1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Homenagem a um velho amigo, e camarada, que muito estimo
António Sardinha, ferido numa emboscada na região de Bula no dia 24 de dezembro de 1967
Balas de raiva
Não quero, tão-pouco pretendo, lançar achas para a fogueira cujas labaredas se predispõem a mal entendidos quando em causa residem opiniões egocêntricas que cruzam um espaço onde se debitam ideias variadas e que ostensivamente merecem o nosso devido respeito.
Sublinho que a minha já longa experiência de vida, na escrita sobretudo, não me permite dirimir convicções, ou certezas absolutas, mas um alinhamento de conjugações factuais que literalmente elevam o teor da discussão. É credível a opinião de todos os camaradas, pese embora a precisão faturada de quem emite pareceres de um determinado acontecimento vivido em grupo.
A pluralidade de um destinado confronto com a guerrilha é por vezes digerido, e comentado, de formas diferentes. Porém, existe na narração verdades pelas quais passámos, sendo que a maneira de explanar o chamado “embrulhar” tem perniciosos tentáculos amplamente complicados.
As emoções sentidas por cada um de nós na guerra da Guiné, levam-nos a extravasar díspares sensações vividas no meio do conflito onde eramos, apenas, pedras de um puzzle colocados em espaços anárquicos e ao serviço de interesses alheios.
A temática por ora exposta tem como título balas de raiva numa Guiné deveras surpreendente. Creio que era peculiar conviver de perto com o aforismo popular sangue, suor e lágrimas.
Todos, ou quase todos, conhecemos os amargos de uma guerra que não deu descanso. A luta trivial nas frentes de combate foi extremamente dura. Duríssima, acrescento. Perdas de vidas, estropiados e feridos com gravidade foram mato.
Desse imenso rol de camaradas que ainda hoje se deparam com problemas herdados da guerra na Guiné, trago à estampa o meu velho amigo António Manuel Moisão Sardinha, natural de Beja, que embarcou para aquele território em julho de 1967, sendo que seis meses depois, numa emboscada sofrida na zona de Bula, colocou fim à sua comissão.
O meu amigo e camarada Toy Sardinha, como é habitualmente conhecido em Beja, pertencia à CCAV 1747, independente, e que ficou instalada no aquartelamento de Bissum.
No dia 24 de dezembro de 1967, vésperas de Natal, o pelotão onde seguia caiu numa emboscada, sendo que o saldo final se cifrou num morto e quatro feridos. O morto, segundo o Toy, tinha como sobrenome de Silva.
Sendo o seu estado preocupante, o nosso antigo camarada foi evacuado para o Hospital de Bissau, onde se manteve dois meses, e transferido para o Hospital Militar de Lisboa. Foi operado naquela unidade hospitalar e a sua recuperação estendeu-se até ao mês de dezembro de 1969.
O nosso camarada é um homem que jamais escondeu a sua postura física. Ela é visível. A perna esquerda ficou mais curta. Ainda assim fez, e faz, uma vida absolutamente normal. Vive no seu recanto familiar com a sua eterna companheira Fernanda. Trabalhou na antiga Administração Regional de Saúde em Beja. Está aposentado. Mantém uma disposição ótima. É alegre. Os seus apartes desabam, normalmente, para descomunais sorrisos. Tem sempre uma anedota na ponta da língua.
O Toy é e será um dos muitos milhares de deficientes das Forças Armadas Portuguesas. Assume. Um selo herdado de uma emboscada sofrida no malfadado dia 24/12/1967, lá para as bandas de Bula
Hoje, o nosso camarada não se refugia na herança que a vida, enquanto jovem, o carimbou. Ironizando, como é seu hábito, assegura: “Na altura da operação a equipa médica não conseguiu encontrar a bala alojada na perna, mas passados muitos anos a magana acabaria por sair pela perna contrária sem que nada o fizesse prever. Coisas do destino”, diz com um sorriso nos lábios.
Expressa o povo, e com razão, que o nosso corpo tem por hábito expulsar matérias estranhas e a bala de raiva que dilacerou as entranhas do nosso camarada, finalmente apareceu.
Força, Toy!
Junto ao rio
Com outros camaradas em Bissum
O segundo da fila
No Hospital Militar, em Lisboa
Com Rosa Santos, antigo árbitro de futebol internacional, amigo de infância e que foi ferido em Angola
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
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