...de quando a rotina é traiçoeira!
A notícia da morte de pelo menos 20 civis guineenses, na explosão de uma mina anti-tanque no eixo viário Bissora- Binar, não só enluta o país... a Guiné-Bissau como sugere a urgência de uma abordagem e intervenção do Estado à altura de um tal flagelo...
É que quatro décadas volvidas sobre o fim da guerra de libertação nacional ou colonial... e um pouco mais de uma década sobre o conflito militar de 1998/99, ainda que em "surdina" e na "calada", as minas anti-pessoais e anti-carros ainda matam na Guiné-Bissau...
Conheço e visitei, ao longo da minha carreira jornalística, vários campos de minas em países e regiões então em guerra... de Moçambique a Angola passando pela região senegalesa do Casamance à Guiné-Bissau... isto para além da cobertura de conferencias mundiais afins...
Experimentei o calafrio peculiar de quem por razões profissionais teve que caminhar por campos, fazendo fé nos sapadores, "desminados" ...para constatar, num exercício masoquista próprio da profissão... o expectável: a dor, os estigmas e os estragos causados pela quiçá mais traidora dos artefactos bélicos...
Por mais garantias de sucesso dos esforços de desminagem, a incerteza e a desconfiança, essas sempre pairam! A experiência e a prudência assim aconselham.
Recordo-me neste particular de um episódio nos finais da década de 90 com Angola então a braços com as sequelas da guerra... Numa reportagem aos esforços de desminagem em curso na picada que liga Cunhinga ao Bié, no centro de Angola, a garantia da via estar completamente livre de tais engenhos explosivos, era num esforço quase que em vão isto ante a intranquilidade minha (para já não havia os tais ditos coletes de protecção pró meu SIZE), vezes sem conta, reiterada numa aparente sinceridade, pelos sapadores em acção...
... e lá fizemo-nos à picada... ladeada de ferro contorcido de tanques e viaturas militares e civis esventrados, atestando o quão suicida fora a veleidade da aventura por aquele outrora corredor da morte...
Sem sobressaltos percorreu-se o trajecto de "inspecção" da rota rumo a um povoado, onde sob a mulembeira a nossa reportagem era aguardada por um grupo de populares estropiados testemunhos vivos, porque vítimas de um tal infame artefacto bélico... ...a rotineira ida às lavras no cacimbo da madrugada, tinha sido fatal, num dia de má memoria, algures num passado que se fazia presente!
...absorto por um continuo exercício de compreensão das imagens de estropiamento legadas pela guerra, como se fosse possível compreender a guerra... nos escritórios da delegação da VOA em Luanda, soava o telefone...
Pouco mais de uma semana sobrepunha-se à experiência minha por um campo (des)minado em Angola... Qual arauto da "ma nova", num angustiante relato do que acabara de testemunhar, o correspondente da VOA no Bié anunciava do outro lado da linha:
- "Chefe uma mina anti-tanque arrastada eventualmente pelas enxurradas acaba de vitimar uma vintena de civis angolanos transportados na carroçaria de um tractor comercial que regressava das lavras"
A picada tinha por sinal, sido a calcorreada na semana anterior...
As garantias de segurança, seguramente as mesmas... a rotina essa sim... e que fora traiçoeira!
Nelson Herbert
Washington Dc, USA
Picada em fase de desminagem em Angola...
Ler o artigo publicado em 12 de Setembro de 2005 na Voz da América: Campos de minas antipessoais e antitanques identificados.
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13423: (In)citações (68): A propósito do texto do Francisco Baptista, espelhado no post 13420, sob o tema "Lançados no mundo sem motivo nem explicação... difícil de levarmos a vida a um final digno" (José Manuel Matos Dinis)
16 comentários:
Olha só o Nelson Herbert na terra do Savimbi em Angola.
E com um casaco à prova de minas e armadilhas naquela fotografia no Bié.
E eu e milhares que vivemos e percorremos exactamente por aqueles domínios, a pé de carro e de comboio
a trabalhar a agricultar, a pescar, a caçar, durante 13 anosde guerra do Ultramar, na maior tranquilidade até que tudo o que era bom acabasse, e sem colete à prova de minas.
