quarta-feira, 19 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17260: Os nossos seres, saberes e lazeres (208): Tavira fenícia, árabe, portuguesa; a cidade e a água (2) (Mário Beja Santos)

Tavira - Quartel da Atalaia


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 12 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
Desta feita o passeio é por monumentos portugueses, já se registou o que foi fenício e almóada, o viandante não foi a Balsa, e bem gostaria de ter ido, fica par a próxima, o que aqui se mostra são traços do renascimento tavirense e a presença militar, uma constante, Tavira foi frequentada por muitos sargentos milicianos que aqui se prepararam para marchar para a guerra. A memória é por vezes labiríntica e enquanto o viandante percorria o exterior do quartel da Atalaia lembrou-se de uma conversa havida em Missirá, na noite de 4 de Agosto de 1968, com o furriel Zacarias Saiegh, que lhe disse que tinha passado por Tavira, inolvidável era a sua lembrança daquela cidade diretamente a beijar a ria e o oceano, lembrava-se dos passeios pela serra inóspita, maior contraste não podia haver. Certo e seguro, Saiegh não voltou a Tavira, partiu para os Comandos Africanos e foi fuzilado em Porto Gole, em Dezembro de 1977, ao que parece nunca se saberá porquê, no mundo dos ajustes de contas haverá vácuos na História, para o viandante este vácuo é dor pelas perdas humanos que sofreu.

Um abraço do
Mário


Tavira, a cidade e o quartel (2)

Beja Santos 

Tavira é uma cidade de muitas igrejas, conventos, ermidas e capelas, espaços ajardinados, pontes, muralhas, um espaço público de enlevo que é a Biblioteca Álvaro de Campos, uma reconversão da antiga cadeia civil, projeto do arquiteto Carilho da Graça, é bom cirandar pela cidade, ver as suas portas com caráter, resquícios do manuelino, visitar o Palácio da Galeria, que será o futuro museu da cidade e passar pelo imponente quartel, um expoente da arquitetura pombalina, aqui foram formados muitos sargentos milicianos que deram com os costados nos teatros da guerra.





Subindo a colina de Santa Maria, observa-se a interseção de diferentes estilos desde o gótico ao renascentista e barroco. Convém recordar que Tavira, logo no primeiro quartel do século XVI, era o mais próspero centro urbano do Algarve, beneficiava da situação estratégica no contexto da expansão portuguesa, funcionava como a retaguarda das praças do Norte de África. Não há viandante que não se impressione com os vestígios arquitetónicos góticos, as portas de arco quebrado até chegar ao sóbrio portal da Igreja de Santa Maria do Castelo que, segundo a tradição, foi construída sobre a antiga Mesquita Maior. Na igreja restam algumas capelas góticas. O viandante embevece-se com a porta principal, com quatro arquivoltas com arco quebrado, capitéis com temas vegetalistas, que beleza dentro dos cânones da sobriedade.




 O período renascentista, é esta a modesta opinião do viandante, tem duas jóias preciosas em Tavira: a Igreja de Misericórdia e a Loggia do Palácio da Galeria, o tal onde se podem observar poços rituais fenícios. Neste tempo distinguiu-se um arquiteto local, André Pilarte, que já trazia pergaminhos do seu trabalho no Mosteiro dos Jerónimos. É ele que projeta e dirige a construção da Igreja da Misericórdia, em meados do século XVI. A igreja é de uma enorme riqueza, tem azulejaria preciosa, um esplendoroso altar-mor, um belo órgão, aqui assistiu a um concerto com o soprano finlandês Olga Heikkilä, cantou Puccini, Strauss, o das valsas, Franz Lehár, Sibelius, Grieg e muito mais.


As recordações militares são muito intensas em Tavira. Logo a evocação dos combatentes, em ponto central da cidade. No exterior, impressiona o que resta do forte de Santo António de Tavira, também conhecido por forte do Rato ou forte da ilha das Lebres, na foz do rio Gilão, junto à barra da cidade de Tavira. Destinava-se a proteger a entrada da barra, isto no reinado de D. Sebastião. Acontece que houve alterações profundas na linha de costa, perdeu utilidade. Na Guerra da Restauração foi sujeito a remodelação. Perdeu função militar em 1840. Consta que vai ser concessionado, bom seria que não se perdesse este belo património.



Muito estranhou o viandante quando viu a referência ao Regimento de Infantaria n.º 1, assentou praça como aspirante em Queluz, em 1968, assim se designava. À cautela, depois de andar ali às voltas, e sabendo que daquelas instalações partiram inúmeros sargentos milicianos para a guerra, consultou a Wikipédia. Quanto ao Regimento de Infantaria n.º 1 a sua origem remonta a 1648, foi conhecido como Regimento de Infantaria de Lippe, homenagem ao organizador do exército português. Conheceu muitas danças e contradanças, o Regimento foi transferido em 2015 para a cidade de Beja. Aqui é o quartel da Atalaia, é imponente, durante a guerra colonial deu outra vivacidade ao burgo, o militar foi homenageado num ponto certo, tem estátua junto da estação ferroviária, agradece-se o que fez pela Pátria, o seu zelo e dedicação continuados, para todo o sempre.




(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17239: Os nossos seres, saberes e lazeres (207): Tavira fenícia, árabe, portuguesa; a cidade e a água (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17259: Inquérito 'online' (106): "Este ano vou ao nosso encontro, em Monte Real, em 29 de abril"... SIM ou NÃO ?... Resposta até 25 de abril, às 23h40



Infogravura: Miguel Pessoa (2017)


I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:


"ESTE ANO VOU AO NOSSO ENCONTRO, EM MONTE REAL, EM 29 DE ABRIL..."

Oito hipóteses de resposta:


1. Sim, vou 

2. Não vou, porque tenho outra festa ou convívio nesse dia 

3. Não vou, por razões de saúde 

4. Não vou, porque é uma despesa grande 

5. Não vou, por falta de transporte 

6. Não vou, por falta de interesse 

7. Não vou, por outras razões 

8. Ainda estou indeciso 




 II. O inquérito termina no dia 25 de abril, às 23h40. Queremos conhecer a intenção dos amigos e camaradas da Guiné relativamente à ida (ou não) ao XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, a realizar em Monte Real, no próximo sábado, dia 29.

A resposta ao inquérito deve ser dada, "on line", diretamente, no canto superior esquerdo do blogue.

Sabemos que há camaradas que se inscrevem pela primeira vez, e serão recebidos, como sempre, de braços abertos... Outros não costumam falhar, mas este ano têm conflitos de agenda,  ou problemas de saúde. Outros haverá ainda que não tiveram conhecimento do realização do encontro... Por fim, há sempre os indecisos e os que guardam a inscrição para a última hora...

