quarta-feira, 28 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6800: (In)citações (4): A lavadeira Lisboa e o tocador de harmónica Sene Coiaté, com a Júlia Neto, na inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje (Pepito, AD - Acção para o Desenvolvimento)




Inauguração da Capelinha de Guileje, reconstruída, como parte integrante do Núcleo Museológico Memória de Guileje. 20 de Janeiro de 2010. Na foto, reconhece-se a Júlia Neto, viúva do capitão José Neto (1929-2007), ao lado do tocador de harmónica de Guileje e, na ponta esquerda, a lavadeira Lisboa (*)... Vídeo de Pepito / AD - Guileje, que nos chegou às mãos por cortesia da Júlia Neto, representante do nosso blogue na cerimónia de inauguração acima referida.


Vídeo (''26): © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2009)  . Alojado em You Tube > Nhabijoes 






 Inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guileje,   incluindo a Capelinha de Guileje, reconstruída. Guiné-Bissau, região de Tombali, Guileje. 20 de Janeiro de 2010.  À ponta esquerda, a lavadeira Lisboa...De alcunha Lisboa, a lavadeira de Guileje, ao tempo da tropa portuguesa  que abandonou o aquartelamento de Guileje, em 22 de Maio de 1973, ensaia uma dança relacionada com o lavar da roupa da tropa...

Vídeo (''22): © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2009). Alojado em You  Tube > Nhabijoes


1. O Pepito, que já está em Portugal, para passar o seu mês de férias com a família, já respondeu às minhas perguntas sobre o tocador de harmónica, antigo milícia_

Luís:

 Aqui seguem os dados do tocador de harmónica: 

Nome: Sene Coiaté;
Idade: 57 anos;
Natural: tabanca de Quebo Setuba (Sector de Bedanda);
Filiação: Sori Sufa Coiaté e Sira Camará 

Já cá ando por Portugal numa roda viva a resolver projectos da AD. Logo vos contactarei a partir de S.Martinho.

Abraços
 pepito


________________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

Guiné 63/74 - P6799: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (9): Estar lá, estando cá

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 26 de Julho de 2010:

Caros camarigos editores
Com a força do calor aqui vai mais um escrito para a série.

Por acaso às vezes vem-me uma saudade da cerveja fresquinha que o Festas, (o encarregado do bar no Xitole), me trazia depois de uma "caminhada" pela mata.
Tinha um sabor que não mais encontrei!
Devia ser devido às circunstâncias, claro, e à arca frigorífica e petróleo!!!

Um abraço camarigo para todos do
Joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (9)

ESTAR LÁ, ESTANDO CÁ

O olhar fito no longe,
o pensamento vazio,
na procura de um momento,
um momento único,
e fugaz,
que me afaste da vida,
que todo ele seja paz,
que me traga pelo vento,
os ruídos e os cheiros,
que lá longe, bem longe
um dia deixei para trás.


Não quero sequer perceber,
o porquê desta saudade,
tão estranha,
e tão sentida,
de algo que eu não queria,
mas que morde o meu viver,
que me agarra àquela terra,
onde deixei a idade,
toda gasta numa guerra.


Onde estão agora,
o que fazem?
Será hora de sair,
ou será tempo de ficar?
Será tempo de suar,
o medo duma saída,
ou será tempo de repensar
num só momento,
uma vida?


Porque que é que sinto este desejo
de estar ali,
de onde me libertei,
ali com eles,
à volta de coisa nenhuma,
numa terra tão distante,
de gentes tão diferentes,
e no entanto tão perto,
tão perto do coração
que ali aprisionei!


Que coisa é esta tão estranha,
que me leva a querer estar,
num lugar que em cada dia,
ambicionava deixar!


Será verdade o que dizem,
que África é como um vírus,
que se agarra à nossa pele,
se faz todo sentimento,
se faz saudade e tormento,
que nos chama,
nos impele,
a querer lá viver,
sem lá estar,
e estando lá,
querer partir.


É curioso pensar,
que só os qu’ inda lá estão,
aqueles que por lá passaram,
e os que para lá partirão,
percebem tudo o que eu digo,
percebem até melhor,
o que eu guardo,
e nunca conto.


Ah, terrível ansiedade,
que se gera no meu peito,
se lá estou,
quero ir embora,
se parto,
quero voltar!
Será que não há modo,
nem jeito,
de estando aqui,
lá estar,
de estando lá,
regressar?


O olhar fito no longe,
o pensamento vazio,
na procura de um momento,
um momento único,
e fugaz,
que me afaste da guerra,
me traga de volta á terra,
à terra que me viu nascer,
e me envolva na paz.


07.01.1992
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6742: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (8): Foi-se a Paz

terça-feira, 27 de julho de 2010

Guiné 63/74 – P6798: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (24): Fátima Amado, filha do nosso camarada João Amado, encontra no nosso Blogue notícias sobre a morte de seu pai (Juvenal Amado / Carlos Vinhal)


Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > CCAÇ 3489/BCAÇ 3872 (1971/74) > Aquartelamento de Cancolim

Foto: © Rui Baptista (2009). Direitos reservados



1. Comentário de Fátima Amado, deixado no dia 26 de Julho de 2010, no Poste 3126 (*), dirigido ao nosso camarada Juvenal Amado (**):

Caro Senhor,
As minhas mãos tremem à medida que avanço na leitura do seu relato, procuro há décadas alguém que me conte uma história de embalar, digo de embalar porque o meu coração não sossega.

O meu nome é Fátima Amado, filha de João Amado, o soldado que morreu...

Tenho por fim um relato desse dia malfadado que me roubou o meu querido pai, esse menino soldado... e embora não seja esta uma estória de embalar, 38 anos depois responde a algumas perguntas... morreu rápido, tão rápido como viveu, e eu hei-de honrá-lo e amá-lo para além do infinito.

Se alguém conheçeu o meu pai e por delicadeza queira partilhar comigo algum relato, deixo aqui o meu contacto de e-mail, mailro:fatima-amado@hotmail.com, fico-vos eternamente grata.

Fátima Amado


2. Este comentário foi enviado pelos editores ao nosso camarada Juvenal Amado, para conhecimento:

Caro Juvenal
Para teu conhecimento e uma palavrinha amiga.


3. No dia 27, Juvenal Amado dirigia-se assim à nossa leitora Fátima Amado:

Minha querida senhora
Não vou mentir que os olhos se me encheram de lágrimas ao ler o seu e-mail.

Leio e releio, e a dor das suas palavras, cavam dentro de mim um buraco onde cabem as minhas lágrimas de hoje e as que chorei há muitos anos atrás.

De facto eu não o conhecia pois estávamos no início da comissão e era das primeiras vezes que eu visitava aquela Companhia. Mais tarde convivi com muitos camaradas dessa Companhia e passei lá muitas noites de ansiedade, felizmente sem a gravidade dessa que nos marcou com um ferro em brasa.

Dirá hoje como foi possível com o mesmo nome e não termos conhecido pessoalmente, mas na verdade só se veio a falar desse pormenor depois.

Se buscarmos no passado não será difícil encontrarmos parentesco entre nós, pois Amado é um nome com árvore genealógica e as suas raízes são fundas.

O seu pai morreu combatendo como um homem, que esteve no seu posto e pagou com a vida uma dívida que não tinha contraído.

Mas se de alguma forma poderei ajudar a mitigar a sua dor, não havendo forma de adoçar essa taça de fel, acredite que foi rápida a sua desdita.

Já estive por diversas vezes no monumento onde o seu nome está gravado. Nunca poderemos esquecer os nossos.

Quanto a colegas do seu pai é bastante difícil, pois essa Companhia não se reúne nunca. Há no entanto um ex-furriel que também já escreveu para o blogue que eu procurarei para lhe enviar um link.

Se quiser dar-me o prazer de a conhecer, falaremos pessoalmente daquele tempo.

Despeço-me respeitosamente, bem haja pela memória e o nome de seu pai.

Ao seu dispor atentamente
Juvenal Amado


4. Resposta de Fátima Amado ao nosso camarada Juvenal:

Caro amigo,

Lembro-me quando era pequenina e esperava junto à lareira com as mãos enfiadas nas mangas, pelo dia de Natal, ia de certeza comer chocolates nesse dia, nem que fossem aqueles que enfeitavam a pequena árvore e se misturavam com o algodão. Essa espera fazia-me saltitar todo o dia, corria de um lado para o outro como se o relógio pudesse correr também, olhava a chama do fogo que bailava à minha frente e aquele era o único calor que havia em todo o lar.

Hoje estou novamente junto à lareira à espera do dia de Natal, não para comer chocolates mas para lhe poder dar um enorme abraço, e vou correr tanto que o relógio vai ter que correr comigo e trazer o dia de Natal mais cedo.

Seria para mim uma enorme honra e prazer poder conhecê-lo pessoalmente.

Um dia um amigo levou-me a passear nos jardins de Belém, enquanto caminhávamos e conversávamos descontraidamente, surge junto a mim o monumento aos heróis da guerra, fiquei regelada, durante segundos os meus pensamentos voaram, até então não sabia a data da sua morte, percorri cada sentimetro daquela pedra com as minhas mãos e acariciei todos aqueles nomes que se esculpiram para toda a eternidade.

À medida que percorria, ia dizendo baixinho "meu pai onde estás tu" e, de repente, ele estava mesmo ali diante dos meus olhos, entre os meus dedos, foi como se lhe tocasse e o vento me abraçasse.

