O toque de Silêncio
Há dias, não muitos, recebi um mail do meu irmão mais novo que, sempre que encontra algo do género me envia. Apenso trazia o PPS intitulado Funeral Militar, com fundo musical de um clarim, [http://www.slideshare.net/amadeuw/toque-de-silncio-funeral-militar] e enviei-o aos editores do blogue, interrogando da possibilidade de o partilhar com a Tabanca Grande.
O nosso administrador sugeriu-me que pesquisasse o tema e o desenvolvesse. Aqui está o resultado.
A peça em questão e que pode ser visionado no link acima referido, esta referida como “Taps” que tem origem no termo holandês “Taptoe”, que significa, em tradução livre, “Fechar os botequins para que a tropa volte para os quartéis”.
Foto: Wikipédia (DR)
Voltando aos slides, eles contam um acontecimento ocorrido durante a Guerra Civil Americana ou Guerra da Secessão, que ocorreu entre 12 de Abril de 1861 e o dia 9 de Abril de 1865, entre os Estados Unidos da América e os Estados Confederados da América, também conhecidos como a União contra os Confederados, ou o Norte contra o Sul. Apesar de ter terminado o confronto em Abril, ainda houve escaramuças entre os militares de um lado e outro, sendo o último tiro sido dado e 22 de Junho desse ano. Estiveram envolvidos mais de 3.000.000, sendo cerca de dois terços da união, dividindo, inclusivamente, famílias, não só pelas ideias defendidas mas pela localização dos diversos membros da mesma.
Voltando ao acontecimento referido, de que não se conhece se é um facto que existiu ou se “tem contornos de lenda”, uma vez que várias versões foram encontradas.
Robert Elly, Capitão de Infantaria do Exército da União, durante a noite quando estava no seu posto de combate, ouviu gemidos vindo para além da sua linha de defesa. Desconhecendo quem se encontrava em sofrimento, rastejou, sob o fogo das armas que se fazia sentir, chegando junto do soldado que, já tenuemente, pedia ajuda. De imediato foi arrastando o militar ferido, até regressar às suas linhas, a fim de lhe prestar auxilio. Acontece que quando chega a local seguro, apercebe-se de que arrasta apenas o corpo de um militar já sem vida.
Levado para um local onde pudessem tentar identificar o soldado tombado, verificam pela farda que se trata de um soldado confederado mas, além desse facto, Elly constata que o corpo que se encontra sob o seu olhar, mais não é que o do seu filho, que tinha ido para uma cidade do sul estudar música. Não sabia que ele se tinha alistado nas tropas confederadas.
Pede, então, ao seu superior hierárquico que o autorize a fazer um funeral militar ao rapaz, apesar de ser um inimigo da União, permitindo uma guarda de honra e a presença de músicos no enterro.
É autorizado a utilizar uma pequena guarda de honra, mas quantos a músicos só dispensava um, deixando essa escolha ao pai desafortunado.
A escolha recaiu sobre um corneteiro, a quem o pai pediu que executasse, durante a cerimónia, algumas notas musicais, encontradas num papel no bolso da farda do filho.
Assim nasceu um “toque” que passou a ser usado, quer pela União quer pelos Confederados em funerais militares, sendo oficialmente reconhecido pelo exército dos Estados Unidos da América em 1874, passando o toque a ser executado, oficialmente, em todas as homenagens a militares falecidos a partir de 1891.
Executado apenas por um corneteiro, em conjunto com outros instrumentos de sopro e percussão, ou mesmo por uma orquestra sinfónica, a base do tema é sempre executada por uma trompete.
O toque é usado, segundo o que apurei, em muitas cerimónias militares de vários países, com algumas variações, mas tendo por base a versão original. Também foram adaptadas várias letras, ao tema, sendo um deles o seguinte:
O dia terminou.
O sol se foi dos lagos, das colinas e do céu,
tudo está bem, descansa protegido.
Deus está próximo.
A luz ténue obscurece a visão,
e uma estrela embeleza o céu,
brilhando luminosa.
De longe, aproximando-se cai a noite.
Graças e louvores para os nossos dias.
Debaixo do sol,
debaixo das estrelas,
debaixo do céu,
enquanto caminhamos, isso nós sabemos.
Deus está próximo.
O Toque de Silêncio, assim como as Cerimónias fúnebres variam, de acordo com os resultados da pesquisa efectuado, de país para país, mas mantendo o “Toque de Silêncio” muita semelhança.
Em Portugal, não é habito a execução deste toque, em cerimónias fúnebres militares. Não tendo conseguido obter regulamento ou normas sobre o assunto, vamos basear-nos na observação directa destas cerimónias.
Há uma força, do ramo a que pertence o militar, que varia desde a secção ao pelotão, quando se trate de oficiais ou sargentos e praças. Aqui interessa realçar, já que esta patente não existia no nosso tempo, o Sargento-mor, apesar de pertencer à classe de sargentos, tem honras de oficial.