A lotação da sala de almoço, no Palace Hotel Monte Real, são 200 lugares.

O inquérito também ajuda a promover a nossa festa anual. 

O prazo de inscrição no encontro termina no final do dia 23, domingo. (**)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de fevereiro de  2017 > Guiné 61/74 - P17035: Inquérito 'online' (105): "Estás reformado? E sentes-te bem?"... Total de respostas: 114. Resultados: 93% (n=106) estão reformados; e destes, cerca de 38% (n=40) sente-se "muito bem" e cerca de 45% (n=51) sente-se "bem"...

(**) Vd. poste de  7 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17112: XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 29 de Abril de 2017 (2): Abertura das inscrições que terminam: (i) a 23 de abril; ou (ii) ou quando se atingir a lotação da sala (200 lugares)

Guiné 61/74 - P17258: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XX Parte: Cap XI - Como se Constrói uma Capela... ou o insólito encontro com o carismático capelão Monteiro Gama, do BCAV 490 (Binta e Farim, 1963/65)


Guiné > Região do Cacheu > Binta > O capelão Gama, na capela de Binta, ao tempo do BCAV 490 (1963/65) (*).  [Imagem:  capa do jornal  “Sempre em Frente”,  nº 2, edição do BCAV 490 & Companhias. Revista do arquivo pessoal do JERO].



Guiné > Região de Tombali  > Cufar > A capelão do "São Carlos", em Cufar 


Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]

Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XVIII Parte > Cap IX - Guerra 2 (pp. 62-66)


por Mário Vicente

Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias  (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...



Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XX Parte: Cap XI:  Como se constrói uma capela (pp. 66-69)


Seca Adegas, pilotando a Dornier, fez-se à pista como que fazendo a aproximação a um grande aeroporto. Suavemente a pequena aeronave DO foi tocando a pista de terra batida, do “Cufar Internacional Airport”. Cemitério de aviões, segundo o comandante da BA 12 em Bissalanca, com entendimento perfeito de causa.

Não seria só por razões mecânicas e de guerra que a pista de Cufar era muito visitada. Constava-se que o óptimo pão ali confeccionado e o bom acolhimento dado por aquele pessoal do mato, também contribuíam para as múltiplas escalas.

Carregada de correio, a avioneta imobilizou-se a uns vinte metros da improvisada porta de armas do aquartelamento de Cufar. Mas, para além do correio, também eram viajantes duas importantes aves que faziam o seu regresso de férias ao mato, os furriéis Carlos Costa e Mamadu, este último sem barbas, com ar evangélico, mais parecia um menino de coro.

Férias em Bissau, sem barbas!?...Por onde andaria este abutre? Com os seus escritos e poemas, cheira a bailaricos e convívios com malta do Liceu Honório Barreto. Bruxos! E não só!... O Tambinha e o Pintainho Teso que contem as histórias de Bissau com a Ju e a mulatinha caboverdeana loira, de olhos verdes.

Aves raras estas! Mas… até que as coisas com eles não funcionavam mal excepto quando à mente lhes vinham recordações das pseudo namoradas e cabeças ornamentadas. Quando isso acontecia, era mais seguro fugir para a mata de Cufar Nalu.

Mamadu desceu da avioneta e, pegando no seu saco, atirou-o para as costas e aos assobios e gritando à malta, desceu o caminho poeirento de terra vermelha, até entrar no edifício onde funcionava a messe de sargentos e também tinha o seu quarto. Ainda mal entrava, já clamava pelo seu impedido Amadu Baldé e pelo Lopez. Estava com sede e tinha saudades do copo de bambu.

No entanto, o regresso ao mato, por conseguinte à guerra, acaba ou começa com tudo! Quem somos nós para determinarmos as linhas que nos são traçadas?

Acontecimentos? Logo toma conhecimento dos últimos e dos primeiros. Infelizmente alguns já sabia. Não valia a pena mexer mais na merda. A emboscada e a morte do Indrissa na estrada de Catió, tudo soubera em Bissau, terra de muito saber, principalmente pelos heróis do papel cuja sabedoria e bélicos actos pelas mesas de restaurantes e bares vão verborreando.

- Estais errados! Meus amigos… a guerra?... é aqui! Sim… aqui no cu de Judas! Aqui no mato é que se canta a missa com três “cleros” como soi dizer-se na minha adorada Planície.

Ainda não tinha acabado de lamber o copo de bambu, e já tinha na frente o colega Ranger alferes Almeida, comandante do seu grupo de combate, alcunhado de “Cabeça de Andorinha” pelo ex-comando eborense Prata que nunca chegou a saber-se porque ali tinha ido parar.
-Conversa séria! - informa Almeida.
-Amanhã vamos a Catió, a nossa missão é fazer a segurança da coluna de reabastecimento e a tua secção vai na frente, o Chico Zé pica a estrada e vai o Prata com o pessoal do Tambinha que, como sabes, só regressa na próxima semana.
-Porra! É pá… vocês estavam à minha espera!
-Nem me é permitido saborear uma noite desta bela Cufar!
-Queres saborear Cufar ou a Miriam? - atirou, jocoso, Almeida.
-Está certo, vou falar com a minha malta e verificar como estão. Já tinha saudades deles.

O alferes voltou atrás e informou Mamadu:
-Cuidado! O teu pessoal tem alinhado constantemente no fado e julgo não estarem bem, mas amanhã levas reforço.

O furriel dirigiu-se ao abrigo dos Vagabundos. Grande alegria pelo regresso do chefe. Mas… as lamentações começaram logo por terem andado a alinhar nas operações e praticamente sempre na frente.
- Assim que o apanharam fora, tem sido uma maravilha, não falhamos uma! -saiu em uníssono das bocas dos militares.

Mamadu ficou triste, e não teve coragem para falar da saída no dia seguinte. À noite passaria novamente pelo abrigo e então falaria sobre o assunto, seria melhor contar algumas histórias de Bissau. Problemas da guerra, regresso do pagode, entrada imediata na escala. Que fazer? Resolver o problema! E assim os Vagabundos só à noite tiveram conhecimento daquela saída.

Madrugada! Artilhado à maneira, boina preta e lenço da mesma cor no pescoço, Mamadu regressa à guerra com os seus Vagabundos em primeiro escalão do grupo de combate. Na frente Amadu, soldado fula do recrutamento nativo, arranca pela picada ladeante da pista de aviação. Após a leve descida que dá acesso à entrada da mata de Cufar Nalu, o andamento começa a abrandar até parar. O preto Amadu não quer andar. O suor corre-lhe em bica, as mãos trémulas mal seguram a G3 e suplicante diz para o furriel:
-A mim não, “furiel”!

