O nosso camarada José Belo, ex-Alf Mil que pertenceu a Os Maiorais da CCAÇ 2381 (1968/70), Buba, Quebo, Mampatá e Empada , retrata nesta estória a mentalidade dos Combatentes de Gabinete que não compreendiam como no mato o pessoal se sujava tanto e cheirava tão mal. Seria por não haver ar condicionado?
Usar bigode e barba era arrojado, porque o Comandante da Unidade tinha autoridade para consentir ou não o seu uso.
Como sempre, a estória chegou até nós por intermédio do Zé Teixeira (CV) (1).
O General que não gostava de bigodes,
por José belo
Tenho tentado redescobrir alguma da papelada que, mais de trinta anos atrás, escrevi sobre alguns detalhes da passagem pela Guiné. Aqui mando mais um testemunho do que por lá se chafurdou!
O Império caía de podre. Não eram os nossos camuflados tão sujos, enlameados e suados que cheiravam mal.
Certo Oficial-General do Estado Maior do Exército (EME) encontrava-se de visita à Guiné. Passeou-se de helicóptero por vários Comandos de Batalhões e, entre eles, o de Buba. Depois de almoço de ronco, o senhor General botou discurso. O tema eram os esforços dos que, como ele, nas repartições de Lisboa, tudo faziam e principalmente sacrificavam, para que a tropa do mato dispusesse das melhores condições para o desempenho das suas missões de guerra (sic).
Ouvem-se ruídos na parada do aquartelamento. Chegava a coluna de reabastecimentos de Aldeia Formosa, escoltada por uma Companhia de Atiradores. Não eram muitos os quilómetros que separavam Buba de Aldeia Formosa. Eram muitas as minas, fornilhos e emboscadas.
Demorava-se dois dias. Dois infernais dias! Mortos, feridos, viaturas destruídas, eram o preço dos géneros transportados. Comandava normalmente aquelas colunas, um Capitão de Artilharia, já na sua terceira Comissão de guerra e segunda no mato da Guiné. Era um Oficial destemido e cumpridor, que pelo seu exemplo, tinha para além da admiração e respeito, a amizade dos que serviam sob as suas ordens.
Como habitualmente, as forças da escolta formaram na parada. Cobertos de lama, rotos, esgotados, mas em impecável formatura militar. Era necessário saber-se comandar, para naquelas circunstâncias se obter aquele resultado.
Ao ver o General, que entretanto chegara à porta da Messe, situada em edifício alto com domínio sobre a parada, o Capitão fez as tropas formadas prestarem as honras devidas ao Oficial Superior.
Impecável manejo de armas.
Após a Companhia dispersar, o Capitão acompanhado pelos Alferes, dirigiu-se à Messe para merecida cerveja fresca. Quando já aí se encontrava, conversando com os oficiais do Batalhão que pretendiam saber notícias sobre as peripécias da coluna, o senhor General levantou-se da mesa, onde, a sós, conversava com o Comandante do Batalhão e dirigiu-se ao grupo dos recém-chegados. Olhando o Capitão com expressão fria e superior, em contraste com o ambiente de calor amigo que se fazia sentir à volta do grupo, disse em voz razoavelmente elevada:
- Oh homem, vocês estão bem porcos. E francamente, quanto ao seu bigode... olhe que não gosto nada dele!
Fez-se profundo silêncio. Ainda hoje me pergunto, que complexos, que frustrações, que poder de impotente, existiam em conflituosos choques dentro daquele homem, em tão inoportuna manifestação de hierárquica estupidez, considerando as circunstâncias.
O Capitão, poisando o copo de cerveja no balcão e colocando-se frontalmente, em rígida posição de sentido, disse:
- É óbvio que vossa excelência não gosta de bigodes pois, pelos vistos, não os usa! Quanto ao estarmos emporcalhados, saiba vossa excelência que por estes matos da Guiné aparece e passa muita lama!
Estávamos então, AINDA, em fins de 1969!
Este REAL Capitão (*) de Artilharia já faleceu, com o posto de Coronel.
São recordações como esta, que nos ajudam a dar as verdadeiras perspectivas do que por lá andámos a chafurdar!
Um grande abraço.
J. Belo
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Nota de J.Teixeira:
(*) Tratava-se do Capitão Rei, Comandante da CCAÇ 1792
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Nota do co-editor CV:
(1) Vd. post anterior Guiné 63/74 - P2041: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil CCAÇ 2381, 1968/70) (4): Aventuras de Maiorais
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Aquando da ida dos obuses 14 cm para Aldeia Formosa, como não podia deixar de ser integrei a coluna, Buba/Aldeia Formosa, comandada pelo Cap. Rei,comandante da Cª 1792, o de bigode. O Cap. Rei foi o militar mais organizado e mais valente que encontrei nos dois anos de "comissão", na Guiné, Fev67/Fev/69.
Lixaram-no.Não passou de coronel.
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