Não sei como se diz em crioulo nem em Bailundo, assim digo em português, prazer em ler-te novamente.
VOA - Voz da América
Notícias / África
Guiné-Bissau: Explosão de mina dá que pensar
Aquando do conflito político-militar de 7 de Junho de 1998, muitas zonas, palco de teatros de operações militares, foram minadas pelas então forças beligerantes.
Lassana Casamá
Actualizado em: 30.09.2014 18:08
[Reproduzido excerto com a devida vénia...]
A Guiné-Bissau já observou os dois dias de luto nacional na sequência da morte, no último fim-de-semana, de 22 pessoas vítimas da explosão de uma mina anti-tanque no troço que liga Bissorã à Encheia, localidades no norte do país.
Guiné-Bissau: Explosão de mina dá que pensar 2:45
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O incidente está a suscitar muitos ângulos de abordagem. É que aquando do conflito político-militar de 7 de Junho de 1998, muitas zonas, palco de teatros de operações militares, foram minadas pelas então forças beligerantes.
Terminado o conflito, de quase um ano, com o apoio da comunidade internacional, os guineenses beneficiaram de um programa de desminagem, executado por algumas ONG’s nacionais que, há mais de cinco anos, declararam a Guiné-Bissau livre de minas.
Em consequência deste incidente, a Voz da América falou com César de Carvalho, Director do Centro Nacional de Coordenação de Acção Anti-mina, uma entidade estatal, responsável pela desminagem das zonas então afectadas pelas minas ou explosivos.
A explosão da mina que resultou em 22 mortos, reporta à época colonial, confirmou César de Carvalho, que explica ainda as incidências técnicas que sobrepõem a explosão do engenho.
Contrariamente ao que se fazia acreditar no passado, baseando nos elementos oficiais, o responsável máximo do Centro Nacional de Coordenação de Acção Anti-mina, afirma que, daqui a 10 anos, a Guiné-Bissau não pode arrogar-se que estará livre de minas.
http://www.voaportugues.com/content/guine-bissau-explosao-de-mina/2467719.html
Se é uma mina do tempo da guerra colonial, tanto pode ser das tropas portuguesas como do PAIGC...
Para provocar a tragédia que provocou, podemos inclinarmo-nos para a hipótese de ser uma mina A/C reforçada com uma bomba de avião, por explodir...
E nesse caso o engenho terá sido colocado pelos guerrilheiros do PAIGC, durante a guerra colonial...
O mesmo aconteceu, recorde-se, em Cufar, em 2 de março de 1974...
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/PINT%209288
Segundo informações recolhidas a mina foi colocada na picada pouco tempo antes.
O número de mortes deve-se a que foi atingido um transporte público, vulgo "tok-tok", repleto de pessoas.
Quais as os objectivos ?
Na Guiné qualquer objectivo fútil serve para cometer um crime horroroso.
A existirem campos de minas serão do tempo da guerra civil de 98.
Podem ainda existir, no meio do mato, granadas das mais diversas origens que não explodiram.
Houve a seguir à independência alguns casos fatais normalmente em crianças ao manipularem granadas dispersas no mato.
Confesso que me chateia a desculpa do "tempo colonial"...é que já passaram 40 anos ..basta.
C.Martins
Carlos Martins...quando se trata de minas e de campos minados, ha a tendencia, entre os guineenses em demarcar as areas de "implantacao" desses artefactos em termos temporais...em epoca colonial (alusao a guerra pela independencia); guerra/guerrilha na Casamance/ e guerra civil de 98/99...
A mesma terminologia e usada pelas proprias ONG's engajadas nos trabalhos de desminagem no terreno..
Mantenhas
Nelson Herbert
Caro Nelson Herbert
Na Guiné quando da retrcção das N.T. foi ordenado o levantamento das minas colocadas por nós, e julgo que foi cumprido.
Eu próprio ia tendo um desenlace fatal ao colocar o pé a 20cm de uma mina anti-carro com uma anti-pessoal por cima, felizmente fui avisado a tempo.
Sei que posteriormente houve acidentes com minas na Guiné,mas o caso actual nada tem a ver com minas antigas.
Mantenhas
C.Martins
Carlos, por incrivel que pareca, tendo em conta o empenho e a exemplar cooperacao nesse dominio entre a tropa portguesa e os guerrilheiros do PAIGC...na identificacao e levantamento dos campos de minas incluindo o envolvimento de especialistas russos no dealbar da independencia )..artefactos do genero do periodo da Guerra Colonial/Guerra pela Independencia, um pouco, pelo interior da Guine, ainda existem...
... por conseguinte o perigo dos perimetros minados... que as tradiccionais queimadas, para a abertura de clareiras a pratica da agricultura pelas populacoes locais... vao de tempo em tempo desvendando, ainda existe !
Nos anos 90 pude visitar alguns desses perimetros, para uma serie de reportagem a proposito...facto aqui confirmado numa das reportagens por Blaken, um ex embaixador dos Estados Unidos da America, cuja ONG se tem dedicado por sinal a tarefa de desminagem...
"“Existem 17 locais identificados no interior do país, como campos de minas do tempo da guerra pela libertação. São sobretudo campos junto aos antigos quartéis portugueses. Existem alguns locais no norte, mas este mapa não inclui as minas implantadas durante o conflito do Casamance... não temos esses campos de minas identificados” - frisa John Blaken"
Mantenhas
Nelson Herbert
Luis, como deves estar recordado, nós na Guiné, pelo menos no sector de Mansoa, não trabalhávamos com minas anti-carro, a não ser para as neutralizar, também não montávamos minas dessas ou anti-pessoal em estradas, sómente em trilhos ou carreiros.
Um abraço para todos
César Dias
César: Nem em Mansoa nem em Bambadinca, nem em parte nenhuma do TO da Guiné...
Só quem tinha viaturas éramos nós... As minas A/C eram para nós...
Tínhamos, sim, campos de minas para nos defendermo-nos, nos aquartelamentos, destacamentos e tabancas em autodefesa... E armadilhávamos trilhos usados pela guerrilha, nunca sabendo no entanto quem lá ir cair: guerrilheiro, população ou macaco-cão...
Esse era o lado suja da guerra, mas edu não conheço nenhuma guerra com um lado limpo...
Levantámos todas as minas do TO da Guiné, antes de fecharmos as portas do Império ? Isso não sei, está na hora de ouvir os nossos camaradas de minas e armadilhas que as montavam e desmontavam, e tinham croquis precisos com elas... E alguns, infelizmente, ficaram lá, agarrados a elas!
O C. [não é Carlos, é Caria] Martins tem razão: a guerra colonial tem as costas largas!...
Aliás, o passado dá jeito aos que vivem no presente... Nada como ter "bodes expiatórios" para os nossos próprios erros, crimes, oomissões... Mas ninguém pode construir o futuro na base da mi(s)tificação...
Isto é válido para todos nós, que vivemos nesta "aldeia global", cada vez mais "apertados", e espreitando para o "quintal" do vizinho...
Leia-se o que aqui escrevemos em psote de 5 DE MAIO DE 2009
Guiné 63/74 - P4283: Recortes de imprensa (19): O pesadelo das minas (Nelson Herbert)
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2009/05/guine-6374-p4283-recortes-de-imprensa.html
... Leiam-se, nomeadamente, os comentários do nosso camarada António Matos que é uma autoridade nesta matéria...
O meu apreço pelo Nelson Herbert que, como filho da Guiné e como jornalista, tem dado um grande visibilidade a este problema das minas e outros engenhos explosivos, sobras das nossas diversas guerras, e que continuam a ser um pesadelo e a provocar tragédias como a de há dias na Guiné-Bissau, na região do Oio....