Anos mais tarde erigiram um outro monumento aos heróis do concelho da Marinha Grande, onde por vezes passo junto com os meus filhos, e digo-lhes que o avô foi um herói.

Hoje, quando digo ao meu pequenino que ele é o meu herói, ele pergunta-me se é herói como o avô do jardim.

Escreveu o senhor num dos seus poemas que em tempo de paz são os filhos que enterram os pais, em guerra enterrei o meu pai, naquele dia morreu também a minha mãe que vive sem querer ou saber porquê, aquele maldito morteiro ceifou-lhe o marido e o seu grande amor, com ele morreu-lhe a esperança.

Moro na Marinha Grande, perto de Leiria [...], espero ansiosamente junto à lareira pelo dia de Natal.

Um forte abraço e mil obrigadas por se dispor a ajudar, estou-lhe eternamente agradecida, a si e aos demais.

Fátima Amado


5. Comentário de CV:

Mau grado alguns comentários depreciativos de alguns penetras, o nosso Blogue vai cumprindo o seu destino, ser um repositório de memórias e experiências de antigos combatentes da Guiné que se expõem com nome, posto e rosto (fotografias) para que nos possamos conhecer e falar (escrever) olhos nos olhos. Umas largas dezenas até já se conhecem pessoalmente e convivem nos Encontros anuais.

O Luís criou uma série com o título sugestivo de "O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande" (***).

Na verdade esta página tem proporcionado momentos de felicidade no reencontro de antigos camaradas que perderam contacto por via dos desencontros da vida e muitos filhos de camaradas se nos dirigem em nome de seus pais no sentido de encontrar velhos companheiros de luta.

Temos ainda o privilégio de ter entre a tertúlia senhoras que de algum modo se sentem ligadas a nós, velhos camaradas de seus maridos, afilhados de guerra, amigos, etc.

Este poste traz ao conhecimento da tertúlia um caso interessante de uma filha de um camarada nosso, João Amado, Soldado Auxiliar de Cozinheiro, CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, infelizmente falecido em combate durante um ataque ao aquartelamento de Cancolim (****).

Um poste do Juvenal Amado  e uma filha que encontra relatado o trágico momento da morte de seu pai. As mensagens dizem o resto.

Cara Fátima Amado, considere-se a partir de hoje filha adoptiva (adoptada) desta tertúlia, onde pontificam velhos camaradas de seu pai, que tiveram a sorte de sair vivos, mais ou menos incólumes daquela guerra que devastou a juventude da nossa geração.

Por que podendo ser nossa filha, não me acanho, antes de terminar, em mandar-lhe um beijinho em nome dos meus camaradas.

Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:


(*) Vd. poste de 10 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3126: Estórias do Juvenal Amado (14): Morteiro no meio da Parada de Cancolim

(...) Não sei quanto tempo durou [ o ataque a Cancolim,], mas sei que foi demais. Pouco a pouco, a violência do ataque abrandou. O fumo, o pó e o cheiro, manteve-me muito tempo sem me mexer. Espreitava pelo bordo da vala para ver se descortinava o que se passava. Havia mortos e feridos, foi a noticia que começou a correr pelas valas.

A madrugada com a sua luz redentora, mostrou-nos a destruição e os estilhaços espalhados por todos o lado.


(...) Estavam três camaradas mortos dentro de uma vala. Uma granada tinha rebentado dentro. Os seus corpos destroçados foram, como possível, depositados nos sanitários em construção.

(...) é em memória deles esta estória.

José António Paulo - natural de Mirandela
João Amado - natural de Vieira de Leiria
Domingos de E. Santos Moreno - Natural de Macedo de Cavaleiros (...)


(**) Vd. último poste da série Estórias do Juvenal Amado >  11 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6716: Estórias do Juvenal Amado (29): Depois do meu regresso, ou o homem que num certo dia teve três mães

(***) Vd. último poste da série de 4 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6533: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (24): You made my day. Encontrei o Xico (Nelson Herbert)

(****) João Amado, natural de Carvide, concelho de Leiria, Sol Aux Cozinheiro, nº 03858869, mobilizdao pelo RI 2, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, morto em 2/3/172, sepultado em Vieira de Leiria, segunfo preciosa informação do portal Guerra do Ultramar: Angola, Guiné, Moçambique > Mortos na Guerra do Ultramar > Concelho de Leiria

Guiné 63/74 - P6797: V Convívio da Tabanca Grande (17): Caras novas (Parte IV): A Manuela Campos, nortenha, mulher do Eduardo
















(...) Depõe-se as armas,
despem-se os camuflados,
tiram-se as pinturas de guerra,
e apresenta-se um ar “normal”!
É que durante umas horas,
quase sem ninguém se dar conta,
esteve a Guiné toda inteira,
um dia em Monte Real!



Monte Real > Palace Hotel > V Encontro Nacional da Tabanca Grande Grande > 26 de Junho de 2010 >  O Eduardo e a Manuela Campos... Outras personagens: O José Manuel Lopes (o fabricante de néctares dos deuses) (3ª foto a contar de cima), o Sousa de Castro, o Manuel Amado e o Hélder de Sousa, de costas (na última foto).

Fotos: © Luís Graça(2010). Direitos reservados


O único facto insólito poderia ser a presença delas... ao lado deles, dos seus homens e dos amigos e camaradas dos seus homens. Mas não, não faltam, não falham, algumas desde o já longínquo 1º Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-O-Novo, em 2006... Umas vêm pela primeira vez, este ano... E, à despedida., dizem:  Foi bom, gostei, pensava que só falassem de tropa e de guerra, p'ró ano, se Deus nos der vida e saúde, cá estaremos de novo... 

Pois é, elas são as nossas mulheres... A das fotos de cima, aqui apanhada em flagrante delito de ternura é a mulher do Eduardo Ferreira Campos... O Eduardo foi 1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74) e esteve, em Abril na Guiné, numa viagem de turismo de saudade. ("Gostei de tudo, fui a quase todo o sítio, a única decepção foi... a tua Bambadinca"...).

A Manuela, que vive na Maia (com o Eduardo, e vice-versa...) é periquita nestas andanças,  pelo menos ao nível dos nossos encontros bloguísticos. Mas esteve à altura dos acontecimentos. E daí merecer esta sequência fotográfica (que até nem saiu mal ao fotógrafo de serviço, que não se pode queixar, já que a matéria-prima era/é boa: eles são fotogénicos, espontâneos, bem dispostos, divertidos, palradores, nortenhos)... O Eduardo, por sua vez, já não é estreia absoluta, contrariamente ao que ficou dito, por lapso, no poste P6669 (*).

Eles formam um casal que está bem na vida e sobretudo está bem com a vida...O Eduardo reformou-se da sua actividade empresarial como construtor: O casal tem duas filhas, formadas...  A Ana Carvalho, esposa do  J. Casimiro Carvalho, é mana do Eduardo Campos: que fique registado isso em acta, para evitar embaraços futuros ao escriba de serviço.

Para mim, foi uma honra privar um poucochinho mais com o camarada Eduardo e a sua Manela...Entretanto, soube há dias, na passada 4ª feira, no almoço da Tabanca de Matosinhos, pela boca do próprio Eduardo, que a Manela tinha tido  entretanto um problema de saúde, e que a família tinha apanhado um susto... Mas, felizmente, já recuperou e está bem. Daqui, vai um chicoração para ambos, com votos de novos e felizes encontros.

Luís Graça
__________

Notas de L.G.:

(*) 9 de Julho de 2010  > Guiné 63/74 - P6703: V Convívio da Tabanca Grande (13): A Guiné em Monte Guardado Real ou um Encontro de camarigos (Joaquim Mexia Alves)

Vd. ainda:

 3 de Julho de 2010  > Guiné 63/74 - P6670: V Convívio da Tabanca Grande (12): Caras novas (Parte III): O João Barge, da CCAÇ 2317, que foi meu actor em A Cantora Careca, com o Rui Barbot/Mário Claúdio... (Carlos Nery)

2 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6669: V Convívio da Tabanca Grande (11): Caras novas (Parte II): Jorge Araújo, Acácio Correia, Manuel Carmelita, Eduardo Campos, João Malhão Gonçalves, Júlia Neto, Arménio Santos.. (Luís Graça)

30 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6662: V Convívio da Tabanca Grande (10): Caras novas (Parte I) (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6796: Ser solidário (82): Arrancou da melhor maneira a campanha de fundos para se abrir um poço em Medjo (José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada José Teuxeira, com data de 25 de Julho de 2010:

Caríssimos
A campanha para abrir um poço em Medjo já está em marcha.
Agradecia que publicassem um poste com o texto que se segue
Zé Teixeira


Sementes e água potável para a Guiné-Bissau

Arrancou da melhor maneira a campanha de fundos para se abrir um poço em Medjo.

Para dar continuidade ao Projecto SEMENTES E ÁGUA POTÁVEL PARA A GUINÉ-BISSAU, agora que Amindara já tem água, vamos avançar com o projecto de abrir um poço em Medjo, tabanca por onde passaram muitos dos combatentes da Guiné.

Para o efeito, realizamos um ARRAIAL DE BENEFICÊNCIA* em que as estrelas foram a sardinha assada e o frango de chabéu aprimoradamente confeccionados pelo Emílio Ferreira e pela Gi. O Emílio que nunca esteve na Guiné, foi trazido para a Tabanca pela mão do seu irmão o Vitor. A Gi, guineense de gema, radicada no Porto, especialista em pratos típicos da sua terra.

