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segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27382: Notas de leitura (1858): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Maço de 2025:

Queridos amigos,
O nosso confrade José Matos é de uma delicadeza extrema, mal foi publicado este seu último livro deu-me conhecimento do seu conteúdo, autorizando a revelá-lo, sob a forma de uma súmula, a todos os camaradas. Habituou-nos ao rigor das fontes e dos documentos, ilustra com textos pontos sugestivos da obra, igualmente recorre a ilustrações que facilitam a compreensão dos factos. Em termos de narrativa, contextualiza toda a guerra de África e desvela os principais acontecimentos de 1973 que aceleraram a sublevação militar; são igualmente mostradas as etapas da sublevação a partir da legislação que criava um Quadro Especial de Oficiais, e assim progredimos até aos preparativos da sublevação, depois do insucesso da revolta das Caldas os militares esboçaram uma estratégia que contemplou os três ramos das forças armadas e uma multiplicidade de unidades espalhadas pelo continente. Da operação em si e dos acontecimentos do 25 de Abril e subsequentes se fará referência no próximo texto.

Um abraço do
Mário



Atlas Histórico do 25 de Abril, por José Matos, um confrade que nos dá imensa companhia (1)

Mário Beja Santos

Acaba de ser dada à estampa pela editora Guerra e Paz o Atlas Histórico do 25 de Abril, a obra mais recente do nosso confrade José Matos, publicação muito sugestiva que nos permite recordar as etapas fundamentais do 25 de Abril, acompanharemos os alvores da revolução, chega-se à obra de Spínola Portugal e o Futuro e será esmiuçada a queda do regime e revisitada toda a operação que vitoriou o MFA; leitura tão mais sugestiva pela apresentação de imagens e quadros esclarecedores dessas diferentes etapas.

Em 1973, ainda havia a ilusão de que a ditadura portuguesa teria condições para durar; mas nesse ano alterou-se profundamente o cenário internacional, mudou profundamente a situação dos teatros de operações da Guiné e também em Moçambique; chegar-se-á mesmo ao momento de questionar se a Guiné era defensável, foi tema abordado no Conselho Superior de Defesa Nacional, perto do final do ano, julgava-se que ainda havia uma janela de oportunidade, isto na altura em que Portugal começa a sofrer as consequências não só da crise petrolífera, o país é castigado pelo mundo árabe, a inflação torna-se galopante. O ministro da Defesa, Sá Viana Rebelo, procura uma solução para a falta de oficiais para a guerra, propõe um Quadro Especial de Oficiais, estala a indignação do corpo de oficiais do quadro permanente, vão começar as reuniões, a primeira na Herdade do Monte do Sobral no Alentejo.

Desenhado por Diniz de Almeida, o croqui com indicações para os militares chegarem ao Monte do Sobral (Arquivo Diniz de Almeida)

Marcello Caetano remodela o Governo, Silva Cunha passa para ministro da Defesa, os militares continuam a protestar como se verá na reunião de S. Pedro do Estoril. A política ultramarina do Estado Novo isolara Portugal, consumia cada vez mais recursos ao país. Mesmo os Aliados da NATO furtavam-se a apoiar Portugal e a compra de armamento era cada vez mais difícil. José Matos rememora os acontecimentos que envolvem tal política ultramarina, o aparecimento da luta armada a partir de 1961. Destaca o problema da Guiné. Refere uma carta do chefe do Gabinete Militar Arnaldo Schulz, Tenente-Coronel Castelo Branco, para o governador, então em Lisboa, dizendo que “o inimigo colocou-nos a mão no pescoço, como bom lutador de judo, e nós temos dificuldade em sair desta posição”. Toda a situação na Guiné é passada em revista, Spínola regressa da Guiné em agosto, não escondendo que a situação se tornou incomportável, não podia haver solução militar, impunham-se negociações. Marcello Caetano nomeia novo governador, ele escreverá nas vésperas do 25 de Abril que se chegara à exaustão dos meios. Nessa altura já Marcello Caetano procurara sigilosamente conversações com o PAIGC, que ocorreram em Londres, em março.
Os apartamentos de Dolphin Square em Londres (Arquivo José Matos), foi aqui que decorreram as conversações secretas entre o PAIGC e o cônsul português José Manuel Villas-Boas, toda esta operação fora urdida pelo embaixador britânico em Lisboa

Prosseguem as reuniões dos militares conspiradores, o autor descreve a atmosfera em que é publicado o livro de Spínola Portugal e o Futuro, a proposta de criar uma federação já não assentava na realidade, não só nenhum dos movimentos de guerrilha era a favor como Portugal perdera oportunidade de preparar o ambiente que permitiria a conjugação de todas estas vontades. Mas o livro foi o rastilho da revolução, como Marcello Caetano constatou após a leitura do livro, na noite de 22 de fevereiro de 1974. Caetano está já entre a espada e a parede, quer demitir-se mas Thomaz não consente, discursa na Assembleia Nacional, pede-lhe um voto favorável para a continuação da política ultramarina, recebe os oficiais generais, demite Costa Gomes e Spínola, enquanto discursa na Assembleia Nacional surge o manifesto dos capitães numa reunião que se realizou em Cascais, Melo Antunes lê aos presentes um documento por ele elaborado: o regime era incapaz de se autorreformar, a perpetuação da guerra não ia resolver um problema ultramarino; os povos africanos tinham direito à autodeterminação, embora devessem ser acautelados os interesses dos portugueses residentes no Ultramar; era necessário um novo poder político eleito democraticamente que fosse realmente representativo das aspirações e interesses do povo.

Com a demissão de Costa Gomes e Spínola, os militares já em estado de sublevação vão procurar, a partir das Caldas da Rainha, caminhar em direção a Lisboa, a operação não é sucedida, Caetano falará dela na sua última Conversa em Família. Pelas diferentes vias diplomáticas, tenta-se adquirir novas armas, suscetíveis de se equiparar com o armamento da guerrilha. Temendo o uso da Força Aérea por parte do PAIGC, é comprado o Crotale.

Originalmente desenvolvido para a África do Sul pela Thomson-CSF e pela Matra, o Crotale era um sistema de defesa antiaérea para alvos a baixa altitude. Uma bateria de Crotale era composta por dois a três veículos de disparo, cada um com o seu próprio radar de controlo de fogo e quatro mísseis prontos a disparar, e um veículo de vigilância/aquisição. Portugal assinou um acordo de compra com os franceses em Janeiro de 1974, mas este sistema já não seria entregue a tempo. A única bateria de Crotale chegaria em Setembro de 1974, após o fim da guerra, e com a ajuda de Thomson foi revendida à África do Sul em 1976.

Vamos ver agora os preparativos do golpe, estiveram a cargo de um estratega, Otelo Saraiva de Carvalho; ele teve o cuidado de envolver várias unidades militares espalhadas pelo país, era imperativo tomar a capital. Sede do Governo, aqui estavam a televisão e as mais importantes estações de rádio e o aeroporto. Todas as operações seriam comandadas a partir de um centro de comando do MOFA (mais tarde MFA), havia necessidade de um sistema de comunicações fiável, ficou a cargo do tenente-coronel Garcia dos Santos, foi ele o responsável por arranjar o material de comunicações para a revolta.

A fuga do tenente Castro Gil:

“No dia 31 de Janeiro de 1974, ao fim da tarde, os guerrilheiros abateram com um míssil terra ar um Fiat G.91 que prestava apoio de fogo ao aquartelamento de Canquelifá, que estava sob ataque do PAIGC. Este quartel na fronteira nordeste com o Senegal distava cerca de 200 km de Bissau e era uma zona flagelada com alguma frequência pela guerrilha. O piloto ejetou-se e aterrou em segurança, mas teve de fugir para não ser capturado pelo inimigo. Decidiu rumar a norte, para o Senegal, indo pelo mato rasteiro ainda com cinzas ardentes para que a aragem do ar apagasse o seu rasto. De manhã, regressou à Guiné e foi ter a uma aldeia. Aproximou-se e escondeu-se nuns arbustos, a observar o movimento dos naturais e a ver se via homens armados ou fardados como os guerrilheiros. Quando viu que era seguro, entrou na aldeia e pediu ajuda. Surgiu então um homem com uma bicicleta e mandou o tenente Gil instalar-se atrás, arrancando a pedalar em direção ao sul para o Quartel de Piche. No quartel, começou a grande festa da recuperação do jovem tenente, que, no dia seguinte, chegou à base aérea de Bissalanca, onde a receção foi apoteótica e onde a festa se prolongou até de madrugada. Bastante alcoolizado, o tenente acabou internado no hospital de Bissau amarrado a uma cama.”

Texto retirado da obra de José Matos.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 31 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27370: Notas de leitura (1857): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (4) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

JC Abreu dos Santos disse...

... durante a tarde de domingo 09Set1973, 139 capitães e subalternos do QP do Exército de Portugal reuniram em conclave castresene num palheiro abandonado da herdade agrícola alentejana do Monte Sobral, para se pronunciar sobre o conteúdo de um papel, produzido no dia 07Set1973 no conclave castrense ocorrido no Bairro da Madre de Deus, repudiando os decretos-lei 353/73 e 409/73.
Eis os nomes dos 136 síndico-corporativistas, contestatários e subscritores...

JC Abreu dos Santos disse...

Cap inf CMD Albano da Gama Diogo, Cap inf CMD Alberto Freire de Matos, Cap inf CMD Fernando Gil Almeida Lobato de Faria, Cap inf CMD Florindo Eugénio Baptista Morais, Cap inf CMD Pedro Fernando Azeredo Rosa Falcão, Cap inf PQ António Loureiro Costa, Cap inf PQ Cristóvão Manuel Furtado Avelar de Sousa, Cap inf PQ José Manuel da Silva Pinto, Cap inf PQ Manuel Bação da Costa Lemos, Cap inf PQ Maximino Cardoso Chaves, Cap inf Abílio José Barbosa Monteiro de Macedo, Cap inf Alfredo Antunes Lopes, Cap inf Antero Aníbal Ribeiro da Silva, Cap inf António Afonso Gonçalves, Cap inf António da Silva Pinto, Cap inf António Feijó de Andrade Gomes, Cap inf António Fernando de Oliveira Prata, Cap inf António José Guerra Gaspar Borges, Cap inf António José Sardoeira Pereira da Silva, Cap inf António Luís Ferreira Amaral, Cap inf António Manuel Cachado Pessanha de Oliveira, Cap inf António Melo de Carvalho, Cap inf António Ramos da Rocha, Cap inf Aprigio Ramalho, Cap inf Armindo Medeiros Baptista, Cap inf Arnaldo Carvalhais da Silveira Costeira, Cap inf Augusto José Monteiro Valente, Cap inf Boaventura José Martins Ferreira, Cap inf Carlos Alberto Mauricio Gomes, Cap inf Carlos Manuel Costa Lopes Camilo, Cap inf Carlos Trindade Clemente, Cap inf David Custódio Gomes Magalhães, Cap inf David Manuel de Matos Martelo, Cap inf Diamantino Gertrudes da Silva, Cap inf Diniz Joaquim Brás Sebastião, Cap inf Frederico Carlos dos Reis Morais, Cap inf Henrique José Pinto Correia de Azevedo, Cap inf Jacinto Gonçalves Cabrita, Cap inf João Manuel Bicho Beatriz, Cap inf João Rodrigo Silva Ramalho Rocha, Cap inf Joaquim Rafael Ramos dos Santos, Cap inf Jorge Alberto Ferreira Manarte, Cap inf Jorge Manuel Henriques Caetano, Cap inf Jorge Manuel Silvério, Cap inf José Alberto Cardeira Rino, Cap inf José Augusto da Costa Abreu Dias, Cap inf José Cabaço Louro, Cap inf José Cândido de Oliveira Bessa Menezes, Cap inf José Clementino Pais, Cap inf José Eduardo de Miranda da Costa Moura, Cap inf José Eduardo Romano Pires, Cap inf José Gomes Pereira, Cap inf José Luís Machado de Oliveira, Cap inf José Manuel Geadas Piteira Santos, Cap inf José Nunes Celorico, Cap inf José Nuno da Câmara Santa Clara Gomes, Cap inf José Rui Borges da Costa, Cap inf Leonardo dos Santos Freixo, Cap inf Luciano Ferreira Duarte, Cap inf Luís de Sousa Ferreira, Cap inf Luís Fernando Gonçalves Riquito, Cap inf Luís Manuel de Oliveira Pimentel, Cap inf Manuel de Paiva Bastos, Cap inf Manuel Dias Chagas, Cap inf Manuel Estevam Martinho da Silva Rolão, Cap inf Manuel Maria Pontes Figueiras, Cap inf Reinaldo Saboais dos Santos Madeira, Cap inf Rui Fernando Ribeiro de Lucena Coutinho, Cap inf Rui Manuel da Silva Ramalho, Cap inf Rui Martins Rodrigues, Cap inf Vasco Correia Lourenço, Cap art Albino Luís Ferreira da Cal, Cap art António Gabriel Albuquerque Gonçalves, Cap art Eduardo da Conceição Santos, Cap art Eduardo Diniz Leitão dos Santos Almeida, Cap art Henrique José de Castro Osório Mauricio, Cap art João Manuel de Melo Mariz Fernandes, Cap art Joaquim Luís Dias Antunes Ferreira, Cap art José Augusto dos Santos Rosário Simões, Cap art José Luís da Conceição Cardoso, Cap art José Ribeiro Salgueiro, Cap art Luís Filipe Candeias da Silva Barata, Cap art Luís Lopes Francisco, Cap art Miguel António Fradique da Silva, Cap art Moisés Carlos Correia Pedrosa Afonso, Cap art Raul Alberto Laranjeira Henriques, Cap art Rodrigo Manuel Lopes de Sousa e Castro, Cap art Samuel Matias do Amaral, Cap art Vasco Prego Rosado Durão, Cap cav Armindo José Pinto Machado, Cap cav João Francisco Ramos do Rego Bayam, Cap cav Rui da Costa Ferreira, Cap eng Henrique Manuel de Vasconcelos Bon de Sousa, Cap eng Mário Eduardo Abrantes de Mendonça Frazão, Cap SAM Manuel de Sousa Cardoso da Silva,

