segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1536: In Memoriam... Barbosa Henriques (1938-2007), o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)

[Octávio Emanuel] Barbosa Henriques (1938-2007), antigo capitão de artilharia, cor art na reserva: foi comandante da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835; esteve, de passagem, em Guileje, à frente da CART 2410, em 1969/70; foi supervisor  da 1ª Companhia de Comandos Africanos ( a partir de fevereiro de 1970). e esteve ainda à frente da 27ª CCmds.

Morreu no sábado passado, dia 17, em Lisboa. Nasceu na Ilha do Fogo, Cabo Verde. Foto de jornal [, à esquerda,] enviada pelo Jorge Cabral.



1. Nota do editor do blogue, enviada por e-mail ao pessoal da tertúlia:

Amigos & camaradas:

Lembram-se do capitão 'comando' Barbosa Henriques ? Já aqui foi evocado por alguns de nós... Conheci-o (mal), no Xime e em Fá Mandinga, como instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos... Fui buscá-los, a ele e aos seus rapazes, ao Xime, quando desembarcaram de uma LDG... O Jorge Cabral privou de mais perto com ele... O Virgínio Briote também o conhecia, do tempo da Academia Militar... E julgo que os demais camaradas dos comandos... Esteve também na PSP, ao que parece...

Morreu no sábado passado, foi a enterrar no domingo, no cemitério do Alto de São João. Foi o Virgínio Briote que me deu a notícia. São sempre tristes estas notícias do desaparecimento de ex-combatentes da Guiné... Acho que o blogue pode e deve falar dele...

Evoquei-o, num dos primeiros posts do nosso blogue, em 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça). É possível que o retrato psicológico que fiz dele, fosse inexacto, parcial, redutor, injusto. Era seguramente superficial... Confesso que o conheci mal. Mas não seria justo, de qualquer modo, esqueço-lo. Aqui fica um extracto desse post:

Foi então que tive a oportunidade de conhecer o instrutor da 1ª CCA, o capitão-comando B. Henriques. É a ele, muito provavelmente, que se refere o Carlos França, ao evocar a figura do capitão pretoriano, arrancado às páginas de clássicos romances de guerra como os de Jean Lartéguy. Julgo que ele já tinha feito uma comissão na Guiné, à frente de umas das companhia de comandos então existentes [, a 27ª CCmds].

(...) O capitão-comando Barbosa era, para mim, a personificação do profissionalismo militar, cada vez mais raro naquelas paragens: um tipo espartano, frio, calculista, distante, seco de palavras mas formalmente correcto… Imaginava-o programado até ao mais ínfimo dos gestos, saído da linha de montagem de fábricas de militares como as de West Point! A ele se atribuía, justa ou injustamente, a afirmação tão sintomática quanto estereotipada de que uma 'instrução de comandos sem uma boa meia-dúzia de mortos não era instrução de comandos nem era nada'.

E, no entanto, por detrás daquela máscara impassível de duro e daquele comportamento quase robotizado que me causava simultaneamente atracção e repulsa, havia um homem de carne e osso, tímido e sentimental, tão só como nós, capaz de deixar trair as suas emoções, e de falar de outras coisas bem mais comezinhas e menos metafísicas do que a arte da guerra. Ou não fora ele de origem cabo-verdiana, se não me engano...

Chegámos a conversar, em grupo, com alguma descontracção e civilidade, entre dois copos de uísque e o 'All you need is love' dos Beatles, como música de fundo, no bar do quartel de Fá Mandinga, enquanto lá fora os seus rapazes, sedentos de aventura e de emoções fortes, preparavam um festival de fogo de artifício como recepção ao periquito do alferes miliciano médico que acabava de chegar à companhia (Um luxo, diga-se, de passagem já que no TO da Guiné o que era normal era haver um médico por batalhão, ou seja, um médico, para no mínimo quatro companhias, ou sejam, 600 homens; diga-se de passagem que nunca convivi com o médico dos comandos, nem me lembro do seu nome). (...)


2. Também o Jorge Cabral (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 63) relembra a sua figura, com muito mais vivacidade e propriedade do que eu, já que foi foi seu amigo e cúmplice das noites de Lisboa, no regresso da Guiné. Aqui fica o texto que me acaba de enviar:

O Meu Amigo, Barbosa Henriques

por Jorge Cabral


Confesso que, quando em Janeiro de 1970 me informaram que os Comandos Africanos vinham completar a instrução em Fá [, destacamento à guarda do Pel Caç Nat 63], não fiquei nada satisfeito. Ali me encontrava desde Julho de 1969, com os meus soldados e famílias, vivendo uma pacífica rotina, só de quando em quando interrompida, com a chamada para alguma operação para os lados de Xime ou de Mansambo.

Em Fevereiro, e após a Engenharia ter preparado as instalações, chegaram os Comandos Africanos, e conheci o Capitão Barbosa Henriques. Talvez porque os contrários se atraem, logo entre nós se estabeleceu uma relação cordial que veio dar lugar a uma verdadeira amizade.

Comandante do Destacamento, dependendo apenas de Bambadinca, não alterei em nada a minha forma de estar, continuando a andar semi-vestido, e a passar longo tempo na Tabanca, mas não hesitei em oferecer toda a colaboração, tendo até ajudado na instrução e servido de cripto.