Aconteceu no passado dia 17 em casa do Mário Graça ao Monte dos Burgos. À vontade de trabalhar de alguns, correspondeu uma vontade danada de saborear os petiscos por parte dos sempre bem-dispostos 74 convivas que por lá apareceram.

As sardinhas foram oferecidas pelo Jorge Cruz. À sua excelente qualidade, correspondeu um assador de alto gabarito com tecnologia de ponta – a técnica do vinagre, que lhe emprestou um aspecto e um sabor divinal.

Os frangos vierem gratuitamente dos talhos dos camaradas Casimiro e do Horácio. A Gi transformou-os num pitéu de requinte, que levou toda a gente a correr apressadamente aos tachos, apesar de já se terem consumido mais de 400 sardinhas.

Não fosse o “pito” voar e os convivas ficarem a chuchar no dedo. Felizmente a quantidade foi mais que suficiente. Deu para repetir e ainda sobrou.

O vinho, como sempre tem origem na Régua pela mão do Zé Manel, com a participação activa do Eduardo Moutinho Santos que não quis ficar atrás e nos presenteou com um saboroso néctar a concorrer com o já conceituado Pedro Milanos.

A fruta veio da Feira de Custóias, oferecida por um camarada que não pôde estar presente.

A doçaria, foi aparecendo pelas mãos de dedicadas companheiras de alguns dos convivas.

As alfaces arrancadas pelo cedinho da manhã da horta do Pacheco estavam fresquíssimas e saborosas. Foi um “ver se te avias” como complemento digestivo.

De Moncorvo, vieram pela mão do Moita o pão, o azeite e as azeitonas. Pena foi que o Moita “sonhasse“ com um jantar e só aparecesse no fim, depois de ser alertado por alguém que notou a sua ausência.

O Nelson, encarregou-se de adquirir o material de logística, como copos, pratos, talheres a que juntou as bebidas.

Os trabalhos de arranjo do espaço e complementos alimentares estiveram a cargo de uma equipa, onde pontificaram o Vítor, o Zé Rodrigues, o Emílio, a Chico Allen, o Carlos Teixeira, o Pires, o Xico Dias, sem esquecer o Manuel Graça, que esteve em todas, para além de ceder o espaço. Perdoem-me se falta alguém.

As cadeiras e mesas em falta apareceram como por encanto por mão dos manos Vítor e Emílio, que “desenrascaram” uma arca congeladora e o grelhador, para que nada faltasse.

Um grupo de senhoras disponibilizaram-se a dar um toque feminino a toda a festa. Foram incansáveis, como aliás toda a gente que se envolveu.

Não há palavras que cheguem para agradecer tanta generosidade e disponibilidade, pelo que vou usar a mais comum: OBRIGADO MINHA GENTE.

De realçar que o nosso Presidente, Álvaro Basto estava em festa. Neste dia contava sessenta e uma primaveras, pelo que teve direito a justa homenagem, com bolo champanhe, uma recordação e sobretudo o carinho e afecto dos presentes que em coro animado, lhe cantaram os Parabéns.

Por último registo a presença amiga de vários elementos do Clube Lions da Senhora da hora e da Trofa, nossos irmãos no ideal de servir os mais carenciados. Trouxeram com elas as ofertas recolhidas na Semana da Guiné que recentemente o Clube Lions da Trofa realizou para enviar para as crianças da Guiné-Bissau.

Os primeiros convivas começaram a chegar às 10 horas da manhã. Pelas 10 horas da noite, o Graça conseguiu fechar a porta. Deste modo se pode ajuizar do prazer com que se conviveu neste dia memorável.

Para encerrar com chave de ouro, apareceu já ao fim da tarde, uma jovem linda como o sol da primavera, a filha do Emílio que nos presenteou com dois lindos fadinhos, cantados à capela, por falta dos habituais guitarristas. Tem uma voz maravilhosa e promete voltar na próxima actividade do género que já está a ser preparada.

Registe-se que o objectivo desta actividade era iniciar o pecúlio monetário para fomentar a abertura de um poço de água potável em Medjo na Guiné-Bissau, cujo custo está orçado em 4.000,00€.

O objectivo de 1.000,00€ foi ligeiramente ultrapassado, pois obtiveram-se 1.036,00 €

A campanha vai continuar para que rapidamente se consiga o total da verba necessária. Como sempre contamos com a generosidade dos combatentes da Guiné e de todas as pessoas de boa vontade. Actualmente já ultrapassamos um terço da verba necessária.

Deposita a tua comparticipação na Associação Tabanca Pequena-Grupo de Amigos da Guiné-Bissau - NIB 0036 0086 99100057222 24

Zé Teixeira


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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6656: Ser solidário (78): Arraial de Beneficiência, dia 17 de Julho de 2010, Monte dos Burgos - Matosinhos (Álvaro Basto)

Vd. último poste da série de 20 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6768: Ser solidário (81): A água já corre em Amindara (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P6795: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (4): A cabra do Berguinhas

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 25 de Julho de 2010:

Olá Camaradas
Para registo nas "Memórias boas da minha guerra", junto a história da "Cabra
do Berguinhas".


Em anexo vão algumas fotos para aproveitarem. O protagonista é o furriel
Faria, identificável de pé, "animado", com o António Rijo (grande figura do voleibol) à sua esquerda.


Um abraço e desejo de boas férias do
Silva da Cart 1689



Memórias boas da minha guerra (4)

A cabra do Berguinhas

A nossa Cart 1689 - Os Ciganos - era uma Companhia de Intervenção. E como tal, passou a maior parte do tempo de serviço em Operações Militares ao longo da Guiné.

Em muitas dessas operações atacávamos acampamentos e muitas vezes trazíamos cabritos e galinhas, usando de “truques especiais” para que uns não fizessem “mé-mé” e outras não cacarejassem. Numa operação, lá para os lados de Gubia (Empada), o Furriel Enfermeiro Faria, mais conhecido por Berguinhas ou por Pastilhas ou, ainda, por Doutor ( assim chamado na zona de Canquelifá, devido às “curas milagrosas” que conseguia), trouxe, ao colo, uma cabra ainda muito nova.
Tratava a cabra como se fosse um filho. Lavava-a amiúde, medicava-a e a comida nunca lhe faltava. Além disso, deu-lhe tanto carinho que se tornaram inseparáveis. Era a sua Princesa.

Estávamos em Catió, a comida não abundava e o apetite era grande. A gestão da messe pertencia, normalmente, àqueles sargentos que tudo fazem para amealhar mais uns cobres, tal como no rancho geral e quase sempre com a cobertura do respectivo oficial. Foi ali que conheci a Sopa 365, à qual num dia se acrescentava água, no outro arroz, estrelinha, etc. e, assim, dava para todo o ano. Conheci também um prato, assiduamente servido - Arroz com Arroz e Arroz e… algumas rodelas de salsicha.

O que nos valia, muitas vezes, eram os peixinhos da Bolanha em escabeche, pescados por nós (Silva, Valente, Faria…) as rolas do Valente, “domesticadas” com a G3 e os cabritos e galinhas, embora nem sempre se apanhassem nas operações e que, em Catió, não se conseguia comprar.

A Princesa cresceu, ganhou formas e pôs-se bonita. Era aloirada, de olhos claros com pestanas escuras e algumas madeixas na cabeça. A sua silhueta era esbelta onde se destacavam o longo pescoço bem como as pernas e ancas bem proporcionadas. Andava sempre junto do Berguinhas e ele acariciava-a tanto que o Valente exclamou: - Ó Berguinhas não me digas que és tu que lhe vais tirar o cabaço? - Solta a gaja para fora do quartel e deixa-a arranjar macho – disse eu. Mas o Cepa, com o habitual sentido racional , observou: - Ela já dá uma boa cabritada. - Ó Filhos da puta! – gritou logo o Berguinhas – Ai de quem lhe toque, que eu mato-o.

Mal ele a soltou, ela começou a aparecer muito bem acompanhada. E porquê? Porque, para além da sua beleza, o Berguinhas passou a investir fortemente no sabonete Cadum. Ele lavava a cabra, punha-a cheirosa, escovava-a. Depois levava-a à entrada do quartel (Porta de Armas), dava-lhe umas palmadas no traseiro, empurrando-a para fora e dizia “Vai minha puta. Vai, vai e trás um que seja jeitoso”.

Passaram a ser tempos abastados. Ela passava junto à messe com os mais variados pretendentes. Então, um do grupo dos Furriéis dizia para o Berguinhas, de forma a ser ouvido pelos outros militares alheios ao grupo: - Podes abater o castanho, que é meu. E logo outro acrescentava: - E para a próxima, pode ser o meu, o malhado.
Auxiliado pelo pessoal da cozinha, o Berguinhas, pendurava pelas patas traseiras, os apaixonados da cabra jeitosa. E foi assim que muitos cabritos foram bem aviados.
Mas houve um que nos fez tremer. Foi o caso do cabrito do Administrador. Por ser tão grande, nem parecia um cabrito. Mais parecia um touro. Era conhecido por toda a população e como era o Cabrito do Administrador, ele passeava o seu corpanzil e o seu apetite (sexual incluído) por onde queria. Entrava nas casas dos nativos e estes até tinham medo de o enxotar.

