Caros Amigos e Camaradas
Segue mais uma transcrição dumas papeletas do CAOP 1, que Anexo respectiva digitalização, para vossa apreciação.
São 7 folhas mais o verso da última, escritas a lápis
Abraços
Jorge Picado
I – Generalidades
Sua Ex.ª o actual Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, após um estudo detalhado acerca do panorama desta Província, traçou uma linha de orientação e trabalho tendo como objectivo o desenvolvimento e progresso sócio-económico e cultural do Povo da Guiné, com tanta oportunidade sintetizado na expressão “Uma Guiné Melhor Para os Guinéus”.
Assim, a meio do ano de 1969 e por razões estratégicas definiu a zona de etnia Manjaca como área piloto para a incidência de um esforço colectivo exercido pelo Governo da Província, que ficou portanto conhecido como a “Manobra Socio-Económica e Cultural no Chão Manjaco”.
Este Chão Manjaco, actualmente mais reduzido do que nos tempos de outrora, pois segundo consta inicialmente estendia-se mais para o interior incluindo o regulado de Bula – agora área de Mancanhos – e as Ilhas de Bissau até Sanfins e de Bolama – hoje em dia zona de Papéis – encontra-se distribuído por (?) 28 Regulados (?) povoados na sua esmagadora maioria por Manjacos, aos quais se juntam diversas minorias étnicas, além de Mancanhos e Balantas já em percentagem significativa.
Actualmente a população nesta zona ronda os 60.000 habitantes, quase exclusivamente animistas, se bem que existam (?) alguns católicos e ainda mais islamizados, estes com tendências expansivas.
Para implantação e execução do pensamento governativo nesta(?) área foi criado o CAOP, (?) que posteriormente englobou a zona de Bula, predominantemente Mancanha e mais recentemente a de Binar, já de ocupação Balanta.
A missão dada ao CAOP foi a de “Restabelecer a vida normal no Chão Manjaco” e em face disso, a par das actividades puramente militares que garantissem o espaço, o tempo e a tranquilidade necessários à criação dum clima de Paz, atribuíram-se-lhe actividades pacíficas de colaboração na execução dos diferentes programas nos campos da educação, da saúde, da agricultura, da pecuária e das obras públicas.
Actualmente este esforço desenvolvido e ensaiado nesta área piloto do Chão Manjaco estende-se a outros Chãos, nomeadamente o Balanta.
II – Reordenamentos
1- Uma das características da estrutura populacional da Província é a sua grande pulverização em núcleos pequenos e dispersos por largas áreas, aliás própria das sociedades vivendo numa fase da agricultura (económica) economicamente de subsistência, em zonas do globo com determinadas características.
Em face disso, todos os benefícios primários de natureza colectiva em que assenta qualquer promoção perdem muito da sua rentabilidade quando aplicados a essa sociedade multidividida, nomeadamente qualquer esforço que se faça no campo da Instrução, Assistência Técnica e Comunicações, pontos base de qualquer programa sério e honesto de desenvolvimento (económico ?) destas sociedades primárias.
Surgiu consequentemente a necessidade de aglomerar essas sociedades dispersas, de modo a usufruírem os benefícios que a civilização moderna pode facultar, sem contudo as ferir nos seus interesses e tradições ancestrais. Deste modo, essa aglomeração estudada e planeada tem sido feita unicamente de acordo com aceitação livre das populações, previamente elucidadas dos objectivos a atingir e que se resumem:
- Obtenção da máxima rentabilidade no esforço de promoção realizado, aproveitando melhor as pessoas e os meios;
- Criação de hábitos de trabalho mais comunitários;
- Garantir uma melhor protecção às populações beneficiadas.
A reacção inicial a estes reordenamentos foi como se esperava de descrença na nossa capacidade de realização e de desconfiança na honestidade e fins dos nossos propósitos, consequência de atitudes passadas e de permeabilidade à propaganda IN.
No entanto apesar das dificuldades encontradas e traduzidas em insuficiência de meios e materiais e mão-de-obra, venceu-se essa reacção inicial e actualmente acreditam e aceitam estas realizações.