Estás fornicado Mamadu! O Amadu era talvez o soldado mais fraquinho dos homens do furriel. Depois da célebre renovação da secção, recebera três soldados do recrutamento local, mas este Amadu estava muito distante da prestação dos seus camaradas.

Mamadu conversa com os seus homens e todos recordam a emboscada da semana passada e mais um voluntário que deixara o vazio da sua presença. Ao furriel, mal ou bem, apenas resta ser rápido na resolução da situação.
-Certo, vocês não querem? Então vão seguir-me!

Mais um disparate! Colocando a G3 no ombro em jeito de cajado, começa a andar entrando no arbustivo túnel da mata que cobria a picada a uns duzentos metros do cruzamento do Cabaceira. Alguns passos dados, Orlando salta para a frente do furriel e diz:
-Não, à frente, como é que comanda isto? Vou eu para a frente e outro que me siga, o meu furriel tome o seu lugar. Nesta merda tanto se morre de pé como deitado. Vamos embora!

Homem valente!... Orlando vai para a frente, seguido do Fumaça. Mamadu toma a terceira posição como sempre, e os Vagabundos reencontram o moral.

A marcha continua com redobrados cuidados, não só pelo perigo de emboscada, mas para dar oportunidade à malta do Chico Zé verificar toda a raiz que picavam.

Sem problemas até Catió, Mamadu junta a sua malta na esplanada do Zé Siriano para com umas cervejas frescas comemorar o seu regresso.

Viaturas carregadas, há que almoçar e preparar o regresso a Cufar e que será de viatura até Priame, tabanca fula com alguns mandingas a dois quilómetros de Catió. Aqui uma pequena paragem para o Chico Zé dizer adeus à Fanta, bajuda mandinga, escultura de ébano, depois fazer o mesmo que de manhã em sentido inverso. Mas!... Há sempre um mas, na porra desta guerra. Seguia para Cufar um padre, não o do Batalhão, mas outro que ninguém sabia o porquê do seu passeio. Tudo normal, só que o Almeida, comandante do grupo de combate, se aproxima de Mamadu e lhe comunica:
-O padre que levamos para Cufar quer ir na frente, portanto vai contigo!
-Comigo!? Estás maluco! Nunca… andamos aqui a brincar ou quê? Então tu sabes os problemas que tive de manhã com a minha malta, pelo que aconteceu a semana passada, e queres que leve um homem sem armas, a servir de carne para canhão? Não… estou quase, mas ainda não estou louco. Porque é que o sacana do padre não vai sentadinho numa viatura? Almeida, desculpa lá, mas não me fodas mais os miolos!

Almeida compreende o problema, mas é peremptório:
-O padre faz questão de ir na frente!

O furriel fica com a mosca.
-Está bem!... Albarde-se o burro à vontade do dono, onde está o sacana? O gajo que venha para a frente!

Por este motivo, Mamadu tem de fazer uma redisposição na segurança da sua secção e não vá o diabo tecê-las, chama o Sesimbra e ordena-lhe:
-Vai um padre connosco, é teu, em qualquer situação não o podes abandonar, se houver merda preocupa-te apenas com o padre. Tens de protegê-lo nem que o metas debaixo de ti. Se me morre aqui o padre ou é ferido, é uma bronca do caraças!

Aparece o padre. Cabelo a branquear, homem pequeno e magrinho, cara um pouco enfezada pronunciando para além de certa idade os efeitos de uma dura vivência nesta linda, mas inóspita terra tropical. O que andará esta ave de arribação a fazer por estas paragens? Enquanto cogita, o furriel continua a observação da fisionomia e postura do padre. O homem apenas trazia um bornal pendurado do ombro esquerdo e na mão direita caída, rolava uma dezena. 


Mamadu fixou e regredindo, verificou ser perfeitamente igual à que existiria em casa de seus pais, recordação de quando era escuteiro e percorria caminhos da Igreja. Sacode a cabeça e, tentando afastar o passado,lastima interiormente.
-Droga para esta merda toda.  agora que teria de estar concentrado na porcaria da guerra, vem a anti-guerra!... Que porra de vida a minha, há que esquecer! Pessoal toca a andar olhos e ouvidos bem abertos.

É reatado o regresso com tudo a correr bem até à lala que dá acesso à leve subida para o Cabaceira, cruzamento de Camaiupa da estrada Catió-Cobumba, desviando para o aquartelamento de Cufar e tabancas de Cantone, Mato Farroba, Iusse e Impungueda. Almeida comandante do grupo de combate transmite pela rádio que há problemas com a carga de uma viatura, o material mal acomodado pelo que a coluna tem de parar.
-Fo…!

Ia sair, mas o furriel ficou a meio notando a presença do padre. Ali não poderia ser. Ajeita o rádio banana, e transmite com “Águia Dois”:
-Estou mesmo na baixa da lala, vou subir até ponto cruz e montar dispositivo. Escuto!?
-O.K., Vagabundo! Correcto! Vou informar outras terras!

Mamadu sobe com os seus homens e o padre até ao cruzamento de Camaiupa local altamente perigoso e sujeito a emboscadas. Todos os cuidados e sentidos são poucos para fazer a aproximação até chegar às posições. E o padre a martelar os miolos do desgraçado furriel. Sem problemas o pessoal é posicionado em emboscada, o Ferreira com a MG 42 é colocado no enfiamento da estrada de Cobumba,  ficando a seu lado o Amadu como remuniciador, Olindo com a bazuca fica no canto oposto, acompanhado do Maçarico de forma a ter ângulos mais disponíveis. O cabo Cigarra fica com mais três a cobrirem a ponta da mata de Cufar Nalu, Orlando, o Félix e o Fumaça avançam um pouco já na estrada de Cufar, o Sesimbra com o padre e dois soldados da milícia do João [Bakar Jaló]ficam entre estes dois grupos. A secção do Chico Zé que vinha picando a estrada, fica emboscada no capinzal.

Dispositivo montado, o furriel,  embora já conhecedor da mata e da estrada,  vai verificar em pormenor o posicionamento do grupo do padre. Aí olha bem para o homem que assim pequenino, lhe faz recordar seu avô. Com um ar malicioso e sorridente, o padre olha para Mamadu e diz-lhe baixinho:
-Comandante, vai uma cervejinha?

O furriel estupefacto olha firme para o padre e pensa:
- Este gajo está-me a gozar!?...Que é que esta espécie de ave rara quererá?

Surpresa!... O padre abre o bornal calmamente, e, retirando uma cerveja, tira-lhe a cápsula e oferece a Mamadu, fazendo o mesmo com o soldado Sesimbra.
-Porra!... Estamos nas bodas de Canaã da Galileia?

