sexta-feira, 23 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6777: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (3): Os sonhos do Farinha

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 21 de Julho de 2010:

Camarada Vinhal
Inseridas nas "Memórias boas da minha guerra", junto duas pequenas histórias: - "Os sonhos do Farinha - Paludismo e Pescaria premiada".
Anexo também duas fotos, para quando as quiserem utilizar; uma é a Equipa
dos graduados de Catió e outra é uma paisagem, também de Catió, com um
futuro canoísta.

Um abraço e até breve
Silva da Cart 1689


MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA (3)

Os sonhos do Farinha I – O Paludismo


O furriel Farinha sonhava em voz alta. E, durante o sono, contava pormenores da sua própria vida, mesmo os mais íntimos. E, quando acordava, não se lembrava de nada. Quando alguém lhe falava do que ouvira, como é lógico, não gostava nada. Penso que, até, se medicava para o evitar.

Tinha regressado de férias, passadas na sua própria terra, lá para os arredores de Guimarães. Quando voltou para Catió, ao fim de poucos dias, já era sabido como passara o tempo de férias.

Claro que ouvíamos só partes, mas ficávamos com a noção do resto. Assim, como a que segue:

- Ó pai, tira-me ali o maço de cigarros estrangeiros do bolso interior do casaco... Ali, em cima, ao pé das cebolas... Isso, do lado de dentro, em baixo... CUIDADO!!! Ias-te fodendo! Se tropeçasses no focinho do porco, caías na fogueira... Tem calma e bista escanada. Vamos fumar agora um cigarro à maneira... Olha para isto, é um Quingue Cise, Saize, como os merdosos dizem... Isso, põe-lhe fogo aí junto aos colhões, enquanto eu lhe levanto a perna... É sempre das partes mais difíceis de chamuscar... Então? dá-me lume... Olha que te queimas, velho... Ai não? Olha para esses dedos todos queimados. Pareces as pretas lá da Guiné, que agarram num tição vermelho, para acender o cachimbo... Sim, Sim, elas fumam de cachimbo e outras até metem na boca o cigarro ao contrário, com o lume para dentro. Estou a reinar, o caralho, é que estou! Eu vi-as, com estes olhos, a meter as mãos na panela ao lume, a mexer o arroz. Não fazes ideia daquilo. Também não admira, nunca saíste da parvalheira... Uma MERDA??? Pois, os teus Kentuques, é que são bons. Os teus cigarros mata-ratos, mais o teu vinho martelado, é tudo uma porcaria, mas como estás habituado, papas tudo e vais morrer consolado.

Volta-se na cama, solta um espirro e continua:

– Já estou fodido. Fodido não... refodido sim... Não, não é constipação, é paludismo. Uma doença que ataca lá, em África. O paludismo é mesmo perigoso... Qual parolismo, qual caralho?!... PALUDISMO, PA-LU-DIS-MO!... Parolismo?!... Parolismo?!... Tu é que me saíste um parolo... Não sei como é que a mãe te quis!


Os sonhos do Farinha II – pescaria premiada

Quase sempre que o furriel Farinha se punha a sonhar alto, a malta prestava uma atenção cuidada, visto que era certo o divertimento. Salvemos aqui algumas ocasiões em que o assunto era mais reservado e mais delicado. É que, além de ele descobrir a vida toda, ficava furioso por não saber o que tinha revelado.

Já estávamos em Bissau, no QG – Quartel General - para o regresso e numa tarde qualquer, em que era normal dormir, ele sonhava e falava assim:

- Olá cara linda... Já sei que te chamas Rosinha, que é também uma linda flor... Assustaste-te? Escusas de ter medo, sabes que até sou muito meigo e não é para me gabar. Já vou sair de trás de ti, para não dizeres que te estou a espreitar as pernas. Bem boas, por sinal. Estás a lavar os teus segredos?... Todas as mulheres têm segredos... Eu? Eu vou pescar, não vês aqui a cana?... Tem peixe, tem. Não acreditas?... Ai apostas?... Apostas a quanto?... Não tens dinheiro, não faz mal. Vamos então fazer um acordo e como estás convencida de que não há peixe, não vai haver problema. Só quero um beijinho por cada peixe... Ai estás a rir? Olha que eu vou ganhar... Pronto, está acordado... Eh, aí está ele, o primeiro! Estás a ver Rosinha? Não fujas, nem penses... Mas um foi por teres tentado fugir. Mas eu vou tirar mais... Outro!... Pequenitos? Tu também não és grande e tens tudo de bom... Outro!... E outro! Hum... Estende ali essa manta... Não, ninguém vê... Hum... Então, querias um peixinho maior?... Ai, larga, olha que me magoas... Que mãos frias! Hum... Hum...”

Nesse momento já estavam mais de dez curiosos no quarto, sentados nas camas à volta a assistir ao espectáculo. E quando o Farinhas já arfava e acelerava a respiração, o Machado deu-lhe um abanão que o acordou. Meio atordoado, esfregou os olhos, coçou os testículos, quando viu aquela malta toda já a disfarçar, fingindo ignorá-lo. E ele, vê-se “encrespado”, de repelão, salta, põe-se de pé na cama, aperta o pénis e grita: - Quem quer saltar ao galho?


Silva da Cart 1689
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 14 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6736: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (2): Sexualmente falando, tudo continua normal

Sem comentários: