1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2014:
Queridos amigos,
A viagem realizou-se no início de Setembro, penso que estão esquecidos mas eram dias acalorados.
Cheguei a Bilbau com 36º, não esmoreci, não se peregrina na expetativa de um puro deleite com o Guggenheim, não há caloraça na bolanha que nos intimide. E Bilbau é mesmo Bilbau, o diálogo entre o antigo e o moderno é ousado e provocante, a cidade está bem emoldurada, as colinas dão-lhe graciosidade, passeei-me com a recordação de uma fotografia de Robert Capa, datada de 1937, Bilbau vai ser bombardeada, todos olham para o céu, uma mãe aperta a mão da filha, a Guerra Civil foi implacável com o País Basco. Adiante.
Foi viagem inesquecível. É bom partilhá-la convosco.
Um abraço do
Mário
Biblioteca em férias (11)
Viagens pelo Norte de Espanha:
Bilbau é muito Bilbau, e ainda bem. E sigo para Logroño
Beja Santos
Braque é a recordação pictórica mais impressiva que trouxe do Guggenheim Bilbau. Trata-se de uma grande retrospetiva organizada por ocasião do 50º aniversário da morte do grande artista (1882-1963), foi primeiramente apresentada o Grand Palais de Paris, no Outono de 2013, cobre todas as etapas da trajetória de um dos artistas mais importantes do século XX. Criador, juntamente com Picasso e Juan Gris, do cubismo nos seus diferentes matizes, iniciador dos papiers collés, Braque veio a centrar a sua obra posterior na exploração metódica da natureza morta e da paisagem. Continua a ser considerado o pintor francês por excelência, herdeiro da tradição clássica e percursor da abstração do Pós-Guerra. Exposição gigante, impossível a digestão em horas de tão faustoso banquete, abarca o seu génio prolífico, desde o período fauvista até à sua obra tardia, parece que se conseguiu concentrar neste evento prodigioso o que nos legou de mais representativo, incluindo a sua passagem pelas artes cénicas, pela escultura, até às paisagens aparentemente rudimentares do final da sua vida. Recordo que ando com um singela câmara, não posso usar o flash e é por isso que o que vos mostro é uma mera reprodução do que podem encontrar no site do Guggenheim, mas eu devorei tudo com estes olhos que a terra há de comer, saí dali alquebrado mas radioso, de alma plena. Bonda de adjetivos, abram-se as alas para Monsieur Braque, vejamos primeiro uma natureza morta, de 1934:
Para aguçar o apetite de quem segue esta viagem, esta exposição reúne qualquer coisa como 250 peças, entre óleos, aguarelas, esculturas e outros, até material documental que esclarece outros aspetos da sua atividade, como a colaboração que teve com Picasso, a estreita relação da sua arte com a música, a cumplicidade com poetas e alguns intelectuais renomados do seu tempo. Foi também a ocasião para ver fotografias da obra de Braque da autoria de Man Ray ou Henri Cartier-Bresson. E põe-se em sequência três imagens que vão do fauvismo ao cubismo, digam lá se Monsieur Braque não ultrapassou todas as vanguardas.
É altura de sair do Guggenheim Bilbau onde pontifica o titânio como se fosse uma metalização sob a forma de escamas de peixe, estou rendido a este extraordinário edifício, a tudo o que de ousado e atrevido ele pode significar, estou deleitado com o último grande museu do século XX. E agora vou para o casco velho de Bilbau.
Contorno o rio, agora tenho tempo para ver a ponte de Santigo Calatrava e detenho-me mesmo em frente a uma estação de metro desenhado por Norman Foster, aproveitou uma velha fachada e gerou uma lógica sublime entre o antigo e o prenúncio de futuro. Atravesso uma ponte e vou até à zona antiga. Paro no Arenal, um amplo passeio que acolhe muitas das atividades urbanas. Toda esta zona teve de ser reabilitada depois das inundações de 1983, é aqui que se ergue o Teatro Arriaga. É lindo que se farta, por favor, confiram se vale a pena ou não vir aqui ouvir música, teatro ou ópera, desculpem a imagem truncada:
Entrei na zona antiga, vinha inicialmente com vontade de visitar o museu do povo basco, acabei por me desconcentrar em certos pormenores e ainda bem. Vejam esta fonte, um resquício do século XIX, pois está lá claramente escrito que foi erigida (ou refeita?) em 1800:
E sigo para o mercado, é obra de grande requalificação, gostei, passei-me entre talhos e peixarias, estancos de especialidades e de bons vinhos, os olhos também comem, fica-se com a sensação que os bilbaínos não se tratam mal com as coisas da mesa e que gostam de espaços iluminados com vitrais vistosos:
Imaginem que na montra de uma retrosaria, pasme-se, encontrei este cartaz anti-touradas, achei-o profundamente original, é daquelas coisas que nos levam a acreditar que uma imagem vale por mil palavras:
E agora vou à última etapa antes de partir de comboio para Logroño, o Museu de Belas Artes de Bilbau, alguém me disse que foi impecavelmente renovado, dá gosto ir conversar com os primitivos catalães, os flamengos, os piedosos pintores espanhóis do Século de Ouro, há lá obras de Ribera, Murillo e Zurbarán, mas de gente muito mais próxima e que tanto aprecio, como Bacon, Chillida e Tàpies. A fachada, envidraçada, tem pouco para contar. Mas um pormenor me tocou, um diálogo entre o antigo e o remodelado, uma boa escultura ergue-se, voadora, e sobrepõe-se aos painéis de vidro, impressionou-me:
O que me parecia uma visita para encarar de frente algumas obras-primas como a morte de Lucrécia, de Lucas Cranach, o Velho, transformou-se num festival em torno da arte japonesa e do japonismo, surpreendente. O museu alberga uma impressionante coleção, a chamada coleção Palacio de arte oriental, mais de 200 peças, foi um festival à volta de pinturas, estampas, sabres, caixas de todos os tamanhos, objetos Namban e cerâmica para a cerimónia do chá. Algumas destas peças são excecionais, digo-vos eu. Está na hora de partir, da estação ferroviária de Bilbau para Logroño, a capital de La Rioja, são quase três horas vendo e apreciando espinhaços e cordilheiras, e muitos quilómetros de vinhedo à beira do rio Ebro. Será um belo passeio, digo-vos eu. Mas não resisti, antes de partir, em registar este espetacular vitral, não há muito restaurado, vem do tempo em que a dignidade do trabalho era cantada e exaltada nos espaços públicos, era arte pública para desfrutar e respeitar a dignidade do trabalho de um povo. Como podem ver:
Ainda não vos disse mas arrefeceu de ontem para hoje, estão só 30 graus, o melhor é andar pela sombra, foi o que fiz pelos jardins de Bilbau, bem floridos e mantidos, e agora vou de abalada, nem pressinto a belíssima viagem que me espera e o prazer de visitar Logroño, tão agradável surpresa parecia-me impensável.
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Nota do editor
Último poste da série de 1 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13674: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (10): Viagens pelo Norte de Espanha: Bilbau e o indispensável Museu Guggenheim
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
O Fernado Bastos Jorge, mais conhecido pelo "Mafra", enfermeiro na Guiná, infelizmente também já nos deixou. Problemas causados pela guerra aos se juntaram outros problemas causados pela vida acabou por se suicidar em Alenquer onde vivia com mulher e filhos (2). Embora já tenha falecido a algum tempo aqui fica a informação para aqueles que desconheciam tão infeliz desfecho.
O meu muito obrigado
bruno (cunhado)
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