagem de comboio, o Zé Lourenço ria-se ao garantir aos outros recrutados, que eu entraria na porta de armas com o cabelo civil.
Foi visível o agrado com que o barbeiro já com alguma idade, meteu a máquina zero e cortou primeiro o lado esquerdo, para eu ver bem a diferença entre o antes e o depois. Sabe-se que os barbeiros nutriam alguma animosidade para com a malta que de longos cabelos lhes passava à porta e que nem para lá olhavam, por isso o natural regozijo dele.
Naquela cadeira para trás ficaram os longos cabelos, e a roupa também ao jeito do que se usava lá fora, que se vendia nos Porfírios em Lisboa. A mesma ficou no saco até que em Abrantes, o dito foi-me roubado por alguém que nessa mesma noite embarcou para Angola, no batalhão que eu ajudei a acarretar para o Rossio ao Sul do Tejo, em viagens sucessivas com uma Morris de toldo.
Voltando a Sta. Clara, foi um dia longo o da nossa chegada. Distribuição das fardas, botas, um talher, camas e caixas onde guardávamos as nossas coisas e era fechada com o famoso aloquete que se vendia na cantina e que eu até ali, sempre lhe tinha chamado cadeado. A caixa era arrumação para os nossos pertences e ficava debaixo do beliche.
Naquele dia os meus medos resumiam-se aos mais velhos, que viriam roubar-nos o que a eles já lhes faltava e ao não conseguir calçar e apertar as botas a tempo, para a formatura da manhã seguinte. Este facto para além do resto, contribuiu para que a nossa primeira noite fosse agitada, e ainda não tinha amanhecido, já eu estava à volta com os cordões das benditas botas.
Cedo aprendi que o talher para nada servia e passei a usar como os demais só a colher enfiada na bota. No bolso lateral das calças a caixa de pomada e escova, pois as botas ao fim da manhã e ao fim do dia, tinham que estar no mínimo pretas.
O resto das higienes eram mais difíceis como por exemplo tomar banho ou ao menos ter água para fazer a barba, que se queria irrepreensível. Só ao fim semana havia água com abundância e quando andávamos na instrução, para os faxineiros fazerem a limpeza da camaratas e retretes.
Rapidamente ganhamos a cor de terra e a lama depois de seca saía facilmente. Valha-nos isso.
O Zé Lourenço ficou no 6.º pelotão e eu no 8.º, éramos pois do 1.º subturno do 2.º turno de 71. O 1.º turno ficava na outra parede à esquerda de quem entrava na caserna, eram um mês mais velhos, por isso já considerados a «velhice».
Os beliches estavam encostados quatro a quatro e ainda hoje estou por saber o porquê de os percevejos atacaram violentamente o meu colega do lado, rapaz da Cálvaria, Porto de Mós, e nunca me tocaram a mim. As grandes batatas que ele apresentava, levaram-no várias vezes ao hospital militar.
Bem daí para a frente era extenuante o dia. Aulas de manhã em posição de descansar, mas nem na parede podíamos tocar. As flexões e abdominais, por castigo, sucediam-se por qualquer falha no código, ou por mudarmos o peso de uma perna para outra.
Ordem unida à tarde, mal por mal era por mim preferida. Marchas e marchas, pista de obstáculos, desarmar e armar a G3, bem como a instrução nocturna.
Saltávamos o fosso, a ponte interrompida, caminhávamos sobre o pórtico, rastejávamos debaixo do arame farpado, mas a minha maior tragédia foi a paliçada.
Saltar a paliçada tirou-me o sono durante as primeiras semanas, é verdade. Aquilo era digno de desenho animado quando eu ali chegava, todos desatavam a rir. Não era capaz, o que queriam que eu fizesse?
Um camarada ficava para trás para me ajudar a suprir este obstáculo.
Um dia saltei sozinho e que sabor a vitória, sim por eu não queria ser conhecido por pés ou cú de chumbo, que era pior.
Safei-me e passei ao anonimato depois de ter sido pelo o facto tristemente famoso.
Passei a dormir cada dez minutos, cada meia hora cada hora onde estivesse.