A força colocada à entrada do cemitério, presta honras à passagem do féretro na posição de “Funeral Armas”, enquanto o comandante faz “Continência”.
Pelotão de Infantaria - Salvas de Ordenança
© Foto inserida no post 9804
[Aqui pretendia colocar fotos, de minha autoria, durante um funeral militar, mas não as localizei no arquivo].
Logo atrás do armão, segue um ou mais militares que transportam, numa almofada própria, as condecorações e o boné ou outra cobertura em uso.
O tempo do acto seguinte varia, um pouco, pelo que gostaríamos de ter encontrado documentos que revelassem a forma das mesmas.
O acto seguinte, e final pelo que a força destroça de imediato, é a “Salva de três disparos” que acontecem assim que o carro fúnebre entre no cemitério, ou no momento em que o corpo é depositado no jazigo ou desce à terra.
Após o “Toque de Recolher”, dando o sinal de que as tropas devem regressar ao quartel, é executado o “toque de silêncio” (ou era já, que muitas normas foram alteradas) após algum tempo, dando sinal de que o dia terminou e é tempo de descansar, até ao “Toque de Alvorada”. Este descanso só “pode/podia” ser interrompido por “algo extraordinário” que acontecesse, apesar de que muitos instrutores do nosso tempo, gostavam de proceder a “exercícios suplementares, em instrução extraordinária e, sobretudo, nocturna.
Em cerimónias militares, há sempre uma parte em que são Homenageados os Mortos em Combate, quer se esteja numa cerimónia junto a algum monumento que assinale esse facto, quer em paradas militares fora do ambiente de homenagem junto a algum monumento.
Nesse acto, e após colocação de flores na base do monumento, no caso de ser esse o motivo da concentração da força, é dada a voz de “Ombro Arma” e, nesta posição é executado o “toque de Silencio, querendo significar que “alguém” adormeceu na paz que não encontrou no combate que travou.
Com a força militar em posição de “Apresentar Armas” é executado o “Toque de Mortos em Combate”, acompanhado, ou não, por uma salva de artilharia de vinte e um tiros, seguindo-se um momento de silêncio.
Retomando a posição de “Ombro Arma” é executado o “Toque de Alvorada”, como um sinal de que é possível o reencontro com os camaradas que partiram e que, os que se mantêm em serviço, tudo farão para que o seu sacrifício não tenha sido em vão.
Toques militares – endereço (DR):
http://ultramar.terraweb.biz/Imagens/mocambique_ilidiocosta_toquesmilitares.htm
Toque de silêncio, com orquestra – endereço:
http://www.youtube.com/watch?v=fXS7bMh8vEA
José Marcelino Martins
8 de Outubro de 2012
____________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 6 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10490: Os Soldados não morrem, apenas tombam no campo de honra (3) (José Martins)
11 comentários:
Ganda Zé!... Obrigado pelas tuas pesquisas de arquivo sobre o "toque de silêncio", que é daquelas músicas que nem o mais empedernido guerreiro consegue ouvir sem um "arrepio" pela espinha acima...
Este tema foi depois popularizado pelo Ninni Rosso (1948-1994), o trompetista italiano, que se tornou mundialmente famoso como o single "Il silenzio" (1964), uma versão para música ligeira do tradicional toque militar usado pelo exército americano, cuja história contas, e muito bem...
http://it.wikipedia.org/wiki/Nini_Rosso
Caro José Martins,
Muito bem. Contas muito bem a história e também as honras militares que as Forças Armadas Portuguesas prestam aos seus mortos. O nosso toque de silêncio não é bonito (mas é o toque de silêncio à Unidade). Mas o toque aos mortos arrepia o mais empedernido.
Se quiseres conferir as honras militares aos mortos podes ver em
http://www.slideshare.net/cancelino/legislao-militar-sesso-17-268461, a partir do n.º 44.
Um grande abraço do
Carlos Cordeiro
Aqui está o decreto de continências e honras militares de 1980, do Conselho da Revolução. Não sei se continuará em vigor.
Um abraço,
Carlos Cordeiro
http://www.dre.pt/pdf1s/1980/08/19800/23972431.pdf
Olá Camarada
Os americanos, como não têm História têm que a inventar. Esta é como o diário do Davy Crockett, escrito nos últimos dias do Forte Álamo, ele que mal sabia ler e ainda por cima numa situação de aperto como aquela... Calculem que o general mexicano, Santana, até pôs um clarim a tocar um passo doble - La Deguella ou El Degolero - para significar que não havia compaixão com os vencidos. Não sei se este ritmo já se tocava naquele tempo, mas...