Em fim de tarde, com aquela pressão toda e o calor a sufocar, aquela cerveja era de morte, autêntica dádiva do céu. Abençoado padre!... Como passaste de chato para bem vindo!

Ordem de Águia dois para avançar.Reorganizada a coluna, o furriel aproximou-se do padre. Bom homem! Não pelas cervejas mas principalmente pelo entendimento da vida e até uma certa comunhão de ideias. Naqueles quatro quilómetros de andamento falaram de tudo um pouco. A guerra e todos os seus dramas, África a sua beleza encantos e misérias, do Papa João XXIII, dos tempos em que Mamadu tinha sido escuteiro e não ter sido missionário ou mesmo padre, quem sabe? Por causa de uma mulher. Que encanto de saber e cultura tinha aquele homem pequenino!...

O furriel ficou passado com a convivência com aquele homem, nos dias que passou no aquartelamento. Embora sabendo que no comando, principalmente às refeições as conversas, não eram as mais simpáticas para com o padre, pois a todo o momento se falava do Marquês de Pombal e dos Távoras, com pleno conhecimento da Companhia de Jesus a que o padre pertencia.

Mas algo de anormal aconteceu com a sua estadia naquele fim do mundo e que deu origem à construção da capela de Cufar.

O que foi!?... Não há entendimento humano para isso!

Quando o Padre pequenino, Homem Grande foi acompanhado à avioneta que o levaria a outras paragens, pelo próprio Carlos, Mamadu mais baralhado ficou quando o padre lhe segredou:
-Comandante, vão ter aqui uma capela!

Atónito o furriel questionou:
- Mas, padre, o que é isso de me chamar comandante e como aconteceu isto da capela?
- Comandante, é que o meu amigo é guerrilheiro, não “anti”! A Capela só Deus sabe!

O Padre partiu e todos nos sentimos mais pobres. Mamadu ficou boquiaberto quando Carlos mandou edificar a Capela e recordou Shakespeare: “Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que sonha a nossa vã filosofia”.

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(...) Convivi com o capelão do batalhão de infantaria, a que pertenci, o padre Gama. O primeiro nome já não o recordo. Tinha, na altura, o posto de tenente, o que me leva a pensar que terá pertencido, anteriormente, a outras unidades.

Era um homem bom. Chamavam-lhe 'pardal espantado'. A alcunha vinha-lhe do facto de passar os seu dias a correr de um lado para o outro, de destacamento para destacamento, de companhia para companhia, movido pelo desejo de a todos ajudar um pouco.

Muitas vezes era incompreendido, até indesejado por alguns, pois tinha coragem para denunciar
os abusos, quando os presenciava.

Era um homem desprendido dos bens materiais, e levava uma vida humilde. (...)


Vd. também postes de:

3 de setemebro de 2008 > Guiné 63/74 - P3164: Em busca de... (37): Capelão Gama, do BCAV 490 (Teresa de Seabra)

(...) Olá, estive em Farim em 1964-1965, onde meu Pai era o Administrador do Concelho e conheci muita gente do Batalhão 490..

Morando no Estoril, há 3 anos soube que o Tenente Coronel Cavaleiro se encontrava no Lar em Oeiras. Em 1966, em Lisboa, reencontrei-o e a várias pessoas daí, conhecendo as respectivas famílias. Mas perdi o rasto do padre Gama, capelão do Batalhão, quando foi para o Brasil, lá para 1974.

Já estive em Bissau a matar saudades - fui como Professora, que sou, e devo estar viva graças ao 'Nino' Vieira que me mandou regressar a Portugal à custa da Guiné-Bissau.

Deram-me 6 meses de vida, por causa de um vírus tropical apanhado em Bubaque, mas... já estive em Macau e por meio mundo e... cá estou eu.

Será que o Padre Gama ainda é vivo??? Estava muito doente, em 1974-5, no Brasil, depois de ido de Angola.(...)



(...) E chega o momento de desvendar quem era o Director «Constante», o Editor «Constâncio» e o Redactor «Constantino».

Foi o lendário Capelão Padre Monteiro da Gama que, atrevemo-nos a dizer, foi um dos grandes homens do seu tempo na Guiné.

Neste momento tão especial do nosso blogue aqui fica também a nossa humilde homenagem à sua memória.

Num tempo em que tanto se fala dos problemas da Imprensa e dos jornalistas e da promiscuidade e jogos interesses que “moram” junto do Poder, sabe-nos bem recordar pessoas como o Padre Gama! (...)



Guiné 61/74 - P17257: Parabéns a você (1241): Augusto Vilaça, ex-Fur Mil Art da CART 1692 (Guiné, 1967/69); Leão Varela, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1566 (Guiné, 1966/68) e Victor Barata, ex-1.º Cabo Especialista MMA - DO 27 da BA 12 (Guiné, 1971/73)



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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17253: Parabéns a você (1240): Raul Brás, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70)

terça-feira, 18 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17256: Meu pai, meu velho, meu camarada (55): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1.º cabo, 1.ª Comp /1.º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto Silva Santos) - Parte VI (e última): a seca, a fome, a miséria na ilha de Santo Antão



Foto nº 28 A


Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > "A fome, a miséria"...  (Foto nº 28)


[Este é  o retrato das condições miseráveis em que vivia grande parte da população, no interior da ilha de Santo Antão... Em 1940 e depois em 1942 e anos seguintes a seca prolongada foi responsável por uma das maiores catástrofes demográficas da história de Cabo Verde: este é o pano de fundo do romance "Hora di Bai", publicado em 1962, pelo escritor português Manuel Ferreira (Gândara dos Olivais, Leiria, 1917-Linda a Velha, Oeiras, 1994), também ele mobilizado como expedicionário em 1941, com o posto de furriel.  (*)

[Manuel Ferreira (, foto à esquerda, com a devida vénia ao blogue Literatura Colonial Portuguesa), é também autor, entre outros,  de "Morna" (1948), livro de contos,  e "Morabeza" (1958), romance, obras depois reunidas em 1972 num único volume, "Terra Trazida".

[Depois do 25 de Abril de 1974, Manuel Ferreira fez carreira académica, e nomeadamente leccionou  na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde introduziu a cadeira Literatura Africana em Língua Portuguesa. É autor de inúmeros ensaios e de publicações nesta área: destaque para a sua obra "Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa" (editada em dois volumes, pelo ICALP, em 1977). Celebra-se este ano o 1º centenário do seu nascimento, estando a sua cidade, Leiria, a preparar uma exposição a cargo do professor e investigador João B. Serra].


Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Foto nº 27 > "A fome, a miséria"... A grande seca de 1943 foi evocada no romance de Manuel Ferreira, ele próprio expedicionário, "Hora di Bai"... O título diz tudo sobre o dramático dilema que enfrentava o cabo-verdiano de ontem (e de hoje): a vontade de ficar, a necessidade imperiosa de partir... 




Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Foto nº 29>  "Feiticeiro"



Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Foto nº 26 > "Pesca de um grande tubarão"



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1943 > Foto nº 33 > "Tartaruga que deu à costa".


Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Sexta (e última parte) do álbum fotográfico do pai do nosso camarada e grã-tabanqueiro Augusto Silva Santos (que reside em Almada e foi fur mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73, tendo antes da tropa trabalhado na marinha mercante, e nomeadamente nos navios de transporte de tropas para o ultramar).

Recorde-se que o Augusto Silva Santos disponibilizou, ao nosso editor Luís Graça (que também teve o pai, Luís Henriques, 1920-2012, como expedicionário na Ilha de São Vicente), 33 fotos, digitalizadas, do seu pai, Feliciano Delfim Santos (1922-1989) [, foto à direita] e dos seus camaradas da 1.ª companhia do 1.º batalhão expedicionário do RI 11 (Setúbal), que estiveram na ilha do Sal, aquartelados em Pedra de Lume, entre meados de 1941 e 15 de março de 1943 , e o resto do tempo, até final de 1943, na ilha de Santo Antão (*).

Os "expedicionários do Onze" partiram do Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, no vapor "João Belo", a 16 de junho de 1941, com desembarque na Praia, ilha de Santiago, a 23 do mesmo mês. Estiveram grande parte do tempo (cerca de 20 meses) na então desoladora ilha do Sal, em missão de soberania, em plena II Guerra Mundial.

As últimas fotos, que publicamos hoje, são da ilha de Santo Antão (fotos nºs 26, 27, 28, 29).  A foto nº 33 é da ilha de São Vicente, bem como as fotos nºs 30, 31 e 32 (já publicadas no poste P17002, de 30/1/2017).(*)

No final da comissão, o pessoal do "Onze" fez um passagem pela ilha de Santo Antão (de meados de março a dezembro de 1943), para retemperar forças antes do regresso a casa. Ao todo estes "nossos pais, nossos velhos e nossos camaradas" cumpriram cerca de dois anos e meio de comissão de serviço em Cabo Verde. O RI 11 teve 16 mortos por doença na ilha do Sal. 

Segundo o nosso camarada Augusto Silva Santos, o seu pai, na sua passagem pelo Sal e por Santo Antão, chegou a  viver maritalmente com uma cabo-verdiana,  de seu nome Maria Helena Almeida, de quem viria a ter um filho chamado Fernando Almeida Santos (hoje teria 75 anos de idade). Ambos faleceram prematuramente por doença, sem que ele os pudesse valer. (**)
 __________

Notas do editor:

(*) Postes anteriores da série >

20 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17064: Meu pai, meu velho, meu camarada (54): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1.º cabo, 1.ª Comp /1.º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto Silva Santos) - Parte V: Restos de espólio: o orgulho de ter pertencido ao Onze... E mais duas fotos de Pedra de Lume

10 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17039: Meu pai, meu velho, meu camarada (53): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1.º cabo, 1.ª Comp /1.º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto Silva Santos) - Parte IV: Ilha do Sal, Feijoal

2 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17016: Meu pai, meu velho, meu camarada (52): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1º cabo, 1º Comp /1º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto Silva Santos) - Parte III: Fotos de Pedra Lume, Morro Curral e Espargos, na ilha do Sal

30 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17002: Meu pai, meu velho, meu camarada (51): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1º cabo, 1º Comp /1º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto Silva Santos) - Parte II: "Colá San Jon", na Ribeira de Julião, ilha de São Vicente, 1943


Guiné 61/74 - P17255: Agenda cultural (554): "A Voz e os Ouvidos do MFA", documentário realziado por António-Pedro Vasconcelos e Leandro Ferreira, a ser emitido no próximo 25 de abril, às 21h00 na RTP1

1. Mensagem de Teresa Sousa, "assistant executive producer", da Just Up, produtora de audiovisuais (*)
Data_: 13 de abril de 2017
Assunto - Documentário: A Voz e os Ouvidos do MFA

Bom Dia


Informo que o documentário "A Voz e os Ouvidos do MFA" vai ser emitido no próximo dia 25 de Abril, às 21h na RTP1. (**)


A si e a todos os camaradas da Guiné que nos ajudaram com informações o meu muito obrigado!

Bem Hajam!

Teresa Sousa


2. RTP > Programas > "A Voz e os Ouvidos do MFA"

Sinopse >

Docudrama histórico de António-Pedro Vasconcelos e Leandro Ferreira sobre a forma como foi feita a comunicação no 25 de abril de 1974

Docudrama sobre a aquisição de telefones para o Posto de Comando do MFA, assim como a montagem de um cabo de transmissões que teria de ser prolongado do Colégio Militar até ao Posto de Comando (PC), instalado na Pontinha. Normalmente, o Movimento dos Capitães, que culminou com o golpe militar do dia 25 de Abril, é comemorado a partir do momento em que os tanques do capitão Salgueiro Maia entram no Terreiro do Paço, deixando na sombra toda a conspiração que, ao longo de muitos meses, tornou possível o sucesso da operação.

Emissões:

25 Abr 2017 > 21:00 > RTP1

25 Abr 2017 > 22:30 > RTP África

26 Abr 2017 > 01:30 > RTP Internacional


Guiné 61/74 - P17254: Blogpoesia (506): "Mata da paz..."; "Deus é brincalhão..." e "De nada serve me armar até aos dentes", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Escola Prática de Infantaria de Mafra
Com a devida vénia a Unidades do Exército Português


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Mata da paz…

Quando assomo à janela,
No abrir da alvorada,
É tamanha a paz.
Sereno o ar.
Nada bole.
Mata extensa e verde.
Cercada dum muro alto em pedra.
Onde dorme a caça
E a soldadesca infante
Aprende a arte de bem matar,
Só em defesa própria.
Ali dei, há dezenas de anos,
Era um jovem,
Os mesmos primeiros passos,
Rumo ao ultramar em chama.
Quis o destino eu fosse e voltasse bem.
Aqui estou, como vizinho,
Saboreando esta paz serena
Que a mata grande,
Agora me dá…

Ouvindo Lizt, concerto nº 2 para piano
Mafra, 10 de Abril de 2017
8h7m
Jlmg

************

Deus é brincalhão...