Como Comando-Instrutor, o Capitão Barbosa Henriques era duro, severo, espartano, quase um centurião. Teve porém sensibilidade para me compreender, apreciando e mesmo alinhando, nalgumas loucuras, daquele estranho alferes. Sei que, estando em Bolama, ainda falava do Cabral, e da declaração de Amor à D. Rosa, que eu diante dele recitei no Café das Libanesas, em Bafatá (1).

Nos anos de 72 e 73, em Lisboa, convivemos, frequentando o Parque Mayer, suas Revistas e Coristas. Calculem que até me quis convencer a meter o chico, para ser seu adjunto no Forte das Raposeiras, pois ambos pertencíamos à Arma de Artilharia. Creio que a última vez que o vi, foi em meados dos anos 80, quando almoçámos no Quartel onde estava colocado. Tinha boa memória, e recordou aquela vez que me havia pedido para fazer tiro de metralhadora a roçar a cabeça dos instruendos, e eu disparei tão alto que matei oito vacas na Tabanca de Biana.
- Bons tempos Cabral, consigo ia ficando maluco - disse-me então.
- E eu ia ficando Comando - retorqui ao meu único amigo Capitão.

Fora de Lisboa, não pude comparecer no funeral, mas a sua morte entristeceu-me, e é com saudade que lembro o Capitão Barbosa Henriques, meu Amigo.

Jorge Cabral

3. Ver também nota biogafica mais completa no portal UTW - Ultramar Terra Web - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.
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Nota de L. G.:

(1) Vd. post de 1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1013: Também eu, apanhado, me confesso (Jorge Cabral)

4 comentários:

lario disse...

Foi com muita tristeza que tive conhecimento da morte do sr. capitão Barbosa Henriques. Eu falo dele no meu site www.lario57.com, pois foi meu superior no corpo de intervenão da PSP e frequentamos juntos um curso no FBI EUA

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Há um apontamento sobre a sua genealogia.
Nascimento: 11 Mar 1938, São Filipe, Fogo, Cabo Verde.

https://www.barrosbrito.com/10185.html

Anónimo disse...

Olha Robalo, comigo passa-se "quase" o mesmo, e digo quase porque, quase (ena pá, tanto quase!!!) tenho a certeza, do que estou a recordar... Este Cap. Comando, Barbosa Henriques, não comandou a Cª. de Comandos (creio que a 28ª.) que esteve - ainda que temporáriamente - em Mansabá, ao serviço do COP 6, por alturas da construção/ampliação da estrada já com asfalto, que ficou a ligar Mansabá - Bironque - Madina fula - K.3 - Farim (margem esquerda do rio Cacheu, frente a Farim, com uma "bolacha" em betão/alcatrão, e uma rampa para atracar as LDM da Marinha que faziam as ligações a Farim - margem direita do rio. Do COP 6 instalado em Mansabá, faziam parte, a Cartª. 2732 (madeirense) do Carlos Vinhal, o n/querido editor, esta Cª. Comandos, a 28ª, creio, e que terá sido comandada pelo Barbosa Henriques - tenho quase a certeza - uma Cª. de Páras, parece-me que 122 - cujo comandante era um tipo baixo, mas entroncado, creio que se chamava Mira Vaz, e a minha C.Caç. 2753 (Açoreana) do Cap.Milº João Cupido, que fomos acompanhando a construção da dita estrada, em acampamentos (resorts de luxo como sabem) temporários como Bironque - Madina fula - até chegarmos ao K.3 (Saliquinhedim - nome original da tabanca) o nome K.3, penso, que terá sido. assimilado militarmente, pelo facto de distar 3Km da margem do Cacheu, frente a Farim e término da referida estrada. E recordo-me, de, nos "mentideros" da Gerra da Guiné, se dizer que a ligação por terra, de Mansabá para Farim, estava "interdita" há cerca de 5 ou 6 anos, se calhar pela proximidade do Morés e seus corredores de acesso, diziam, não sei...

João Carlos Abreu dos Santos disse...

Chamo a atenção do editor, para o seguinte s/escrito (que cito):
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- «Foi comandante da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835; esteve, de passagem, em Guileje, à frente da CART 2410, em 1969/70; foi supervisor da 1ª Companhia de Comandos Africanos ( a partir de fevereiro de 1970). e esteve ainda à frente da 27ª CCmds. Morreu no sábado passado, dia 17, em Lisboa. [...] Morreu no sábado passado, foi a enterrar no domingo.»
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De facto, comandou a CCac2316 desde início de Set1968 até início de Ago1969.
Não consta que tenha estado "à frente da CArt2410", sequer "de passagem".
Na 1ªCCmdsAfr exerceu funções de instrutor, desde final de Dez1969 (ainda na fase de organização) até conclusão da respectiva 'operacional' (15Jul1970).
Comandou a 27ª desde 05Ago1970 até final da 1ª quinzena de Dez1971.
Faleceu na 6ª feira dia 17Fev2007 e foi a sepultar no domingo dia 19Fev2007.
Cordiais saudações.