1. Da Suécia com saudade, o nosso camarada José Belo, traz até nós, desta vez, um tema já aflorado em tempos no Blogue.
Trata-se de um assunto melindroso que dá azo a muitas discussões e diferentes correntes de opinião. Porque pautamos pela diversidade e liberdade de conceitos, não temos qualquer pejo em trazer ao conhecimento da Tertúlia o trabalho deste nosso camarada.
Podem e devem rebater e/ou concordar, no espaço destinado para o efeito, clicando em comentários, no rodapé desta Postagem.
2. Milícias e Soldados guineenses ao serviço do colonialismo
Nas poucas vezes que tenho revisitado o meu querido Portugal, nestes trinta e tal anos de um misto de exilado e migrado (exigrado), surpreendo-me sempre com a quantidade de guineenses que encontro no lisboeta largo do Rossio.
Quem são estes homens? Quem foram estes homens? Que histórias existem por de trás dos grupos que conversam, partem mantanha, ou, sentados nas escadarias do teatro D. Maria têm os olhos perdidos em horizontes distantes?
Restos humanos arrastados para estas paragens distantes pelos maremotos da história colonial?
Que solidariedade sentem por parte dos seus antigos companheiros de armas? Compartilharam connosco todos os perigos. Todos os roncos. Sofreram ao nosso lado inúmeros mortos e feridos.
Nos rebentamentos de minas misturámos, literalmente, o nosso sangue. É difícil negar, que eles, estavam sempre nos lugares mais perigosos da luta. À frente das colunas, à frente dos grupos de assalto, à frente de muita tropa branca, ensinando na prática, o que as instruções em Portugal tinham esquecido!
Muitos de nós estamos vivos graças a alguns deles - há, isto de esquecimentos convenientes.
Com o passar dos anos, e o enorme coração português, as realidades cruas da infernal guerra colonial, são, lenta e insinuosamente, substituídas nas nossas recordações, por tonalidades mais lusitaneamente romantizadas.
Nos nossos verdes vinte anos de idade confrontámos a África. No exotismo dos costumes, da natureza, das doenças tropicais, tudo somado ao choque violento das inesperadas confrontações com a morte, os feridos, os amputados e os psiquicamente destroçados.
Quantos dramas tivemos que saber suprir? Quantas terríveis experiências pessoais? As consequências?...
Acabámos por não ter tempo - espaço para dar toda a devida atenção ao drama paralelo que era a cara verdadeira da Administração Colonial. A exploração! A opressão! A violência! Sempre latentes por detrás dos Chefes de Posto, dos Cipaios, da Polícia do Estado e mesmo de alguns comerciantes-colonos que ainda por lá parasitavam!
Quantas preponderâncias? Quantas opressões? Quantos crimes cometidos à sombra de convenientes denúncias?
Nós, na ingenuidade das nossas juventudes, hasteávamos respeitosamente a Bandeira Nacional nos aquartelamentos. As histórias que então me contaram sobre as compras de mancarra por parte de alguns comerciantes de Ingoré, fariam sofrer de inveja muitos dos latifundiários do nosso Alentejo de então.
Era este o meio de onde acabavam por surgir os voluntários para as milícias, e posteriormente, para as tropas africanas. O Estado Português, o Exército e a Administração Local, seriam os responsáveis pela propaganda. Não era essa a função do Otelo numa das repartições do E. M. em Bissau?.
Tudo devidamente acompanhado de incentivos económicos e sociais. Mas, em verdade, a escolha pertencia aos voluntários. A alternativa encontrava-se no mato a bem poucos metros de distancia do outro lado do arame farpado!
Lutavam, tanto do lado colonial, como no movimento de libertação, representantes de todas as etnias da Guiné. Procurou-se assiduamente criar condições para motivar etnias completas a mudar de campo.
Nunca se conseguiu criar, na generalidade, fronteiras rácicas entre os combatentes. Nalgumas zonas as percentagens variavam acentuadamente, mas nunca foi uma guerra entre etnias na sua totalidade.
Não era por acaso que a organização política e militar do PAIGC, sem esquecer a sua fundamental componente das relações internacionais, era uma das mais eficientes, e respeitada, de entre os movimentos de libertação.
O descalabro da então apregoada descolonização exemplar, não a ideal, mas a possível, mais não foi que uma consequência directa do contexto político existente e não menos do herdado. Os esforços de poucos, quanto a assumir responsabilidades para com estes guineenses ao serviço da política colonial, não foram, obviamente, suficientes para os proteger.
Muito se poderia escrever e se escreverá, sobre os esforços e diligências concretas, documentadas, por parte do Carlos Fabião sobre o assunto. Na sua passagem de mais de uma década pelo mato da Guiné, ele, melhor que ninguém, estava ligado, de raiz, à criação das milícias e sua problemática.
Criei com ele amizade pessoal, desde o tempo em que este comandava o sector operacional de Buba, o que me veio a permitir, nos anos 74/75, colocar-lhe algumas perguntas pertinentes sobre o que se poderia ter feito, o que se não fez e o que, na verdade, se procurou fazer.
Verifica-se, infelizmente, que dos interessados nos factos relacionados com as mortes destes africanos, uns colocam as suas pré-ideias à frente do que realmente se procurou fazer, outros procuram analisar este período tão caótico com o coração!