Já falei na estória anterior do famoso galho, mas não posso deixar de falar dele outra vez.
Depois de já termos saltado, caminhado, corrido, rastejado subido e descido cordas, saltado de carros em andamento, inexplicadamente continuávamos sem passar por ele.
Parecia uma sentinela firme e hirto.
O jornal da caserna já difundia que o referido obstáculo tinha sido proibido por ter caído lá um instruendo que partiu a coluna e mais não sei o quê. Ninguém sabia donde vinha semelhante noticia, mas à boa maneira da tropa, um dizia que tinha ouvido da boca de gajo a quem tinham contado, mas já não se lembrava quem.
Resultado, uma bela manhã, depois de já bem tratados de exercícios, pista de obstáculos, o nosso cabo miliciano Picado mandou ensarilhar as armas. Em bicha de pirilau, mandou-nos subir ao escadote de madeira tipo cadafalso, que já tinha tido melhores dias e por isso abanava por todos lados. Uma vez lá cima, à voz de comando do cabo Picado, - diga o seu nome e salte - lá saltei o galho. Bem só voltei a saltar quando me mandaram, outros houve, que o já desciam de cabeça para baixo, como o meu amigo Turquel, que dormia na cama por cima de mim.
No dia do juramento de Bandeira, eu e Zé Lourenço abraçamos as famílias, arrumamos as nossas coisas e rumamos ao RI6, na Estrada da Circunvalação, Porto.
Três anos mais tarde o cabelo voltou a crescer, só não voltaram os anos de alguma forma mal aproveitados, ainda que com muitas passagens saborosas.
Juvenal Amado
No dia do Juramento de Bandeira, e Juvenal Amado com o José Lourenço
__________ Notas de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6606: Parabéns a você (121): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CCS/BCAÇ 3872 (Editores)
Vd. último poste da série de 15 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6595: Estórias do Juvenal Amado (27): Os lugares e os amenos fins de tarde da nossa terra
3 comentários:
Ler este post, é um prazer, arrisco eu, para qualquer ex-militar de qualquer recruta. Parabéns J. Amado, gostei imenso.
Vamos a pequenos “Quês”, fotografia, tive, tenho(?) uma do género tirada em Vila Real na recruta de Abril de 1967, era o 7º pelotão da 2ª Companhia de instrução, penso que o conjunto tinha alguns mais, que os 40 aqui apresentados. Pode ser que um recruta desse pelotão leia este comentário e, me arranje uma cópia em jpg. A ultima vez que me recordo de a ver, andei com ela por Bragança Vinhais e arredores à procura do Guedes.
O segundo ponto que achei piada é que, foi também na recruta que aprendi o termo cadeado, para mim, até aí, cadeado era uma corrente em arame com que se prendiam os cães, se prendia o balde para tirar a água do poço, etc. O objecto de segurança, era o aloquete. Acabo de aprender agora que também se pode chamar embude.
De resto, estou a ver o filme todo, e com muita saudade, recordo o meu.
Um abraço,
António Brandão Ccaç 2336
CARO JUVENAL,
DE FACTO OS BARBEIROS TINHAM UM PRAZER SÁDICO QUANDO APANHAVAM UM MANCEBO ÀS PORTAS DA TROPA...
ABRAÇO
MANUEL MAIA
Caro Juvenal Amado
Não posso deixar de comentar estas tuas recordações, pois além de serem muito bem retratados certos passos da tua recruta, aparece aí um "tal" Picado, que te deve ter feito a vida negra. Porém para salvaguarda de quem nos lê, nada tem a ver com a minha pessoa. OK?
Mal li a legenda da 1.ª fotografia, achei logo uma frande piada aparecer nesse ano um Fur (ou seria ainda Cb?) Mil com este nome de família, mas seguramente sem qualquer ligação aos Picados de Ílhavo. Por vezes ficamos surpresos, julgando que certos nomes não são muito vulgares e afinal eles aparecem nos mais variados lugares de Portugal. Ainda há bem pouco tempo descobri que, bem perto daqui, há um Jorge M S Picado. Só ainda não sei se, o M é de Manuel e, o S de Simões, para a confusão se poder estabelecer!
Abraço
Jorge Picado
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