Sempre pronto e bem disposto.
Alinha na brincadeira, sem maldade.
O primeiro a rir.
Não regateia.
Gosta de nos fazer rir.
Préga partidas sem magoar.
Ao esconde-esconde.
Aparece logo se o chamar.
Um companheirão sem horas.
Nunca nos deixa ficar mal.
Compreensivo dos nossos erros.
Faz de conta sem se deixar levar.
Por isso, sem medo, eu brinco...
Sem abusar.

Bar "Castelão" 10 de Abril de 2017
10h7m
Jlmg

************

De nada serve me armar até aos dentes…

Se sou de barro,
Minh’alma é sopro
Que o vento, mesmo leve,
Desfaz em vento.

Que podem minhas forças
Se é a terra que mas dá
E, mesmo assim, só com meu labor.

Não quis a Natureza, em sua sabedoria,
Que tivéssemos asas para voar.
Bem ela sabia que,
Vaidoso como é,
O homem, para si,
Quereria conquistar o céu.

Seria o fim.

Por isso o fez rentinho ao chão
E nele, lento e passo a passo,
Caminhar…

Ouvindo o melhor de Pachelbel
Bar “Castelão” 17 de Abril de 2017
9h42m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17251: Blogpoesia (505): "Não Sei Quantas Almas Tenho", por Fernando Jesus Sousa (DFA), ex-1.º Cabo da CCAÇ 6

Guiné 61/74 - P17253: Parabéns a você (1240): Raul Brás, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17245: Parabéns a você (1239): António Pimentel, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17252: Agenda cultural (554): Novo livro. Aldenovense Foot-Ball Club ao Clube Atlético Aldenovense (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem sobre o seu novo livro.


Aldenovense Foot-Ball Club ao Clube Atlético Aldenovense

Neste final do mês de abril, sábado 29, será apresentada mais uma obra deste vosso camarada José Saúde na sede do Clube Atlético Aldenovense, em Aldeia Nova de São Bento, por altura das Festas das Santas Cruzes.

Trata-se de um livro cuja temática se inicia no ano de 1923 e termina em 2016. A curiosidade desta obra, sendo desportiva, prende-se com o facto do boom do clube sul alentejano saltar para a ribalta, oficialmente, após a Revolução dos Cravos, 25 de Abril de 1974, e que originou o regresso dos muitos jovens da terra que prestavam serviço na guerra do Ultramar.

Eu, José Saúde, fui um daqueles rapazes que, não obstante o seu vínculo a uma comissão militar na Guiné e interrompida por força de uma revolta bem sucedida que libertou as antigas colónias, chegou ao seu torrão natal e colocou a máquina do futebol em andamento.

O livro fala, justamente, desse período áureo e da labuta da rapaziada que tentava esquecer a guerra regozijando-se então com a prática do futebol. Assim, na época de 1974/1975 o Atlético Aldenovense filiou-se com uma equipa sénior na AF Beja e não mais parou.

Nesses tempos assistia-se a tardes futebolísticas no antigo campo da feira da Aldeia, sendo que a malta jovem se dedicava efusivamente ao jogo. O livro retrata, também, a evidente evolução desportiva do emblema, quer na componente organizativa, quer na competitiva, ou no campo das infraestruturas entretanto construídas. 

E assim se vão construindo nacos de biografias de exíguos clubes e de freguesias pequenas situadas algures neste país lusitano e que ficarão para as gerações vindouras contemplarem e usufruírem de hilariantes gestas que o tempo paulatinamente consome. Ficam, pois, façanhas escritas que a história jamais omitirá. 


Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BRT 6523
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

Guiné 61/74 - P17251: Blogpoesia (505): "Não Sei Quantas Almas Tenho", por Fernando Jesus Sousa (DFA), ex-1.º Cabo da CCAÇ 6



1. Mensagem do nosso camarada Fernando de Jesus Sousa (DFA), (ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71, autor do livro de poemas "Sussurros Meus"), com data de 16 de Abril de 2017, com este poema de sua autoria:

Com este poema deixo para todos os meus amigos, desejos de uma Páscoa feliz.
Fernando Sousa


Não Sei Quantas Almas Tenho

Como nunca saberei bem quem sou,
Espero que o destino me deixe ver.
Não sei mesmo para onde vou,
Nem quantas almas gostaria de ter!

Nascido numa terra que bem conheço,
À qual julgo que sempre irei pertencer.
Tenho sérias dúvidas se a mereço,
Porque nela já nem sei viver!

Tenho uma alma que vagueia perdida,
Apenas na mente a consigo encontrar.
Na terra tenho uma alma sofrida,
Cada vez mais perto do meu olhar!

Tenho uma outra alma renascida,
Outra ainda que me faz cantar.
Tenho uma alma grande com vida
Para quem me ama e me deixo amar!

Tenho aquela que vive no meu peito,
Que alegremente faz mover o meu moinho.
Outra em que dias e noites me deito,
Mesmo que na solidão adormeça sozinho!

Porém, não sei quem sou nem de onde venho,
Sei que apenas tenho, uma vida para viver.
Não sei quantas almas eu tenho,
Nem quantas mais gostaria de ter!

27/7/2015
Fernando Sousa
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17225: Blogpoesia (504): "Do zero ao infinito..."; "Milagre ou não..." e "Estilhaços de verniz...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17250: Notas de leitura (947): "Em Tempos de Inocência", por António Pinto da França, Prefácio, 2006 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
Foi em Bissau que António Pinto da França desempenhou pela primeira vez o cargo de embaixador.
O seu diário é de alguém que, entre as obrigações prementes de obter um melhor relacionamento entre a Guiné-Bissau e Portugal, vagueia de olhos bem abertos a procurar entender as contradições daquela sociedade onde o peso das velhas hierarquias continuava muito forte, num tempo carregado de esperança por melhores dias, por emprego, melhor ensino e saúde. É igualmente uma escrita pessoal e íntima, como ele anota em dado passo: "Escrever é renunciar ao inútil, ser levemente lógico em meio à impotência do entendimento absoluto da vida. Arruma-se tudo muito bem arrumadinho, faz-se do papel o espelho de nós". É um documento valioso que nos obriga a pensar se a investigação histórica não deverá ter em conta este poderoso olhar de um antropólogo amador.