Ora este, quando descobriu a Princesa bem cheirosa, não a largou mais e os outros cabritos inibiram-se ou amedrontaram-se, deixando o caminho livre para o corpulento conquistador. Por coincidência, a nossa Companhia estava para, mais uma vez, para ser transferida, agora para Cabedu. E o Berguinhas não resistiu à tentação. Quando viu a cheirosa chegar, acompanhada pelo matulão, chamou-a para a zona do limoeiro onde, bem ajudado, rapidamente o agarrou e pendurou o referido meloso. Ficou com a cabeça inclinada, por estar a tocar no chão. Foram feitas fotografias, mostrando essa posição.

Parecia que tudo tinha corrido bem, mas, o sururu que os trabalhadores negros da construção da nova messe fizeram, quando viram a morte do gigante, deve ter passado as paredes do quartel.

Passava das treze horas quando o nosso grupo já havia rejeitado o prato (alternativo…) do almoço que, desta vez, era Esparguete com Esparguete e Esparguete e… algumas rodelas de salsicha. O assado estava propositadamente atrasado a fim de se evitarem quaisquer reacções hostis, enquanto os outros comiam. E quando estávamos na mesa, junto da porta, já de ferramenta nas mãos, ficámos boquiabertos ao vermos aproximarem-se o nosso Comandante de Batalhão e o Administrador de Catió.
E ouvíamos o nosso Comandante: - Oh Senhor Administrador, olhe que até lhe fica mal, uma coisa destas. Então o Senhor não sabe que a Companhia de Intervenção traz cabritos e galinhas das Operações?

- Mas, oh Senhor Comandante, toda a gente conhece aquele cabritão e os empregados viram matá-lo lá atrás da messe, respondia o Administrador.

- Por favor, Senhor Administrador, não caia no ridículo, tenha calma. A essa Companhia não faltam cabritos. Coitados, é uma pequena compensação de tanta porrada que têm tido- insistia o comandante, que agora lhe colocava a mão sobre um ombro e procurava desviá-lo. – Vamos beber um whisky.

Foram rodando e baixando o tom do diálogo. Então o Machado, que era dos que sofria mais do “frio nos dentes”, ordenou em voz alta: - Saia cabrito!

O Administrador ainda deu uma olhadela para trás e terá visto que já ninguém tinha as mãos vazias e que ninguém usava as ferramentas. Grande petisco!

Alguns dias depois, já em Cabedu, fomos surpreendidos com a descida de uma avioneta. Estava de passagem e trazia o correio de Bissau. E como viram nela um acompanhante, logo se ouviu o Miranda a gritar: - Foge Berguinhas que vem aí o Administrador.
Mas foi alarme falso.

A Princesa acompanhou-nos, além de Catió, por Fá, Cabedu, Canquelifá, Bambadinca e Bissau. Sim, em Bissau, no Quartel General! O Furriel Faria, devidamente fardado, levou a Cabra amarrada por um cordel, desde o cais da Amura, pela Avenida, até ao QG – Quartel General das Forças Armadas da Guiné, para onde a nossa Companhia foi transferida no final da comissão.

Nesta foto: da esquerda para a direita - Dias, Valente, Silva, Faria (Berguinhas) e Machado.

O Berguinhas andava triste. Aproximava-se o dia do nosso regresso e ele não sabia que fazer com a cabra, que ali vivia em instalações secretas, embora de primeira classe. Pedia conselhos mas também ninguém sabia dá-los. Trazer uma cabra da Guiné era impossível. Vendê-la, seria uma traição para quem tanto nos tinha ajudado.

Dá-la, não havia quem a merecesse. Ninguém queria ser injusto com aquela querida Princesa mas, veio ao de cima a racionalidade daquele grupo, que tantas privações e desgostos havia sofrido. Tal como acontecera em dia de morte de colegas, lá teríamos que beber mais uns copos para esquecer. E, embora desta vez o luto não fosse assim tão grave, é certo que a tristeza também nos invadiu. Ao contrário do barulho das outras patuscadas, esta foi em silêncio, como se tratasse de uma cerimónia religiosa.

Não foi o Berguinhas que a imolou, mas quando estava a (tentar) comer, as lágrimas escorriam-lhe pelas faces. E todos nós, que até nem bebíamos mal, tivemos que beber muito mais para que o ambiente geral melhorasse.

(Silva da Cart 1689)
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Nota de CV:

Vd. poste de 23 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6777: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (3): Os sonhos do Farinha

Guiné 63/74 - P6794: O Nosso Livro de Visitas (95): Quem se lembra do Dr. Noronha (de Bafatá), do Toscano de Almeida, madeireiro, do Dias Saboeiro, figuras que povoam a minha infância ? (Maria Augusta Antunes, que cresceu no Xitole, na década de 1950)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Novembro de 2000> Uma das mais belas tiradas pelo Albano Costa (ou seu filho, Hugo Costa), aquando da sua visita à Guiné-Bissau... Mulheres e crianças tomando banho nos rápidos do Saltinho... Poucos de nós tiveram o privilégio de, em tempo de guerra, contemplar uma cena idílica, quase bíblica,  como esta... Na época o Rio Corubal era um dos sítios onde o tuga não se atrevia a tomar banho, com excepção do Saltinho... É dos rios míticos que, quais fantasmas, nos povoam a memória... E que deve ser familiar à nossa leitiora Maria Augusta Antunes, que viveu lá perto até ao início da década de 1960...

Foto: © Albano Costa (2006). Direitos reservados


1. Comentário da nossa leitora Maria Augusta Antunes (*), com data de hoje, ao poste P6434 (**)

Por favor, algum dos soldados que chegaram à Guiné em 63, se lembra do Dr. Noronha, de Bafatá? Do Sr. Toscano de Almeida, madeireiro, que ajudou a levar tantos colonos para a Guiné? Do Dias Saboeiro?

Porque não li nada sobre eles e julgo que deviam dar a conhecer estas pessoas a quem brancos e negros desse tempo tanto devem... Eu era pequena e pouco sei deles... mas gostaria de aprofundar as suas origens e até conhecer os seus descendentes para lhes contar o que me lembro deles. Eles povoam as memórias da minha infância.


2. Comentário de L.G.:

Cara leitora, e já nossa amiga do Xitole: 

Obrigado pela sua "visita" (***). Aqui fica, com visibilidade, o seu comentário ao poste do nosso camarada Beja Santos, em que se faz a recensão do livro do António Estácio, guineense, pessoa do seu tempo, nascida em Bissau. 

Se quiser adquirir o livrinho dele (Nha Carlota), sugiro que lhe telefone (219229058 ou 962 696  155). Trata-se de uma edição de autor. (Infelizmente, o nosso camarada e amigo António Estácio, faleceu em 2022. LG).

O Toscano de Almeida é citado várias vezes nesse livro de memórias. O António Estácio faz parte da nossa Tabanca Grande. Clique aqui para saber mais... 

Apareça sempre que quiser e puder. Inclusive fica convidada para ingressar no nosso blogue, como membro de pleno direito. Seria uma honra para nós podermos partilhar mais memórias da sua infância na Guiné. Mantenhas. Luís Graça

PS - Convido-a a ver um vídeo de 6 minutos sobre o Xitole, posto no You Tube pelo nosso camarada Álvaro Basto... Foi feito por Hugo Costa, filho do nosso camarada Albano Costa (de Guifões / Matosinhos) aquando de uma visita em grupo à Guiné-Bissau, em Novembro de 2009. O vídeo também pode ser visto no blogue Xitole, poste de 12 de Dezembro de 2007.

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Notas de L.G.:

(*) Nascida em 1948, no concelho de Tomar. Imigrou ainda bebé com os pais para a Guiné, donde regressou aos 12 anos [c. 1960]. Fonte: Comentário ao blogue Fundo da Rua > Domingo, 14 de Dezembro de 2008 > Um Ministro em Paio Mendes

Vd. também 7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6549: O Nosso Livro de Visitas (92): O Xitole que eu e os meus pais conhecemos até 1962 (Maria Augusta Antunes, filha de Henrique Martinho, antigo madeireiro)

 (**) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6434: Notas de leitura (109): Carlota Lima Leite Pires, 'Nha Carlota' (1889-1970), de António Estácio (Mário Beja Santos)

(...) Uma das singularidades da Nha Carlota foi o seu salazarismo indefectível, proibia que se falasse mal de Salazar. Fez sociedade com um dos filhos do antigo Presidente da República António José de Almeida, Manuel Alexandre Toscano de Almeida (confesso que de algum modo me baseei nesta personagem para criar o primeiro marido da Benedita, Albano Toscano, do meu livro “Mindjer Garandi”).


Este Manuel Toscano era opositor ao regime de Salazar, participou na sublevação da Guiné de 17 de Abril de 1931, foi demitido da função pública e depois enveredou pelos negócios. Viajou várias vezes a Portugal, numa delas, já perto do final da sua vida, foi recebida por Salazar. Nessa audiência ofereceu ao ditador um retrato dele próprio feito a carvão com a seguinte dedicatória: “Um homem tão grande para um país tão pequeno”. (...)