Há, no entanto, alguns factos reais e importantes, que ainda não consegui encontrar no que de muito se tem escrito sobre o assunto. Quer se concorde, ou não, os acontecimentos pré- revolucionários (?) que então se sucediam em Portugal, não eram conducentes a permitir o desembarque em Lisboa de umas boas centenas de (o que de logo seriam apelidados por certos grupos) mercenários e criminosos ao serviço (passado) do colonialismo e a serem utilizados num futuro próximo. POR QUEM?
O exemplo concreto do passado com o tão medalhado Marcelino da Mata, nos acontecimentos do RALIS, deu uma boa amostra desta realidade, para muitos incómoda de enfrentar.
Por outro lado, países africanos contactados, recusaram terminantemente, como seria de esperar, a receber estes colaboradores activos do colonialismo português. E não menos importante, mas por muitos esquecido, o voluntário, imediato e espontâneo cessar fogo por parte de algumas das guarnições portuguesas no mato da Guiné, que veio a colocar umas boas centenas de soldados na posição de reféns, de facto, das forças locais do PAIGC.
Uma logicamente muito complicada situação no terreno, para permitir estabelecer exigências! As execuções, os fuzilamentos e alguns massacres acabaram por acontecer.
Uma prolongada guerra de libertação nacional, com sacrifícios indiscutíveis por parte dos guerrilheiros e seus apoiantes, criava condições mais que suficientes para um ajuste de contas com os que tinham as mãos bem manchadas por tanto sangue de guineenses.
Como português, não sinto orgulho no sucedido a tantos destes africanos que lutaram lado a lado e tantas vezes À FRENTE das nossas tropas.
Fotos: © José Belo (2007). Direitos reservados.
Por respeito a todos os que lutaram, e lutam, pela liberdade dos povos, (incluindo o meu, na sua já bem longa História de séculos), recuso-me a romantizar ou menosprezar a ESCOLHA que esses guineenses efectuaram.
À luz da História e dos Direitos do Homem, foi uma escolha... errada!
Stockholm/2007.
José Belo
Ex-Alf Mil da CCAÇ 2381 (1968/70)
Buba, Quebo, Mampatá e Empada
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Nota de CV
Sobre o assunto, vd. postes de:
23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)
27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)
31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira
Vd. último poste da série de 19 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2062: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (5): O General que não gostava de bigodes
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
de Antº Rosinha,
José Belo e Co-editores,
não pretendo rebater nem concordar, conforme sugerido, apenas fazer um pequeno reparo sobre os Africanos que frequentam o Rossio: De facto, é dificil distinguir a origem dos africanos, a um europeu principalmente vivendo na Suécia há tanto tempo, embora já tenha jogadores africanos na selecção sueca. Como soe dizer-se, sem eufemismos, "os pretos parecem todos iguais", e aqui peço desculpa ao José Belo, mas salvo alguma raríssima excepção, a quantidade de africanos naquele local, se fosse possível contar, ao fim do dia daria um número surpreendente, não são guineenses, estes encontram-se principalmente nas obras, a minha actividade, mas sim angolanos.
E José Belo, não tenha muito pena desse pessoal, porque alem de não gostarem que se tenha pena deles, a grande maioria está cá em portugal de férias...Se reparar, a maioria são bastante jovens, e não souberam ao vivo o que foi a guerra que discutimos aqui. Sabem aquela que já vem nos livros didáticos, e muitos deles são de formação superior: da Rússia, de Portugal, da Suécia, etc. e tambem de Luanda.
Existem no Algarve e arredores de Lisboa alguns arrumadores de carros, guineenses dessa geração.
Claro que nem todos os angolanos que ali param estarão tão bem encostados como outros.
Estive 18 anos em Angola, 13 na Guiné, 5 no Brasil e não distingo um mandinga dum fula, um bailundo dum quioco um baiano dum carioca...
O que aqui afirmo foi-me explicado por um angolano, antigo colega.
um abraço
Caro camarada José Belo, concordo com a abordagem que é feita, nomeadamente no que diz respeito à solidariedade que parece faltar, ao posicionamento no terreno aquando nas deslocações e acções de assalto, à tentação (inevitável) de romantizar as realidades e ao enquadramento gerador do "caldo de cultura" propício à "africanização da guerra".
É verdade que a "escolha" lhes pertencia, mas será que tinham verdadeira capacidade para escolha? Não será também verdade que entre os nossos (supostamente mais cultos, mais informados, mais evoluídos, mais civilizados) também se poderia ter posto a possibilidade de escolha entre participar na guerra ou não. E para qualquer das opções com que suporte?
Também concordo com as observações (possíveis explicações)para o "descalabro" (gostei desta!) da "descolonização exemplar", o seu enquadramento no contexto, o da época e o herdado. Lamento também que Carlos Fabião não tenha tido a possibilidade de fazer vencer os seus esforços. Concordo também com a caracterização do ambiente criado na época e nada propício ao desembarque de centenas de elementos que tinham, objectivamente, estado envolvidos em acções contra o seu povo. Concordo ainda c/ o reconhecimento da quase inevitabilidade do ajuste de contas (faltaram ou falharam condições, a começar pelo assassinato de Amílcar Cabral, para, pelo menos, tentar encontrar uma solução que frustrasse essa realidade que se adivinhava) e também comungo do sentimento de que o sucedido não me orgulha, não me satisfaz, pese embora entenda terem eles escolhido o lado errado da História e da vida do seu Povo.
Certamente pouco se pode fazer agora, mas é bom que não os esqueçamos.
Continua a escrever daí da Suécia.
Hélder Sousa
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