1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Dezembro de 2020:
Queridos amigos,
Continua-se a passar em revista uma certa bibliografia complementar que possa ajudar o leitor interessado a aprofundar conhecimentos sobre o pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia. Faz-se uma resenha de um trabalho de Mestrado assinado por José Manuel da Silva Veríssimo, onde salienta claramente que depois de uma opção estratégica de travessias gloriosas que serviam para justificar e legitimar o território colonial português em África se seguiu uma mudança de tática pelas explorações parciais, onde se impuseram vultos como Henrique de Carvalho ou Norton de Matos. E justificava-se uma referência à obra dos 140 anos da Sociedade de Geografia que de forma didática permite aos potenciais interessados saber o que podem encontrar na Biblioteca, na Cartoteca, na Fototeca e no Museu Etnográfico e Histórico. É, felizmente, do mais alto nível, é património único dentro de um espaço que há muito devia estar classificado como monumento nacional.
Um abraço do
Mário
O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (14)
Mário Beja Santos
Continuando as referências à bibliografia que permite complementar conhecimentos sobre o pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa relembramos a dissertação para a obtenção de Mestre em História e Filosofia da Ciência, é seu autor José Manuel da Silva Veríssimo e intitula-se "A Sociedade de Geografia e as Expedições Africanas de Portugal a Sul do Equador entre 1875 e 1926", a edição é da Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 1999, exemplar policopiado que pode ser lido na Biblioteca da Sociedade de Geografia.
Na introdução, o autor recorda-nos o despertar dos interesses europeus para os recursos africanos em simultâneo com a possibilidade de se encontrarem novos mercados para se escoarem os excedentes do segundo surto industrial europeu – estão aqui as alavancas decisivas de todo o processo de expansão europeia em África, na segunda metade do século XIX. Estamos na época das grandes iniciativas exploratórias de caráter científico, resultantes de uma curiosidade genuína por parte de grupos de cientistas prontos para abrir novos trilhos, gente imbuída pela curiosidade, com grande vontade de investigar, pronta a irromper pelas florestas. Há convergência de elementos, esta época não surgiu ao acaso, como observou o historiador Fernand Braudel: “O tráfico negreiro europeu cessou no preciso momento em que a América já não tinha necessidade urgente dele. Para o Novo Mundo, o emigrante europeu foi substituir o negro na primeira metade do século XIX para os EUA, na segunda para a América do Sul”.
Atendendo a este contexto, a Sociedade de Geografia soube impor-se pelas iniciativas e pelas pontes que estabelece com as principais academias e sociedades mundiais e pelo dinamismo que imprime a toda a problemática colonial africana. O autor, depois de nos apresentar a aventura exploratória de Silva Porto e outros continuadores, faz o seguinte comentário: “É notável o quase desdobramento dos exploradores: Henrique Dias de Carvalho, que empreende a viagem ao Quimbundo, Cubango e Cassai, em Angola; Silva Porto e Augusto Cardoso, ao Niassa, em Moçambique; Roberto Ivens e Hermenegildo Capelo que, com Serpa Pinto, empreendem a travessia de Angola à contracosta. A diplomacia portuguesa consegue o reconhecimento pela Inglaterra da soberania portuguesa nas duas margens do rio Zaire, até às fronteiras do Estado do Congo, em troca de facilidades concedidas por Portugal, ao comércio e navegação do Zaire e Zambeze".
Depois do Ultimatum deu-se um abrandamento do surto expedicionário, num cenário de crise. Neste contexto, dever-se-á incluir o papel dos interesses das companhias comerciais que após terem sobrevivido à crise financeira de 1891 despertaram para as promissoras fontes de rendimento. É o caso da Companhia Majestática para a Ocupação e Exploração da Região do Niassa (1891), a Companhia de Cabinda (1903), a Companhia dos Diamantes de Angola (1917) e a Companhia Colonial de Navegação (1922). Lembra-nos o autor que a I República não alterou o sentido da política colonial em curso. E mais, apesar de todas as dificuldades que a sociedade republicana irá atravessar, a Sociedade de Geografia logra manter à sua volta a mais importante plêiade de investigadores, quadros académicos, administrativos e militares, capazes de globalizar o saber colonial. Este é no fundo o quadro introdutório dado pelo autor e vejamos agora em síntese a matéria que nos interessa até 1900.