Um abraço do
Mário


Relendo “Em Tempos de Inocência”, por António Pinto da França

Beja Santos

Há em certos livros um fascínio que desponta, e depois toma conta de nós, quando a sua releitura é feita sem pressas, sem procurar resultados palpáveis como seja ler e fazer recensão. Pinto da França foi o segundo embaixador português da Guiné-Bissau, é o seu primeiro posto como embaixador, vem do Brasil e aqui aporta em 1977, o processo revolucionário guineense já dá sinais evidentes de oxidação e desencanto: "Em Tempos de Inocência", por António Pinto da França, Prefácio, 2006. Há neste diário a paixão de quem possui o dom de ver nos seres humanos e no meio circundante com uma lupa muito própria valores antropológicos e etnológicos. É uma escrita sem azedume, dotada de fina ironia, é um diplomata que se despe do seu fardamento para ver de forma translúcida as pessoas com quem trabalha, o casarão por onde deambula, sombreado e com jardim tropical e é, em simultâneo o homem que se expõe ao espelho, tirando partido da sua intimidade enquanto presenceia e anota os vagidos do nascimento de um país. E dá recorrentemente notícia dos seus estados de alma:
“Para manter uma certa ilusão de que a vida é una, de que eu existo e tenho passado mais futuro, recorro ao trabalho, aos que comigo trabalham, a livros, à escrita, alguns discos, cartas que me chegam de fora e falam de acontecimentos ou de sentimentos relativos, mas enquadrados numa aritmética lógica. Aqui tudo tem uma dimensão diferente. Escrever esclarece. Tenho agora uma vaga perceção da origem da minha dificuldade para explicar aos outros, aos que aqui e neste momento nunca vieram, como é e o que é para mim Bissau”.

Está atento e regista um conflito racial que muitos prendem iludir:
“Muitos guineenses olham os cabo-verdianos como uma classe colonizadora que os despreza e explora e não querem nem ouvir falar em tal união, achando que já lhes basta a predominância de cabo-verdianos nascidos aqui, instalados no Governo e em todos os postos de comando. Eles foram no tempo da colónia a classe intermédia, como na Indonésia os chineses e, politicamente mais preparados, puseram de pé o PAIGC, herdando assim o poder dos portugueses”.

Começou a escrever o seu diário em Junho de 1977 e em Março do ano seguinte volta a socorrer-se da introspeção:
“Gosto cada vez mais de escrever e menos de conversar.
No papel as ideias alinham-se serenas, direitinhas, e as palavras encadeiam-se escolhidas, apropriadas umas às outras. Enquanto se escreve nada nos distrai de nós próprios e descobrimos, de repente, que uma charada nossa, por longo tempo indecifrável, surge no papel resolvida, clara, evidente. A palavra, à conversa, é sempre desde início um duelo. Mais do que chegar a conclusão, importa marcar pontos no jogo do diálogo.
Conversar e primordialmente teatro e teatro é por natureza, ilusão. E para quê perder tempo com ilusões se o tempo nunca chega para a busca da verdade?”.

Aos poucos, vai visitando o país, recebe diplomatas e políticos e retribui as visitas. Não resisti a extrair uma memória da sua visita a Bambadinca:
“Ao entrar na parada abandonada do quartel, daquilo que foi um dos principais centros das Forças Armadas Portuguesas na Guiné, durante a guerra, deparámos com uma multidão que nos acolheu com vivas. Rostos espantados, atentos, curiosos, rodeavam-nos, escutavam os discursos feitos do alto de uma varanda. O discurso, em crioulo, do governador de Bafatá, era traduzido para Fula por um intérprete. No meio da escada, de mão na anca, mais do que recitando, o intérprete cantava, na saborosa língua Fula que a guerra acabou, os portugueses são e foram sempre irmãos, que estão a ajudar muito a Guiné-Bissau, os portugueses nada tinham a ver com o regime que lhes havia movido guerra, etc, etc. No final, muitos vivas a Portugal, ao presidente Eanes, ao Dr. Mário Soares, à amizade de Portugal e da Guiné-Bissau. E não é milagre passar-se tudo isto naquela povoação, quando ainda só quatro anos decorreram desde o fim da guerra, aqui tão a sério, tão cruel?”.

Vai a Lisboa protestar por não lhe terem dado conhecimento da visita de Ramalho Eanes e da planeada cimeira em Bissau com Agostinho Neto. Regressado a Bissau, fala da polícia política do Estado:
“Quando os Homens da Segurança vão prender alguém a casa, segue-se sempre uma confiscação de bens. Pelo que se depreende das apreensões, os objetos considerados prova de corrupção ou violação da lei são assaz variados. Incluem gravadores, pastas de dentes, cigarros, alguma roupa, sabonetes, uísque. Talvez seja uma nova forma de desencorajar o crime ou uma tradição da antiguíssima prática do saque”.
Recorda com humor a chegada das delegações de Portugal e de Angola. Tudo começou com eletricidade no ar, a sinceridade veio depois ao de cima. O ministro português dos Estrangeiros, Vítor Sá Machado, que era angolano e andou no liceu com Costa Andrade, o homem mais duro da delegação angolana, dizia-lhe em tom galhofeiro:
“Deixa-te daqueles discursos marxistas, que eu já te os conheço de cor e salteado!”.
E depois dos almoços, com a língua desatada pelo vinho, recordaram boémias de Lisboa. E impressionava todos o português impecável dos angolanos, brilhante no caso de Agostinho Neto. Sá Machado, que era caçador, exprimiu que queria ir à caça, coisa que era proibida na Guiné. O ministro da Segurança emprestou-lhe uma arma e lá foram, noite adiante, no jipe da embaixada, até às matas nos arredores de Bissau. Avistou-se qualquer coisa a brilhar no mato e o pisteiro de ocasião disse ao ministro:
“São os olhos de um leopardo, atire-lhe depressa”.
Mas não passava de uma fogueira esmorecida, à porta de uma cubata, em torno da qual cavaqueavam alguns indígenas. O ministro ficou muito envergonhado, desistindo de imediato a caçada.

É um fabuloso diário que nos faz duvidar que só há provas históricas nos documentos e afins. Com frequência, Pinto da França fala festivamente da obra que deixou, o Centro Cultural Português, despede-se emocionado por ter sido testemunha dos primeiros passos do novo país em condições tão desastrosas. “Por vezes tive a sensação de assistir a um parto dramático… Vai comigo uma suave recordação do povo guineense, da sua nobreza, da sua afabilidade, da sua hospitalidade, da sua resignação ou sofrimento. Ensinaram-me algumas coisas importantes. Passados estes anos de iniciação, na euforia ad independência, tempos duros e difíceis se desenham no horizonte, toldando as esperanças dos guineenses”.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17243: Notas de leitura (946): “La Guine Bissau D’Amilcar Cabral à la reconstrution nationale”, por J.-CL. Andréini e M.-L. Lambert, Éditions l’Harmattan, 1978 (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 16 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17249: Fotos à procura de uma... legenda (84): o país dos mouros (Luís Graça)





Marrocos > Cordilheira do Atlas, vista do lado oriental > 28 de março de 2017 > Viagem: Erfourd - Tinghir - Ouarzazate >


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]


1. Marrocos é o pais dos mouros, e fundamentalemente dos berberes (do árabe, "berber") ... Há uma grande confusão terminológica: mouros, berberes, árabes, tuaregues, beduínos....