JC Abreu dos Santos disse...

Ten inf Adelino Nunes de Matos, Ten inf Alfredo Manuel da Costa Horta, Ten inf Américo José Guimarães Fernandes Henriques, Ten inf António Alves Marques Júnior, Ten inf António da Silva Fernandes, Ten inf António dos Santos Vieira, Ten inf Armando Fermeiro, Ten inf Carlos Alberto Frias Barata, Ten inf Fernando Frazão Fernandes Costa, Ten inf Fernando Nuno da Silva Pinto, Ten inf Fernando Pereira dos Santos Aguda, Ten inf Helder Manuel Verissimo Neto, Ten inf Henrique Rosário Correia de Lacerda Ramalho, Ten inf Joaquim José Pinto Carvalho de Oliveira, Ten inf José Amândio Gonçalves Trigo, Ten inf José Luís do Vale Mesquita, Ten inf Luís Manuel Gomes dos Santos Lopes, Ten inf Manuel Macedo Marques, Ten inf Mário de Oliveira Cardoso, Ten inf Miguel Fernando Guint Barbosa, Ten inf Rui Alexandre Cardoso Teixeira, Ten inf Valdemar José Moura da Fonte, Ten inf Vasco Augusto Pinheiro Gonçalves Capaz, Ten inf Vítor Manuel Vicente Fernandes, Ten art Alberto Nuno Lara Ponces de Carvalho, Ten art Aníbal José Rocha Ferreira da Silva, Ten art António Manuel de Jesus Rosado da Luz, Ten art João António Andrade da Silva, Ten art José Cândido Custódio Pereira, Ten art José Henrique Duarte Mendes, Ten art José Manuel Freire Nogueira, Ten art José Manuel Pinto Marques Nave, Ten art José Martins Cabaça Ruaz, Ten art Manuel João Ferreira Sousa, Ten art Mário Ribeiro Baptista, Ten art Pedro Manuel Lopes de Sales Grade, Ten art Valdemar José de Oliveira Patricio, Ten cav António José Guerreiro Júdice, Ten cav Joaquim Canteiro Capão, Alf inf Dario Alberto de Azevedo Sobral e Alf inf João Gabriel Bargão dos Santos.