(***) Último poste desta série > 18 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6757: O Nosso Livro de Visitas (95): Cassiano Reginatto, um nosso leitor no Brasil que gosta de África

Guiné 63/74 - P6793: Notas de leitura (136): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2010:

Queridos amigos,

Continuo deliciado, a ler e a rever um livro bem reflectido, bem estruturado e útil para pensarmos a Guiné onde combatemos e onde o imprevisível, na actualidade, não pára de nos surpreender.

Nós constamos da bibliografia deste autor, que nos trata com muito apreço.
Todos os confrades, permitam-me a sugestão, terão tudo a ganhar com esta leitura aliciante de alguém que escreveu um livro de história e ciências jurídicas numa linguagem muito clara e acessível.

Um abraço do
Mário


Do nacionalismo à luta armada, Che Guevara e Amílcar Cabral

por Beja Santos

Continuamos à volta do portentoso livro “Invenção e Construção da Guiné-Bissau” de António E. Duarte Silva (Edições Almedina, 2010)*.

No texto anterior, procurou-se dar uma panorâmica dos principais eventos do século XIX ao século XX, na óptica dos grandes vectores da colonização, tendo em consideração a obra incontornável de Sarmento Rodrigues.

Nesta viagem que nos levará, no próximo texto, à apreciação das diferentes constituições bissau-guineenses, vamos agora resumir as principais etapas que vão do nacionalismo até à luta armada (a história da luta armada será encarada na recensão de outro livro de António E. Duarte Silva,  A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Afrontamento, 1997).

É o governador Raimundo Serrão quem sucede, em 1949, a Sarmento Rodrigues. Serrão teve uma governação pálida. Praticamente limitou-se a inaugurar as obras encetadas por Sarmento Rodrigues. Por este tempo, terão surgido os primeiros movimentos políticos de contestação ao poder colonial. Revelar-se-ão insignificantes. O PCP terá tido alguma influência junto da pequena burguesia que contesta o colonialismo graças à farmacêutica Sofia Pomba Guerra. Crê-se que terá sido ela a apresentar Aristides Pereira e Osvaldo Vieira a Amílcar Cabral.

Nesta época, guineense e “activo” do PCP era Vasco Cabral. A seguir a Raimundo Serrão vem um governador polido e de modos aristocráticos, Diogo Mello e Alvim, isto numa altura em que Amílcar Cabral e a mulher publicam artigos alusivos à agricultura na Guiné Portuguesa no Boletim Cultural.

Também por esta época alargam-se os quadros da PIDE mas quem dá informações sobre as manifestações de “subversão” é a PSP. Cabral aparece ligado à tentativa de uma associação desportiva e recriativa, autorização que foi negada. Em 1955 é criado o clandestino MING – Movimento para Independência Nacional da Guiné. O PAI – Partido Africano da Independência terá sido constituído a 19 de Setembro de 1956, o pensamento de Cabral está em marcha, insere-se na vaga pan-africana. As elites crioulas, os mestiços, os pequenos quadros, os comerciantes, empregados públicos, manifestam simpatia pelos princípios do PAI.

Cabral aproveita-se das boas relações que desenvolvera em Lisboa no Centro de Estudos Africanos, contacta outros grupos que pretendem a libertação das colónias portuguesas. Os chamados “civilizados” guineenses, sempre hostis aos cabo-verdianos, decidem formar um Movimento de Libertação da Guiné que se diluirá quando, em plena década de 1960 a Organização da Unidade Africana reconhecer o PAIGC como o único movimento de libertação de toda a Guiné.

As autoridades portuguesas continuam impassíveis, não se apercebem da crescente contestação e das suas diferentes orientações: é uma longa calma que precede a tempestade. Nem o massacre do Pindjiquiti (o autor privilegia a ortografia tradicional, era assim que se escrevia e é assim que se escreve hoje).

Ainda há muitos dados sobre este massacre por esclarecer mas parece incontornável que houve uma péssima gestão negocial do gerente da Casa Gouveia, o conhecido historiador António Carreira, e a PSP perdeu o controlo da situação chacinando os amotinados, atirando sobre manifestantes fugitivos, liquidando implacavelmente os feridos.

Valerá, a tal propósito ler, o que escreveu o nosso confrade Leopoldo Amado em http://guineidade.blogs.sapo.pt/arquivo/1019191.html. [Mas também Mário Dias, o único de nós que esteve lá nesse dia...]

Os partidos políticos estão em formação tanto o MLG como o PAI, os nomes sonantes são os de Rafael Barbosa e Amílcar Cabral. Cabral, no exterior, procura mobilizar a consciência do movimento de liberação. Em 1960, Cabral já está instalado em Conacri e o PAI dá lugar ao PAIGC. A luta pelo reconhecimento internacional ia começar. No interior, de 1960 a 1962, a luta política ganha consistência.

O MLG lança-se declaradamente na guerra em Julho de 1961, atacando São Domingos e depois Susana e Varela. MLG e outras organizações operam a partir do Senegal e da Guiné Conacri. No essencial, nunca se entenderão, o problema cabo-verdiano é o grande óbice, os cabo-verdianos fingem ignorar este dado primordial ou julgam-no ultrapassável.

Por essa época, em Dakar, o diplomata Luís Gonzaga Ferreira tenta uma aproximação entre os guineenses e Salazar, revelar-se-á um insucesso, Salazar escolhera o seu caminho. A subversão alastra rapidamente, o PAIGC apostava com bons resultados na propaganda e na separação das populações. Em Janeiro de 1963, ainda deficientemente equipados e com a maior parte dos quadros ainda em formação sobretudo na China e na Checoslováquia, começou a luta armada com um ataque a Tite, o que veio desorientar as Forças Armadas Portuguesas. Em Julho desse ano a guerra atingia o Oio e o PAIGC instalou-se no Morés; o sul da colónia entrou em convulsão, foi aqui que se deu o mais rápido separar das águas. As autoridades portuguesas não sabiam o que fazer.

Para o brigadeiro Louro de Sousa, comandante militar da Guiné, a guerra estava perdida. Em Maio de 1963 é capturado um sargento da Força Aérea, trata-se do primeiro importante prisioneiro de guerra. De Janeiro a Março de 1964 vai ter lugar a chamada batalha de Como, a Operação Tridente. Teve imensos custos para o lado português serviu para muito pouco já que o PAIGC se ia espalhando com sucesso pelas penínsulas do Cantanhez e do Quitafine.

É nesta região, em Cassacá, que o PAIGC irá realizar o seu congresso, reorganizar a luta armada, reformular as estruturas partidárias e julgar os camaradas acusados abertamente de crimes inqualificáveis e até abomináveis crimes contra o povo. Foram julgados e fuzilados vários dirigentes.
Ainda hoje não está claro que crimes cometeram e à ordem de quem.

1964 foi o ano decisivo no alargamento da luta de guerrilhas. O PAIGC avançou para a região de Bissau mas a guerra não chegou ao interior da península como não chegará aos Bijagós, à ilha de Bolama e mesmo ao “chão fula”. Os grupos do PAIGC passam a actuar praticamente em toda a região Sul, abaixo do Geba e a oeste do Corubal. Em Abril, Arnaldo Schultz é nomeado como governador e comandante militar.

Schultz apercebe-se que o PAIGC fora bem sucedido no Sul e que tem um relativo controlo na região do Morés, actuando com subtileza em diferentes corredores que garantem o abastecimento das bases instaladas no interior. Por esta época as FARP estão em reorganização e o seu equipamento está, no mínimo, em paridade com as forças portuguesas. Os movimentos de libertação da Guiné, Angola e Moçambique passam a afinar posições, junto dos comités da ONU mas é indiscutivelmente o nome de Cabral que sobressai em todas as assembleias, pela sagacidade, conteúdo, leitura do futuro.

Quando Che Guevara percorre alguns pontos de África, já se tinha encontrado com Cabral. Os meios de comunicação não deram projecção a este encontro em que Guevara prometeu o envio de armas. Segundo Óscar Oramas (que virá a ser nomeado embaixador cubano, em Conacri) Guevara terá comentado que Cabral “era o dirigente africano de maior talento e que mais o tinha impressionado”.

A ajuda cubana virá, como é sabido. Será aliás em Cuba que em Janeiro de 1966 a I Conferência de Solidariedade dos povos da África, da Ásia e da América Latina e será aqui que Cabral terá ensejo de proferir uma das suas mais importantes intervenções ideológicas, inovando conceitos de matriz marxista, orientando-os para a realidade africana.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6782: Notas de leitura (134): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (1) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 26 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6790: Notas de leitura (135): Rui Patrício: A vida conta-se inteira, de Leonor Xavier (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 – P6792: Histórias de José Marques Ferreira (18): Recordações


1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos em 26 de Julho de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,

Com as minhas desculpas por tão prolongada ausência, quero transmitir a todos que ainda tenho alguma coisa que contar, como este pequeno texto sobre a foto que junto e me avivou algumas recordações guineenses.

É, como habitualmente, uma história simples fruto de algumas recordações, que ainda se mantêm nas minhas vivências de um tempo ido, que, felizmente, não volta.

Recordações
Quando se olha para esta foto, com mais de quarenta anos de existência (são pouco menos que aqueles que ainda tenho!), parece que estes três “malucos” estariam, de certa forma, fora de si e aos murros uns nos outros.

Também parece que a fotografia mostra que o terceiro elemento estaria em atitude de apaziguamento.

Mas não é nada disso.

São três militares, na localidade de Ingoré que, ao que consta, hoje é um centro que evoluiu bastante, e considerado importante no comércio e turismo fronteiriço com o Senegal.

