1. Em mensagem de 1 de Novembro de 2025, o nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), descreve-nos a sua odisseia para conseguir provar que o incidente de que foi vítima no dia 4 de Agosto de 1969 lhe provocou lesões oculares irreversíveis com consequências para toda a vida.NUNCA DESISTIR
Nunca desistir é a mensagem que pretendo transmitir aos camaradas que tenham em curso, ou venham a iniciar um processo, relativamente à atribuição de incapacidade resultante de ferimentos sofridos em combate ou acidente, ocorridos durante a guerra colonial.
Volto a dizer “nunca desistir”, porque o processo que iniciei naquele sentido, foi uma autêntica odisseia.
Resultante das lesões oculares sofridas no incidente de 04 de Agosto de 1969 (ver Poste 26820), que originou um processo por ferimentos em combate, restaram sequelas. Porque anos mais tarde sentia desconforto e diminuição da visão, no dia 2 de Abril de 1991 entreguei na Secção de Justiça do DRM – Porto, um requerimento ao qual juntei um relatório médico, solicitando ser obervado no Hospital Militar do Porto, para verificação das sequelas e eventual atribuição de uma incapacidade.
Em 17 de Dezembro de 1992 fui presente à consulta de Oftalmologia no HMR1, tendo o especialista declarado “Não se encontra abrangido pela Tabela Nacional de Incapacidades pelo que não se justifica qualquer taxa de incapacidade. Deve ser enviado à Exma. JHI para os devidos efeitos”.
Em 12 de Janeiro de 1993 fui presente à JHI que me julgou “Pronto para todo o Serviço Militar” e portanto sem atribuição de qualquer incapacidade. Uma Junta Médica (JHI) é sempre constituída por três médicos, mas aqui só estive perante um Capitão, eventualmente médico, que não me observou, não dialogou comigo, limitamdo-se a comunicar o atrás referido.
Porque os problemas oculares continuavam, no dia 12 de Outubro de 2005 fiz novo “REQUERIMENTO PARA PEDIDO DE REVISÃO DE PROCESSO POR ACIDENTE/DOENÇA EM SERVIÇO” ao qual juntei novo relatório médico. Daqui resultou que passados 18 meses, no dia 30 de Maio de 2007, fui presente a uma JHI (Oftalmologia) e desta vez sim, na presença de três médicos, que após observação emitiram a seguinte decisão “H.M.R 1 – incapaz de todo o serviço militar, apto, parcialmente para o trabalho com 23,5 de desvalorização”, baseando-se nas seguintes lesões: epíforas e conjuntivites crónicas e bilaterais.
Julgava eu que passados mais alguns meses passaria a receber uma indemnização, cujo valor monetário desconhecia totalmente. Puro engano, o processo andou a saltar durante SETE ANOS E MEIO, de organismo em organismo, tais como: Ministério da Defesa; Direção de Justiça e Disciplina; Arquivo Geral do Exército; Direção de Saúde, Comissão Permanente Para Informações e Pareceres e finalmente a Repartição de Reserva Reforma e Disponibilidade.
É aqui que nunca devem desistir, pois, apesar da atribuição da incapacidade em Junta Médica, não é certo que venhas a receber qualquer pensão, ou então, não na totalidade da incapacidade atribuída.
Os vários organismos vão tentar tudo para não te darem a merecida desvalorização e é preciso estar atento e contestar os pareceres que vão emitindo, tais como: a inexistência de nexo causalidade entre as lesões diagnosticadas e o acidente sofrido; alterando a profissão de modo a que incapacidade seja reduzida para metade (1) e referindo que as sequelas das lesões sofridas não podem ser resultantes do acidente (2), mas sim de causa orgânica (doença).
• (1) - na vida civil fui empregado de escritório, mas classificado como carpintero neste processo. Como o empregado de escritório necessita mais da visão que o carpinteiro, logo aqui e segundo a Tabela Nacional de Incapacidades, que eu conhecia bem por motivos profissionais, a desvalorizção baixava para metade. Tive de contestar, o que logo originou atrasos de meses na resolução do caso.
• (2) – A Direção de Saúde disse que as sequelas das lesões tinham origem em doença bacteriológia e não traumática (acidente), o que tive também de contestar e daí mais uns meses de espera.
Foram sete anos e meio de muita luta, muita paciência, mas consegui ganhar o processo e a desvalorização na totalidade. Ver anexo NOTAS, onde tudo registava, tal como: telefonemas; contactos pessoais, cartas e emails, etc, num total de 11 páginas.
Para concluir o processo e começar a receber a pensão, faltava uma última etapa, uma Junta Médica na Caixa Geral de Aposentações, a entidade pagadora, que foi feita e posterior publicação no Diário da Républica.
A Pensão é paga a partir da data da realização da Junta Medica que determinou a incapacidade, pelo que tive direito a receber os retroativos dos sete anos e meio e depois passei a receber mensalmente, por débito em conta, através da CGA.
Uma última questão, só quem tem uma incapacidade igual ou superior a 30% é que é considerado Deficiente das Forças Armadas, que para além da pensão, tem outras regalias.
Arcozelo/Gaia
01 de Novembro de 2025
Aníbal Silva
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Notas do editor:
1 - Citando Aníbal José da Silva no seu Poste 26820 de 29 de Maio de 2025:
[...]
Chegado à base de Bissalanca segui de ambulância para o Hospital Militar. Fui colocado não sei onde deitado na maca. Não sabia se estava no chão ou em cima de qualquer coisa. Com a mão direita de fora da maca, tocava no que me rodeava e conclui que estaria no chão pois sentia uma superfície fria e lisa.