Leia-se o que aqui escrevemos em psote de 5 DE MAIO DE 2009
Guiné 63/74 - P4283: Recortes de imprensa (19): O pesadelo das minas (Nelson Herbert)
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2009/05/guine-6374-p4283-recortes-de-imprensa.html
... Leiam-se, nomeadamente, os comentários do nosso camarada António Matos que é uma autoridade nesta matéria...
O meu apreço pelo Nelson Herbert que, como filho da Guiné e como jornalista, tem dado um grande visibilidade a este problema das minas e outros engenhos explosivos, sobras das nossas diversas guerras, e que continuam a ser um pesadelo e a provocar tragédias como a de há dias na Guiné-Bissau, na região do Oio....
Mais um recorte de imprensa sobre este trágico acontecimento, a mina A/C, possivelmemte reforçada, e remomntando à guerra civil de 1998, que matou 23 pessoas, que iam num toca-toca, na estrada Bissorã-Encheia... LG
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Portugal vai tratar o bebé da Guiné-Bissau que sobreviveu a mina antitanque
QUARTA, 01 OUTUBRO 2014 17:25 | JOÃO MIGUEL RIBEIRO
http://www.ptjornal.com/2014100125980/geral/clipping/portugal-vai-tratar-o-bebe-da-guine-bissau-que-sobreviveu-a-mina-antitanque.html
Um acordo bilateral vai permitir que um bebé de 23 meses, que sofreu um traumatismo craniano com a explosão de uma mina antitanque, seja tratado em Portugal. A criança foi uma dos 22 sobreviventes de um acidente que deixou a Guiné-Bissau de luto pelos 23 mortos.
Enquanto a Guiné-Bissau recupera do luto pela explosão uma mina antitanque, que rebentou com a passagem de uma viatura de transporte público, um bebé de 23 meses que sobreviveu ao acidente vem a Portugal para receber tratamento.
O bebé é uma das sete crianças que escaparam com ferimentos, tal como 14 mulheres e um homem: na explosão morreram 23 pessoas.
Augusto Blute, cirurgião do Hospital Simão Mendes, em Bissau, avançou à Angola Press que a criança sofreu um traumatismo craniano e, face à ausência de especialistas e recursos no país, será tratada em Portugal ao abrigo de um acordo de cooperação “que prevê o acolhimento em Portugal de pacientes relativamente aos quais não haja meios de diagnóstico e tratamento” na Guiné-Bissau.
O avião que vai trazer a criança deve partir pelas 11h00 (mais uma em Portugal continental) do Aeroporto Osvaldo Vieira, cumprindo uma escala em Dacar, no Senegal.
Quando chegar a Lisboa, será encaminhado para o Hospital de Santa Maria.
Ontem e no domingo, a Guiné-Bissau cumpriu dois dias de luto oficial, assinalando o acidente registado na estrada entre liga Bissorã e Encheia, no norte do país.
A mina antitanque devia remontar à época de 1998, ano em que foram registados vários conflitos militares na Guiné-Bissau. Os trabalhos que se seguiram permitiram que o país fosse considerado livre de minas há mais de cinco anos.
FRASE DO DIA: C. MARTINS, A PROPÓSITO DAS MINAS QUE AINDA MATAM NA GUINÉ-BISSAU...
Comentário ao poste P13705:
"Confesso que me chateia a desculpa do 'tempo colonial'...
É que já passaram 40 anos...Basta!"
Na picada que ligava o Destacamento de São João a Nova Sintra havia um fornilho reforçado com algumas granadas de Morteiro 60. Nunca percebi a inteligência daquela montagem que obrigava as viaturas de Nova Sintra a fazerem um pequeno desvio "técnico", mas suficiente para denunciar a existência de algo anormal na zona.
Dito isso, já se passaram 40 anos após o fim da guerra numa terra onde chove quase diáriamente durante alguns meses do ano. Será possível que as minas implatadas pelas forças beligerantes ainda estejam em condições de serem activadas?
Desde já aviso que descarto a possibilidade de tentar saber a resposta pondo o pé em cima de uma.
Dois abraços, um entre vizinhos para o Nelson e outro transatlântico.
José Câmara
Outro granee abraco Jose Camara.
Nelson Herbert
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