2 - 1.ª Fase
Sector de Teixeira Pinto
Reordenamentos - 7
Casas previstas - 1397
Casas concluídas (Época seca 70/71) - 575
Casas a construir - 819
Sector de Pelundo
Reordenamentos - 3
Casas previstas - 411
Casas concluídas (Época seca 70/71) - 347
Casas a construir - 64
III – Saúde
1- A saúde pública é um dos principais aspectos que mais afecta a vida das populações, muito especialmente em zonas caracterizadas por elevado índice de doenças endémicas, como é o caso da maioria das regiões africanas, onde numerosas doenças existem e grassam facilitadas pelo habitat sui generis existente. A acrescentar a estes flagelos endémicos há ainda todo o restante espectro de doenças vulgares, traumatismos e a elevada mortalidade infantil que, tornam a duração média de vida destes povos bastante baixa, em comparação com sociedades mais evoluídas, além de constituírem uma das causas inibitórias duma real promoção sócio-económica.
As próprias características destes povos primitivos e sub-desenvolvidos, sem qualquer educação sanitária e possuidores duma forte crença nos seus mézinhos, contribuem para a existência dum retrato sanitário francamente mau destes habitantes.
Conhecendo-se estas verdades e concomitantemente as necessidades sanitárias do Chão Manjaco, idênticas aliás a todos os outros Chãos, e sabendo-se ser neste campo onde os resultados positivos de promoção e captação das massas mais rapidamente podem surgir, procurou-se, aproveitando a estrutura dos serviços de saúde existentes, suprimir os inconvenientes e melhorar e ampliar o que havia de útil.
Resumidamente, desejava-se proporcionar uma melhoria de vida biológica e social do Povo Manjaco, praticando fundamentalmente uma medicina preventiva, assegurando a medicina curativa e incrementando a educação sanitária, de forma a:
- diminuir a mortalidade
- assegurar a cobertura sanitária de todo o “Chão” Manjaco
- actuar sobre a origem das doenças
- modificar os hábitos higiénicos da população
- elevar o estado geral de saúde.
2- Realizações
2.1- Reparação dos edifícios já existentes
2.1.1-Hospital de T.Pinto
2.1.2-Postos Sanitários de Cacheu
Caió
Calequisse
Jeta
Pecixe
2.2- Ampliação e construção de diversos serviços do Hospital
2.3- Construção de novos Postos Sanitários
-Batucar
-Carenque
-Pelundo
2.4- Construção de novos Postos de Socorros
-Bassarel
-Có
2.5- Simultaneamente procedeu-se a um apetrechamento adequado de todos os serviços em material e ampliaram-se os quadros de enfermagem e auxiliar.
Nota: Não se toma em consideração o volumoso trabalho de assistência prestado pelos serviços militares nos diversos destacamentos.
(Nas costas da folha que acabei de transcrever está escrito, igualmente com a minha letra, mas esferográfica vermelha: profilaxia tétano; profilaxia poliomielite; profilaxia cólera; profilaxia sono.)
IV – Educação
Num plano de promoção dirigido a massas populacionais primitivas com um tão baixo nível cultural e uma percentagem de analfabetismo bastante elevada, não se podia menosprezar o ensino, compreendido (?) como instrução quer como educação propriamente dita.
Deste modo, fácil se torna compreender que o esforço no campo educacional teria forçosamente de absorver grande parte do esforço aplicado ao desenvolvimento do Chão Manjaco, tanto mais que os meios existentes, se eram suficientes para atender a instrução solicitada, manifestavam-se insuficientes para satisfazer uma instrução obrigatória, necessária para criar uma nova geração com capacidade para assimilar as inovações trazidas pelo progresso e aplicá-las duma forma eficiente.
Por estas razões, trabalhou-se e trabalha-se com a finalidade de:
- Colocar a escola e o professor ao alcance de todos, tornando a instrução obrigatória, de forma a reduzir ao máximo o analfabetismo.
- Associar ao ensino escolar (o ensino?) uma iniciação agrícola elementar (?), para criar hábitos de trabalho, fazendo contactar tanto quanto possível as crianças com novas técnicas e novas culturas.