As pessoas passavam por mim mas não ligavam nenhuma. As dores nos olhos e o rubor na cara era escaldante. Comecei por insultar quem por mim passava, chamando-lhes filhos desta e daquela, até que alguém, creio que era um sargento pois chamaram-lhe assim, veio ter comigo e perguntou a outros o que é que aquele homem estava ali a fazer. Responderam que estava à espera do oftalmologista. Era uma segunda-feira e o médico devia ter ido passar o fim de semana à ilha dos Bijagós. Mas o sargento ordenou que eu fosse de imediato ao RX para a eventualidade de ter algum estilhaço no corpo, o que felizmente não se veio a confirmar. O médico chegou e mandou-me para a sala de observações, onde permaneci três dias.
Foi iniciado o tratamento prescrito, que consistia na lavagem dos olhos várias vezes ao dia e mesmo durante a noite, mais umas injeções não sei para quê. Ao fim da tarde desse dia, ouvi passos que vinham na minha direção. Abeiraram-se da cama e uma voz perguntou: “Rapaz de onde és e o que te aconteceu?”. Reconheci logo a voz do General Spínola e resumidamente respondi. O acompanhante habitual do general era o Capitão Almeida Bruno, que me perguntou se eu sabia com quem estava a falar. Respondi que era o General Spínola e ele o Capitão Almeida Bruno. No dia seguinte voltaram a visitar a sala de observações, tomando conhecimento dos que chegaram nesse dia. Era do conhecimento geral, que desde sempre, os dois ao fim da tarde iam ao hospital quase todos os dias. De madrugada entrou alguém na sala a gemer e a berrar. Era uma parturiente que horas mais tarde deu à luz uma bebé.
O barbeiro do hospital, de dois em dois dias, ia-me fazer a barba e eventualmente aparar o cabelo. Para ir ao refeitório, nos primeiros dias, era acompanhado pelo cabo enfermeiro, que me ensinou a fazer o percurso sozinho. Saía da porta da enfermaria, dava quatro passos em frente atravessando o corredor e tocava na parede, virava à esquerda e caminhava uns tantos passos ao longo da parede até ao início da escada, depois à direita, descia seis degraus, contornava o patamar e descia mais seis degraus até à entrada do refeitório. Quando entrava diziam, lá vem o ceguinho, quem é que lhe vai dar a sopa na boca e cortar o bife? Obviamente que meter a sopa na boca era exagero, era uma brincadeira, mas o restante sim, precisava de ajuda. No trajeto inverso contava os mesmos degraus e dava os mesmos passos. Na cama não podia estar de barriga para cima, porque a deslocação de ar provocado pelas enormes pás das ventoinhas colocadas no teto, ao bater nas pálpebras agravava as dores.
[...]
2 - Último post da série de 27 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27358: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (112): Através do nosso blogue, na pessoa do camarada Manuel Domingos Ribeiro, soubemos do falecimento do Fur Mil Art Silva da CART 6552/72 (João Ferreira / Manuel Domingos Ribeiro / Carlos Vinhal)

1 comentário:
Anibal Silva, que grande história essa tua aventura! Estamos na mesma onda, eu iniciei um processo de 'Stress pós traumático de guerra' seguindo a legislação aplicável.
O que os une, não é só isso, nesse dia avarento de 4 de agosto de 1969, já estava eu no UIGE a Caminho de casa, coincidências. -efeito, e assim até hoje, tenho dezenas de emails e recebidos, e centenas de documentos anexos, que vou juntando sempre em todas as contestações.
Os passos e tudo porque passaste, foi o meu longo caminho de 20 anos, estou a ver os teus passos e os despachos, sem fim, sempre com a frase altamente Irritante 'REITERAMOS' o que já foi transmitido, isto é, tenho 30% de desvalorização, mas, insistem, sem nexo de causa-efeito.
Eu ainda fui ao HFAR em Lisboa, para uma Junta Médica de Recurso, era um General médico da FA presidente, um oficial da Marinha, e um besta de Major do Exército, que me olhava de gozo.
Eu tinha de assinar um papel em que tomava conhecimento da nova Recusa da JM de Recurso, do novo Indeferimento, pela mesma razão.
Disse que não assinava nada, sem me darem uma cópia das suas conclusões que após meia hora concederam. Nesta guerra entre outras tantas barbaridades que vomitava, vi pela idade deles que não estiveram na nossa guerra, e virei-me para o General e os outros, dizendo textualmente, que não os reconhecia com saber e idade para avaliar um caso como este, porque nenhum deles tinha estado na guerra. Calaram-se todos e fim das formalidades, recebi o que pedi, eles nunca iam alterar o parecer, pois a Junta, quando entrei não teve qualquer conversa comigo, já tinham tudo pronto para assinar. E assinei, tenho tudo comigo, dezenas de documentos oficiais, que nem os poderia ter comigo.
Ao sair de lá, olhei para trás e virei-me para o representante do Exército, era o macaco mais pequeno, e perguntei porque está com essa cara de sorriso a gozar comigo?
E assim e foram passando os anos, todos os meses enviava o meu lote de emails e documentos, e recebia as mesmas respostas.
Por coincidência ontem à noite, isto é às 00,54h de hoje, lá foi novo apelo, já foi recepcionado, neste caso enviei para 15 entidades diferentes.
E disse neste email, que nunca vou desistir dos meus direitos enquanto for vivo!
Tenho aqui escrito.
O teu testemunho, de uma luta de Golias e um rato, teve um fim feliz, é pena já ser tarde demais, mas não sabemos até quando. Parabens, e vou adaptar mais uma vez a minha estratégia.
Além dos emails sem fim, tenho uma grande pasta carregada de documentos, que antes vinham por correio.
Voltaremos a falar, agora tenho de terminar, e mesmo sem tempo, náo deixo de escrever estas primeiras impressões.
Virglio Teixeira
até logo
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