No arranque do seu trabalho, o autor equaciona a Sociedade de Geografia com as etapas de reconhecimento do império português em África, tudo isto na segunda metade do século XIX. Deve-se ao Marquês Sá da Bandeira a viragem para esta política africana. Em 1844-45, Sá da Bandeira promove, com um atraso de 87 anos, a publicação do diário de Lacerda e Almeida e do Padre Francisco João Pinto, seu companheiro de viagem. Este diário constituirá um guia essencial no desbravamento dos esforços africanos pelos europeus. Será a Sociedade de Geografia a publicá-lo em 1883 bem como o diário dos pombeiros Pedro João Baptista e Amaro José que, partindo de Cassange em novembro de 1802, atingem Tete em fevereiro de 1811. Será Luciano Cordeiro o elemento aglutinador, à sua volta constituir-se-á um grupo de 74 individualidades ligadas aos mais diversos da investigação científica e intelectual da sociedade revolucionada por Fontes Pereira de Melo. O autor fará depois a descrição dos primeiros tempos de atividade da Sociedade, vê-se que no seu trabalho de investigação acompanhou de perto as atas das sessões da Sociedade bem como os respetivos números do Boletim. Noutro capítulo abordará as expedições africanas portuguesas, como se irá processar a delimitação europeia das fronteiras em África e qual o quadro de agudização das rivalidades entre as potências imperiais (1884-1890). De facto, tinham surgido novos concorrentes: Leopoldo II da Bélgica e Guilherme I da Alemanha. Em 1887 a Sociedade de Geografia assinalou uma alteração à opção estratégica, passara o tempo das gloriosas travessias, impunha-se fazer explorações menos ruidosas, optou-se pelas explorações parciais, mais modestas na aparência mas com resultados funcionais, com provas de ocupação efetiva, como escreve outra autora a que iremos fazer referência, Maria Emília Madeira Santos, em Viagens de Exploração Terrestre dos portugueses em África, Lisboa, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1978. E de facto ir-se-ão multiplicar as explorações limitadas ao quadro regional. Perante a posição britânica Portugal teve que recuar e buscar consolidação pela ocupação efetiva.
Fez-se referência às evocações dos 50 e 75 anos da Sociedade de Geografia. Manuela Cantinho, Diretora do Museu e o Presidente da Sociedade de Geografia, Luís Aires-Barros são os autores da obra alusiva aos 140 anos da Sociedade de Geografia (1875-2015). Acrescenta-se sempre um ponto ao que ficou já registado em olhares anteriores. Recorda-se o expressivo atraso com que criámos entre nós a Sociedade de Geografia, cerca de 50 anos face a franceses, ingleses e alemães, que se lançaram a organizar expedições. Diz acertadamente o presidente Aires-Barros que a Sociedade de Geografia é património cultural da Nação e contém vasto património da Nação, e escreve: “É património cultural e material da Nação na medida em que foi nela que germinou e floresceu, na sequência do pensamento de Luciano Cordeiro e companheiros, seus fundadores, a ideia da promoção de conhecimento e de desenvolvimento socioeconómico e técnico-científico dos vastos territórios ultramarinos, principalmente africanos”. Não deixa de referir a riquíssima documentação existente na Sociedade, incluindo os cadernos de campo e documentação diversa de Serpa Pinto, Roberto Ivens, Hermenegildo Capelo, Henrique de Carvalho, Silva Porto e Gago Coutinho. E faz-se o histórico deste período de lançamento inicial da Sociedade de Geografia que vai até à morte de Luciano Cordeiro em 1900. Manuela Cantinho debruça-se sobre o espólio cultural da Sociedade de Geografia nesta edição graficamente irrepreensível onde qualquer leigo pode constatar a riqueza patrimonial da Sociedade. E agora a nossa leitura vai orientar-se para os trabalhos de Maria Emília Madeira Santos.
(continua)
Uma das preciosidades do Museu da Sociedade de Geografia, arte guineense
____________Nota do editor
Último poste da série de 18 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22465: Historiografia da presença portuguesa em África (276): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (13) (Mário Beja Santos)