Desses três homens (um deles sou eu mesmo) e os outros são da cidade do Porto.

O mais magrinho (um autêntico “trinca-espinhas”) de seu nome completo Alfredo Mateus Freitas Martins, chegou à Guiné alguns meses depois dos restantes. Era escriturário, mas como a companhia não tinha levado nenhum, foi este que nos calhou.

O outro chegou a ser funcionário do extinto Banco Borges & Irmão, cujo nome completo é António Marcel Nunes Rema.

A imagem refere-se, certamente, a um dos intervalos em que a «guerra estava parada para descanso» e havia lugar para agradáveis momentos de cavaqueira e divertimento.

Do António Rema, que chegou a acumular funções com as de gerente do bar (que não existia), mas que nós construímos e colocamos a funcionar, tinha uma namorada que lhe chegou a enviar uma montagem fotográfica, ou então tirada mesmo de lado da ponte de D. Luís, lembrando-me eu ainda que a fotografia estava efectivamente uma maravilha... A PRETO E BRANCO (porque não havia outra maneira de a “pintar”, na altura).
O que retenho em memória é que parece que a tal dita namorada, com a ausência do António Rema, não terá esperado mais tempo por ele e deu de «frosques», isto é, debandou e deixou o meu amigo num tormento inimaginável de sentimentos de desgosto e angústia.

O rapaz andou muito tempo em baixo... deprimido!

O Alfredo chegou a fazer parte dos redactores do «Jornal da Caserna», assim como o Rema, e como era habitual nos jornais, também nós seguíamos as normas de, no cabeçalho, colocar o nome do Director (que era ele), mas com o pseudónimo de Hércules (por ser muito magrinho, como se diz na minha terra: «um pau de virar tripas»).

Eu era o Editor e, nessa qualidade, só servia para «enterrar» a todos e por isso o pseudónimo foi o de Zé Cangalheiro.

Havia ainda um tesoureiro (só de nome), porque aquilo não funcionava, como agora, com financiamentos ou receitas de assinaturas e publicidade, que não fossem apenas o “lucro” do tempo que aplicávamos na elaboração de cada número e, também, o “ganho” das inúmeras horas que nos mantinha, utilmente, ocupados.

Esse tesoureiro - José de Sousa Piloto -, era um habilidoso em desenho livre e foi o autor do primeiro emblema que foi usado e distinguia a CCaç 462. O seu pseudónimo era o «Massinhas».

Recordo ainda que, um dia, o comandante de Batalhão Caçadores 507, Tenente Coronel Hélio Felgas, quando nos visitou naquela localidade, achou muita piada aos pseudónimos e fez uma observação, procurando saber quem era o «Massinhas», ou se tinha muito prejuízo, ou coisa do género...

Memórias... quase afagadas!

Um abraço para todos,
J. M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes da CCAÇ 462
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Nota de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6791: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (2): Tina Kramer, etnóloga, Universidade de Frankfurt, em trabalho de campo, em Lisboa





Excerto de um ficheiro em formato pdf donde consta o nome de Tina Kramer, autora de uma comunicação ou sessão, no dia 29 de Abril de 2010, sob o título (em alemão) "Guiledje – vom Militärstützpunkt zum Austauschforum der Erinnerung in Guinea-Bissau" (o que traduzido para português, quer dizer mais ou menos, "Guileje, de aquartelamento militar a fórum de troca e partilha de memórias na Guiné-Bissau")... Seminário de verão 2010, Colóquio sobre África, organizado pelo Instituto de Etnologia (até 2008, Etnologia Histórica) da Universidade de Frankfurt, sob a direcção do Prof Mamadou Diawara.  O colóquio prolongou-se até meados de Julho.

1. Sigo a sugestão do nosso co-editor Carlos Vinhal:

Luís, era engraçado publicares este comentário tal como chegou, sem as devidas correcções de português. Ab. CV.

2. Comentário, com data de hoje,  de Tina Kramer, jovem investigadora alemã, ao post P6774 (*):

Olá à todos,


primeiro obrigadinha ao Luís para editar o meu pedido e aos todos quantos já me ofereceram ajuda.


Depois eu estou muito surpresa sobre os numerosos comentários que o meu pequeno texto causou. Eu peco desculpe se eu desconsiderei as regras do blogue. Só quis descrever um pouco o meu trabalho e explicar o meu interesse para falar com alguns camaradas. Na tradução alemão a designação „doutoranda" só quer dizer que sou uma aluna de um programa/projecto cientista na universidade.


Além disso, não tinha a certeza se eu posso tatar todos por tu, porque eu não assistiu na Guerra e mesma sou mais jovem do que os camaradas. Na minha região não é permitido para uma pessoa tutear uma outra pessoa mais velha quando não se conhecerem, e a minha professora de português não acaba indicar a importância desta regra na sociedade portuguesa. São as regras de cortesia e de respeito que são discutível, e felizmente há línguas naquelas esta diferencia entre "tu" e "você" não existe.


Então, se eu ofendi alguem, não era a minha intenção, e se eu também puder tratar todos por tu, naturalmente seria contente.


Um abraço
Tina Kramer

3. Segundo consegui apurar, das minhas navegações na Net, a Tina Kramer (27 anos) é investigadora, Doktorandin (em alemão), Ph. D. student (em inglês), doutoranda (em português) no Instituto de Etnologia da  Universidade Goethe de Frankurt. Alguns factos e números sobre esta prestigada universidade alemã, criada em 1914, e que tem 37 mil alunos, um orçamento superior a 300 milhões de euros, 550 docentes, 2665 investigadores, 16 faculdades (desde o direito às ciências médicas), cerca de 170 cursos de ensino superior (I, II e III ciclos).

http://www.uni-frankfurt.de/english/about/facts/index.html (em inglês)

Facts and Figures

Annual Budget
General Budget 2009: € 317 million
Third-Party Funding : € 120,2 million
(Within the next 10 years € 60 million in construction funds will be spent to upgrade the university)

Number of Students (Winter 2009)
Overall Number of Students: 37.000
International Students: 4.100

Number of Staff
Full and Associate Professors: 550
Research Staff: 2.665
Administration: 2.025

Academic Departments
01 Law
02 Economics and Business Administration
03 Social Sciences
04 Educational Sciences
05 Psychology and Sports Sciences
06 Protestant Theology
07 Roman Catholic Theology
08 Philosophy and History
09 Linguistics, Cultural and Civilization Studies, Art Studies
10 Modern Languages
11Geosciences and Geography
12 Computer Science and Mathematics
13 Physics
14 Biochemistry, Chemistry and Pharmacy
15 Life Science
16 Medical Science

Number of Degree Programs
Around 170

4. Comentário de L.G. ao poste P6774 (*):

Em face da "onda de comentários" suscitados pelo pedido de ajuda da Tina Kramer, e uma vez que ela vai sentar-se connosco à sombra do poilão da Tabanca Grande, durante uns mesitos, eu sugiro que:

(a) ela se submeta às regras do nosso blogue e faça o seu pedido de adesão à Tabanca Grande;

(b) nos mande um foto actual, tipo passe, em suporte digital, pois claro, que é para a gente ficar a conhecer a sua carinha larocas, de menina e moça;

(c) nos diga, com mais detalhes, quem é, donde vem, o que faz na vida, ao que vem, re-béu-béu, pardais ao ninho;

(d) passemos a tratar a Tina como "camariga", ou seja, por tu e ela faz o mesmo (se os "kotas" ou os "manos velhos" não se opuserem)...

Recorde-se que na Guiné, no nosso tempo, era tudo corrido a "tu", desde o jubi à bajuda, do Homem Grande ao Régulo... Os guineenses tratavam-nos da mesma maneira: do médico ao capitão, do furriel ao alferes era tudo corrido a "tu"... Até o Caco Baldé (o Spínola) era  tratado por tu pelos "guinéus"... Sociedade mais horizontal não podia haver do que essa estranha Guiné, crioula, que conhecemos...

Não, não era o "tu" do ocupante militar! Não era o "tu" do colonialismo, da relação dominador/dominado, ou do antigo esclavagismo senhor/escrvo...Era a nossa maneira, muito própria, de lidar com o "outro"... Era também, e sobretudo, imposto pela economia linguística do crioulo, essa espantosa criação de africanos e portugueses que queriam comunicar uns com os outros...
_________

Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 22 de Julho de 2010  >  Guiné 63/74 - P6774: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (1): Pedido de colaboração da doutoranda alemã Tina Kramer 

(...) Chamo-me Tina Kramer, sou uma dotouranda alemã e vou ficar em Lisboa por 3 meses.

Estou a elaborar a minha tese de doutoramento [, III Ciclo do Ensino Superior,] sobre a Guerra na Guiné-Bissau e como esta está na memória do povo em Portugal e na Guiné-Bissau. Tal significa que eu quero saber quais são os conteúdos da memória, de que maneira e através de que meios as pessoas se recordam dessa guerra. Este seu blogue  já é uma fonte rica de memórias e de história.

Além disso,  quero fazer entrevistas com pessoas que tenha participado na Guerra ou, mesmo que não tenham participado, desde que tenham ligações com este tema ou com a Guiné-Bissau em geral.

Ficaria  muito contente se vocês conseguirem ter tempo para um encontro comigo.
O meu número de telefone é
917 091 484 e o meu e-mail é Tina-Kramer@gmx.de (...)