Este tipo de cerimónias está regulamentado no ROUCFA (Regulamento de Ordem Unida Comum às Forças Armadas) e no Regulamento de Continências e Honras Militares (creio que é uma portaria). Ora consultaide a BibEx, onde há povo que traz tudo e explica tudo, com grande pormenor.
Um Ab.
António J. P. Costa
É o decreto-lei 331/80 (mas não sei se está em vigor ainda).
O José Câmara mandou-me elementos que contradizem esta versão, que, aliás, tinha já recebido por outras vias. Parece até que não terá existido o referido capitão.
Um abraço,
Carlos Cordeiro
Quanto ao "facto" de os americanos não terem história, há muito que se lhe diga. Consideramos que "nós" é que temos história, demos novos mundos ao mundo (por acaso não fomos à Lua), sempre ganhámos batalhas de um contra cem, como nos ensinavam na escola primária, e sei lá que mais.
Também desde novos aprendíamos (não na escola) que os americanos não têm história. Isto enchia o nosso ego nacionalista: sim, os nossos emigrantes tinham lá boa qualidade de vida, ajudavam-nos com os baús cheios de roupas e outros artigos, os dólares que bom jeito faziam às dificuldades quotidianas... mas viviam numa sociedade sem história. Que tristeza!!!
Mas, não nos diziam que os americanos foram "só" as primeiras colónias a porem a milhas o seu poderoso colonizador e a criar a primeira república liberal, com uma Declaração de Direitos, uma Constituição e intituições que serviram de exemplo aos "históricos" europeus.
Isto para não falar noutras circunstâncias.
Temos, evidentemente, uma longa história. Olhamos para trás e assumimo-la na sua globalidade. É a "nossa" história. Os outros fazem muito bem em assumirem e valorizarem a sua história. Mais recente ou mais antiga, é a sua história.
Cordiais saudações,
Carlos Cordeiro
Caro Zé Martins
Em primeiro lugar o meu sincero agradecimento por mais esta excelente investigação e contributo para o nosso blog.
Aproveito a oportunidade para pôr uma questão que me causou uma situação muito desagradável, que exponho resumidamente.Um camarada dos meus tempos da Guiné, que veio a ser meu vizinho na terra onde nasci e vivo,pôs termo à vida. Levou a cabo o seu acto de desespero com um tiro de pistola na cabeça. Fui ao seu funeral não só por ser seu amigo pessoal mas por ter uma relação próxima com a sua mulher, por termos estudado no mesmo Colégio em jovens. No momento em que o corpo desceu à terra teve lugar a "salva de três disparos" pela força que estava fora do cemitério. Muitas pessoas não esperavam a "salva" e assustaram-se. E, quando o funeral acabou, muita gente -onde me incluo - criticaram o acto, considerando de mau gosto por se honrar a memória de alguém com tiros de espingarda. Alguém que tinha posto termo à vida com um tiro !Não teria mais apropriado o "toque de silêncio" !? Ainda hoje me questiono sobre este assunto.Soube que a própria família do defunto se dividiu sobre o assunto, sobrando para mim algum desagrado quando manifestei a minha opinião a alguns familiares.Zé Martins um abraço de Alcobaça. JERO
Caro JERO, desculpa meter-me na conversa. No Regulamento de Continências e Honras Militares não há qualquer disposição neste sentido. O militar, esteja no activo, reformado ou na reserva terá sempre as três descargas. Se for oficial, e conforme a patente, terá direito a banda (marcha fúnebre) ou clarins (marcha de continência). A partir de sargento, terá só as descargas. A família é que podia ter pedido para não lhe serem prestadas honras militares, o que seria ou não aceite pela entidade militar competente.
Isto tudo está muito claro no tal Decreto-Lei.
Um abraço,
Carlos Cordeiro
Li
Na realidade, durante as pesquisas realizadas, encontrei "contradições" nos diversos textos encontrados. Á própria história, e nomes, não são coincidentes.
Quanto ás salvas, e como diz o Jero, há situações que se tornam embaraçosas. No entanto é o que consta no DL 331/80, que já localizei e li, apesar de ser em diagonal.
Pode ser que saia mais alguma coisa.
Seguirei o conselho do Pereira da Costa e irei ao BibEx, que já conheço, e aproveito para tentar ler algumas documentação do EME - Secção Pessoal.
Boa noite Carlos Cordeiro
Não tens nada que pedir desculpa e agradeço a tua contribuição para superar o meu "trauma".No caso que refiro tratava-de de um Sargento e não tenho nada que levar a mal da opção da Família. Acontece que as circunstâncias não eram propriamente normais - suicídio com arma de fogo - pelo que talvez fosse de dispensar as três descargas.O local da sepultura era perto da entrada do cemitério e o ruído dos disparos foi muito forte, afectando nitidamente a maioria das pessoas presentes.Fico melhor depois de "ter falado" e de "ter ouvido" as explicações de quem sabe. Um abraço, JERO
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