- Ministrar durante o ensino escolar conhecimentos de higiene pessoal e habitacional e (???) criar o gosto na juventude pelos regimes alimentares diferenciados e completos
- Seleccionar os mais inteligentes, proporcionando-lhes (?) através da concessão de bolsas de estudo, a possibilidade de atingirem níveis mais adiantados de cultura, pela frequência dos Liceus, Escolas Técnicas, Institutos e Universidades.
- Seleccionar os mais aptos para frequentar a Escola de Artes e Ofícios, a criar em T.PINTO, ou a Escola de Iniciação Rural, na Granja de T.PINTO.
- Mentalizar as crianças de acordo com os propósitos da Nação Portuguesa.
Congregaram-se por conseguinte todas as entidades empenhadas (?) desenvolvendo actividades de fomento educacional, – (?) serviços de educação civil, serviços de educação militar e missões – (para que se atingisse o objectivo global???) a fim de proporcionarem uma escolaridade para todos, combatendo assim o analfabetismo e possibilitando aos mais dotados o acesso a outro(a)s (fontes?) (graus) de ensino, tendo em atenção que a população a escolarizar, no Chão Manjaco (era em 1969 - 10139?) apresentava os seguintes valores:
- 1969 – 10139
- 1970 – 10640
- 1971 – 11172
Escolas Oficiais
Existentes - 4
Construídas - 13
A construír -
Escolas Missões
Existentes - 13
Construídas - 1
A construír -
Escolas Militares
Existentes -
Construídas - 7
A construír -
No verso da última folha estão as seguintes notas
- Delegacia de Saúde em Teixeira Pinto
– vacinação
- lepra e tuberculose
- materno infantil
Subdelegacias de Saúde em:
- Calequisse
- Cacheu - Postos Sanitários
- Pelundo - Brigadas de Socorros móveis
- Có
- Hospital Regional em Teixeira Pinto
Postos Sanitários em:
– Jeta
- Caió
- Pecixe
- Calequisse
- Cacheu
- Batucar
- Carenque
- Pelundo
Posros de Socorros em
- Bassarel
- Có
- Missão Combate Tripanossomiases
Concomitantemente, a par destas realizações materiais de construção e reconstrução de edifícios e apetrechamento adequado dos mesmos em material, aumentou-se o número de enfermeiros e parteiras na área.
Oficiais
Batucar
Carenque
Bassarel
P.E.M.
Batucar
Carenque
11 Oficiais + 7 P.E.M.
Acerca deste documento julgo que falta alguma(s) página(s), pois tal como se apresenta, está manifestamente incompleto. Por outro lado não está datado, ainda que saiba ter sido elaborado já em 1971 – uma vez que refere expressamente elementos desse mesmo ano –, nem assinado. Não me recordo já se foi alguma resenha que me tivessem mandado fazer para ser remetida ao COMCHEFE (como algumas correcções feitas e o que está escrito nas costas de certas folhas parecem indicar ser apontamentos de algo que faltava) ou se foi uma transcrição que fiz, de documento em arquivo, para mostrar depois em casa (coisa que aliás nunca fiz, já que não abri a boca sobre o passado na Guiné), algo onde estava envolvido, mas na verdade não sei precisar.
Destas transcrições ressalta a natureza dos trabalhos, no âmbito da ACAP e POP, fundamentais na execução das Directivas do ComChefe com vista à obtenção do sucesso militar e baseadas em: Reordenamento das POPs; melhoria do Estado Sanitário das mesmas; elevação do grau cultural com o desenvolvimento da Educação; apoio e desenvolvimento na Agricultura e Veterinária; fornecimento de infra estruturas diversas; etc.
Por isso é que eu me desloquei por diversas vezes a todas essas povoações, não só para aquilatar da execução do programado, mas também para acompanhar algumas das personalidades que eram aí enviadas, para visitarem a Obra que o Governo da Guiné estava efectuando em prol daquelas Populações.
Só tenho pena de não me recordar dos militares que me acompanhavam e protegiam nessas deslocações. Se algum deles for Tabanqueiro, ou tenha conhecimento destes escritos que dê sinal de vida par refrescar a memória.
Jorge Picado
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4430: Estórias Jorge Picado (6): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (II Parte)