O povo berbere – a que a si próprio se chama Imazighen, no plural ou Amazigh, no singular – é um dos povos mais antigos do continente africano. Ou talvez melhor, um conjunto de povos com afinidades etnolinguísticas.

Originalmente, os berberes [palavra grave e não esdrúxula...] viviam em tribos no deserto do Sara, ocupando uma vasta região (que inclui hoje grande parte do Magrebe, o Sara Ocidental, a Mauritânia, Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia).

Cerca de 2/3 ou mais dos marroquinos serão descendentes dos povos berberes. Um terço ainda falará sua língua. Os árabes (os conquistadores, oriundos da península arábica) vêm em segundo lugar. Há depois minorias, incluindo judeus, muitos deles sefarditas (oriundos de Portugal e Espanha, depois do edito de expulsão). (Alguns, disse-me o meu guia, converteram-se ao islamismo, mas continuam a ser "endogâmicos", ou seja, não se misturam; daí ele chamar-lhes "meios irmãos.)

Os berbres tiveram o grande mérito de se saber adaptar ao deserto do Sara e ao rigor do clima (marcado pela cordilheira do Atlas, mil km de comprimentos por 100 de largura). Souberam utilizar o dromedário (camelo de uma bossa...) e ganhar a vantagem da mobilidade, acompanhando as caravanas de mercadores e tornando-se hábeis comerciantes que negociavam quase tudo, desde escravos  a especiarias, pedras preciosas, oiro, peles, tecidos, artesanato, etc. São também bons artesãos, embora melhores sejam os árabes. Nas "medinas" das cidades de Marrocos, em geral, há dois mercados distintos, o árabe e o berbere.

Há várias línguas e dialetos berberes, o que vem a favor da tese da heterogeneidade dos berberes (termo que virá do grego e do latim: bárbaro era originalmente o "não grego"; depois o não cidadão romano; e, em particular, o habitante do nordeste de África).

Os berberes, embora islamizados e arabizados, tem fama de "resistência" e "resiliência" aos conquistadores, incluindo os romanos e os árabes... No caso destes últimos, essa resistência irá até ao séc. XII... O Atlas foi um dos seus refúgios e redutos.

2. O termo mouro vem do latim. Para os romanos, os "mauros" (em latim: mauri) eram todas as populações que habitavam o noroeste da África, ou seja a "Mauritânia"...

Estas populações não eram etnicamente homogéneas, pertenciam a grupo étnico maior, o dos berberes. Com a invasão árabe, e a expansão do Islão (século VII), foram islamizadas e arabizadas. O árabe é, portanto, a língua dos conquistadores, embora ainda subsistam as línguas e dialetos berberes.

A "invasão" (o termo não é apropriado...) da península ibérica, em 711, é feita basicamente por berberes, comandados por generais árabes. Em suma, estas populações juntaram-se aos árabes na conquista da península ibérica durante o século VIII e deixaram profundas marcas entre nós, da genética à arquitetura, da língua à gastronomia...

Com a chamada reconquista cristã, os mouros na pensínsula ibérica (o Al Andaluz) acabam por ser derrotados, expulsos, dizimados, escravizados ou assimilados... O processo vai até ao séc. XIII. Data de 1492, a conquista, pelos Reis Católicos de Espanha, do último reino mouro, o de Granada. Os refugiados estabeleceram-se no norte de África. A maioria dos refugiados andaluzes estabeleceu-se no norte de África.

Com alguma propriedade, pode dizer-se que a "nossa guerra colonial" começa em 1415, com D. João I a conquistar a importante cidade de Ceuta... O seu neto, Afonso V, cohecido como o Africano, é o conquistor de Arzila e Tânger.

3. Marrocos é ainda um país de contrastes... Talvez o país do Magrebe onde as mulheres conseguiram marcar "mais pontos" em termos de emancipação política, económica, social e cultural...


É.um país que, contrariamente à vizinha Argélia, não teve que travar uma guerra extremamente sangrenta para se libertar da "proteção" dos franceses (o protetorado estendeu-se de 1912 a 1956)... A marca colonial está presente em muitas coisas: Casablanca, por exemplo, e a sua arquitetura deco e arte nova... Os topónimos, os sinais de trânsito, etc, são escritos em árabe e francês... Produz-se vinho, há jornais em francês...

Em boa verdade, e durante os 12 dias que por lá andei, senti-me relativamente confortável e seguro... O meu guia, Hammad Kalid, natural de Marraquexe, de pai árabe e mãe berbere, falava as línguas latinas: francês, espanhol, portunhol, italiano... Disse-me que o seu país estava a receber 10 milhões de turistas por ano, pretendendo atingir os 14 milhões... O turismo é economicamente bem vindo, Marraquexe e Agadir são os dois principais polos de atração... São cidades onde a presença policial e militar se faz sentir...

Parece que o árabe que se fala em Marrocos, o "darijá", é língua que, fora do país, poucos entenderão ou falarão, a não ser os marroquinos da diáspora... Creio que é também, o francês, a língua do ensino universitário...

É pena que o uso do francês, como língua estrangeira, tenha decaído no nosso país... Era a primeira língua estrangeira falada em Portugal, desde o séc. XVIII até à minha geração, a do pós-guerra. (LG)

PS - Quis saber, da parte do meu guia, a razão de ser da decadência das brilhantes civilizações de Marrocos... Ele, que é muçulmano,  foi diplomático, dizendo-me em francês qualquer coisa como... "a música e as mulheres"... O Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, diria, como bom luterano holandês, "putas e vinho verde"...

Guiné 61/74 - P17248: Manuscristo(s) (Luís Graça) (115): O compasso pascal

Soneto em honra do compasso pascal da Madalena

por Luís Graça


Aleluia, Cristo ressuscitou!,
Apregoa o compasso pascal,
Que hoje nesta casa nos visitou,
E a todos nos juntou neste local.


É uma das ruas da Madalena,
Que tem nome do nosso primeiro rei,
E eu, quando não posso vir, tenho pena,
Porque a Páscoa é aqui, isso eu sei.


Lá vai o compasso pela rua fora,
Sem freima, com prazer e devoção,
Com ordem, em festiva procissão.



À frente vai a cruz e uma senhora,
E outra porta se abre, ali na hora…
Até p’ró ano… e viva a tradição!



Madalena, V. N. Gaia, 
domingo de Páscoa, 
16 de abril de 2017
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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17164: Manuscrito(s) (Luís Graça) (114): No Dia Mundial da Poesia... Quem não faz 69, não chega aos 100!