Guiné 63/74 - P6790: Notas de leitura (135): Rui Patrício: A vida conta-se inteira, de Leonor Xavier (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Julho de 2010:

Queridos amigos,
É verdade que Rui Patrício não está a fazer história, confia o seu testemunho, não tem todos os documentos à mão, é forçado a fiar-se na sua memória. Mas há enormidades que devemos evitar, a todo o custo ou então devemos renunciar ao testemunho, se ficámos incomodados com a substância dos nossos actos, quer como políticos quer como militares.
Não dá para perceber qual é a imagem que o Rui Patrício pretende dar daquilo que hoje se sabe que foram disparates e até pazadas de cal para o regime a que ele ainda hoje se mantém fiel.


Um abraço do
Mário


Rui Patrício e a Guiné

por Beja Santos

Rui Patrício foi ministro dos Negócios Estrangeiros de Marcello Caetano, já tinha experiência governativa quando chegou às Necessidades, viveu em cheio os acontecimentos diplomáticos que se prendem com a guerra de África. Resolveu agora contar a sua vida à jornalista e escritora Leonor Xavier (“Rui Patrício, a vida conta-se inteira”, por Leonor Xavier, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2010).

Como é óbvio, as notas que se seguem circunscrevem-se a matérias relacionadas com a Guiné.

Estava Rui Patrício como subsecretário do Fomento Ultramarino quando foi à Guiné, na Primavera em 1966. Ele escreve a visita desta
maneira:

 “A Guiné era uma província pequena, que os movimentos de libertação, a que chamávamos terroristas, cercavam e atacavam através do Senegal e da Guiné Conacri. Sempre foi a mais difícil de defender. Estive em Bissau e depois fomos a Catió, no interior. O Schultz não me acompanhou nesse dia e fui num avião de quatro lugares. Havia uma pequena pista no meio do mato e era preciso ter cuidado, especialmente perto das fronteiras. Mas nesse dia, quando eu ia voltar para Bissau, depois de uma manhã de trabalho, houve um problema com a porta do avião quando ia descolar e já estava no final da pista. Eu ia sentado ao lado do piloto, fiz-lhe um sinal, ele travou e o avião tocou com a asa no chão. Ficámos ali a tarde toda, com um calor terrível.

Noutro dia, fui também com o director-geral do Ensino a Madina do Boé”.

Rui Patrício passa a titular da pasta dos estrangeiros a 15 de Janeiro de 1970. Relata que logo no início do seu mandato houve que dar resposta aos incidentes no Senegal. Diz ele:

“A província de Casamansa, devido a conflitos tribais tinha sido sempre um factor de instabilidade para o governo do Senegal. O PAIGC, embora contasse sobretudo com o apoio da Guiné-Conacri, agia também a partir de Casamansa.

"Em reacção aos ataques que dali vinham, o Spínola, por vezes, mandava bombardear localidades situadas em Casamansa. Os Senegaleses queixavam-se aos Franceses... a nossa conduta poderia afectar grandemente as nossas relações com a França”. 

Não deixa de referir que se encontrou com o ministro dos Negócios Estrangeiros com o Senegal e que conhecia as iniciativas de Spínola para encontros com o Senghor.

Temos depois a repercussão internacional da ida a Conacri, graças à operação Mar Verde. Leonor Xavier pergunta-lhe se ele sabia que tinha havido a invasão, ao que ele responde:

“Trata-se de um assunto que ficou sempre mal esclarecido e muito controverso... Há hoje livros publicados sobre o assunto. Li neles que teria sido uma operação realizada pelos comandos portugueses chefiados pelo Alpoim Calvão”.

Leonor Xavier aborda-o frontalmente sobre as conversações de Londres, que se realizaram em Março de 1974, do lado português estava o diplomata Vilas Boas, a delegação do PAIGC era encabeçada por Vítor Saúde Maria. Fala no cessar-fogo e na independência. Rui Patrício procura esclarecer:

 “O embaixador do Reino Unido em Lisboa veio dizer que o Foreign Office se dispunha a esclarecer, com a maior discrição, um contacto com o PAIGC. A nossa orientação nunca foi a de ter conversas por via diplomática com os movimentos de libertação. Porquê? Por várias razões.

"Primeiro, porque isso seria reconhecer internacionalmente os movimentos de libertação. A via diplomática é a via de representação do Estado português no exterior, junto de organismos internacionais e de outros estados. Portanto, negociar pela via diplomática com os movimentos de libertação seria o mesmo que atribuir-lhes personalidade internacional e, assim, oficializar e legitimar todos os apoios que organismos internacionais, nomeadamente a ONU, e outros estados dessem ao PAIGC”. 

Leonor Xavier continua a insistir, dado que a resposta do antigo ministro é redonda e etérea: mas porque é que admitiu esse contacto e mandou o diplomata Villas-Boas ir encontrar-se com o PAIGC em Londres? E vem a resposta:

“Primeiro, porque foi uma missão puramente exploratória. Depois, e a verdade é esta, todas as questões doutrinárias e todas as teorias, de vez em quando, têm de mudar perante as realidades. A realidade na Guiné era extremamente complicada. A guerra tinha atingido patamares muito difíceis e, portanto, era possível que tivesse de ser encarada uma solução diferente na Guiné. Portanto, foi chamado o embaixador, com o conhecimento meu e do Conselho, sem mais ninguém saber, para um contacto exploratório em Londres. Depois voltou, mas aconteceu o 25 de Abril”.

Rui Patrício mostra-se céptico sobre a hipótese de Marcello Caetano preferir uma derrota militar na Guiné e afirma:

“Nunca ouvi dizer isso, e o facto de até admitir esse contacto com o PAIGC seria porque preferia evitar precisamente qualquer coisa que fosse uma derrota militar”.

Leonor Xavier diz na introdução que Rui Patrício mantém a mesma absoluta fidelidade ao regime que serviu e aos governos que integrou, no seu tempo de governação. Poderá ser. O que não obsta que se questione se entre a fidelidade e a integridade intelectual não deve haver consistência e se a distância entre o mando, no pretérito, e a verdade dos factos, hoje conhecidos, não deve obrigar a testemunhar com rigor e probidade. Não é admissível que o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros venha dizer que o PAIGC cercava a província da Guiné e atacava do exterior. Especule-se quanto à implantação do PAIGC no interior do território, não havia ninguém que não soubesse que o movimento de libertação estava de pedra e cal, tinha as suas bases, o seu apoio populacional, etc.

Para quê fazer propaganda, agitando a maquinação soviética e os ataques a partir do exterior? Já não querendo questionar o que leva um membro do governo a ir com um director-geral do Ensino a Madina do Boé, fica-se estupefacto quando se lê que o Dr. Rui Patrício, ministro dos Negócios Estrangeiros, acerca do ataque a Conacri, que ele disse na televisão portuguesa ter sido uma mentira, vem agora reiterar que nada sabia quando há provas que Marcello Caetano deu luz verde ao ataque a Conacri, tal como ele se desencadeou. Uma coisa é ter desmentido na época, outra coisa é vir declarar agora que faz leituras sobre a operação chefiada por Alpoim Calvão. É caricato demais para as funções que exerceu, inaceitável que possa dizer que não é capaz de confirmar que foram os portugueses a fazer a invasão de Conacri.

Há que reconhecer que o regime de Caetano teve uma vida tumultuosa nos seus últimos meses de vida, viveu-se o descontrolo de medidas totalmente opostas às declarações oficiais. Já em 1995 Rui Patrício dera a saber que houvera conversações em Londres com o PAIGC. O regime caiu arredado nas suas contradições, abandonado pelos seus antigos apoiantes. Mas vir dizer que tinha de ser encarada uma solução diferente na Guiné sem ser capaz de enunciar os trâmites dessa solução, também não deixa hoje de ser surpreendente.

Penso que Rui Patrício está a prestar um grande serviço narrando factos da nossa história recente com uma candura espantosa e ao arrepio da verdade histórica. Afinal, o regime inventou as suas próprias fábulas e as derradeiras figuras ou acreditam no mundo em que viveram ou revelam-se coerentes na argumentação que sabem estar falseada e que nós sabemos. Basta ver o que ele diz sobre a Guiné que todos conhecemos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6782: Notas de leitura (134): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6789: Era uma vez um Unimog 411 que morreu nos Nhabijões, em Janeiro de 1971 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Julho de 2010:

Queridos amigos,
O artista Manuel Botelho pegou numa fotografia relacionada com um desastre largamente referido no blogue (mina anti-carro que destruiu um Unimog 411, matando o soldado condutor Soares e feriu gravemente outros militares da CCaç 12, em Janeiro de 1971) e fez esta aguarela.

Fui economizando uns euros, como bom descendente dos árabes, judeus e fenícios, regateei o preço até ao desespero do seu criador, sou agora o feliz proprietário deste documento que me põe constantemente a pensar como é que por vezes a brutalidade do real se transmuta numa mensagem estética de inquietação e aviso solene aos inconformados com o viver em paz.

Se alguém precisar de mostrar esta obra-prima numa exposição sobre a nossa guerra, é só pedir.

Não sei se existe documento mais eloquente sobre a fúria destruidora, dos homens e das coisas.

Como conheci o soldado Soares e o estimei profundamente, esta aguarela é o testemunho de tudo aquilo que não deve voltar a acontecer, em nome da concórdia e do bem supremo da humanidade.

Um abraço do
Mário


Unimog 411 da CCAÇ 12 destruído por mina AC. Pintura de autoria de Manuel Botelho
© Foto de Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1971 > CCS/BART 2917 (1970/72) > Cemitério de viaturas militares > Em primeiro plano, pode ver-se o estado em que ficou o burrinho, o Unimog 411, depois de accionar uma mina anticarro à saída do reordenamento de Nhabijões, em 13 de Janeiro de 1971, por volta das 11h25. Duas horas depois, era accionada outra mina A/C por uma GMC (parecida com a que está visível ao fundo, na imagem, mas com um maior grau de destruição).
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados


2. Uma viatura moribunda, um artista investigador que se apaixonou pelo nosso blogue

por Beja Santos

Manuel Botelho é um nome cimeiro das artes plásticas do nosso tempo. Ele já escreveu sobre as motivações que o levaram, em período recente, a interrogar a guerra da Guiné, espiolhando o nosso blogue. Dei-me conta do facto quando o crítico João Pinharanda me convidou para um colóquio à volta de uma exposição que o Manuel Botelho apresentou no Museu da EDP. Já nessa altura ele adquiria compulsivamente tudo o que tivesse a ver com a guerra colonial e emergiu no nosso blogue, catando fotografias de todo o tipo. Há que reconhecer que Manuel Botelho é um dos raríssimos artistas plásticos que se entusiasmou em comunicar artisticamente as manifestações da guerra. Recomendo vivamente que se consulte o site (www.manuelbotelho.com) do artista onde ele confessa o íntimo desta sua curiosidade. Ele escreve:

“Nos últimos anos vi crescer o meu desejo de identificação com os homens da minha geração que há muito tempo embarcaram para Angola, Guiné e Moçambique, escondidos atrás de um camuflado e uma G3. Sei que não fui um deles. Tive a fortuna de estar no último ano do curso de arquitectura quando o 25 de Abril pôs termo ao pesadelo que me ensombrou a adolescência, e já não experimentei a guerra ao vivo e em directo. Mas vivi-a intensamente, numa antecipação obsessiva que durou toda juventude.

Desde então muito tempo passou, e a minha perspectiva da vida mudou também. A guerra na África portuguesa deixou de me interessar enquanto fenómeno político e passei a prestar uma outra atenção aos que a fizeram. Muitos (a esmagadora maioria), ainda estão vivos; têm sensivelmente a minha idade; estão carecas e cansados como eu. Alguns serão um pouco mais velhos, mas pertencemos todos a um mesmo tempo, a uma mesma condição. E eis-me a viver um estranho paradoxo: eu, que andei pelas ruas a berrar “nem mais um soldado para as colónias”, comecei a ter sentimentos de culpa por não ter partilhado esse tempo de abnegação e sacrifício. E a minha pintura começou a falar das memórias dessa guerra, como em “Escombros de Wiryiamu”, o massacre no norte de Moçambique que escandalizou o mundo e que evoquei através de um soldado (eu, já velho), sob a ameaça de insectos gigantescos e segurando desoladamente uma G3. Foi essa G3 que quis fotografar de seguida.

Em 2006, depois da exposição em que apresentei esses trabalhos, senti que alguma coisa devia mudar. Sentia-me enclausurado. A pintura e desenho eram incapazes de traduzir com eficácia o universo temático que tinha em mente… porque, como costumo dizer aos meus alunos, há coisas que são “pintáveis”; outras não.

Comprei uma máquina fotográfica nova e, quando em Setembro fui ao Museu Militar, tudo o que pretendia era fotografar uma G3 e uma Kalashnikov, as armas emblemáticas da guerra colonial. Talvez esse simples acto me apontasse um caminho novo. Talvez um registo impessoal desses vestígios me indicasse para onde seguir. Talvez o rigor metálico de uma G3 ditasse o futuro próximo da minha obra. E foi uma G3 que fotografei; e uma Kalashnikov; e uma FN; e uma Mauser. Às tantas tinha o chão coberto de armas. E aqueles 3 ou 4 dias iniciais começaram a multiplicar-se. Os dias transformaram-se em semanas, as semanas em meses. Em determinado momento já não sabia o que havia de fazer e desatei a inventar outras coisas, dando sequência a desenhos e pinturas anteriores e experimentado territórios completamente novos. E começaram as incursões à feira da Ladra. Comprei equipamento militar da época, velhos camuflados, cinturões, cantis, botas e quicos, e pouco depois estava a invadir o Museu com objectos de toda a ordem, grandes e pequenos: placas de madeira, tapetes de trapos, sardinhas enlatadas, plantas secas e terra, muita terra, cinzenta, vermelha… que fazia agora dialogar com granadas, facas de mato, pistolas, espingardas, minas anti-carro…

Como estavam previstas 3 exposições simultâneas nos primeiros meses de 2008, acabei por isolar 3 núcleos mais ou menos autónomos, deixando de fora muitas dezenas de imagens potenciais. E assim se arrumaram as exposições no Museu de Arte Contemporânea de Elvas, na galeria Lisboa 20 e na Fundação EDP.

Embora ligadas por um fio condutor comum, foram 3 mostras muito diferentes. O “inventário” de Elvas apresentou quase exclusivamente fotografias de armas utilizadas ou apreendidas pelas forças armadas portuguesas, em registos mais ou menos neutros (isto embora uma das minhas grandes preocupações tenha sido descobrir a luz certa para cada caso, o que tornou essas imagens numa espécie de retratos… se é que isso se pode dizer de objectos inertes cuja função é matar). As outras duas exposições seriam mais alegóricas, evocando a guerra de uma forma quase sempre indirecta. Se na Lisboa 20 a “emboscada” ainda incluía algumas cenas de “acção” (?), outras imagens eram sobretudo rituais, com um velho combatente em dialogo consigo próprio ou à beira da loucura e do suicídio. E na “ração de combate”, exposta na EDP, foi a retaguarda que serviu de pano de fundo, e o tempo sem fim das unidades de quadrícula, esses aquartelamentos que desenharam nos mapas e gabinetes (que não necessariamente na realidade vivida) o domínio português desses territórios, ameaçados pelo desejo de autodeterminação.

Em Setembro de 2008 estava de volta ao trabalho, não já no Museu Militar mas sim num espaço improvisado no quintal de minha casa. Sem um estúdio fotográfico em condições, improvisei uma tenda no terraço com paus e panos velhos. E porque agora tinha a possibilidade de trabalhar com outros actores para além de mim próprio (coisa inviável no Museu), pude convocar para as imagens uma figura que há muito me fascinava e que deu o nome à série: a “madrinha de guerra”.

Personagem algo dúbia, patrocinada ao longo da guerra em África pelo Movimento Nacional Feminino com o objectivo de mitigar o isolamento das tropas através de uma activa troca de correspondência entre os soldados e as raparigas casadoiras na metrópole, a madrinha de guerra transforma-se aqui numa presença real, na materialização de um sonho, aterrando num palco de guerra vinda não se sabe de onde. É nesse mesmo palco que decorrem as cenas diversas, de uma série paralela que também aqui se apresenta pela primeira vez. Nas imagens de “flagelação”, o mesmo soldado que povoa as histórias anteriores procura agora proteger-se de uma agressão iminente, real ou imaginária.

Já lá vão quase 3 anos de trabalho e sinto que ainda não esgotei este filão. Ao longo desse tempo li livros, vasculhei depoimentos sobre a “nossa” guerra, essa guerra de miséria e “pé descalço” tão próxima do Portugal rural da minha infância, mas em nenhum caso pretendi ilustrar factos reais, específicos. Por isso, as imagens muitas vezes escaparam-se à ideia que lhes esteve na origem e tomaram direcções imprevistas. Desligadas de uma leitura fixa e imutável, basta trocá-las de lugar para num instante tudo ser diferente… E a guerra de há 40 anos pode tornar-se na guerra de hoje.”

Tive o privilégio de fazermos amizade e de ele me ir mostrando as diferentes facetas do seu trabalho (fotografia, instalação, pintura, etc.). Nunca imaginei que um artista forjasse, quatro décadas depois, espaços, ambientes, situações em que a envolvente guerra tudo dominasse. Comoveu-me ver o meu Unimog 404, destruído por uma mina anti-carro em Canturé (Cuor), em 16 de Outubro de 1969, a ser objecto de uma aguarela que viria a ser exposta num dos eventos artísticos mais importantes da Europa, a ARCO, de Madrid. Ele tinha visto uma fotografia em que o Humberto Reis se mostrava ao lado da viatura imprestável, como se estivesse a interrogar a essência do sinistro. Eu tinha já outra fotografia do António Silva Queiroz, nosso apontador de morteiro 81, que se fizera fotografar também a olhar todo aquele ferro desconjuntado onde morreu o nosso condutor Manuel Guerreiro Jorge, que pertencia à CCS/BCAÇ 2852. O meu guarda-costas, Cherno Suane, seguia no guincho, foi parar a 20 metros, aterrou num baga-baga, teve sorte, quis o destino que o sinistro se saldasse num duplo traumatismo craniano.
Sinto um grande orgulho neste artista que está permanentemente atento ao que depomos, que ele transfigura em arte. É caso para dizer: demorou décadas a compreender o que vivemos, o produto artístico vai testemunhar-nos até à eternidade.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6782: Notas de leitura (134): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (Mário Beja Santos)